ENTRE
DOMINGOS JORGE VELHO E JOÃO FIGUEIREDO: a luta entre os conservadorismos no
governo Bolsonaro[1]
Christian Edward Cyril
Lynch[2]
1.
A trégua ou transição do
modelo fascista/reacionário de governo para o de um regime militar aguado,
proposto pelos generais e pelo centrão nos últimos dias para a sua
sobrevivência ("conservadorismo estatista"), não será aceito sem
resistência do bolsolavismo e do gabinete do ódio, que forma a sua ala radical
("conservadorismo culturalista").
2.
As duas alas são em tese
perfeitamente compatíveis, e sempre o estiveram em regimes conservadores na
história brasileira, como o "saquaremismo" do começo do reinado de
dom Pedro II, o Estado Novo e o Regime Militar. Mas a acomodação sempre supôs a
subordinação do "culturalismo" ao "estatismo". Tristão de
Ataíde não prevaleceu sobre Oliveira Vianna, nem Gustavo Corção sobre
Golbery...
3.
Mas nunca houve, como hoje,
um "culturalismo" tão reacionário e virulento, a ponto de ser
revolucionário. Ele tem dado o tom central do Bolsonarismo, com sua utopia
regressiva de volta ao século 17, pleiteando essa liberdade
"colonial" ou "bandeirante" marcada pela ausência de limites
sociais, pelo direito de mentir, de matar, de oprimir minorias, de depredar a
natureza, de negar conquistas do Iluminismo e até do humanismo renascentista.
Bolsonaro é simbolicamente um Domingos Jorge Velho no poder, ou seja, o
sertanista bandeirante cujas milícias foram contratadas pelos senhores de
engenho para arrasar Palmares. Com a diferença de que, na modernidade, eles se
apresentam com tintas integralistas, e por isso parecem fascistas.
4.
Esse conservadorismo
culturalista para quem a "liberdade americana" é o direito que o
patriarca branco, hétero, tem de fazer o que bem entender contra as minorias e
contra a regulação do Estado, choca-se com o conservadorismo estatista que
exige a ordenação do caos socioeconômico pela agência racionalizadora de um
Estado forte. O marquês do Pombal vem exatamente para acabar com o primado dos
Domingos Jorge Velhos, criar uma nacionalidade ordenada em meio a uma sociedade
percebida como anárquica torno do eixo do Estado. É um discurso que permeia o
que vem sendo veiculado pelo comandante Pujol e pelo vice Mourão.
5.
A pacificação do governo,
para os conservadores estatistas, passa por sua normalização, subordinando o
espírito bandeirante/integralista (culturalista) à tradição
imperial/estadonovista (estatista). Isso impõe transformar Bolsonaro numa
espécie de Figueiredo, em um governo de retórica autoritária, mas desmobilizada
em termos de população, ou despolitizado, em nome da "união
nacional".
6.
Mas o "coração"
do Bolsonarismo, porém, é o radicalismo culturalista, orientado pelo ideal
colonial bandeirante de liberdade como predação e destruição, baseado na
mobilização e na polarização permanente. O pessoal ligado ao Olavo sabe que a
tradição no Brasil tem sido essa, de subordinação do culturalismo ao estatismo,
e por isso não está disposta a entregar a rapadura tão facilmente dessa vez.
Então nenhuma acomodação será possível, nos termos no passado.
Concluindo,
a chance de que a corda acabe rompendo não é nada desprezível. E isso pode
pesar em um eventual futuro abandono de Bolsonaro pelos militares, como um
fardo demasiado grande para carregar. Afinal, o vice é o general Mourão. Por
isso, os culturalistas elevam sempre os custos de ruptura, e atacam os generais
com o populismo de que não dispunham nas outras ocasiões.
Christian Edward Cyril
Lynch[2]
2.
As duas alas são em tese
perfeitamente compatíveis, e sempre o estiveram em regimes conservadores na
história brasileira, como o "saquaremismo" do começo do reinado de
dom Pedro II, o Estado Novo e o Regime Militar. Mas a acomodação sempre supôs a
subordinação do "culturalismo" ao "estatismo". Tristão de
Ataíde não prevaleceu sobre Oliveira Vianna, nem Gustavo Corção sobre
Golbery...
4.
Esse conservadorismo
culturalista para quem a "liberdade americana" é o direito que o
patriarca branco, hétero, tem de fazer o que bem entender contra as minorias e
contra a regulação do Estado, choca-se com o conservadorismo estatista que
exige a ordenação do caos socioeconômico pela agência racionalizadora de um
Estado forte. O marquês do Pombal vem exatamente para acabar com o primado dos
Domingos Jorge Velhos, criar uma nacionalidade ordenada em meio a uma sociedade
percebida como anárquica torno do eixo do Estado. É um discurso que permeia o
que vem sendo veiculado pelo comandante Pujol e pelo vice Mourão.
6.
Mas o "coração"
do Bolsonarismo, porém, é o radicalismo culturalista, orientado pelo ideal
colonial bandeirante de liberdade como predação e destruição, baseado na
mobilização e na polarização permanente. O pessoal ligado ao Olavo sabe que a
tradição no Brasil tem sido essa, de subordinação do culturalismo ao estatismo,
e por isso não está disposta a entregar a rapadura tão facilmente dessa vez.
Então nenhuma acomodação será possível, nos termos no passado.
[1]
Texto republicado com autorização do autor. Post originalmente publicado em: https://www.facebook.com/christian.lynch.5/posts/10219651084480032
[2] Professor da grande área de
Ciência Política no IESP/UERJ. É autor de “Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia”
publicado pela editora da UFMG, “Wanderley Guilherme dos Santos: a imaginação
política brasileira - cinco ensaios de história intelectual” publicado pela Revan, dentre outras obras,
coletâneas e inúmeros artigos nos campos do Pensamento Político Brasileiro,
Teoria Política e História das Ideias Políticas.
[2] Professor da grande área de Ciência Política no IESP/UERJ. É autor de “Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia” publicado pela editora da UFMG, “Wanderley Guilherme dos Santos: a imaginação política brasileira - cinco ensaios de história intelectual” publicado pela Revan, dentre outras obras, coletâneas e inúmeros artigos nos campos do Pensamento Político Brasileiro, Teoria Política e História das Ideias Políticas.
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