Cultura de Estupro *
George
Gomes Coutinho **
Durante a semana o Datafolha,
instituto privado de pesquisas, trouxe para a opinião pública dados feitos sob
encomenda do Fórum Brasileiro de Segurança Pública acerca da percepção dos
brasileiros sobre uma questão abjeta: o estupro. A repercussão foi imediata em
diversas mídias, ainda mais pelo resultado alcançado no que tange a questão de
se a vestimenta da mulher seria uma motivação legítima para a violência sexual.
No universo de 3.625 entrevistados, 30%, dentre homens e mulheres, disseram
sim. A vestimenta de uma mulher é justificativa para que seu corpo seja
violado. Que a vítima não reclame. A partir daí a sociedade viu o reflexo do
monstro que ela própria alimenta na divulgação da pesquisa.
Esta resposta certamente não
surpreende em uma sociedade hipererotizada. Mas, apavora qualquer um que deseje
um marco civilizatório onde impere a igualdade civil, política e social a
despeito de gênero. Ou seja, dentro do estereótipo do crime sexual, usualmente
onde a imaginação social projeta o cenário de uma mulher no espaço público
solitária ou não, o tipo de roupa que se usa é um convite. Portanto, a
perspectiva de que as mulheres são donas de seu próprio corpo é ignorada em
dois aspectos: a) ela não deve utilizar a roupa que julgar melhor para si. A
moral não permite a priori; b) se utilizar, dado que não deve haver
transgressão sem punição, que não reclame se sofre assédio, abuso ou
simplesmente o estupro em si.
Quando utilizamos o termo
“cultura” estamos nos referindo a um conjunto de elementos simbólicos,
expressos materialmente ou não, que articulados conferem identidade a
indivíduos, grupos, práticas, etc.. Legitimam ações e instituições. Neste
sentido, se não há uma cultura de estupro legítimo entre nós, realmente não sei
o que mais os números supracitados poderiam nos informar. Afirmo isto a
despeito dos outros 70% que discordam da vestimenta ser um pretexto para
violência sexual. Minha preocupação é com os 30% que irão reproduzir a
barbárie.
Só restou uma luz tênue no final
do túnel. Dentre indivíduos com diploma universitário, a justificativa da
vestimenta para o crime sexual cai para 16%. Ou seja, a educação formal pode
amenizar as coisas. Contudo, só pelos 16% persistentes, já sabemos que não fará
milagres.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 24 de setembro de 2016
** Professor de Sociologia no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes