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terça-feira, 29 de março de 2022

MANA CHICA GOYTACÁ - Por mais Cabruncas e menos lamparões - Carolina de Cássia

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MANA CHICA GOYTACÁ - Por mais Cabruncas e menos lamparões ** 

Carolina de Cássia*** 

A estreia do curta “Faroeste Cabrunco” e do doc. que revela o seu processo de construção  foi sensacional. 

Na verdade não sei se existiu uma produção ficcional no município – caso a pesquisar. Dia desses, comentei com um ator dos velhos tempos que eu adoraria fazer um filme de ficção, baseado no livro Mangue, de Osório Peixoto. Para minha surpresa ele disse que esse filme foi realizado e nunca editado, que ele chegou a fazer parte como ator. Ahn? Mistérios ou falta de apoio para que o filme fosse finalizado?

Voltando ao Faroeste! O coronelismo que marca os campos Goytacá e todo território mundial, que fomenta a colonização até os dias de hoje, é um fato. Trazer essa realidade para a ficção é uma sabedoria invejável (a inveja fica por conta de meu lugar de documentarista). 

Considero o filme como uma sátira que nos convoca a refletir quem são os coronéis contemporâneos.  Além daqueles que continuam a mamar nos fundecanas do Estado existe os que, historicamente, cortam nossas árvores, retiram gramados para colocar um piso de granito encerado, onde a guerra pela sobrevivência se dá, para que ali não seja nosso túmulo como espetáculo.

Os personagens que pareceriam absurdos fora do filme, o fazem acontecer, num movimento de corpo invisível que provoca a imaginação no jogo realidade/ficção, que tudo vê no olhar profundo do Cabrunco.

Victor Van Ralse (diretor e roteirista) dá um show de criatividade no roteiro; aguça nossa memória de infância nas sessões da tarde, relembra o jongo (pisei na pedra pedra balanceou levanta meu povo cativeiro se acabou) e revela a realidade coronelista, colonizadora, expropriadora, mas sem esquecer a resistência Goytacá e negra que nos marca. Na guerra entre o bem e o mal, mocinho e bandido a luta é a vencedora, parece que não acaba nunca.

É um filme de resistência e utopia quando encerra com o presente que a mulher do povo - atriz Michelle Pereira – recebe do Cabrunco.  Hum, mas vai que, as luzes acendem e o lamparão coronelzinho tá ali, tá ali no palco do teatro e da vida, nos provocando a “pocar tudo” e persistir. 

Persistência é o que não falta para a maioria dos artistas. Fazer um filme dessa grandeza com um orçamento que parece mais piada é sofrível. Um conjunto maravilhoso de artistas - uns que atuam desde os anos 60, outros recém-formados no curso de teatro do IFF - faz o filme acontecer como um ativismo pela arte. 



Mas até quando a sobrevivência dos artistas terá que passar por isso, desde atuar sem cachê ou cachê irrisório/ diárias - como o nome diz, dia tem não e o outro também - até assistir seu trabalho ser utilizado no palco como propaganda eleitoreira de coronéis fantasiados de produtores /gestores culturais? Até quando?

Não sou bairrista e a guerra anda reafirmando isso, mas na terrinha do chuvisco e da goiabada existiu e existe muito artista com conhecimento grandioso, mas raramente reconhecido. Raros são os que vivem da arte sem recorrer ao emprego público. O que deveria ser diferente, óbvio. A autonomia artística e o financiamento do trabalho artístico pelo Estado é o mínimo que podemos reivindicar.

Torcendo pelo sucesso/premiação do filme, de forma que possam receber mais do que um prato de torresmo com chope, como diz um amigo meu do ramo, que nem imagina como e quando irá se aposentar.

Ah, o filme conta com fotografia maravilhosa, interpretação excelente das atrizes/atores. Fico imaginando a trabalheira da produção no processo. Muito feliz com o trabalho de vocês. 

A Mana Chica deseja que entre na agenda das escolas e do teatro apresentações diárias do filme para a meninada. Aí sim, Vamos “pocar tudo” só que, contra os coronéis!

Que venham muitos!

                                                                            Outono de 2022.

* As fotos do set de filmagem que ilustram esta crítica nos foram cedidas gentilmente por Victor Van Ralse, diretor e criador de Faroeste Cabrunco.

** Texto publicado no perfil do Facebook da autora ((https://www.facebook.com/ccarolina.cassia.92) oportunamente em 28 de março de 2022, aniversário de Campos dos Goytacazes. Reproduzimos aqui com a autorização de Carolina.

*** Assistente Social e Documentarista. Realizou 14 filmes, sendo 12 documentários que revelam a realidade do Norte Fluminense e alguns estados do Nordeste. Seus filmes trazem um olhar anticolonialista valorizando a sabedoria popular, a criticidade e a resistência cotidiana. E-mail para contato: carolinadecassia07@yahoo.com.br. Seus filmes podem ser degustados em seu canal no YouTube: https://www.youtube.com/c/CarolinadeC%C3%A1ssia.

                                                                       

sexta-feira, 16 de novembro de 2018

Bienal do Livro em Campos: território livre


Bienal do Livro em Campos: território livre

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Li de ponta a ponta a programação da 10ª Bienal do Livro em Campos dos Goytacazes[1]. Posso dizer sem medo de errar que está um primor. Sua curadoria foi muito feliz na eleição dos temas a serem abordados entre os dias 20 e 25 de novembro, confirmando a Bienal como um espaço aberto e plural: diferentes pessoas, com ou sem familiaridade com os códigos da cultura erudita, terão a oportunidade de se deixarem afetar pelo mundo da literatura, renovando suas perspectivas sobre a realidade brasileira e elevando suas exigências diante da mesma.

O fomento à leitura é bem-vindo, haja vista a aridez na qual o brasileiro médio cultiva sua subjetividade e, quiçá, um tanto urgente diante da epidemia de "terra-planismo" que assola uma população cuja vontade coletiva é suscetível a toda sorte de mistificação de fundo reacionário.

Em que terreno pisamos aqui? Alguns dados da mais recente pesquisa "Retratos da leitura no Brasil"[2] ajudam a nos situar. Na metodologia empregada, definiu-se "leitor" como aquele que leu, integral ou parcialmente, pelo menos um livro nos três meses anteriores à pesquisa e "não-leitor" quem declarou não ter lido nenhum livro nos três meses anteriores à pesquisa, ainda que tenha lido nos últimos 12 meses. Tendo por base tais categorias de análise, os resultados indicam que 44% da população podem ser considerados "não-leitores", equivalendo a mais de 80 milhões de brasileiros(as).

Embora a região Sudeste tenha o menor percentual de população não-leitora (39%), não há por que subestimarmos os desafios postos à difusão da leitura em terras fluminenses. Provavelmente, o mais árduo deles seja trazer para a argumentação racional uma extrema-direita local que, sob a égide do bolsonarismo, apregoa a censura às artes e à docência. Ora, se a referida pesquisa sinaliza que quanto maior é o nível de escolaridade, mais recorrente é a menção a "atualização cultural ou conhecimento geral" como motivações para ler um livro, é provável que a campanha, em si patética, de boicote à Bienal do Livro não seja de todo fruto de ignorância, senão de sua exploração sistemática para fins moralmente duvidosos.

Por que precisaríamos da tutela de alguém para acessar um livro ou qualquer outro bem cultural? Ainda que não devamos ser inconsequentes ao dizer "sim" às nossas volições enquanto trabalhadores da cultura - algo que um comunicador como Silvio Santos, por exemplo, não se importa ao assediar sexualmente uma cantora em rede nacional[3] - seria um verdadeiro desserviço cercear iniciativas como a Bienal do Livro. Fazê-lo vai de encontro ao debate sobre o que sejam fronteiras legítimas entre arte, estética e moral, pois mataria no nascedouro aquilo que confere vitalidade à esfera pública: o pluralismo político.

Sintoma dessa interdição do pensamento é a nota de repúdio de um vereador campista a um dos convidados para a Bienal deste ano:


"Não estou fazendo nenhum julgamento dele, mas questiono a sua vinda à nossa cidade..."[4]. Desafio alguém a encontrar algum nexo lógico no posicionamento de Marcelo Perfil. Um lembrete ao vereador e àqueles que o têm "cobrado nas redes sociais": Wagner Schwartz é um homem livre para dialogar conosco sobre notícias falsas ou quaisquer outros assuntos de interesse público e a alusão que fazem ao seu trabalho artístico no Museu de Arte Moderna (MAM) prova apenas a fragilidade de argumentos moralistas.

Sim, Wagner Schwartz ficou nu no MAM. E daí? Ao contrário do que sugere a nota acima, a performance de Schwartz foi completamente distorcida com a repercussão dada a mesma por parlamentares e lideranças religiosas (cada vez mais indistinguíveis entre si nas casas legislativas deste país) cujos ativos políticos são capitalizados pelo chauvinismo de classe média


Wagner Schwartz em "La Bête".

Contextualizemos: em setembro de 2017, Wagner Schwartz ofertou ao público a performance La Bête ("O Bicho") como um exercício de intertextualidade com a obra de Lygia Clark, uma das mais consagradas artistas brasileiras. Aliás, não foi a primeira vez que atuou em "La Bête": desde 2005, apresentava-a no Brasil e na Europa e, em todas as ocasiões, a plateia se tornava co-partícipe ao manipular seu corpo nu como se fosse uma das figuras geométricas dobradiças da pintora e escultora mineira[5]

A circulação de um fragmento daquela performance - um vídeo que expõe uma criança, acompanhada de sua mãe, tocando o tornozelo de Schwartz - foi o estopim para acusá-lo de "pedófilo", impondo-lhe desde então severos constrangimentos (inclusive, ameaças de morte) devido a uma calúnia que ganhou ares de verdade com a atuação hiperativa dos haters com suas milícias virtuais. 

Afinal de contas, por que tanto pavor-pânico? O corpo humano é um elemento tangível que adquire plasticidade conforme os significados que possamos lhe atribuir no domínio das artes. Tive o prazer de assistir ao monólogo "Alma imoral", interpretado magistralmente por Clarice Niskier, que se inicia com um belo nu frontal e, também, poderia citar uma cena hilária do não menos inesquecível "Capitão Fantástico", filme que assume contornos metalinguísticos quando a personagem "Ben" indaga a um casal de velhinhos (e aos milhões de espectadores de Hollywood) o porquê do espanto ao vê-lo despido ("just a penis... every man has one"). 

Haveria outros tantos exemplos no teatro e no cinema que me fogem agora à lembrança. Fiquem à vontade para elencá-los. Diante desse leque de possibilidades, é tão difícil assim entender que a nudez possa ser objeto de fruição estética sem necessariamente se confundir com indução ao ato sexual? Noutros temos, Wagner Schwartz terá de ser censurado previamente em tributo à mediana mediocridade de alguns dos meus conterrâneos? 

Talvez essa histeria detonada por uma performance no MAM que, pasme, reverbera em nossa Bienal do Livro, evidencie o quão indispostos estamos diante da crise da identidade masculina. Um corpo masculino cuja nudez seja entregue em plena passividade à experimentação artística torna-se inadmissível dentro um imaginário social que compromete a todo tempo homens com um ideal de virilidade casta. Não surpreende, pois, que um homem de pau mole dentro de um museu assuste mais que a dengue...

Observemos de perto esta possível instrumentalização de pânicos morais por parte da extrema-direita no desenrolar da Bienal do Livro sem, contudo, deixar de saborear a agenda pública que a sua programação nos convida a participar: relações étnico-raciais, feminismo, legalização das drogas, a questão LGBT, laicidade do Estado, violência urbana, fake news entre outros. 

Que a literatura seja o nosso escudo e a nossa pátria comum. 

#euvouàbienal

[4] https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1852994351462681&set=a.285601264868672&type=3&theater
[5] https://brasil.elpais.com/brasil/2018/02/12/opinion/1518444964_080093.html  

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Produção de Cinema na Planície Goytacá Parte II

Neste post reproduzo entrevista que concedi, agora quase em sua integralidade, publicada na Folha da Manhã ontem, dia 02 de novembro de 2015. 

A entrevista para Paula Vigneron ganhou ares de "ensaio"... Dado que não sou um especialista no tema, fiz uma abordagem "aproximativa" sobre a relação existente entre cinema e sociedade, produção cultural e especialmente a difusão da produção cinematográfica em Campos dos Goytacazes.

Cinema em Campos ainda é artesanal

Paula Vigneron
Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense (UFF), o sociólogo George Coutinho fez uma análise sobre a realidade da produção cinematográfica em Campos nesses últimos anos. Para ele, é necessário que haja profissionalização e participação não somente do poder público, mas também da iniciativa privada. Coutinho destacou também o papel dos cineclubes, como o Cineclube Goitacá e o da Associação de Imprensa Campista (AIC), como fundamentais para a formação de público informado e crítico.
Folha da Manhã – Enquanto sociólogo, qual é a sua opinião sobre o cinema na formação dos grupos sociais? Há relação entre as duas coisas?
George Coutinho – Há uma clara relação entre os grupos sociais, os valores simbólicos em circulação em uma dada sociedade e sua produção “espiritual”. Por espiritual, me refiro aos elementos não materiais fundamentais para compreendermos um dado momento histórico e seu patamar civilizatório. Este terreno imaterial é justamente o espaço da arte. O cinema, como outras formas de expressão artística, mantém uma relação contraditória com a sociedade concreta: tanto reproduz quanto critica o status quo. Ainda, neste caminho, tanto reforça determinados padrões comportamentais e valores quanto incentiva a desconstrução dos parâmetros vigentes. Da mesma forma, o cinema, tal como a literatura ou as artes plásticas e a música, coleta na sociedade, em suas diversas expressões e embates, a matéria prima para a sua produção estética. Ou seja, tanto a sociedade e seus agentes coletivos e individuais utilizam do cinema para elaborarem suas interpretações quanto as artes em geral, e o cinema em particular, “interpretam” esta mesma sociedade a partir de seus critérios próprios. Por razões bastante óbvias, as artes traduzem os elementos concretos e simbólicos da sociedade em uma linguagem estética.
Quanto ao papel do cinema, em termos concretos, há uma dubiedade inerente por tudo o que eu disse. O cinema, expressão artística radicalmente moderna, é utilizado para legitimar a barbárie, a sociedade de consumo ou até mesmo padrões comportamentais patológicos e grupos sociais predatórios. Este rol temático usualmente, embora não seja uma regra rígida, aparece com bastante freqüência nos chamados “blockbusters”, os filmes de grande bilheteria focados em uma tônica de entretenimento pouco reflexivo.
Na outra banda, há uma produção humanista, crítica, dotada de um sopro reflexivo poderoso que justamente, em caminho oposto do reforço do status quo, nos leva a um processo de desnaturalização das relações sociais e nos tira de uma rotina massacrante e “dopada” moralmente para nos estranharmos conosco e com nosso entorno.
Por isso, eu digo que o cinema desempenha papéis. Papéis estes que são aceitos e determinados pelos grupos produtores de cinema, dos técnicos aos diretores, e pelo espectador que seleciona para assistir o que lhe é mais atraente a partir de seu conjunto de crenças e valores.

Folha – Como você enxerga as produções cinematográficas em Campos? Se levarmos em conta o tamanho da cidade e o número de habitantes, há produção suficiente?
George – A produção de cinema em Campos é fomentada por uma produção ainda bastante artesanal e concentrada na modalidade de curtas-metragens. O que acompanho é a confecção de documentários que são, sim, importantes, sobre questões históricas locais ou dramas sociais conjunturais.
O que devemos compreender é que há um avanço tecnológico importante que auxilia a reduzir custos deste tipo de produção aliada a uma prática militante, seja no experimentalismo estético ou especificamente no realismo dos documentários, que torna esta ainda diminuta e nada irrelevante aventura cinematográfica local possível.
Inclusive o termo “militante” é absolutamente pertinente aqui. Sem algum tipo de fé dos empreendedores deste tipo de ação, muito provavelmente nem documentários artesanais teríamos.
Pensando especificamente na produção cinematográfica em termos quantitativos, devemos compreender que ainda falamos de um salto numérico importante só muito recentemente no Brasil. Relatórios específicos sobre o cinema produzido entre nós indicam que há uma profunda concentração regional, existindo polos regionais, notadamente Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Pernambuco. Ou seja, pensando nas dimensões continentais de nosso país, certamente ainda é insuficiente. Isto implica outro dado: a captação de recursos financeiros, que permitem a realização deste tipo de empreitada, é igualmente desigual. Há produtoras que “acumulam” recursos de forma hábil e nem sempre utilizando de métodos republicanos na captação.
Diante de tudo isso, Campos poderia ter uma produção mais pujante, porém lida tanto com entraves locais quanto seus produtores enfrentam as desigualdades perversas de um mercado nacional pouco democrático. O que posso dizer é que ainda assim considero um milagre a diminuta produção local que, a partir do esforço pessoal de seus realizadores, por vezes, participa do circuito de mostras nacionais de cinema, mesmo que sejam as mostras mais “underground” e voltadas para o cinema não comercial.

Folha – Em relação à cultura como um todo, acredita que haja investimento e apoio que satisfaçam e incentivem os produtores locais?
George – A produção de cultura em Campos em geral, neste sentido podemos falar para além do cinema, também envolve o sacrifício pessoal de seus produtores. Publicação de livros, sejam os mais “canônicos” e voltados para o público acadêmico, seja no âmbito da ficção ou até mesmo formas literárias como a poesia e as crônicas, contam muitas vezes com o autofinanciamento de seus autores. Quando não é assim, e neste caso os intelectuais organicamente pertencentes ao ensino superior sabem, obtém financiamento das agências usuais como a Faperj – Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, ou arriscam submeterem seus originais para as editoras das instituições públicas de ensino. Os autores vinculados a outras formas de produção contam com fomento do poder local de poucos editais, estes por vezes insuficientemente claros e raríssimos, quando existem!
O que é preciso compreender é que o incentivo para gerar uma produção cultural rica e pujante necessita de recursos e precisa se tornar uma rotina, algo que a sociedade civil local é incapaz de sustentar, mesmo com iniciativas heróicas como o Festival Doces Palavras e os cineclubes existentes nas universidades e os fomentados pela Associação de Imprensa Campista ou o Cineclube Goitacá. Estes espaços tornam possível a circulação de produções de origem diversa, formam um “público” informado, algo certamente fundamental para qualquer uma das expressões artísticas que conhecemos, mas é preciso ações sistemáticas. Não incluo somente a prefeitura dentre os responsáveis pela implementação de um cenário mais frutífero. A iniciativa privada precisa igualmente ser mobilizada, assim como os agentes produtores locais precisam de capacitação para participarem de editais como os fornecidos pelo Ministério da Cultura. Afinal, não obstante todo o romantismo do ímpeto impulsivo criador que ronda a produção artística, a Sturm und Drang (tempeste de ímpeto) como diriam os alemães, necessita de profissionalização se não estamos falando dos raros gênios incontestáveis.
Sem este conjunto de ações, aliada a uma formulação séria e rigorosa de política cultural, continuaremos a perder gerações futuras que poderiam ser não somente consumidores passivos de produtos culturais, mas, certamente, poderiam ser produtores e contribuir com o mercado local e nacional.

Folha – Se pudesse sugerir melhorias para a área do cinema campista, o que sugeriria? E o que você acha que precisa ser mantido?
George – Primeiramente, considero que já foi mais árido o cenário. Campos, durante anos consecutivos, viveu a “privatização do consumo de cinema” no momento em que suas salas de exibição fecharam. A apreciação da produção cinematográfica encerrou-se nos lares, sendo um programa privado das famílias que recorriam as hoje quase extintas locadoras de vídeo ou ao que era ofertado pelos canais de TV. Hoje temos maior oferta de cinema em espaços coletivos, embora que notadamente a produção escoada seja mais dos blockbusters, de maior saída comercial.
No âmbito da formação de um público informado e crítico, temos os cineclubes locais. Estes cumprem uma função diversa das salas de cinema comercial ao darem visibilidade a uma produção alternativa, muitas vezes mais ousada e reflexiva que a produção comercial. Porém, por suas características, atendem a um público de menor monta que as salas de cinema convencionais, mas não são menos importantes. Pelo contrário: por darem vazão à transgressão estética, auxiliam a formar um público que irá fomentar os circuitos alternativos e experimentais de cinema. Parte deste público, inclusive, costuma migrar da condição de espectador/consumidor para se tornar parte ativa de produção, algo fundamental para a sobrevivência do cinema enquanto expressão autônoma de uma dada sociedade.
Também no fomento, vimos nos últimos anos cursos de curta duração sendo ofertados, algo que auxilia na profissionalização dos aspirantes a cineasta. Há mostras de cinema, sejam de iniciativa de instituições privadas ou públicas, que igualmente são espaços de difusão desta arte.
Mas, para além de formar profissionais, uma tarefa das instituições de ensino, termos um público informado, tarefa desempenhada por nossos cineclubes, é preciso de recursos sistematicamente disponibilizados para tornar uma produção local sustentável. Sejam editais dotados de periodicidade, rubricas orçamentárias destinadas para esta finalidade previstas etc. Afinal, não desprezando o lema “uma câmera na mão, um idéia na cabeça”, é preciso prover recursos que viabilizem e incentivem a produção artística. Estes não podem ter uma aparição episódica. Afinal, produtores e realizadores de cinema não comem e sustentam suas famílias de forma episódica.
02/11/2015 11:48

Disponível em: http://www.fmanha.com.br/cultura-lazer/cinema-em-campos-ainda-e-artesanal, acesso em 03 de novembro de 2015 Publicado em versão impressa no suplemento cultural "Folha Dois" do Jornal "A Folha da Manhã" de Campos dos Goytacazes em 02 de novembro de 2015.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Produção de cinema na Planície Goytacá Parte I

Na semana passada fui procurado por uma jornalista da Folha Manhã, jornal de circulação no Norte/Noroeste do Estado do Rio, para falar um pouco sobre a produção de cinema em Campos dos Goytacazes, a relação entre cinema e sociedade, etc..
Esta entrevista, feita de forma respeitosa e competente pela jornalista Paula Vigneron, manteve dois links com a "Folha Dois", suplemento cultural do jornal.
O primeiro "produto" foi uma matéria, onde também participaram cineastas locais como Alexandro Florentino e Carlos Alberto Bisogno, que faz um "diagnóstico" do cenário local para a cinematografia. Esta matéria "síntese" foi publicada na Folha de ontem e aqui neste post reproduzo em sua íntegra.
Resultou em um interessante e preocupante balanço sobre a produção cultural em uma cidade onde ainda há muito o que se construir.... Há algo de embrionário... Porém, este embrião, para se tornar maduro, precisa do apoio decisivo do poder público e dos agentes privados locais.

Eis a matéria:


Cinema campista: sem apoio, sofre falta de identidade


Paula Vigneron

Campos poderia ter uma produção (audiovisual) mais pujante, porém lida tanto com entraves locais quanto seus produtores enfrentam as desigualdades perversas de um mercado nacional pouco democrático”, declarou o sociólogo e professor George Coutinho. Para ele, a ausência de recursos públicos e privados destinados à produção cinematográfica no município prejudica o desenvolvimento e o crescimento da área. A opinião do professor é partilhada por produtores campistas, que lamentam as dificuldades geradas pela falta de investimentos e apoios.
Atualmente, no Brasil, são produzidos, em média, 100 longas-metragens por ano, número inferior a produções dos Estados Unidos e do continente europeu. Os dados foram apresentados pelo cineasta e jornalista Alexandro Florentino. A realidade local, no entanto, não pode ser determinada por números.
— Em Campos, não dá pra se fazer uma afirmação com muita convicção, pois não há um trabalho que mapeie e identifique se há ou não produção cinematográfica na cidade. A produção existe, mas é feita de forma completamente independente, ou seja, sem vínculo com qualquer incentivo ou iniciativa dos setores públicos da cidade e muito menos da iniciativa privada — afirmou.
Diretor de documentários — como “Cambaíba” — e curtas-metragens de ficção, Alexandro explicou que seus trabalhos possuem conceito e postura bem definidos.
— Na minha perspectiva, a linguagem audiovisual, neste caso aplicada à realização de filmes, sejam de ficção ou documentário, proporciona-me uma forma de expressar e me relacionar com o mundo social que me rodeia. Deste modo, os filmes acabam tendo um teor ideológico muito forte, pois eles refletem as relações que eu estabeleço com as outras pessoas e também expressão minhas indignações, frustrações a respeito dos acontecimentos cotidianos — contou o cineasta, que destaca os filmes “Artífices: memórias do ensino técnico” e “Ignorados” como os únicos que receberam apoio do Instituto Federal Fluminense (IFF) e da Universidade Federal Fluminense (UFF), respectivamente.
Para divulgar suas produções, Alexandro os envia para festivais e costuma postá-los em sites especializados. A intenção do jornalista é que haja diálogo e debate acerca de seu trabalho, que não podem ser atrapalhados pela comercialização, tida para ele como “um entrave, principalmente se formos levar em consideração que a maioria da população do nosso país não tem condições de pagar o preço que se cobra pelas salas de cinema para se ver um filme”.
— Se eu não fizer assim, não consigo fazer filme algum, principalmente se for esperando alguma contrapartida do município. Pois não há mecanismos pra se ter acesso a recursos, a não ser que você conheça alguém e vá pedir um apoio ou outro, mas, além de isso ser humilhante, no meu ponto de vista, é imoral. Pois devem existir meios pelos quais todos que produzem possam concorrer e ter as mesmas chances de conseguir recursos pra realizar sua obra, mas não há um mísero edital se quer destinando recursos pra produção audiovisual no município. Ai, o que se tem é um ou outro produzindo, heroicamente, um filme ou outro de tempos em tempo — criticou.
Para ele, é importante que as produções audiovisuais sejam vistas como “ferramenta prática de se lançar livres olhares, de ser livre e experimentar o mundo”. Por meio delas, segundo Alexandro, é possível desmistificar estereótipos que limitam o pensamento humano e a comunicação.
— A partir desta compreensão, é necessário elaborar ferramentas eficientes para que se possa incentivar e proporcionar, de fato, a realização cinematográfica no município. E isso vai de capacitar os professores para que possam cumprir, adequadamente, a Lei nº 13.006, de junho de 2014, que realizar editais com destinação de recursos para a produção de filmes na cidade — afirmou.
O diretor Carlos Alberto Bisogno — que lançará no próximo dia 6, no Sesi-Guarus, o curta “Ondas” e tem no currículo nove trabalhos — também lamentou a falta de investimentos na área de produção cinematográfica em Campos. Para ele, há somente o cinema comercial, a proposta de cineclubes “abertos para a divulgação do grande cinema” e a atuação do Sesi, “grande motor da divulgação da cultura regional”.
— A tão sonhada Escola de Cinema nunca veio, o motor econômico de um Polo Regional de Cinema nunca foi implementado ou mesmo levado a sério. Em 2011 fui convidado pelo então vereador Rogério Matoso e a apresentar o Projeto do Polo de Cinema numa Audiência Pública na Câmara de Vereadores de Campos, mas a ideia não ecoou, e definhando, parece ter morrido em definitivo — contou.
A Prefeitura de Campos, por meio de nota, declarou que “desenvolve nas comunidades carentes e quilombolas o projeto “Cine Zumbi”, com exibição de filmes nacionais e educativos. A municipalidade estuda a criação de um Cine Teatro. Por isso, a presidente da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima, Patrícia Cordeiro, esteve com representantes da Agência Nacional de Cinema (Ancine), no final de 2014, para a construção de um anexo ao Teatro Trianon”.
Escola de Cinema ficou perdida
Nos anos 90, com a construção da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf), surgiu a oportunidade da construção da Escola Brasileira de Cinema e Televisão (EBCTV) no polo. De acordo com o Plano Orientador da universidade, a escola seria “integrada à Faculdade de Educação e Comunicação da Uenf”, que funcionaria no Solar do Colégio dos Jesuítas, onde, atualmente, funciona o Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho. A ideia, no entanto, não foi concretizada.
— No final dos anos 2000, tentativas de formação de um consórcio entre UFF, IFF e a própria Uenf, para tornar o projeto concreto, também não foram adiante, inclusive por dificuldades orçamentárias e congêneres. Uma escola de cinema seria um passo importante na profissionalização da produção cinematográfica local, sem dúvida — assegurou o sociólogo George Coutinho.
O professor, no entanto, ressaltou que, além da formação de profissionais e de público, por meio dos cineclubes, é necessário que sejam sistematicamente disponibilizados recursos, com editais periódicos ou rubricas orçamentárias, que tornem sustentável a produção de Campos. “Afinal, produtores e realizadores de cinema não comem e sustentam suas famílias de forma episódica”, pontuou.
O cineasta Alexandro Florentino destacou a cidade de Recife, no estado de Pernambuco, como um polo de cinema consolidada a partir de ideia semelhante à da EBCTV.
— O que ocorre lá não é fruto do acaso, mas sim de um processo semelhante do que se almejou pra Uenf e, consequentemente, para Campos. O Norte e Noroeste Fluminense só teriam a ganhar, pois, além de instalar um polo de produção criativa na região, incentivaria o desenvolvimento de diversos setores da sociedade, e podemos mencionar alguns exemplos: o fato de a produção cinematográfica movimentar a economia onde ela se realiza, pois se utiliza dos serviços alimentícios locais, hospedagens, papelarias, confecções de figurinos, cenários, mão de obra necessária na composição de uma equipe, como eletricistas, costureiras, especialistas em equipamentos de segurança, entre tantos outros e, também, o turismo — opinou.
“Tem tempo que não vou ao cinema. Tive um filho há pouco tempo. Mas gosto de cinema. Em relação aos filmes, não tenho costume de assistir aos brasileiros e não acompanho as produções de Campos, por não ter tempo e conhecimento. Acho que não é muito noticiado.”
Suelen de Souza Gomes, gerente bancária, 29 anos
“Costumo ir ao cinema. Acho bons os filmes que chegam aqui. É importante porque cinema é cultura, e a cidade cresce com isso. Não assisto às produções campistas por não ser divulgado. A cidade tem que produzir porque é desenvolvimento.”
Rafael Ângelo Rangel, auxiliar de escritório, 29 anos
“Eu vou ao cinema, geralmente, duas vezes ao mês. É muito importante para a cidade por ser forma de cultura. Não conheço as produções de Campos. Falta divulgação para tentar mostrar um pouco o que a cidade tem, para mostrar que podemos fazer algo importante.”
Matheus Leal Monteiro, auxiliar financeiro, 19 anos
“Gosto da programação do cinema, principalmente dos lançamentos nacionais, que estão melhores e são cada vez mais divulgados. Em relação ao cinema em Campos, não acompanho por falta de divulgação. Temos que ter a produção para que seja mostrada.”
Douglas da Silva Barcelos, técnico em logística, 24 anos
“O cinema enriquece a cultura da cidade. Eu não conheço as produções de Campos porque faltam informação e divulgação. Temos que ter essas produções, pois equivale ao enriquecimento da cultura com informações sobre a nossa cidade. Tem que ter, mas deve haver divulgação.”
Guilherme Araújo, bancário, 31 anos
“Gosto de assistir a filmes no cinema, mas não vou muito ao cinema. Não acostumo ver os filmes produzidos em Campos, mas temos que ter porque precisamos mostrar que Campos tem talento e diversão e sabe fazer cinema e que não precisa vir só de fora.”
Scheila Alves, 37 anos, auxiliar de cabeleireiro

Disponível em: http://www.fmanha.com.br/cultura-lazer/cinema-campista-sem-apoio-sofre-falta-de-identidade (acesso em 02 de novembro de 2015. Matéria publicada na versão impressa da Folha da Manhã em primeiro de novembro de 2015).