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terça-feira, 23 de abril de 2024

A inútil adulação ao mercado

 

Fonte: PalSand/Shutterstock, 2022, Copyright (c)

Renato Nucci Júnior*

    Entre os dias 14 e 19 de março, a Genial/Quaest fez uma nova rodada da pesquisa “O que pensa o mercado financeiro: o governo Lula”[i]. Foram entrevistados 101 operadores do mercado financeiro ligados a 101 fundos de investimentos com sedes em Rio de Janeiro e São Paulo.

    Para 96% dos pesquisados, Lula é pouco ou nada confiável. Já Roberto Campos Neto, o presidente do agora autônomo Banco Central, possui a confiança de 81% dessa gente. Apenas 1% dos pesquisados diz confiar muito em Lula.

    A mesma pesquisa havia sido feita em novembro de 2023. Àquela altura, 52% dos entrevistados afirmaram ter uma visão negativa do governo Lula. Nessa última pesquisa esse índice subiu para 64%, enquanto 30% tinha visão regular e apenas 6% uma visão positiva. Em contraste com o presidente, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, é avaliado positivamente por 50% dos pesquisados. Já Campos Neto foi avaliado positivamente por 94%.

    A causa principal dessa rejeição do mercado financeiro a Lula está, para 50% dos pesquisados, no temor de que o governo aumente sua intervenção na economia. Esse temor é de longe maior do que um eventual estouro da meta fiscal, considerado um risco para 23% dos pesquisados.

    O ameaçador espectro do intervencionismo estatal declarado pelos pesquisados estaria nos constantes atritos de Lula com Campos Neto, presidente do BC, por causa das altas taxas de juros. Do mesmo modo o risco intervencionista estaria na recente decisão do governo de não remunerar com dividendos extraordinários os investidores da Petrobrás e nas críticas de Lula à política da Vale, que deveria estar alinhada ao projeto desenvolvimentista do governo.

    Para 97% dos pesquisados foi uma decisão errada o governo não pagar os dividendos extraordinários alcançados pela Petrobrás com os acionistas. No caso da Vale, 89% declarou que uma intervenção do governo na empresa poderia levar a uma diminuição dos investimentos estrangeiros no Brasil. O temor também se alastra sobre possíveis interferências no Banco Central, que é o responsável por manter uma política fiscal que mantém intacto os interesses do rentismo.

  Como o eixo da acumulação capitalista em nosso país está centrado na especulação financeira, entende-se o temor manifestado pelos agentes do mercado de o governo mexer na Petrobrás e na Vale. Afinal, em termos de volume, ambas são de longe as empresas nacionais que mais pagam dividendos aos seus acionistas.

    Essa é a intervenção estatal temida pelo mercado. É o governo se imiscuir na administração de empresas sobre as quais o rentismo detém relativo nível de participação acionária. Vistas pelo mercado financeiro como empresas cuja finalidade é dar lucro para remunerar acionistas, rejeitam qualquer ingerência estatal que busque redirecionar seu papel no sentido de atender o interesse público, o que afetaria o volume assombroso de lucros e dividendos por elas distribuídos.

    Do mesmo modo, torna-se inaceitável alterar a política básica de juros que remunera os títulos da dívida pública. Em 2017, os fundos de previdência (com 25,5%), fundos de investimentos (com 25,2%) e as instituições financeiras (com 22,3%), eram os principais controladores da dívida pública[ii].

    No Orçamento Geral da União está reservado, para de 2024, R$ 2,5 trilhões destinados a pagaar juros e amortizações da dívida. Segundo matéria do Brasil de Fato de 2016, as aplicações em Títulos e Valores Imobiliários representavam 43% das receitas auferidas pelos bancos nos dois anos anteriores[iii].

    Apesar de todo o falatório sobre as virtudes do mercado livre e das vantagens do Estado mínimo, na prática, impera uma apropriação privada do Estado por pouquíssimos grupos capitalistas, que o utilizam com o propósito exclusivo de facilitar uma acumulação parasitária de capital.

    Outro ponto interessante na pesquisa é o quesito confiança em líderes políticos. Neste caso, Lula é pouco ou nada confiável para 96% dos pesquisados. Nem mesmo Fernando Haddad, responsável por inviabilizar o governo por sua defesa da agenda neoliberal, é bem avaliado pelo mercado. Dentre os pesquisados, 48% confiam pouco ou nada no ministro.

    Para os membros do mercado financeiro que responderam à pesquisa, confiáveis mesmo são os políticos liberais puro-sangue. Aqueles que não cederiam a agenda “populista” da gastança e da irresponsabilidade fiscal. Neste quesito, já como um sinal do candidato preferido dos rentistas, o governador paulista Tarcísio de Freitas é considerado muito confiável para 62% dos pesquisados. Mas o campeão em confiabilidade do mercado é Roberto Campos Neto, cujo índice alcançou 81%.

    Essa pesquisa poderia ensinar ao governo em geral, e a Lula em particular, a inutilidade de adular o mercado financeiro. Manter uma política econômica que corresponde aos seus interesses, não garante apoio dessa gente ao governo e muito menos a Lula. Ao contrário, as desconfianças permanecem, e ainda por cima indispõe o governo com sua base político-eleitoral.

    A razão é simples: o rentismo não aceita discutir os termos do ajuste ultraliberal. Qualquer sinal de mínima alteração ou reforma no modelo é inadmitida e gera reações negativas e de desconfiança. Por isso a rejeição ao governo e a Lula. E pouco lhes importa que o ministro da economia, Fernando Haddad, adule o mercado com o anúncio de medidas antipopulares, como a de flexibilizar os pisos mínimos constitucionais da saúde e educação para garantir a meta do déficit zero[iv].

    O que o mercado quer é um compromisso total e absoluto com sua agenda. Governos que tenham uma base político-eleitoral formada pelas classes populares representam um problema, já que suas expectativas são contrárias a da especulação financeira, pois precisam de algum modo ser atendidas, mesmo que de forma limitada.

    Por isso, mesmo propostas rebaixadas que buscam se aproveitar de pequenas brechas no modelo ultraliberal, como o programa Nova Indústria Brasil, são rechaçados como repetição de velhas fórmulas fracassadas. Os agentes do mercado a justificam pelo temor de descontrole das contas públicas e de uma suposta desconexão do Brasil das cadeias globais de valor[v]. Outro exemplo foi a criminosa declaração de um porta-voz do mercado, de que o crescimento de 2,9% do PIB em 2023 estaria a causar pressões inflacionárias, devendo a expectativa de expansão ser reduzida para abaixo de 2%[vi].

    A política do mercado financeiro, muito interconectado ao sistema financeiro internacional, tem um “projeto” nacional, que é o de proibir a economia brasileira de crescer, de se desenvolver, de garantir algum nível de soberania nacional, de ter preocupações mínimas com geração de emprego e garantia de renda. Pretende-se no fundo manter o país em estado de estagnação e aprofundar uma política de saque e pilhagem da riqueza nacional via privatizações. Para essa malta, na divisão internacional do trabalho, o papel do Brasil é o de se limitar a produzir commodities agrominerais e de sermos um espaço de valorização do capital financeiro globalizado. E só.

    É por esse viés, da manutenção de uma política econômica que no fundamental não altera a vida do povo, mas que garante os enormes lucros da parasitagem financeira, é que a queda na popularidade e nos índices de aprovação do governo deve ser considerada. O problema do governo não é de falta de comunicação, mas falta de política. Se quiser mesmo afastar o risco de volta da extrema-direita na eleição de 2026, o governo precisa urgentemente parar com sua política de adulação ao mercado, que tem destruído o tecido social e alimentado a demagogia do protofascismo.


*Renato Nucci Júnior é ativista da Organização Comunista Arma da Crítica (OCAC). 



[i] https://twitter.com/genialinveste/status/1770442313690427856

[ii] https://monitormercantil.com.br/quem-s-o-os-detentores-da-d-vida-p-blica/

[iii] https://www.brasildefatorj.com.br/2016/07/20/quem-sao-os-proprietarios-da-divida-publica-brasileira

[iv] https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2024/04/flexibilizar-pisos-de-saude-e-educacao-pode-liberar-r-131-bi-para-outros-gastos-ate-2033.shtml

[v] https://einvestidor.estadao.com.br/mercado/por-que-mercado-desaprova-nova-politica-industrial/

[vi] https://www.estadao.com.br/economia/entrevista-alexandre-schwartsman-pib-dificuldade-inflacao/

domingo, 28 de maio de 2017

Rentismo e autocracias

Rentismo e autocracias*

George Gomes Coutinho **

Imaginemos o seguinte cenário: alta estabilidade na condução da política econômica e sem qualquer questionamento. A oposição a partir de movimentos sociais, partidos ou sindicatos inexiste ou é duramente reprimida. Não há igualmente imprensa livre e plural. É este o panorama dos mais rentáveis para os investidores do mercado financeiro especializado em dívidas públicas. Contudo, o(a) leitor(a) deve ter observado que não estamos falando de democracias.  O levantamento realizado pela insuspeita agência de notícias Bloomberg assinala a alta rentabilidade de regimes autocráticos ou dotados de instituições democráticas esquálidas e instáveis.

A matéria publicada em 20 de abril deste ano intitulada “The bond market prefers dictators to democracies” – “O mercado de títulos da dívida prefere ditadores a democracias” em uma tradução livre –  apresenta dados onde regimes pouco afeitos a práticas democráticas atingem maior rentabilidade dentre as economias emergentes. No topo situa-se a Venezuela com seus “invejáveis” 55% de retorno para os que investem nos papéis de sua dívida, o que coloca em dúvida a postura “socialista” de Nicolás Maduro. Afinal, é um paradoxo que um regime que se utiliza de uma retórica anti-imperialista seja tão dócil com os credores internacionais.

Na síntese dos dados apresentados pela Bloomberg  a rentabilidade dos papéis da dívida entre países autocráticos ou dotados de democracias frágeis é de 15% na média em contraposição aos 8,6% alcançados pelos Estados democráticos. Neste cenário, o decréscimo da qualidade da vida da maioria da população ou mesmo abusos cotidianos no que tangem os direitos humanos aparecem como meras “inconveniências” diante do pragmatismo amoral dos investidores.

No contexto de alta rentabilidade e práticas draconianas podemos tirar lições amargas acerca do Brasil contemporâneo. As chamadas “reformas”, sendo que estas em última instância garantirão o retorno desejado aos investidores, não seriam somente “impopulares”. Situam-se na direção contrária mesmo da vontade popular. Mas, como a compilação da Bloomberg demonstra, o mercado não é necessariamente um entusiasta da democracia.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 28 de maio de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes