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segunda-feira, 27 de maio de 2024

A economia foi, é e (sempre) será o âmago da disputa política: repercutindo o artigo “O que se faz com uma caneta Bic?”

 

Foto de publicação nas redes sociais de Fábio Porchat em 03/05/2019.
(Os rostos foram encobertos para preservar a privacidade das crianças).
 

*Jefferson Nascimento



“Cada cassetete é um chicote para um tronco
Alqueires, latifúndios brasileiros
Numa chuva de fumaça só vinagre mata a sede
Novas embalagens pra antigos interesses
É que o anzol da direita fez a esquerda virar peixe”

(Autor: Criolo. Música: Esquiva da Esgrima).

Esse texto repercute os dados e as análises do artigo “O que se faz com uma caneta BIC? A agenda legislativa e administrativa do governo Bolsonaro (2019-2022), publicado em 20 de maio deste ano, por Vinícius Lino, Bhreno Vieira e Dalson Figueiredo, no Blog Gestão, Política e Sociedade dos Cadernos de Gestão Pública e Cidadania, da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Os autores evidenciam que, dentre as Proposições Legislativas, as temáticas mais recorrentes de autoria do governo Bolsonaro/Guedes foram: Macroeconomia (15%), Pandemia (14%), Administração Pública e Governo (12%), Regulação e Serviços (11%), Trabalho e Emprego (10%) e Tributação (8%). Excetuando as medidas relacionadas à pandemia de Covid-19, cujo caráter era emergencial, 56% das proposições legislativas estavam relacionadas à economia e administração pública. Quando se tratou de Pandemia, Trabalho e Emprego e Suporte aos setores econômicos, as Medidas Provisórias eram mais utilizadas que Projetos de Leis.

Os decretos presidenciais de Bolsonaro foram editados com mais frequência nos seguintes temas: Administração Pública e governo (25%), Burocracia (18%), Política e Comércio Exterior (12%), Defesa (9%), Transportes (9%) e Tributação (6%). Por esse instrumento, excetuando Defesa, 70% de todos os decretos estavam relacionados aos aspectos econômicos, incluindo política externa, e administração pública.

Os autores identificam que o Ministério da Economia e o “SuperMinistro” Paulo Guedes participaram em mais de 50% dos decretos e em 68% das proposições legislativas. Seja na Agenda Legislativa ou na Agenda Administrativa, é evidente a ênfase nos aspectos econômicos, na construção de condições de governabilidade e na adaptação da estrutura governamental alinhada aos elementos ideológicos neoliberais.

Com isso, o título de “Posto Ipiranga” e a atribuição de assumir um ministério com competências ampliadas, em relação ao anterior Ministério da Fazenda, não foram meras simbologias e retóricas. Ao contrário, o governo Bolsonaro/Guedes deve ser lembrado principalmente pela radicalização do projeto neoliberal. Os acenos de Levy, ainda no governo Dilma 2, a “Ponte para o Futuro” na gestão Temer, foram aprofundados pelo ultraliberalismo de Guedes/Bolsonaro. Portanto, a frente de combate ao bolsonarismo é a economia.

Medidas relacionadas à "Lei e crime" (6% das proposições legislativas e 2% dos decretos), mais que uma questão moral, estão relacionadas ao endurecimento penal, liberação das armas e outras que viabilizam as transformações econômicas ao ampliar meios para conter as reações populares e o caos social. Como Naomi Klein descreve em Doutrina do Choque, graves crises são usadas para acelerar e aprofundar o projeto neoliberal (tivemos a pandemia usada terrivelmente como "janela de oportunidades" para "passar a boiada") e a redução das funções sociais do Estado é acompanhada de ampliação da sua capacidade repressiva e punitiva.

As pautas de costumes foram majoritariamente utilizadas como cortina de fumaça, como distratores no debate público. Elas figuram de modo muito tímido na agenda legislativa: Cultura e Direitos Civis aparecem com 4% cada uma das "Proposições Legislativas" (não aparecem entre os temas de Decreto). Que as pessoas tenham se engajado nesses temas não há problema, a questão central é avaliar o quanto o intenso e dominante engajamento das lideranças políticas de esquerda nas pautas de costumes: (1) limitaram sua força para o embate em torno de um projeto econômico para o país; e/ou (2) favoreceram o governo Bolsonaro a avançar em seu projeto neo/ultraliberal na economia, enquanto se debatia com mais afinco outras questões. Não foi só a pandemia, as reiteradas vezes em que uma declaração, um tuíte ou uma live cheia de baboseiras ocuparam os discursos e ações políticas também ajudaram "passar a boiada".

Infelizmente, essa situação me lembrou de uma prática típica da minha infância e adolescência. E aqui, entrego a idade e corro o risco de causar estranhamento nos mais jovens. Nos anos 1990 e início dos anos 2000, os videogames possuíam controle com fio. Ou seja, para funcionar, o controle era conectado ao console. Na época, nem sempre por maldade, era comum que os mais velhos jogassem entre si e dessem controles desconectados para se livrar das insistências das crianças pequenas. Importante dizer que não tinha essa possibilidade de jogar online pelos videogames na minha infância e adolescência.

Além disso, não tínhamos consoles que salvavam as fases do jogo, bem depois surgiu alguns com memory card (muitas vezes, bem caro). Antes desse cartão, ou jogávamos todas as fases antes de desligar ou tínhamos poucos segundos para anotar um password extenso. Sequer tínhamos celulares que tiravam fotos e as máquinas fotográficas normalmente eram com um filme que demandava “revelação” em uma loja especializada. Ou seja, quase impossível anotar o password, daí controle desconectado para a criança menor para não perder as etapas vencidas. 

Havia o medo também de quando poderíamos jogar novamente. Jovens, acreditem: alguns de nossos pais, tios e avós, achavam que o uso de videogames estragavam a televisão. Pode até parecer ruim para quem naturalizou esse mundo tecnológico atual. Mas as lembranças são boas e admito que minha impressão possa ser a saudade da tenra idade - não da época. 

Para o mais velho que executava o plano, parecia um ganha-ganha: os maiores jogavam, as crianças menores não choravam e, ao acreditar jogar - e até vencer crianças maiores e adolescentes -, tinham um grande estímulo na autoestima. Não me orgulho, mas também fiz com meu primo sete anos mais jovem. E só quando já éramos adultos confessei a prática. Apesar de já ter passado muito tempo, ele obviamente não gostou nada. Voltando ao assunto inicial. 

O governo Bolsonaro parece ter entregue para oposição um controle desconectado do console. A oposição comemorava cada recuo, cada exposição em temas salientes no debate público, como as crianças da minha geração comemoravam o que acreditavam ser a “vitória” sobre mais velhos. Ao fim e ao cabo, não foram sequer vitórias de Pirro. Eram ilusões, a medida que o jogo realmente jogado era o da economia. "It's the economy, stupid!"

Era e será a economia o campo fundamental de disputa. Para tentar enfraquecer a extrema-direita é preciso reverter as amarras criadas por uma concepção econômica focada em socialização das perdas e concentração dos ganhos. Ou Haddad, os políticos e as organizações de esquerda acordam, ou continuaremos a jogar com um controle desligado do console. Tratei disso em dezembro de 2023, como um balanço do primeiro ano e o horizonte nebuloso para o Brasil.

Em tempo, com isso não quero dizer que as pautas de costumes e a defesa das identidades devem ser ignoradas. Apenas alerto para a ineficiência de desconectá-las da luta econômica (luta pela redistribuição). Por exemplo, o "novo" arcabouço fiscal na medida em que limita a capacidade estatal de investir em políticas sociais favorece a manutenção da desigualdade social e do status quo estruturados a partir das classes sociais e superestruturados pelas desigualdades de oportunidades por raça e gênero historicamente constituídas.

Ademais, não serei leviano de reduzir a importância das lutas pelo reconhecimento de qualquer que seja o grupo social discriminado. Ao contrário, recorro à teórica política Ellen Meiksins Wood (2011): além da classe social, as pessoas têm outras identidades sociais, com grande capacidade para dar forma às suas experiências. Por isso, qualquer programa de emancipação precisa ampliar o conhecimento sobre o significado das identidades, entendendo que que elas revelam e o que ocultam sobre a experiência pessoal. O que defendo está em linha com a seguinte reflexão:


[...] a indiferença estrutural do capitalismo pelas identidades sociais das pessoas que explora torna-o capaz de prescindir das desigualdades e opressões extraeconômicas [...] essa mesma indiferença pelas identidades extraeconômicas torna particularmente eficaz e flexível o seu uso como cobertura ideológica pelo capitalismo (Wood, 2011, p. 241).

Nancy Fraser (2009) converge com a constatação de Ellen Wood: o capitalismo no contexto da acumulação flexível introduz uma concepção de mundo tão fragmentária que consegue cooptar as lutas das diversas identidades sociais pelo reconhecimento. Desse modo, o descolamento de uma crítica estrutural pode fazer com que tais lutas contribuam, em momentos específicos, para a expansão capitalista, sem efetivamente garantir a emancipação das identidades exploradas. (O engajamento de alguns bancos em campanhas contra a discriminação e as peças publicitárias supostamente em defesa da diversidade para venda de produtos estão aí para quem quiser ver). 

Por exemplo, ao falar do feminismo, Nancy Fraser defende a reconexão da luta pelo reconhecimento "contra a sujeição personalizada à crítica ao sistema capitalista, o qual, ainda que prometa liberação, de fato substitui um modo dominação por outro” (Fraser, 2009, p. 30).

Portanto, sem enfrentar a questão estrutural econômica, não será possível jogar politicamente de modo efetivo contra uma extrema-direita que lança espantalhos para dissimular o debate público, enquanto entrega o que apoiadores e financiadores de poderosas frações burguesas encomendaram.

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 *Jefferson Nascimento é Doutor em Ciência Política, professor no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), membro do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA) e autor do livro "Ellen Wood: o resgate da classe e a luta pela democracia" (Appris)

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Fraser, Nancy (2009). O Feminismo, o Capitalismo e a astúcia da História. Revista Mediações, Londrina, v. 14, n. 2, p. 11-33, jul./dez.

Wood, Ellen M. (2011). Democracia contra o capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo. 


segunda-feira, 3 de maio de 2021

Divulgação: "Brazilian tragedy: a risk for our common home?"

 


Boa noite a todxs! Amanhã, terei o prazer de estar na mesa “Templo e Mercado: a ameaça dos fundamentalismos confluentes”, às 10h, junto com Magali Cunha e Sônia Mota, no evento sobre a “Tragédia Brasileira: risco para a Casa Comum?”, articulado pelo CONIC e instituições parceiras. Quem quiser assistir, segue o link: https://www.even3.com.br/tragediabrasileira/.

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

A agenda econômica de Jair Bolsonaro: um salto no escuro



A agenda econômica de Jair Bolsonaro: um salto no escuro

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Definidos os candidatos ao cargo de Presidente da República: Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT).

Segundo turno a pleno vapor.

A esta altura, muitos devem estar exaustos com uma disputa eleitoral cujas solicitações são alucinantes nas redes sociais. Outros tantos, mais do que exaustos, estão enfadados com uma eleição que mais parece um “terceiro turno” ampliado. O que está posto? A ruptura institucional de 2016 como limite que as classes dominantes (sim, uso o termo) impuseram à ampliação da democracia social e da soberania nacional (marco regulatório original do Pré-Sal e realinhamento geopolítico com a formação dos BRICS) perseguida pelos governos do PT com os seus acertos e erros. Em seu lugar, observou-se desde então uma luta nua e crua entre os interesses corporativos da alta burocracia do Estado (Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal, Forças Armadas entre outros) e experimentos inviáveis no médio e longo prazos como a Reforma Trabalhista e a Emenda Constitucional nº 95.

Passados mais de dois anos daquele ano que não terminou, ninguém anteciparia com exatidão um cenário tão aterrador como a onda de violência política dos seguidores de Bolsonaro[1] que desfigura o espaço público a ponto de intimidar até mesmo quem investiu no antipetismo como linha demarcatória de um projeto de poder. Concordo com Luís Felipe Miguel que a direita derrotada nas quatro últimas eleições nem liberal o é, uma vez que seus melhores quadros se mostraram dúbios diante do manejo das pautas morais como balizador da luta política que sufoca as liberdades individuais. Tais pautas são o mote preferencial da produção de conteúdo a ser difundido no ambiente virtual, mobilizando afetos primários – “eu odeio porque odeio!” - que nivelam por baixo o debate programático.

Contudo, os programas de governo são efetivos, ainda que o eleitor médio não tenha por hábito avaliá-los. Os seguidores de Bolsonaro talvez parassem na página 2 se lhes fossem dado ler mais do que correntes anônimas no WhatsApp. Em respeito aos mesmos, dei-me ao trabalho de olhar de perto o programa do candidato da extrema-direita[2], que se inicia com uma frase de teor aparentemente ufanista - “Brasil acima de tudo” -, mas que, em verdade, é uma apropriação do slogan “Alemanha acima de tudo” (Deutschland über alles) adotado por Adolf Hitler no regime totalitário que comandou na Segunda Guerra Mundial.

O que esse programa de inspiração nazista revela sobre uma das principais controvérsias de sua corrida presidencial (ou louca cavalgada, diriam alguns), a saber, economia? Na seção dedicada ao tema “Liberalismo econômico”, Bolsonaro expõe uma visão de Brasil bem ao gosto dos editorialistas de nossa imprensa tradicional:

Corruptos e populistas nos legaram um déficit primário elevado, uma situação fiscal explosiva, com baixo crescimento e elevado desemprego. Precisamos atingir um superávit primário já em 2020.

Na Câmara dos Deputados, Bolsonaro votou a favor da Emenda Constitucional nº 95[3], que limita os gastos primários do governo federal por 20 anos. Por gastos primários, compreende-se o investimento público orientado para necessidades sociais (educação, saúde, cultura, segurança pública, entre outras) que, numa sociedade complexa como a brasileira, são um universo em constante expansão. A EC 95, porém, deixa de lado os chamados gastos financeiros - pagamento do principal da dívida pública, juros da dívida e debentures –, equivalentes a mais da metade do orçamento anual.

Ora, como fazer crer que o déficit público possa diminuir sem intervir no principal fator de endividamento? Manutenção de taxas de juros elevadas para conter a inflação (como meio usual de garantir a ferro e fogo o superávit primário) pode perfeitamente conviver com uma curva crescente de gastos financeiros, castrando, assim, as chances de um ciclo econômico sustentável. Mas Bolsonaro não se abala. Para o “capitão”, o liberalismo com “L” maiúsculo seria uma vara de condão a resolver todos os males:

As economias de mercado são historicamente o maior instrumento de geração de renda, emprego, prosperidade e inclusão social. Graças ao Liberalismo, bilhões de pessoas estão sendo salvas da miséria em todo o mundo.

A crença no mercado livre e autorregulado é simplesmente um ato de fé. Ora, se é plausível admitir que o indivíduo moderno conheceu oportunidades de realização pessoal inauditas no capitalismo em comparação com o modo de produção feudal e o mercantilismo, também é forçoso reconhecer que esse sistema econômico nunca gerou solidariedade social suficiente para distribuir de forma justa a riqueza nele produzida. Nesse sistema, que esculpiu o mundo à sua imagem e semelhança com sucessivas crises de acumulação capitalista, desenvolveu-se um mercado financeiro cuja dinâmica destronou a ideologia do lasseiz-faire, tornando-se o expediente da concentração de capital mediante cartéis e monopólios.

Ora, se nunca existiu uma economia de mercado realmente livre, a defesa da ausência de regulamentação do Estado seria, no mínimo, uma inconsequência em face dos desafios que envolvem a busca de equilíbrio entre as relações de mercado e a garantia de direitos sociais previstos constitucionalmente. Voltando à famigerada EC 95, à qual Bolsonaro deu o seu voto de aprovação na Câmara, o que nos é oferecido? Poderíamos resumir na forma de um “modelinho” de causa e efeito: o governo paga uma taxa de juros alta (1); o mercado financeiro acomoda-se à taxa básica de juros aumentando as suas taxas para o crédito ao consumidor e às empresas (2); o crédito caro reduz a demanda das pessoas e as empresas reagem reduzindo o investimento (3); demanda menor implica, tendencialmente, queda da inflação (4); esta é alcançada assumindo-se, todavia, a queda do crescimento econômico e o aumento da taxa de desemprego sob o estresse da manutenção do pagamento do principal e dos juros da dívida (5). Daí, fecha-se um círculo vicioso no debate econômico, reduzindo este ao discurso de austeridade fiscal (“não cabem todos no orçamento”) que oculta a submissão do interesse nacional ao rentismo financeiro (“o país honra os seus contratos”).

Bolsonaro seria exceção à regra? Apoiando-se na retórica do “Estado mínimo”, o presidenciável retoma o ideário das “privatizações e concessões” enquanto instrumentos de gestão que “deverão ser obrigatoriamente utilizados para o pagamento da dívida pública”. Uma vez mais, verifica-se a postulação de um mercado livre que, entregue a si mesmo, consumaria à perfeição o sonho liberal:

[...] devemos ressaltar que a linha mestra de nosso processo de privatizações terá como norte o aumento na competição entre empresas. Afinal, com mais empresas concorrendo no mercado a situação do consumidor melhora e ele passa a ter acesso a mais opções, de melhor qualidade e a um preço mais barato.

Quais seriam os critérios para delimitar interesses estratégicos nessa proposta (ameaça?) de uma política agressiva de alienação dos ativos nacionais? O programa de Bolsonaro talvez ofereça alguma pista ao tropegar pelo tema do comércio internacional. Aqui, no entanto, topamos com premissas temerárias. Inicia-se com um pretenso diagnóstico: seríamos um dos países menos abertos ao comércio internacional e, portanto, estaríamos menos aptos a competir em mercados de alta tecnologia. O remédio? Lançarmo-nos de peito aberto à competição internacional com a redução de alíquotas de importação e de barreiras não-tarifárias e, não menos, com a instituição de novos acordos bilaterais. Para o “capitão”, o comércio internacional lograria um “choque tecnológico positivo”, caracterizando a senha para os ganhos de produtividade e o crescimento econômico. Nos termos propostos, a fusão (em andamento) da Embraer com a Boeing seria um salto qualitativo para nossa aviação comercial...

O que ignora por completo Bolsonaro et caterva? Na atual divisão internacional do trabalho, os verdadeiros saltos se dão pela acumulação técnico-científica feita em casa, na medida em que o progresso técnico se irradia através de produtos protegidos por patentes. Estas, por óbvio, tendem a cristalizar a diferença qualitativa no intercâmbio comercial de países industrialmente avançados com outros que, tais como o Brasil, não priorizam C&T, lembrando que enfrentamos um severo processo de desindustrialização, cenário no qual o aceno para o livre-cambismo feito por Bolsonaro pode intensificar a crise da receita pública.

Por fim, tive um trabalho adicional neste castigo que foi passar a limpo o programa do “capitão”: contar as ocorrências das palavras “privatizar”, “privatização” ou “privatizações”. Estas foram mencionadas nove vezes. Em contrapartida, a palavra “soberania” foi citada uma só vez.

Sob a enxurrada de notícias falsas e “memes”, uma agenda ultraliberal se impõe com demonstrações raivosas de adesão ao pretendente a führer tropical.

Ah!, sim, a bandeira deles é verde-amarela...




[1] http://dialogosdosul.operamundi.uol.com.br/brasil/53635/apoiadores-de-bolsonaro-realizaram-pelo-menos-50-ataques-em-todo-o-pais
[2] http://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2018/propostas-de-candidatos
[3] https://www.pragmatismopolitico.com.br/2016/10/os-366-deputados-que-aprovaram-pec-241-proposta-que-congela-investimentos.html

domingo, 20 de novembro de 2016

Economia e política no Rio de Janeiro

Economia e política no Rio de Janeiro*

George Gomes Coutinho **

O título deste artigo é somente provocativo. Trata-se de uma óbvia alusão aos últimos acontecimentos da política fluminense. As prisões de Anthony Garotinho e Sérgio Cabral, ambos ex-governadores do Rio de Janeiro, colocam o estado em evidência nas páginas político-policiais  (ultimamente quase um sinônimo). Contudo, advirto ao leitor que a conexão entre economia e política não é algo exclusivo do Rio de Janeiro. Na verdade, a relação entre estas duas esferas fundamentais da vida social ocorre em todos os outros estados e países.

Políticos são agentes de um determinado sistema. Empresários operam em outra esfera, a econômica. Políticos operam com o poder formal, onde lidam com processos de tomada de decisão e o “poder de veto” propriamente. O empresariado, no sistema econômico, produz indubitavelmente inovação e outros efeitos sociais palpáveis diversos sendo estes efeitos perversos ou benéficos. Mas, o objetivo, salvo se encontrarmos um híbrido improvável entre George Soros e Francisco de Assis, é inegavelmente acumular, enriquecer.  Neste ínterim há o Estado, o aparato estatal, que materializa o maior agente econômico em toda e qualquer nação. As demandas objetivas do Estado, envolvendo infra-estrutura por exemplo, tornam os negócios estatais profundamente atraentes para os agentes do sistema econômico. De outro lado, o poder normativo do Estado é atraente para lobbies de toda ordem. Por fim, ainda há a mera razão econômica interferindo e distorcendo decisões eleitorais no caso de compra de votos.

Agentes dos dois sistemas se encontraram, se encontram e se encontrarão. As interferências, distorções e outras tantas ressonâncias são parte do cotidiano de sociedades complexas.

Na última semana vimos demonstrações diferentes da relação entre economia e política. No caso Cabral o contexto histórico de grandes eventos internacionais explica o assédio de políticos a empresários, sendo a recíproca libidinosamente verdadeira, na disputa por executar obras de grande monta. Não há inocentes. Com Garotinho há a interferência do argumento econômico na decisão do voto em uma sociedade desigual. Só que a margem de escolha da população empobrecida é muito menor. São reféns. Empreiteiros, por outro lado, são beneficiários.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 19 de novembro de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Excelente entrevista do Bauman - "seus netos continuarão pagando os 30 anos da orgia consumista"

Zygmunt Baumann, mais conhecido entre nós por sua "série líquida" (amor líquido, modernidade líquida, etc..), concedeu uma excelente entrevista no final de agosto deste ano para o Monitor Mercantil. 

Penso, inclusive, que esta entrevista interessa particularmente ao leitor brasileiro. Nestes tempos exageradamente trevosos, onde o pânico disseminado pela Grande Mídia faz produzir a sensação de que chegamos ao fundo do poço, leituras lúcidas de realidade sempre são importantes. Até mesmo para atacar crenças coaguladas e percepções que podem gerar profecias auto-realizáveis pelos próprios agentes. Ou seja, interpretações e análises podem ter mais alcance fático do que imaginamos, trazendo consequências que nem de longe são desejáveis. Só por isso a entrevista cumpre, desde já, um papel importante. 

Dentre outros pontos, dado que o foco central das questões transitava sobre a crise econômico-social no Velho Continente, Bauman nos brinda com algumas pérolas que confrontam diretamente o senso comum. Dada a abrangência, visto que a crise para qualquer analista que compreende a sutil relação partes/todo, o polonês dialoga com as diferentes camadas da realidade social selecionando novidades e continuidades entre os planos micro e macro-estrutural. Destaco algumas questões:

- o sociólogo, que atualmente é o vice-reitor da London School of Economics (LSE), embora cético, mantém um tom relativamente otimista quanto ao médio/longo prazos. Não se fixa de forma obsessiva na atual conjuntura. Em verdade compreende que o atual modelo societário, pautado pelo corrosivo binômio de financeirização e consumismo insustentável, apresenta sinais de profundo esgotamento. Inclusive, para asseverar este juízo, nota as revoluções moleculares que vão se multiplicando, mesmo que a passos muy lentos, ao redor do globo e nas sociedades ocidentais. Ou seja, há um facho de luz, mesmo que tímido, no final do túnel.;

- alerta quanto ao distanciamento da relação entre poder e política institucional. Isto não é exatamente uma novidade na literatura, seja sociológica, econômica ou filosófica: há um robusto distanciamento dos interesses vinculados ao capital "virtual" da especulação financeira e o restante da humanidade. Porém, algo que nos interessa especificamente acerca do funcionamento da política institucional nestes tempos, Bauman é claro ao afirmar sobre os limites das estruturas modernas formais. Partidos, parlamentos, ministérios, a despeito de sua vinculação entre esquerda ou direita do espectro ideológico, tem uma margem de atuação francamente limitada ante as pressões dos grandes agentes financeiros. Neste ponto o que resta é a impossibilidade factual da execução plena e ipsis litteris de promessas de campanha eleitoral nas nações ocidentais. Este é um ponto trágico para a imaginação política contemporânea... A sensação de um certo "estelionato eleitoral" talvez não seja a nossa jabuticaba afinal...

Em suma, recomendo vivamente a leitura que pode ser acessada aqui.