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sábado, 13 de novembro de 2021

Viva a universidade, viva a inteligência, viva a vida!

 

Fonte: UNESP.

Nosso querido amigo e professor Milton Lahuerta (UNESP-Araraquara) nos autoriza, gentilmente, a publicar esta bela reflexão sobre a Universidade como lugar de crítica do poder e de liberdade de pensamento. Boa leitura! 

Viva a universidade, viva a inteligência, viva a vida! 

Milton Lahuerta*

Diante dos ataques à universidade e à inteligência, e do culto da morte que se está naturalizando em nosso país, vale lembrar de um episódio ocorrido num outro momento de trevas na história do Ocidente.

No contexto de polarização fratricida que levou à eclosão da Guerra Civil Espanhola,   empolgado com as sucessivas vitórias das forças fascistas e em resposta ao discurso feito por Miguel de Unamuno, o general franquista José Millán Astray, em 12 de outubro de 1936, na cerimônia de abertura do ano letivo na Universidade de Salamanca, proferiu uma série de disparates em defesa da brutalidade, entre eles: "Morram os intelectuais! Viva a morte!"

Ao se defrontar com tamanha ignomínia, Miguel de Unamuno (1864-1936), intelectual e pensador liberal conservador com grande prestígio na Espanha, dirigindo-se a Astray, não conteve a indignação e explicitou a dramaticidade que marcou a cerimônia:

"Acabo de oír el grito de ¡viva la muerte! Esto suena lo mismo que ¡muera la vida! Y yo, que me he pasado toda mi vida creando paradojas que enojaban a los que no las comprendían, he de decirlos como autoridad en la materia que esa paradoja me parece ridícula y repelente. De forma excesiva y tortuosa ha sido proclamada en homenaje al último orador, como testimonio de que él mismo es un símbolo de la muerte. El general Millán Astray es un inválido de guerra. No es preciso decirlo en un tono más bajo. También lo fue Cervantes. Pero los extremos no se tocan ni nos sirven de norma. Por desgracia hoy tenemos demasiados inválidos en España y pronto habrá más si Dios no nos ayuda. Me duele pensar que el general Millán Astray pueda dictar las normas de psicología a las masas. Un inválido que carezca de la grandeza espiritual de Cervantes se sentirá aliviado al ver cómo aumentan los mutilados a su alrededor. El general Millán Astray no es un espíritu selecto: quiere crear una España nueva, a su propia imagen. Por ello lo que desea es ver una España mutilada, como ha dado a entender.

Este es el templo del intelecto y yo soy su supremo sacerdote. Vosotros estáis profanando su recinto sagrado. Diga lo que diga el proverbio, yo siempre he sido profeta en mi propio país. Venceréis, pero no convenceréis. Venceréis porque tenéis sobrada fuerza bruta, pero no convenceréis porque convencer significa persuadir. Y para persuadir necesitáis algo que los falta en esta lucha, razón y derecho. Me parece inútil pedirlos que penséis en España."

Viva a universidade, viva a inteligência, viva a vida!

* Sociólogo. Doutor em Ciência Política (USP). Professor associado ao Departamento de Ciências Sociais (Área de Ciência Política) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus Araraquara.

sábado, 4 de novembro de 2017

Aviõezinhos da República

Aviõezinhos da República*

George Gomes Coutinho **

Neste ano o sociólogo potiguar Jessé Souza (1960) lançou pela editora Leya o seu “A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato”. O livro retoma e atualiza o conjunto de interpretações ousadas e originais elaboradas por Souza nos últimos 20 anos de sua produção sociológica, onde o exercício da crítica avassaladora dos fundamentos de justificação de nossa sociedade é o motor que guia o exercício intelectual. Para além disso, como se já não fosse pouco, “A Elite do Atraso” prossegue no exercício de intervenção pública em consonância com obras anteriores do autor: tanto em “A Tolice da Inteligência”, de 2015, quanto no ano seguinte em “A Radiografia do Golpe”, ambos os livros  lançados também pela Leya, Souza traduz para o leitor situado além dos muros da academia questões que conferem sentido ao Brasil enquanto Estado-Nação. Conferem sentido e mantém o status quo de uma das sociedades mais desiguais do planeta.

Na busca pela comunicação honesta e eficiente com o leitor não especializado, nosso autor envereda num esforço lingüístico quase olímpico. Metáforas e figuras de linguagem em geral são utilizadas tendo por meta a diminuição da distância entre a sociologia contemporânea avançada e o público alvo do livro. Destacarei uma delas. A do político como “aviãozinho”.

Souza, no seu esforço em desnudar as relações de poder do Brasil contemporâneo, faz uma analogia absolutamente didática entre elites/classe política e grandes traficantes/aviõezinhos do tráfico. Ora, os “aviõezinhos”, os que levam as drogas para os usuários, não são nem de longe os maiores beneficiários do esquema. São apenas a face mais visível e operacional de uma relação econômica onde o “dono da boca” retira seus dividendos. Justamente por sua visibilidade, não por caso, os “aviõezinhos” são os primeiros a serem mortos, presos ou humilhados.

A relação entre a classe política e a fatia dos 1% mais ricos brasileiros é análoga. A classe política “integrada” e precificada viabiliza os mecanismos institucionais e legais que mantém ou aprimora para os reais privilegiados o atual estado de coisas. A atuação política espalhafatosa é absolutamente funcional: oculta a face silenciosa e invisível de quem realmente dá as cartas.

* Texto publicado em 04 de novembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes