Mostrando postagens com marcador resistência. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador resistência. Mostrar todas as postagens

sábado, 7 de setembro de 2019

Um salve aos nossos "secundas"!


Neste 07 de setembro, fico com a arte de Davison Pereira Alves, estudante do Colégio Estadual Almirante Barroso, com sede em Campos dos Goytacazes-RJ. 

Que a vibração juvenil dos(as) nossos(as) "secundas" inspire-nos um posicionamento corajoso nesta travessia.

Saudações a todxs na planície!

quinta-feira, 16 de maio de 2019

As faces da fé e as formas de luta



As faces da fé e as formas de luta

Por Luciane Soares da Silva*

São 22 horas do dia 15 de maio. Quando os dias adquirem um significado histórico, nascimentos, mortes e batizados são contados como caso incomum. “Nasceu no início da guerra”, “Foi batizado no primeiro dia do novo século”.

Pois então, no dia em que levantamos o povo e a juventude na cidade das usinas, conheço um casal, de perto da Favela da Linha, que vem com um carrinho de transporte manual até o Horto para buscar um armário desmontado. Ela, desempregada, ganhava dinheiro dormindo nas filas de hospital. Ele, desempregado, era ajudante de pedreiro. Perderam tudo em uma chuva e as roupas dos três filhos estão em sacos de lixo.

Não sou especialmente religiosa, mas desde que passei a pesquisar situações como esta, algo acende meu coração. E hoje isto ocorreu. Ele muito calado, como é próprio daqueles a quem Lamento Sertanejo toca, pouco disse. Ela, após pedir água e explicar sua situação, caminhou em minha direção, deu-me um abraço muito apertado e disse “Fique com Jesus”.

Eu me lembro de, em algum momento, ter pensado sobre as formas da fé. A fé na ciência, a fé em Deus, a fé no amor. E, entre tantos mistérios, sempre fui dominada pelo interesse nesta fé que Gilberto Gil descreve ao falar das procissões, que unem pessoas crentes nas coisas lá do céu.

Como se pode distribuir o que não se tem e nesta distribuição agraciar quem nunca soube o que é falta? Que tipo de generosidade resiste à miséria e à violência e sobrevive às enchentes e às humilhações, permanecendo o coração fiel ao ato da dádiva?

Campos, a cidade da riqueza represada, a cidade da pobreza silenciosa, é como as procissões cantadas por Gil. No silêncio daquele carrinho no meio da rua, cambiando entre os dois lados de uma quarta-feira, eles sumiram.

E eu voltei à morte de Trotsky e encontrei uma carta de seu amigo Adolf Joffe. Reproduzo aqui um parágrafo e espero que a leiam um dia na íntegra:

[…] se tem como eu, fé no progresso, pode-se muito bem conceber que, mesmo em caso de perdição de nosso planeta, a humanidade encontre os meios de habitar outros mais jovens e prolongue por conseguinte sua existência; e então, tudo que for feito em seu bem em nosso tempo se refletirá também nos séculos longínquos, quer dizer dará a nossa existência a única significação possível.

Até o dia 14, convoco todos a agir por estas estranhas formas de fé. Se há séculos elas têm mantido a humanidade aquecida, não é hora de esmorecer.

* Socióloga. Professora Associada à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Chefe do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (LESCE/CCH/UENF) e Presidenta da Associação de Docentes da UENF (ADUENF). 

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Feliz Ano Velho



Feliz Ano Velho

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Ser colaborador em um blog proporciona experiências fascinantes tais como a sintonia do que publicamos. Eis o que me aconteceu ao ler o texto inaugural deste 2019 escrito por Márcio Malta, o nosso Nico. Apesar de professarmos a Sociologia como responsabilidade pública, com todos os tributos que por vezes rendemos ao estilo de redação científico, é bom lembrar que o formato do blog se presta essencialmente à função expressiva da língua, o que nos devolve à singularidade de “todo aquele que nos empresta sua testa”, para reverenciar um dos versos do atemporal Chico Buarque.

Se assim o é, aproveito a oportunidade para iniciar os meus trabalhos por aqui com um tom mais “pessoal” do que de costume.

Gostaria de falar da travessia que começamos a partir de hoje como bem sintetizou Nico em “O que representa o governo Bolsonaro?”, tendo por enfoque o que exigirá de nós, partícipes do campo progressista da política brasileira, um senso tático e, talvez, um esforço sobre-humano: conviver com quem nos é declaradamente hostil sob o governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro. Sobreviver para resistir e resistir para sobreviver. Antes fosse só um jogo de palavras...

Os “bolsonaros” estão soltos por aí. Têm de todo tipo. A fauna é variada, sabemos. Divirto-me especialmente com aqueles(as) que nos enviam mensagens de paz nas festividades de fim de ano. É como se dissessem: “Gozamos com o terror institucionalizado, mas temos bom coração”. De minha parte, pergunto: de que nos valeria transigir com um simulacro de democracia? O ensaio de “pax armada” que marcou o rito de posse do presidente eleito aí está para quem quiser ver. Uma grotesca mostra da continuidade de um governo ilegítimo que se instaurou em 2016, considerando os seus alinhamentos programáticos com a agenda ultraliberal de Michel Temer.

Ora, alguém poderia contra-argumentar: gostemos ou não, é o que a vontade coletiva decidiu e qualquer objeção a isso seria antidemocrático. Em tese, não haveria por que discordar de uma ponderação desse tipo. No entanto, nunca é demais lembrar os não poucos sinais de que será mínimo o espaço democrático para a oposição ao governo federal e aos seus símiles estaduais, pois, concordando com a psicóloga Eni Gonçalves de Fraga[1], estamos sob a iminência de uma ditadura civil-militar em que, ironicamente, os líderes da autocracia burguesa não precisam fazer nada mais do que “seguir” os seus liderados.

É uma ditadura às avessas. É uma ditadura que vem das ruas. Dessa vez não é de cima pra baixo. É de baixo pra cima. Os bolsonaros saíram à luz do dia para impor uma nova (antiga) ordem, elegendo o seu maior representante, que teve a audácia de colocar a cara no sol, porque sabia que estava em consonância com o coletivo. Ele apareceu com segurança e tranquilidade. Porque o trabalho e o esforço não é dele. É do povo. Ele não precisa sequer fazer discurso, debater, argumentar. Porque não é disso que se trata. Não é isso que determina a sua eleição[2].

Se os “odiadores da política” aderem em massa àqueles que continuam a fazer política profissional lhes incitando a regressão dos costumes em um círculo vicioso, quais opções nos restam sem, necessariamente, abrir mão da via institucional? Admito não ter resposta pronta e acabada para isso. Apego-me apenas ao “paradoxo da tolerância” do qual nos fala Karl Popper. Para o filósofo da ciência austríaco, seria risível (se trágico não fosse) certos chavões dos bolsonaristas de plantão como “É preciso esperar o que vai acontecer” ou “Torcer contra de nada adianta”. Repeti-los seria o mesmo que combinar com um canibal aonde ir depois do jantar...

Falando sério, por que o paradoxo que Popper esculpiu no imediato pós-guerra se mostra à prova do tempo? Basicamente, porque a política, como construção provisória de consensos, requer de cada um(a) enxergar a si mesmo(a) como membro de um todo que assim se constitui pela liberdade de todos os indivíduos em particular. Ora, diria Popper, tolerar os intolerantes põe em risco a própria tolerância, na medida em que não é possível detê-los pela força da argumentação lógica; pelo contrário, eles redobram a sua força justamente pela rejeição a quaisquer argumentos. 

Sendo assim, insistir em relativizar manifestações de intolerância do governo Bolsonaro e dos seus “seguidores” é perder de vista aquilo que é a última garantia da luta por autoconservação: a desobediência civil. Se esta for mesmo a tarefa do momento, quais práticas e saberes políticos seremos capazes de mobilizar para resistir ao autoritarismo? 

Temos um ano inteiro para descobrir.



[1] https://jornalggn.com.br/fora-pauta/um-olhar-da-psicologia-sobre-o-fenomeno-coiso-por-eni-goncalves-de-fraga
[2] Ibid. ibidem.

domingo, 8 de abril de 2018

Do cerco à prisão: a resiliência de um líder democrata




Por Paulo Sérgio Ribeiro

07 de abril de 2018 não cabe nas monótonas folhas do calendário, bem como não cabe neste texto uma síntese dos significados que poderíamos atribuir a ele. Nesse dia, assistimos à mobilização popular no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo/SP, iniciada com a decretação da prisão do ex-Presidente Lula, que ali se reunira com dirigentes do PT, lideranças de outros partidos do campo progressista (PSOL, PCdoB entre outros), entidades sindicais e movimentos sociais de expressão nacional, como o MST, devolvendo-nos a imagem da política como uma pulsão de vida que ainda habita em nosso agir.

A criminalização da maior liderança nacional depois de Vargas parecia chegar ao seu clímax e a narrativa que lhe servia de moldura encontrava finalmente o seu epílogo. Mas (sempre há um “mas”...) faltava combinar os detalhes desse roteiro punitivista com quem não tem outra vocação além do protagonismo na luta política: Lula. Posso imaginar a tensão que se acumulava sobre os seus ombros e o seu grupo de apoio para uma tomada de decisão cujas ponderações táticas mesclavam-se com o clamor pela resistência ao arbítrio. Ora, por que não resistir diante de uma orquestração de atores institucionais cuja competência para dizer o direito divorciou-se dos valores morais universalmente aceitos em torno da garantia de ampla defesa? Por que acatar uma prisão que se sabe ilegal?

Eu, sentado aqui no conforto do meu lar, batucando esse teclado, não me atreveria a julgar o posicionamento de Lula, pois a resposta que teve de dar àquelas questões cruciais foi o mais solitário dos atos, ainda que cercado por tantos colaboradores experientes. Provavelmente, para além do risco de invalidar tentativas futuras de recorrer da decisão, pesou-lhe o custo humano da desobediência civil em face de uma direita autorizada a tudo pelos “odiadores da política”, este poço sem fundo de ressentimentos em estado de prontidão para abater o “inimigo público” da vez.

Porém, dimensionando aquilo que confere à política o seu pão de cada dia – a luta simbólica – a prisão de Lula foi como “ele” quis. A exposição da capacidade de sacrifício de um senhor quase septuagenário foi a deixa que os seus algozes não esperavam conceder. A comunicação emotiva de Lula aliada à postura conciliatória com a qual conduziu os seus governos de inclusão ratifica a sua liderança carismática e, considerando a resistência em São Bernardo do Campo como um dos eventos mais dramáticos da república brasileira pós-1988, garante-lhe a posteridade – essa versão secularizada do sonho de imortalidade que os gregos antigos nos legaram. “Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia” – frase proferida por Lula em seu discurso antes de anunciar que iria se entregar à Polícia Federal e que resume à perfeição o alcance de sua presença no imaginário social.

Lula é um preso político. Estará o campo progressista à altura desse desafio? Haverá consensos mínimos para um debate programático que contrarie, parcialmente que seja, a sentença weberiana de que é improvável um líder carismático transferir a lealdade dos seus liderados a um sucessor? Nesse cenário de crise institucional, as esquerdas têm a chance de se reinventarem não sem antes correrem o risco de devorar a si mesmas.

Os dados estão lançados.

quinta-feira, 29 de março de 2018

Resistência democrática


Resistência democrática

Hoje é muito difícil não ser canalha. Todas as pressões trabalham para o nosso aviltamento pessoal e coletivo”. (Nelson Rodrigues)

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Os tiros contra a caravana de Lula no Paraná poderiam ter assumido contornos trágicos para todos aqueles que, a despeito de inclinações partidárias, ainda creem na democracia como regime político no e pelo qual os conflitos são admitidos e geridos racionalmente. Desnecessário dizer que o atentado não é um ponto fora da curva, uma vez que a violência pré-política tornou-se a rotina de instituições que deveriam servir de contrapeso ao uso arbitrário das razões pelos contendores na política nacional. Dito de outro modo, não há por que estarmos surpreendidos com o iminente risco de morte de lideranças e militantes pelo simples fato de se posicionarem à esquerda do espectro político, pois a selvageria que recaiu sobre Lula e seus correligionários no sul não é desconexa, por exemplo, da violência simbólica contra Dilma Rousseff quando, pasme, sua imagem fora fixada no stand de tiro da Polícia Federal como “motivação” para o treinamento [1].

Por que falar disso agora? “Não força!”, dirão alguns. Detenhamo-nos um pouco mais sobre aquilo que, a meu ver, seria um sintoma das práticas fascistas que se disseminaram em todas as latitudes do país. Não é aleatório lembrar do “tiro ao alvo” contra a então presidenta legitimamente eleita Dilma Rousseff dentro da Polícia Federal. O agente que o fez em serviço e o divulgou nas redes sociais cometeu um ato de insubordinação grave, haja vista o comando que a Presidência da República, por intermédio do Ministério da Justiça, exerce sobre aquele órgão. O que ocorreu ao agente? Um processo disciplinar resultante em demissão a bem do serviço público? O processo até que se cumpriu, mas a apuração da apologia ao crime contra a vida da então autoridade máxima da nação lhe rendeu aprazíveis quatro dias de suspensão... Há três anos, esse evento apenas confirmava a fratura da cadeia hierárquica do governo federal numa conjuntura que flertava com a luta aberta entre os três Poderes e, doravante, com a derrocada de uma incipiente democracia.

Todavia, o que causa verdadeira perplexidade não é o atentado em si, mas o endosso ao mesmo por membros da política institucional que, diante da crescente beligerância de grupos de extrema direita, poderiam ser mediadores capazes de devolver a luta ideológica ao leito da esfera pública. Pelo contrário: acirram os ânimos dos “odiadores da política” até, quiçá, regredir a vida civil a uma horda primitiva. Segundo Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo, Lula e seus apoiadores “estão colhendo o que plantaram”[2], enquanto a senadora Ana Amélia (PP-RS) exalta os agressores de sua caravana na passagem pelo Rio Grande do Sul: “Quero parabenizar Bagé, Santa Maria, Passo Fundo, São Borja. Botaram a correr aquele povo que foi lá levando um condenado se queixando da democracia. Atirar ovo, levantar o relho, mostra onde estão os gaúchos”[3]Evidente que ambos operam uma inversão dos fatos. Um dos mais hábeis artífices da conciliação de classes, para o bem e para o mal, foi Lula quando à frente do Planalto e, ao contrário do que apregoa Ana Amélia, a condenação do ex-Presidente em um processo penal sem sentença definitiva (e cujas “inovações jurídicas” fazem corar qualquer professor de Direito Constitucional) não lhe retira o direito de reunir-se pacificamente em local público.

Da suposta equalização dos polos da política brasileira na Era Lula, chegamos à mobilização dos seus extremos rumo a uma conflagração na qual tudo parece possível. A defesa da candidatura de Lula à Presidência não é, necessariamente, adesão espontânea àquela liderança senão a aceitação de que a soberania popular é irrenunciável e de que os seus titulares não podem ter suas escolhas cerceadas pela retirada forçada de Lula ou de quaisquer atores políticos das eleições majoritárias deste ano. A manutenção de uma democracia sem povo, em tese, não deveria ser aceitável pela fração civilizada da direita brasileira. Não obstante, a repactuação de limites na luta política ainda está longe de encontrar porta-vozes que convençam do contrário aqueles que amam odiá-la. Diante desse quadro, a resistência democrática de Lula, independente dele ser ou não elegível em outubro, é um experimento entre outros para a tarefa que se agiganta para toda uma geração: refundar a república brasileira.