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segunda-feira, 6 de maio de 2024

Precisamos de um cordão sanitário contra o bolsonarismo – uma resposta a Joel Pinheiro da Fonseca

 

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Precisamos de um cordão sanitário contra o bolsonarismo – uma resposta a Joel Pinheiro da Fonseca

George Gomes Coutinho**

No último 29 de abril a Folha de São Paulo publicou o artigo de opinião de Joel Pinheiro da Fonseca intitulado “Precisamos do bolsonarismo moderado”[1]. O texto causou rebuliço pelo oxímoro escandalosamente defendido, onde as palavras “bolsonarismo” e “moderado” se atracaram em constrangedora conjunção. Diversas reações ocorreram desde então. Impropérios, ridicularização, demonstrações de estupor, ataques ad hominem... Porém me proponho a levar a sério o texto de Joel e, acredito, o conteúdo do seu texto pode nos levar a considerações sobre a atual conjuntura política brasileira em geral e sobre a direita nativa em particular. Vamos por pontos.

Primeiramente, a publicação do texto de Joel é sintoma e não a doença. Joel tem em sua biografia polêmicas como o debate sobre a venda de órgãos, onde já se posicionou favoravelmente e agora se demonstra arrependido[2]. Talvez Joel tenha se sentido moralmente autorizado a discutir o tema em uma sociedade das mais desiguais do planeta Terra. Poderia ser, quem sabe e na melhor das hipóteses, um excelente negócio. A despeito de suas motivações, por vezes que demonstram ser a de um adicto por click bait, a trajetória de Joel tem sido marcada por posicionamentos por vezes moralmente repugnantes e apresentados em uma embalagem cool. Tratam-se, em muitas ocasiões, de demonstrações de uma suposta “ousadia” intelectual de uma direita “sem tabus” e com ares de ser “descolada”. A questão é que seus argumentos, quase sempre, não resistem a um exame crítico minimamente detido. Nos cabe perguntar: qual a razão de sua presença cativa em um dos maiores jornais do país? Joel, em minha perspectiva, é sintoma do “doisladismo”.

Há anos, em decorrência das mudanças ocorridas no ecossistema de comunicação, as diferentes expressões da mídia tradicional, sejam jornais, revistas semanais ou canais de TV, foram arrastadas pelos novos influxos comunicativos e, de alguma maneira, acharam que era uma boa ideia emular e reverberar as redes sociais. Na atual tribalização de nossa sociedade, importa é “representatividade” dos grupos em disputa de narrativas. Ok, sociedades democráticas são complexas e plurais. É importante que a mídia represente esta diversidade. O problema é que na filosofia do “doisladismo” importa é dar espaço aos supostos representantes dos “dois lados” da contenda, a despeito da qualidade dos argumentos que apresentem. Rinhas televisivas constrangedoras fizeram grande sucesso utilizando essa fórmula. E é assim que nos deparamos com textos como os de Joel, que muitas vezes poderiam estar muito bem recepcionados no jornalzinho da chapa conservadora da faculdade que ganhou as eleições para o Centro Acadêmico.

 O problema não é ser liberal e de direita. O problema é falar asneiras e não contribuir efetivamente com uma opinião pública de qualidade onde os problemas de um país no capitalismo periférico precisam ser discutidos com a seriedade que merecem. E, para além disso, a única coisa que o doisladismo produziu é a naturalização e propagação de argumentos e posicionamentos onde o termo “duvidoso” é apenas um eufemismo. Mais um demérito, de uma listagem de centenas, da Folha de São Paulo. O problema é que a Folha não está sozinha nesta mistificação do que seja um debate de interesse público.

Dando seguimento, essa aproximação submissa de Joel com o bolsonarismo segue longa tradição dos liberais de direita[3] do século XX em flerte com os autoritários em geral. Vejamos o que Grégoire Chamayou nos diz sobre a sabujice de um dos maiores representantes desta vertente política:

Salazar toma o poder em Portugal. Hayek envia-lhe seu projeto de constituição com palavras gentis. Os generais dominam a Argentina, ele vai até lá dar uma sondada. Pinochet derrama sangue no Chile, lá vai ele de novo. Um boicote se lança contra a África do Sul, Hayek pega a pena para defender o regime, e assim por diante. Toda vez (ou quase sempre) que ele se acha numa situação histórica em que, precisamente, ‘por reação contra as tendências socialistas’, um regime ditatorial se impõe, ele se apressa em oferecer seus conselhos.” (Chamayou, 2020: 347-348)

De alguma maneira o desalentado Joel, por representar uma direita sem voto na conjuntura onde ele diagnostica termos um governo de esquerda[4], igualmente se apressou em ofertar conselhos ao bolsonarismo. De olho no capital eleitoral que não tem, sugeriu um caminho maroto de “moderação”. Oras, quem sabe não teremos aí um racismo de baixos teores? Tal como Bolsonaro já achou conveniente pesar quilombolas em arrobas, que tal utilizarmos outra unidade mais adequada? Que tal quilos? É moderação suficiente? E o conteúdo misógino indisfarçável inerente ao bolsonarimo onde até mesmo Michele Bolsonaro é ofuscada? O quanto de misoginia podemos moderar, sem perder a essência do movimento? Talvez um bolsonarismo com pink ou green washing, tudo para que a população LGBT ou ambientalistas possam se sentir mais à vontade quando forem tratados como párias por parte do público bolsonarista.

Com tudo isso, ainda Joel clama pelo que já existe. O NOVO está aí com seu discurso prafrentex identitário presente na boca de suas elites, seguindo com a sua base tão ogra como o rasteiro bolsonarismo fora do partido[5], e foram verdadeira correia de transmissão do governo Bolsonaro (2019-2022) na Câmara dos Deputados. Tal como Tarcísio, aquele que conseguiu uma alta produtividade em letalidade policial, os impressionantes 138% de aumento de indivíduos mortos por sua polícia[6], e se tornou muso inspirador dos jornalões como presidenciável dos sonhos para 2026. O que há de moderação? Um verniz nos bons modos, seja em Tarcísio ou o NOVO, e todos aliados de uma agenda de livre mercado dentro do que as elites econômicas locais, sejam no Agro ou na Faria Lima, assim o consideram: um projeto de acumulação sem constrangimentos como direitos, tributação, etc.. Um velho oeste distópico em que liberdade boa é a exploração sem limites e a formação de paraísos fiscais exclusivos para ricos. É barbárie? É, tanto quanto no bolsonarismo raiz! Só que sem camisa falsificada do Palmeiras e pão fatiado com leite condensado.

Com tudo isso, não enxergando o “bolsonarismo moderado realmente existente”, Joel sofre ainda da falta da decência dos que tiveram peito e bancaram a lógica do cordão sanitário.

Alemães, diante do crescimento eleitoral da AfD, o partido com tonalidades xenófobas e parentesco com o neonazismo, portugueses ante o desprezível Chega, e até mesmo diversos setores concorrentes na Espanha diante do VOX, decidiram adotar por princípio não se amalgamarem com essas forças extremistas a despeito de sua capacidade eleitoral. É o cordão sanitário. Com fascistas e assemelhados, não confraternizamos. Combatemos e isolamos. Com todos os senões, foi o que João Dória, do slogan “Bolsodória” de triste memória, optou por fazer individualmente. Deu combate quando viu que a coisa estava fora do controle. Igualmente na direita democrática que Joel não se vê representado, nomes como Alckmin, Simone Tebet, ao invés de tentarem “moderar” o bolsonarismo, embarcaram no governo federal de Frente Ampla de Lula 3.

Não foi uma saída pelo oportunismo eleitoral caroneiro do bolsonarismo replicado em todo território nacional, algo visível até mesmo nestas eleições de 2024. Oportunismo este reforçado pelos argumentos sem vergonha de clamor de moderação apresentados por Joel. Mas, não, não é possível moderar o que se constituiu enquanto discurso de ódio amplificado pela arquitetura das redes sociais. Enfim. O jovem Joel já envelheceu mal.

Referências:

CHAMAYOU, Grégoire. A sociedade ingovernável: uma genealogia do liberalismo autoritário.  São Paulo: Ubu, 2020.

* Disponível em: https://vermelho.org.br/coluna/terrorismo-como-tatica-politica-de-bolsonaro/, acesso em 06 de maio de 2024.

** Professor Associado da área de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais na UFF-Campos.



[3] Pode causar estranhamento ao leitor menos familiarizado com a história das ideias políticas. Mas, não custa lembrar que há um liberalismo progressista que congrega de Hobhouse a John Dewey. Sim, há uma esquerda liberal.

[4] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/joel-pinheiro-da-fonseca/2024/04/como-e-que-o-brasil-e-de-direita-e-lula-esta-no-poder.shtml, acesso em 06 de maio de 2024. Penso que seria de bom alvitre Joel ouvir o experiente Zé Dirceu que considera Lula 3 um governo mais para a centro direita. Para detalhes desta perspectiva, ver aqui: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2024/04/22/jose-dirceu-governo-lula-centro-direita.htm, acesso em 06 de maio de 2024. Particularmente, entre Joel e Zé, fico com o último.

[5] Vale dizer que a turma do LIVRES também vive esses constrangimentos. Por vezes seus dirigentes tentam emplacar um discurso mais aberto na pauta de costumes e são esculhambados por suas próprias bases.

terça-feira, 4 de abril de 2023

CONSOLIDAÇÃO DA DIREITA E DECADÊNCIA DO BOLSONARISMO - Christian Lynch

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CONSOLIDAÇÃO DA DIREITA E DECADÊNCIA DO BOLSONARISMO**


Christian E. C. Lynch***

Bolsonarismo é uma coalizão de setores conservadores em torno de um homem que lhes serviu de catalizador para reagirem contra os avanços progressistas de uma determinada quadra histórica, em uma circunstância de desmoralização do sistema representativo.

O Bolsonarismo representou uma resposta à demanda  - desses, cíclicos - de revitalização da direita popular, num momento em que o sistema não tinha representantes conservadores, estava desmoralizado pela Lavajato. Bolsonaro foi quem estava à mão e serviu de para-raios  em 2018

Bolsonaro não era nem é homem à altura para consolidação desse movimento em um momento como o atual, de "normalização" da direita. Representa o radicalismo incompetente e lacrador, quando a maior parte da direita quer moderação  e eficiência.

Hoje o sistema já se recolocou de pé, absorveu os conservadores (até demais), e se reorienta em direção à estabilidade. O eleitorado rejeitou Bolsonaro em 2022 por seus excessos. Os "moderados" tendem a rejeitar para o governo a minoria radical, cuja hora já passou

O que Bolsonaro quer é não ser preso e aproveitar o patrimônio que amealhou com a corrupção. Prefere ficar inelegível para ter pretexto para não trabalhar. Seu desejo coincide com esse momento histórico de "normalização" da direita em um registro mais institucional

O Bolsonarismo está em vias de se tornar um fenômeno residual dentro do próprio conservadorismo, na forma de extrema-direita isolada. A direita popular, descoberta e enraizada no eleitorado, veio para ficar. Mas o tempo do Bolsonarismo como fenômeno já passou. 

O tempo é outro e a fila andou.


* Caricatura de Frank Hoppman. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/novo-em-folha/2022/06/caricatura-de-bolsonaro-feita-por-alemao-recebe-premiacao-internacional.shtml, acesso em 04 de abril de 2023.


** Texto publicado originalmente no perfil do autor no Facebook em 04 de abril de 2023. O texto é reproduzido aqui no blog com a autorização de Christian.


*** Professor da área de Ciência Política no IESP/UERJ. Publicou no segundo semestre de 2022 o Populismo Reacionário pela editora Contracorrente em coautoria com o professor Paulo Cassimiro (IESP/UERJ).

segunda-feira, 5 de julho de 2021

Parque Alberto Sampaio e os desafios da revitalização

Fonte: Folha 1.

Parque Alberto Sampaio e os desafios da revitalização*

* Publicado originalmente em Jornal on-line Terceira Via.

Inaugurado em 1988 pelo então prefeito Zezé Barbosa, o Parque Alberto Sampaio está em decadência há pelo menos 20 anos. Sucessivos governos negligenciaram o local que já foi importante espaço de lazer e palco de grandes eventos culturais. No dia 28 de junho, o prefeito Wladimir Garotinho anunciou Projeto de Lei encaminhado à Câmara Municipal para transformar o equipamento público em Praça da Bíblia. Caberá à Associação Evangélica recuperar e zelar pelo parque. Intelectuais, artistas, arquitetos e urbanistas reagiram à decisão. O local abandonado em plena área central voltou a despertar interesse e discussões sobre sua ocupação.

Durante evento no Alberto Sampaio, Wladimir fez citações bíblicas antes de assinar convênio do programa “Amigo da Cidade”, com a AEC. “Nós devemos orar por todas as autoridades. Gostando da autoridade ou não. Campos vive um momento difícil. A gente disse que era possível. E só é possível se a igreja estiver junto, com Deus à frente”. Em seguida, anunciou que passará para a Associação Evangélica de Campos a responsabilidade pelo espaço público, onde será criada a Praça da Bíblia. “A AEC representa todas as denominações. Não estou falando de uma igreja, mas de um povo cristão desta cidade, que possa continuar em oração”, destacou o prefeito.

A iniciativa do prefeito em criar uma Praça da Bíblia recebeu apoio, mas também críticas e ponderações por parte de artistas e acadêmicos. Uma das preocupações é se o espaço público, supostamente, privilegiar seguidores da fé evangélica.

A Associação Evangélica de Campos existe há 32 anos e reúne cerca de 120 igrejas de diversas denominações. É presidida pelo apóstolo Renan Siqueira, ex-candidato a vereador. Ele afirma que a instituição não tem fins políticos, apenas sociais e evangelísticos. “Promovemos ressocialização de dependentes químicos, ex-presidiários, moradores em situação de rua. Fazemos parte do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente. A AEC vai reformar e cuidar da manutenção da praça, realizar trabalhos sociais, eventos religiosos e culturais”, planeja.

Nos anos 1980, em frente à antiga Estação Ferroviária, foi criada uma Praça da Bíblia. Esta outra no Alberto Sampaio gerou polêmica. Por meio de nota, o governo esclareceu que a praça será ao lado do Anfiteatro Antônio Roberto de Góis Cavalcanti, Kapi, e continuará disponível para a população em geral, independente da escolha religiosa. “É uma praça pública. O objetivo é revitalizar o parque. A administração municipal é laica e o prefeito não discrimina, apoia ou tem predileção por qualquer denominação religiosa. Festas religiosas tradicionais, como a de Santo Amaro, fazem parte da cultura local e são apoiadas”.

Renan Siqueira afirma que não pretende se apropriar da praça. “Nós evangélicos pregamos e vivemos o amor ao próximo. Teremos a maior alegria em servir qualquer religião que almeje utilizar o espaço público. Nosso maior desejo sempre foi ver aquele espaço sendo utilizado para o bem-estar da população, um ambiente familiar, seguro; compartilhar o Evangelho do nosso Senhor Jesus Cristo através de eventos cristãos, ação social e unir pessoas”.

Política, religião e arte

Doutor em Teologia, Fabio Py é professor do Programa de Sociologia Política da Uenf. Ele observa que nos últimos 10 anos transformar antigos aparatos públicos em Praça da Bíblia tem se repetido pelo Brasil.

“Faz parte de alianças dos governos com as grandes igrejas evangélicas. A Associação Evangélica como instituição se fortalece. Para mim, são as alianças políticas mais estridentes do bolsonarismo. Pode haver um direcionamento religioso desse espaço público. O que se tinha antes como debate cultural nessa praça, pode estar em risco de virar um espaço evangelístico e apologético”, cogita.

O diretor teatral Fernando Rossi foi assistente do espetáculo de inauguração do Parque Alberto Sampaio, “Arena Conta Zumbi”, dirigido pelo já falecido Kapi. Por vários anos, Rossi montou e exibiu peças e musicais no anfiteatro.

“Recebi com surpresa e perplexidade a notícia da parceria entre a Prefeitura e AEC para transformar o Teatro de Arena no Parque Alberto Sampaio em Praça Bíblica. Com a Lei nº 8.757 de 29 de junho de 2017 o Teatro de Arena passou a ter o nome de Kapi. O espaço foi concebido para atividades culturais para a população. É bom lembrar que o Estado é laico pela Constituição”.

A diretora teatral Tânia Pessanha diz que quando o parque foi construído, a classe artística se animou com o espaço. “Claro que não basta a existência da estrutura básica. E se tivéssemos uma prefeitura com interesse em desenvolver a cultura local, inúmeras atividades artísticas poderiam e deveriam acontecer ali. Acho absurdo um espaço cultural ser direcionado para um segmento religioso. A classe artística tem que ser ouvida”.

O poeta Artur Gomes destaca o Festival de Música da Primavera no anfiteatro. Em 1989, o vencedor foi João Damásio com a música Mãe África.

“Lá também foram realizados o Encontro Nacional de Poesia em Voz Alta 1991 e 1992. O governo Zezé Barbosa, por incrível que pareça, teve um momento auspicioso. No próprio governo Garotinho, nos dois anos iniciais do seu primeiro mandato, esses espaços estiveram em evidência”, compara.

A atriz Lúcia Talabi diz que o Alberto Sampaio foi pensado e construído como espaço cultural.

“Ainda não recebeu a devida atenção por parte do Poder Público. É situado em lugar estratégico. Repercutiu positivamente a Feira dos Povos em 2017. Não precisamos de mais atividades confessionais, mas de bons serviços em arte e a cultura”.

O dançarino e historiador José Fernando Rodrigues lembra dos vários eventos de dança realizados no Teatro de Arena.

“Esses espaços abertos e equipamentos urbanos foram literalmente abandonados. Cabe ao Poder Público recuperá-los. Acho saudável parcerias com a iniciativa privada nesse aspecto. Uma arena pública é para promover cultura. Caberá ao Conselho Municipal de Cultura fiscalizar esse espaço”, cogita.

Passado, presente e futuro

O campista Alberto Sampaio foi referência mundial em botânica, além de médico homeopata, geógrafo e sociólogo. Nascido em 1881, aos 22 anos foi estudar no Rio de Janeiro. Ingressou em 1904 no Museu Nacional. Por 36 anos defendeu causas de preservação ambiental. Morreu em 31 de dezembro de 1946. Este resumo biográfico foi pesquisado por Genilson Soares, presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos.

“O espaço era conhecido como Jardim de Alah e só passou a homenagear o ilustre campista em 1947. O Parque era muito arborizado. Destaco a apresentação da Orquestra Sinfônica Brasileira em 3 de julho de 1961. Essas parcerias com a iniciativa privada não podem passar por cima da história e tradição. Tem que haver diálogo com a sociedade. Vivemos em uma democracia. A República separou o Estado da Igreja, desde 7 de janeiro de 1890”, diz Genilson.

O arquiteto e urbanista Ernani Alves considera o abandono do Parque Alberto Sampaio lamentável.

“Ele se tornou um ponto comercial com camelódromo e estacionamento sob o viaduto. Deveria ser feito um projeto de urbanização e revitalização. A população de rua e falta de segurança preocupam. A ideia de ‘Central Park’ sempre foi a tônica. Era o pensamento dos criadores do projeto, os arquitetos Claudio Valadares, Ocemir Boticelli e Francisco Leal, quando venceram o concurso que originou o projeto. Seria um sonho termos um belo parque sem grades e todo ajardinado na área central”, conclui.

terça-feira, 30 de março de 2021

Anomia ou espelho quebrado?

Anomia ou espelho quebrado? 

Narciso acha feio o que não é espelho.

(Caetano Veloso)

Paulo Sérgio Ribeiro

Não é a primeira vez que escrevo com o pensamento em Viçosa/MG, atual morada deste blogueirinho sujo. Atrever-se a lembrar donde se vive é um risco, pois há sempre a chance de se repetir clichês ao tentar um distanciamento crítico do que lhe pareça familiar ou banal.

Quase nada sei de Viçosa, ainda que esteja nela situado há quase dois anos. Como qualquer habitante, certo trajeto se impôs a minha rotina e este circuito fechado se revelou demasiado claustrofóbico à medida que o isolamento se fez permanente na pandemia. Isolamento, não duvidem, tem sido apenas um ato pessoal de estoicismo diante da quarentena meia boca que alguns eufemisticamente chamam de “novo normal”.

O que é “normal”? O que nos vincula aos outros ao evocá-lo? Haveria alguma escala de valores para mensurá-lo?

O atrativo maior de Viçosa é o campus que lhe toma de empréstimo o nome: Universidade Federal de Viçosa (UFV). Sem dúvida, um deleite para quem aprecie suas manchas de Mata Atlântica, toda sorte de pássaros silvestres, sua jardinagem impecável, além, claro, de ser a preferência de dez em cada dez praticantes de esportes ao ar livre. Estes, entretanto, terão de eleger outro passeio público com a medida restritiva estabelecida pela Reitoria da UFV[1], haja vista a quantidade de frequentadores da universidade que, isoladamente ou em grupo, dispensam a máscara ao se entrecruzarem confiando na vastidão do campus, na providência divina, no Kapitão Kloroquina (com K) ou em sei lá o quê.

Ainda que considere tal decisão razoável, ela faz emergir uma questão que tanto inspira quanto atormenta àqueles(as) que, um dia, beberam da água da sociologia clássica: afinal de contas, o que faz o laço social?

Talvez, fosse mais fácil começar pelo que o esgarça – a dissolução do pacto federativo, entre outros processos de desagregação social - como sinaliza um dos mais argutos cronistas da questão nacional de que dispomos, Roberto Moraes[2]:  

 

A guerra federativa do desgoverno do Partido Militar contra governadores é muito profunda e de riscos incalculáveis.

[...]

Isso começou com a negação da pandemia, se ampliou com a propaganda de remédios sem efeitos, seguiu com o enrolo em relação às vacinas e agora com relação à distribuição orçamentária, como se as pessoas não vivessem nas cidades e estados, mas de um único país. Ninguém mora na nação, sem morar num município ou estado.

[...]

O resultado disso é a redução e a perda da identidade, do sentimento de pertencimento à nação Brasil. União sem soberania e sem articulação e cooperação federativa não é nação.


Não suponho que a nacionalidade seja a definição última de um sentimento comum quanto à origem ou destino coletivo. Mas aceitemos que a ideia moderna de “nação” vá ao encontro da tentativa de dar nome a certas relações de interdependência entre indivíduos estranhos entre si quando o que está em jogo é o controle sobre determinado território, assim como a instituição do Estado de cuja legitimidade depende o fato de que a totalidade daqueles indivíduos seja algo além do que a simples soma das suas partes. A mediação entre Estado e sociedade implica, pois, a figuração de um “todo orgânico” pela qual suas contrapartes se reconheçam mutuamente até mesmo para se posicionar diante dos seus conflitos mais cruentos.

Dito de outro modo, um mínimo de expectativa recíproca das maneiras de pensar, sentir e agir se faz necessário para que uma sociedade complexa transcenda nossas vidas sem reduzi-las a pura contingência. Mas, o que dizer quando um indivíduo se vê ameaçado por sua própria coletividade? Em termos simples: o que fazer quando, diante de um vírus da Covid-19 transmissível pelo ar, engrossando taxas de contágio galopantes e de óbito assustadoras, é quase certo que você topará com alguém ou algum grupinho sem máscara no campus da UFV, numa rua ou praça de Viçosa ou de qualquer outra cidade neste país?

Evidente que aqui subjaz uma situação de classe peculiar: escrevo do ponto de vista de quem pode se isolar para leitores que, provavelmente, participem de condição similar. Há, todavia, um sem número de categorias de trabalhadores que, simplesmente, têm de se expor e, ainda que tentem evitar condutas de risco, estão submetidos a maiores chances de se contaminar. Trato aqui, tão somente, de um comportamento coletivo – ser um agente colaborador de uma guerra biológica contra a humanidade – e do que ele revela sobre como laços sociais se fazem ou desfazem.

Diante desse comportamento coletivo sui generis, indago se há um estado de anomia entre nós.

Em uma primeira aproximação do conceito, anomia consistiria num estado de desorganização social resultante da perda do efeito disciplinador das normas sobre as condutas. A baixa adesão coletiva às tentativas episódicas de governos municipais ou estaduais de restringir a circulação de pessoas nos levaria a crer que a anomia, nos termos tratados até aqui, manifestar-se-ia como um conceito inequívoco em nosso cotidiano.

Porém, ressalva Heloísa Fernandes[3], a evolução mesma do conceito de anomia na obra de Émile Durkheim evidencia um diagnóstico da modernidade controverso em suas premissas.

Se nas primeiras obras do velho mestre francês - Regras do Método Sociológico e A Divisão do Trabalho Social –, anomia seria uma espécie de gradação do célebre conceito de “solidariedade orgânica” que, por sua vez, refletiria uma perspectiva dos conflitos como sintomas passageiros de uma sociedade que, qual um ser vivo em crescimento, comportaria fases de desiquilíbrio rumo ao estabelecimento de novas formas de vida social - desde que seus “órgãos” se mantivessem interdependentes - , em O Suicídio, diz Fernandes, há uma mudança de ênfase: com o “suicídio anômico”, admite-se a possibilidade de que o corpo social seja destruído, na medida em que uma ordem normativa internalizada não seja mais páreo para as paixões humanas que nos arrebatam:

 

Anomia é, então, o diagnóstico do corpo doente, e não mais das relações dos órgãos entre si. Ademais, não deriva da inexistência de regras de intercâmbio mas da ausência de freios. Já não indica a desordem de uma etapa no curso de uma evolução progressiva e automática em direção à solidariedade orgânica mas é o mal que ameaça a sociedade moderna (FERNANDES, 1996, p.75).


Ora, por que duvidar da pertinência do conceito de anomia se continuamos a morrer aos magotes pela elevação da liberdade individual a um valor absoluto por aqueles que dispensam máscaras nos espaços públicos ou simplesmente avacalham a noção de “desobediência civil” como subterfúgio para se reunir às dezenas em quaisquer espaços? Esta imoderação da comportamento não prova que determinadas pessoas seriam espécimes do “homo bolsonarus”, assim interpretado por Renato Lessa[4] como o mergulho numa distopia: devolver-nos ao estado de natureza?

Ao ponderarmos a correlação entre as maiores taxas de contágio da Covid-19 e as cidades com maiores resultados eleitorais favoráveis a Bolsonaro em 2018 [5], é bastante tentador tomar aquele segmento da população brasileira como o avesso da modernidade: a barbárie.

Contudo, tal suposição se mostra duvidosa a julgar pelo acerto de Fernandes (op. cit.) na análise que fez da sociologia do consenso de Émile Durkheim em diálogo com a psicanálise. O conjunto de valores e crenças que regulam o comportamento humano seria o correlato do superego, esta instância da autoridade moral a expiar nossas volições inconscientes numa luta sem fim por domá-las... em vão. Todavia, a consciência coletiva atribuível àquela “autoridade” se desvanece quando o indivíduo encontra-se sob pressão das múltiplas filiações valorativas propiciadas pela ruptura com a tradição que a modernidade nos brindou. Entregue às suas disposições de agir cada vez menos comprometidas com valores comuns – conformismo moral -, teríamos indivíduos insaciáveis e incontroláveis.

Ora, o que Durkheim toma por ameaça à sociedade moderna – a anomia – não seria a própria condição moderna? Sentir-se “perdido” não passou a ser uma constante em nossas vidas com a vacuidade de sentido num mundo onde (lembrando Weber) todos os valores são sagrados? Aliás, a entronização do indivíduo, indaga Fernandes, não seria o preço a se pagar pelas crenças modernas que nos constituem:

 

Quem sabe a anomia seja mesmo um sintoma do mal-estar na modernidade ? Sintoma dessa impossibilidade de habitar uma cultura que nos demanda como indivíduos – seres indivisos, monádicos, desterrados e “livres como pássaros” – ao mesmo tempo que não cessa de nos cobrar porque obedecemos tão bem ao seu mandato! (FERNANDES, 1996, p.78).


Sim, somos objeto de um experimento político genocida em curso, mas seus agentes colaboradores – ainda que personifiquem de maneira grotesca o “homo bolsonarus” – não são, necessariamente, encarnações de um passado arcaico, mas típicos homens e mulheres da modernidade. A perplexidade é reconhecer que não há qualquer chance de uma negociação pacífica de dissensos com aqueles, digamos, congêneres da vida humana. 

Com “eles” não haverá um “nós” a ser compartilhado, mas um mundo a ser disputado.



[2] BRASIL 247. A construção da guerra federativa do desmonte nacional. Edição de 01/03/2021 Disponível aqui.

[3] FERNANDES, Heloísa. Um século à espera de regras. Tempo soc.,  São Paulo ,  v. 8, n. 1, p. 71-83,  jun.  1996 . Disponível aqui.

[4] LESSA, Renato. Homo bolsonarus. Revista Serrote, Instituto Moreira Salles: São Paulo/SP, jul. 2020 (Edição especial).  

[5] Jornal O Globo. Cidades pró-Bolsonaro registraram maior taxa de contágio pela Covid-19, indica estudo. Edição de 04/05/2020. Disponível aqui.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Repúdio à invasão violenta de evento acadêmico por bolsonaristas.


Repúdio à invasão violenta de evento acadêmico por bolsonaristas*.

 * Publicado originalmente em Change.org.

NOTA DE REPÚDIO

O Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia da Uerj (Cebrad/Uerj/CNPq) e o Laboratório de Alternativas Institucionais da UFF (LAI/UFF/CNPq) vêm a público manifestar seu mais veemente repúdio à ação perpetrada por militantes bolsonaristas que, no dia 03/12/2020, por volta das 19h, invadiram a live de lançamento do livro Bolsonarismo: teoria e prática, produzido em parceria pelos nossos núcleos de pesquisa e recém publicado pela Gramma Editora.

O evento, de cunho acadêmico, propunha-se a debater os temas ligados à natureza, desenvolvimentos e impactos do bolsonarismo como fenômeno sociológico e político sobre a sociedade e sobre as instituições políticas nacionais. Não havia nenhuma conotação partidária ou ideológica no encontro, cujo intuito era a livre discussão científica. Foi neste ambiente que militantes bolsonaristas se infiltraram e, aos gritos, tentaram silenciar os debatedores.

Não obtendo sucesso, postaram vídeos grotescos, de cunho pornográfico, com o objetivo de constranger os presentes e impedir o prosseguimento do debate. Ainda que tenhamos conseguido repelir os invasores e concluído com êxito a discussão, houve prejuízo para diversas pessoas que não puderam mais acessar a sala.

Os signatários desta nota entendem que é legítima a expressão de toda divergência política, ideológica ou teórica numa sociedade democrática, mas não podemos admitir práticas fascistas que têm por objetivo impor uma visão única e calar o divergente. Expressamos, assim, nossa repulsa a essa ação antidemocrática, que não pode prosperar na nossa sociedade.

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2020

Geraldo Tadeu Monteiro, Coordenador do Cebrad/Uerj/CNPq

Carlos Sávio Teixeira, Coordenador do LAI/UFF/CNPq

Essa nota vai subscrita pelas seguintes entidades e pessoas, estando aberta à adesão de todas pessoas físicas e jurídicas que cerram fileiras na defesa dos Direitos Humanos e das liberdades democráticas.

Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais - Coordenação Regional do Rio de Janeiro;

APSERJ - Associação Profissional dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro

Sindicato dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro

SINTIFRJ - Sindicato dos Trabalhadores do Instituto Federal do Rio de Janeiro

Professor Thiago de Jesus Esteves (IFRJ)

Professor Lier Pires Ferreira (Ibmec; CP2; Lepdesp)

domingo, 22 de novembro de 2020

Derrotar Crivella para destronar o falso messias

Fonte: Agência O Globo (aqui).

Derrotar Crivella para destronar o falso messias*


Fabio Py

 

* Publicado originalmente em Mídia Nínja (aqui).

 

Crivella, a face política Universal

 

Estamos no período eleitoral e, no Rio de Janeiro, um personagem se vinculou diretamente ao presidente Jair Messias Bolsonaro durante a campanha: o candidato à reeleição e “bispo licenciado” da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella (Republicanos). Crivella é sobrinho do dono da Universal e do Sistema Record de Comunicação, o bispo Macedo. Mesmo que por momentos negue, sua figura política está diretamente relacionada ao título “bispo” da Universal. Para se livrar um pouco do tom religioso, nos últimos anos ele passou a fazer uso do termo “bispo licenciado”. Com ele, sinaliza que está afastado das atribuições integrais do bispado, não recebendo o salário, nem tão pouco exercendo liderança de templo ou cuidando de região eclesiástica.

 

Contra ele, no meio teológico, existe um chavão: “pastor sempre será pastor onde quer que esteja”. Logo, se segue o mesmo raciocínio: se ele é bispo onde quer que esteja, sempre será bispo – mesmo licenciado das funções oficiais. Mesmo na condição de licenciado, não deixa de ter aura sacerdotal seja quando pisa em um espaço sagrado, seja quando faz orações, seja num lugar comum. Leonardo Boff escreve sobre o bispado na Igreja Católica, que de alguma forma se relaciona às estruturas evangélicas: “o bispado é o acúmulo de bens materiais (ornamentos, veste, acesso às pessoas e à estrutura) e bens imateriais (devoção, emoções, carismas e amores) próximo ao ápice na direção de Pedro, monarca cristão”. Também, nas estruturas evangélicas, é uma função maior, de organização de pastores, missionários, evangelistas, pregadores, obreiros. Por isso, se diz que na hierarquia da Universal, Crivella está no topo. Ele está a um passo do papa… Nesse caso, o bispo e tio Edir Macedo.

 

O que se está dizendo é que o cargo de bispo oferece grande peso simbólico/afetivo sobre qualquer pessoa. Na Universal, “o pastorado é ocupado por alguém separado por Deus para uma comunidade e o missionário por alguém que atina em Deus alguma missão em locais distantes ou desafiadores”, o bispado tem seu “carisma relacionado ao cuidado de pastores e pastoras e conjunto de igrejas da região”. E, tal como na Igreja Católica, o bispado é uma função institucional. Por isso, quando Crivella se designa (ou é designado) “bispo” na arena política demonstra que a estrutura da Universal o apoia.

 

Ai está o perigo!

 

A simbiose Crivella-Universal

 

Antes, gostaria de sinalizar que a questão não é tanto a de ser evangélico, católico, espírita ou qualquer tradição religiosa a ocupar cargo político. Não é essa a questão. Mas o perigo se coloca quando algum religioso se mobiliza politicamente junto a uma grande corporação. Nisso, Crivella, o bispo Universal, sempre foi exemplo de conexão. Sua figura pública é a mais pura simbiose grandes igrejas cristãs e o pior da política partidária.

 

O preço “cobrado” pelas instituições religiosas (como a Universal) do apoio político sempre foi muito alto. Crivella sempre pagou o preço, defendendo o setor evangélico fundamentalista e, mais ainda, defendendo como suas as causas da Universal. Por exemplo, em 2007, quando era senador e deu entrada no Dia Nacional da Marcha pra Jesus (projeto de Lei n.376). Assim, permitiu-se verba pública para a maior celebração evangélica do país, sendo a Universal uma das suas propositoras. Em julho de 2018, realçando seu compromisso contra o diálogo inter-religioso e contra as tradições afro-diaspóricas, vetou o projeto de lei 346, que declarava o Quilombo da Pedro do Sal, no centro do Rio de Janeiro, como Patrimônio Cultural e Imaterial do Munícipio. Mais recentemente, em julho de 2020, em plena pandemia do Covid-19 no Brasil, sua gestão designou os tomógrafos para a Igreja Universal da Rocinha. A ação foi um escândalo, pois a comunidade tem uma UPA. A ação ocasionou uma série de mobilizações dos moradores. Eles questionavam se os tomógrafos iam atender os moradores ou apenas os fiéis da Universal.

 

A Universal e a mobilização política dos candidatos

 

Crivella não tem apenas um apoio simbólico com nome de “bispo”. Ao contrário, a Igreja Universal sempre mobilizou ações na direção de seus projetos eleitorais. Primeiro, promovendo nos últimos anos uma série de orações, jejuns, vigílias e unções no meio das liturgias de seus principais templos. Assim, publicamente reveste suas candidaturas com a aura religiosa, uma santidade política. Segundo, a instituição disponibiliza em cada região um número de adeptos para ajudar nas campanhas trabalhando na distribuição de panfletos políticos. Por exemplo, em cidades de 500 mil habitantes, como Campos dos Goytacazes, colocam mais ou menos 100 pessoas diariamente na distribuição de santinhos políticos. E, em cidades como Rio de Janeiro, estrategicamente dividem em 5 áreas, conseguindo mobilizar até 1000 pessoas atuando no corpo a corpo eleitoral com a população.

 

Mobilizam mais pessoas que qualquer partido político!

 

O laboratório das eleições de 2020 e o sonho com 2022

 

Portanto, o que foi estruturado pela Universal, nos últimos anos, é um grande maquinário eleitoral-religioso. Algo tão denso que nenhum partido político consegue mobilizar. Essa máquina, em 2016, conseguiu eleger o próprio Crivella, e, dois anos depois, consagrou a eleição de Bolsonaro, Witzel, Flavio Bolsonaro, Arolde de Oliveira e os demais políticos de extrema direita no Rio de Janeiro.

 

Assim, o desafio que está posto é de como derrotar uma estrutura eleitoral tão densa e que é a base de Crivella. Esse desafio é urgente: barrar a conexão tão direta das grandes corporações cristãs com o poder estatal. É imprescindível, em nome da democracia, que desarme a relação umbilical das grandes igrejas e as políticas de estado que as beneficiam. É fundamental que se supere essa densa fracção fundamentalista evangélica transformada em Estado, beneficiando cristãos em detrimento das demais camadas religiosas do município.

 

Eles são uma pedra no caminho da democracia. Quando uma tradição religiosa toma conta da arena pública, há o risco da construção de um sistema de ódio e desprezo contra as demais tradições religiosas. Essa política de morte em nome de deus tem um nome: teocracia – o regime máximo totalitário-religioso. Assim, espera-se que a mobilização na disputa eleitoral contra o fundamentalismo das grandes corporações evangélicas implicadas na arena pública (identificadas na figura de Crivella) seja um grande laboratório das lutas político-eleitorais em prol da amplificação da democracia, das lutas pela defesa das pluralidades e das liberdades religiosas.

 

Que elas nos ajudem a organizar as forças para derrotar futuramente o mal do bolsonarismo fascista, que tem na cidade do Rio de Janeiro a face do bispo Crivella, negacionista, anti-ciência, genocida e autoritário.

 

Assim, o primeiro desafio está posto: derrotar Crivella. Para depois destronar o eugenista-mor, pai da mentira fingido de messias.

 

Referências bibliográficas:

 

ALMEIDA, Jhenifer.  Política e compromisso religioso: notas sobre a IURD e a atuação de cabos eleitorais a partir do PRB. Nelson Lellis e Fabio Py. (Org.). Religião e política à brasileira: ensaios, interpretações e resistência no país da política e da religião. São Paulo: Terceira Via, 2019.

 

BOFF, Leonardo. Igreja carisma e poder. São Paulo: Record, 1999.

 

EZENDE, Gabriel S. Religião, Voto e Participação Política: a vitória de Marcelo Crivella na disputa eleito-ral carioca de 2016. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política do IU-PERJ/UCAM. Rio de Janeiro: IUPERJ/UCAM, 2018.

 

GRACINO Jr, Paulo & REZENDE, Gabriel. A vez dos eleitos: religião e conservadorismo nas eleições municipais do Rio de Janeiro, RBHR, v.13, n.38, 2020.

 

MARIANO, Ricardo; SCHEMBIDA, Rômulo Estevan de Oliveira. O Senador e o Bispo: Marcelo Crivella e seu Dilema Shakespeariano. Interações: Cultura e Comunidade (Faculdade Católica de Uberlândia), v. 4, 2009.

 

MATA, Sergio. Teologia de Bolsonaro. História e historiografia, v.34, n.51, 2020.

 

ORO, Ari Pedro. A Igreja Universal e a política. In: BURITY, Joanildo ; MACHADO, Maria das Dores Campos (Org.). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Massangana, 2006.

 

VITAL DA CUNHA, Christina; LOPES, Paulo Victor Leite; LUI, Janayna. Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll: Instituto de Estudos da Religião, 2017.