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quarta-feira, 29 de novembro de 2023

Memorial Cambayba - Ditadura Nunca Mais


Memorial Cambayba

Ditadura Nunca Mais

Memória, Verdade e Justiça 


Juntos pela vida, vamos transformar os fornos da usina da morte em símbolos contra os crimes da ditadura civil militar.

Dia 06 de dezembro, às 14:30 horas 

No Parque Industrial da extinta Usina Cambayba

Em Campos dos Goytacazes - RJ

A data marcará o início da caminhada dos 60 anos do golpe de  1964.

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça! 


Nos fornos desta usina foram incinerados os corpos de diversos presos políticos, mortos nas prisões da ditadura.

Até o momento foram identificados 12 corpos, por confissão de crime:

Ana Rosa Kucinski Silva (ALN)

Armando Teixeira Frutuoso ( PCdoB)

David Capistrano (PCB)

Eduardo Collier Filho (APML)

 Fernando Augusto de Santa Cruz Oliveira (APML)

João Batista Rita Pereira (VPR)

João Massena Melo  (PCB)

Joaquim Pires Cerveira (FLN)

José Roman (PCB)

Luiz Inácio Maranhão Filho (PCB)

Thomáz Antônio da Silva Meirelles Neto (ALN)

Wilson Silva (ALN)


Convocam para este ato:


Associação Brasileira de Imprensa ((ABI)

Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD)

Associação de Pós Graduandos da UFF Mariele Franco

Associação Nacional de Pós Graduandos ( ANPG)

Centro Cultural Triplex Vermelho 

Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis 

Coalizão Brasil Memória Verdade, Justiça, Reparação e Democracia

Coletivo Fernando Santa Cruz

Coletivo Mulheres pela Democracia

Coletivo RJ Memoria Verdade Justica  e Reparação

Comissão dos Direitos Humanos e Cidadania da ALERJ 

Central de Trabalhadores do Brasil ((CTB)

Central Única dos Trabalhadores (CUT)

DCE Fernando Santa Cruz

Fórum Memória, Verdade do Espírito Santo 

Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro 

Juventude do Partido dos Trabalhadores (JPT) 

Movimento dos Trabalhadores SEM TERRA (MST) 

Movimento Humano por Direitos (MHuD)

Núcleo de atenção Psicossocial a afetados pela violência de Estado (Napave)

Partido Comunista Brasileiro (PCB)

 Partido Comunista do Brasil (PCdoB)

Plenaria Anistia Rio

Partido Socialista Brasileiro (PSB) 

Psicanalistas Unidos pela Democracia - PUD

Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)

Partido dos Trabalhadores (PT) 

Rede Brasil Memória Justiça 

Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação (SEPE)

Sindipetro-NF  

 Universidade Estadual do Rio de Janeiro     (UERJ)

União Brasileira de Estudantes ((UBES)

União Brasileira de Mulheres (UBM)

União Nacional de Estudantes (UNE)

Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) 

Universidade Federal Fluminense (UFF)

União Juventude Comunista (UJC) 

União Juventude Socialista (UJS)

UNEGRO

Ordem de Advogados do Brasil RJ (OABRJ)

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Pandemia, memória e justiça

Jogadores do clube de futebol uruguaio Villa Española em partida contra o Peñarol dizem "Nem esquecido, nem perdoado" à morte do coronel José Nino Gavazzo, agente de repressão na ditadura uruguaia. Fonte: Brasil de Fato. 


Pandemia, memória e justiça    

Paulo Sérgio Ribeiro

Em uma sessão da CPI da COVID, seu relator, Senador Renan Calheiros (MDB-AL), iniciou os trabalhos do dia com um ato de memória, a saber, a alusão ao Julgamento de Nuremberg, um paralelo com o destino dos próceres alemães do nazismo[1]. Citar um evento tão caro à autoimagem do Ocidente no pós-guerra evidenciaria, pois, um senso de responsabilidade histórica exigido pela matéria que os senadores têm em mãos, a saber, um possível crime contra a humanidade ou, não menos, um genocídio perpetrado pelo presidente da república, membros da alta administração federal e demais coadjuvantes surgidos da promiscuidade entre a burocracia estatal, empresários da estirpe de um “Véio da Havan” ou Carlos Wizard e o submundo do poder armado (alas golpistas das Forças Armadas, grupos fascistizados das polícias estaduais, garimpeiros, madeireiros, grileiros, milícias etc).

O ato, como esperado, teve pronta resposta dos senadores governistas na CPI. Para estes, tratar-se-ia simplesmente de uma fala “odiosa”, fora de contexto ou, quiçá, um “jogar para a plateia”. Ora, a virulência daquela reação diz muito sobre o nexo entre o que fazer para sobrevivermos – uma inflexão na política nacional de saúde que esteja à altura da complexidade da pandemia do novo coronavírus - e o que fazer para vivermos sem ignorar aqueles que se foram – a apuração de responsabilidade objetiva do Estado em um morticínio sabidamente evitável e, o que não é tão óbvio, a construção de uma memória nacional da pandemia que devolva um sentido a este luto coletivo.

Falar em gestão da memória no calor dos acontecimentos da CPI da COVID seria uma questão extemporânea? Se considerarmos que uma política do esquecimento é retroalimentada pela permissividade a práticas autoritárias de líderes, agentes ou apologistas de um Estado policial que flanaram pelas instituições ao longo da transição democrática, podemos responder sem titubear: não.

Contrarrevoluções do passado que impliquem violações em massa de direitos estão sujeitas ao escrutínio público com vistas a consolidar regimes políticos que tenham por fundamento a soberania popular. Tal revisão corresponde a uma política de memória, assumindo o Estado o dever de efetivar o direito à verdade tanto às vítimas do terrorismo estatal quanto às novas gerações para que se repactuem, em processos individuais e coletivos, limites éticos e padrões morais próprios aos direitos humanos.  

Como salienta Antônio Barros[2], temos de distinguir conceitualmente verdade hermenêutica de verdade factual. A primeira é a que se submete ou, melhor, é moldada pela disputa de opiniões inerente aos processos legislativos e ao debate público. Pelo próprio dissenso que variadas possibilidades interpretativas em torno de uma questão de interesse público suscitam, a força da persuasão tende a prevalecer sobre as proposições de validade universal. Não à toa, assistir a um cientista ser “inquirido” por um senador bolsonarista na CPI da COVID seja o mesmo que ver alguém jogando xadrez com um pombo... A segunda, por sua vez, equivale a um juízo de fato, isto é, àquilo que, sob pena de um constrangimento epistêmico, não se pode pôr em dúvida mesmo aqueles que se opõem ferrenhamente na luta ideológica. Exemplo: conservadores e progressistas reconhecem o caráter problemático das desigualdades raciais no Brasil, mas oferecem prognósticos concorrentes a este respeito quando adentram no debate econômico.

Não obstante, mesmo que admitamos que o processo de formação da opinião seja sempre um equilíbrio instável entre distorções deliberadas da realidade e a busca de um recorte da realidade que se ajuste a um diagnóstico do tempo presente, alguns pontos de partida podem ser traçados quando olhamos para a chamada Era Bolsonaro como a face mais sombria do país que sobreveio à Lei de Anistia de 1979.

A Lei nº 6.683/1979, promulgada na ditatura civil-militar, concedeu anistia a presos, exilados ou àqueles que estiveram na clandestinidade por terem praticados crimes políticos, bem como aos agentes da repressão que tenham praticado assassinato, tortura, desparecimento forçado e demais violações de direitos humanos entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Equiparar as formas de crítica, de protesto e de desobediência civil experimentadas nos anos 1960 e 1970 a uma pretensa “legitimidade” do regime de exceção que se instalava no Brasil é uma premissa que, na referida lei, é observável pela exclusão da anistia àqueles que foram presos por terem se engajado na luta armada contra o regime.

Para José Carlos Filho[3], a ambiguidade da Lei da Anistia matizou o processo de redemocratização entre nós. Se, por um lado, a anistia foi uma demanda pela reabertura política que ensejou uma mobilização social que se faria decisiva na campanha pelas Diretas Já (1983-84) e na Assembleia Constituinte (1987-88), por outro, representou uma justiça de transição conservadora, uma vez que promoveria o “esquecimento institucional” dos crimes contra a humanidade e, por conseguinte, a impunidade dos seus autores e executores. Como bem sintetiza José Carlos Filho:

 

Em outras palavras, militares, policiais, juízes, promotores, políticos e demais funcionários públicos que participaram ativamente do processo de perseguição política aos opositores do regime ditatorial continuaram nos seus postos de trabalho como se nada houvesse acontecido (SILVA FILHO, 2018, p. 1287-1288).

 

O fragmento em destaque nos serve para não subestimar a heterogeneidade dos grupos de interesse que sustentam uma ditadura. Não obstante, indagar como chegamos ao descalabro da pandemia é indagar como Jair Messias Bolsonaro chegou à Presidência da República e, de modo complementar, qual papel o partido militar desempenha na transição democrática e, sobremaneira, no pós-golpe de 2016. Marcelo Pimentel, coronel e oficial de artilharia formado na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) em 1987, elabora uma definição coerente dessa grande eminência parda da “Nova República”. A seu ver, trata-se de “um grupo coeso, hierarquizado, disciplinado, com algumas características autoritárias e claras pretensões de poder político, dirigido por um núcleo de generais formados nos anos 1970 na Academia Militar das Agulhas Negras, que integraram ou integram o Alto-Comando do Exército”[4].

A interdição do debate sobre a ditadura civil-militar dentro das próprias Forças Armadas em termos, digamos, mais realistas do que o revisionismo histórico que nomeia o golpe de 1964 de “revolução redentora” é sugestivo do quão herméticas suas corporações podem ser e de como a socialização na caserna tem, paradoxalmente, na subversão da ordem constitucional uma espécie de salvo-conduto para a transgressão disciplinar intramuros.

Para confirmá-lo, bastaria recordarmos a controversa retirada do então capitão Jair Bolsonaro dos quadros do Exército brasileiro[5]: em 1986, a revista Veja publica em sua seção “Ponto de Vista” artigo de autoria de Jair Bolsonaro, a serviço do 8º Grupo de Artilharia de Campanha, intitulado “O salário está baixo”, uma infração que lhe infligiria a prisão administrativa e, ironicamente, notoriedade entre oficiais da ativa e da reserva. No ano seguinte, a mesma revista Veja noticiou o planejamento da operação “Beco sem saída” que teria em Jair Bolsonaro seu principal artífice. A operação, que não chegou a ser executada, consistia em detonar explosões em unidades da Vila Militar sediada na AMAN, caso o reajuste concedido aos militares pelo governo federal ficasse abaixo de 60%.

Os resultados de uma sindicância feita pelo Exército concluíra que Jair Bolsonaro e outro capitão, Fábio Passos da Silva, deveriam ser expulsos da corporação por conceberem tal operação, levando o Ministro do Exército à época, Leônidas Pires Gonçalves, a submetê-los ao Superior Tribunal Militar (STM). Contudo, o STM decidiu pelo não afastamento de ambos os capitães, em face de inconsistências no processo. Em 1988, Bolsonaro vai para a reserva conservando sua patente de capitão e, a partir de 1990, inicia sua carreira política como vereador eleito no Rio de Janeiro pelo extinto Partido Democrata Cristão (PDC), arregimentando sua base eleitoral no antigo reduto militar.

A circunstância desse julgamento – secreto, sem acesso à imprensa – e o seu resultado são, para o jornalista Luiz Maklouf Carvalho – autor do livro “O cadete e o capitão”, que aborda a trajetória militar de Jair Bolsonaro – expressivos do “espírito de corpo militar”, assim como de sua “hostilidade à imprensa” durante a transição democrática[6]. Aqui, podemos refazer nossa indagação com maior detalhamento: como um ex-militar que chegara a ser julgado por seus pares por ter arquitetado um atentado à bomba contra a AMAN não só chega à Presidência da República como “quarteliza” o primeiro escalão do governo federal com mais de seis mil militares da ativa e da reserva em seus postos-chave?

Uma hipótese: por menor que seja a honorabilidade do ex-capitão junto ao Alto-Comando do Exército devido ao seu histórico de indisciplina – um autêntico “bunda suja” -, o partido militar não teria por que ignorar na projeção nacional de Jair Bolsonaro um “ativo político” para regressar ao Planalto como condottiere de ocasião do golpe parlamentar de 2016: uma ruptura institucional cujos elementos de exceção mostrar-se-iam mais difusos do que em 1964 com o lawfare no Poder Judiciário mas, nem por isso, refratáveis à tutela das armas. João Cézar Castro Rocha, autor do livro “Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas do Brasil”, avalia o discurso bolsonarista como tributário de uma “mentalidade revisionista e revanchista no Exército porque considera que os militares venceram a batalha, no golpe de 1964, mas perderam a guerra, a guerra pela opinião pública”[7] e faz um alerta, no mínimo, perturbador:

 

Nós nos aproximamos do momento mais grave da vida brasileira desde a redemocratização. Teremos uma recessão econômica cuja recuperação não se encontra ainda no horizonte, e o colapso do governo Bolsonaro é inevitável, porque não se pode governar sem dados objetivos. A armadilha da guerra cultural é essa: você se mantém numa aparência de êxito permanente, mas você não consegue fazer nada. Você está totalmente preso na armadilha do seu próprio êxito aparente, que é virtual e em boa medida alimentado por robôs. Quanto maior o colapso do governo, maior a virulência da guerra cultural e maior a tendência dessa guerra virtual transbordar para as ruas. Não dá para governar um país criando inimigos o tempo todo. (...) Nós vivemos hoje a iminência, um risco sério de um golpe autoritário, que será mais violento que a ditadura militar porque esse desejo de eliminação das instituições não fazia parte da ditadura militar. A ditadura militar queria criar instituições à sua imagem e semelhança. O bolsonarismo pretende destruir instituições. Nós só poderemos deter esse processo se compreendermos a lógica perversa que domina esse governo[8].

 

Entender essa lógica perversa, na aceleração da conjuntura em que nos encontramos, requer indagar se uma nova “operação de esquecimento” sobre o extermínio não apenas do “inimigo interno” da vez – os partidos de esquerda, as minorias organizadas, as lideranças do campo, os povos originários -, mas da população em geral estará em andamento em mais um capítulo da nossa história em que o monopólio da força é corrompido por uma burguesia em guerra contra toda nação.



[1] Portal G1. CPI da Covid tem discussão após Renan citar julgamento de Nuremberg. Edição de 25/05/2021. Disponível aqui.

[2] Cf. BARROS, Antônio Teixeira de. O debate parlamentar sobre a Comissão Nacional da Verdade no Congresso Nacional Brasileiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 2020, vol. 35, nº 104. Disponível aqui.

[3] Cf. SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Justiça de transição e usos políticos do Poder Judiciário no Brasil de 2016: um golpe de estado institucional? Revista Direito & Práxis, vol. 9, nº 3, set. 2018. Disponível aqui.

[4] Carta Capital. O Brasil é refém do Partido Militar, diz coronel. Edição de 30/05/2021. Disponível aqui.

[5] As informações biográficas de Jair Bolsonaro foram consultadas no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Disponível aqui.

[6] Portal G1. Aversão de militares à imprensa ajudou a absolver Bolsonaro em 1988, diz autor de livro. Edição de 31/07/2019. Disponível aqui.

[7] Agência Pública. “Quanto maior o colapso do governo, maior a virulência da guerra cultural”, diz pesquisador da UERJ. Disponível aqui.

[8] Idem.

domingo, 11 de abril de 2021

“Flores nas encostas de cimento”: o silenciamento e a tomada dos crentes de esquerda na política.

Fonte: Mídia Ninja.


“Flores nas encostas de cimento”: o silenciamento e a tomada dos crentes de esquerda na política*.
 

 

“E se as luzes nos roubassem as estrelas
E nosso brilho só nos mostrasse
A silhueta do que poderíamos ser
(…)
Para clarear o meu tormento
Como flores nas encostas do cimento”

 

(Marcelo Yuka)

 

* Publicado originalmente em Mídia Ninja. 

Fabio Py

Não é fácil traçar uma linha sobre qualquer grupo social religioso. É ainda mais difícil desenhar uma linha sobre um grupo sociorreligioso tão grande como os evangélicos, os quais nas últimas décadas cresceram e contabilizam 31% da população brasileira. Uma pesquisa dos estudos demográficos vem chamando a atenção dos analistas porque apontam que por volta de 2032, os protestantes-evangélicos devem se transformar no maior grupo religioso do Brasil. Esse dado vem causando certo alarme nos meios intelectuais, pois se tem a impressão de que essa parcela da população seja parte de uma nova formação talibã, ou seja, uma massa de religiosos dotados de pouco pensamento crítico e que obedecem como zumbis às lideranças religiosas persecutórias a pluralidade democrática.

Para problematizar essa descrição sobre o setor, produzida principalmente por setores das elites e/ou intelectuais, selecionei dois novos mandatos políticos de vereadores, que unem as experiências evangélicas e as pautas de crítica ao sistema capitalista. Antes de aprofundar este tema, farei uma breve recuperação histórica para ampliar a análise sobre a questão dos vínculos dos protestantes-evangélicos com os setores da esquerda, pois existe uma densa “operação de esquecimento, silenciamento” (Pollack) da memória do setor com os movimentos de questionamento da vida.

A operação de silenciamento das Revoltas Camponesas na origem dos evangélicos

Algumas correntes dos memorialistas entendem que as memórias coletivas são concebidas pelos sujeitos de forma aleatória, a partir dos sonhos, como uma apropriação psicologizante dos pensamentos sociais. Michael Pollack contraria tal concepção ao indicar que “os debates e as percepções das memórias fazem parte dos debates das lutas sociais, das intrigas das classes, podendo até causar uma longa operação de silenciamento tanto de memórias como de setores sociais” (1989, p.17). Assim, o silenciamento/esquecimento é uma operação complexa articuladora tanto do passado, quanto das lutas sociais que mobilizam e ocultam ideias e memorias na atualidade. Portanto, pode-se dizer que ainda hoje existe um processo de interdição de certas memórias sobre a origem dos protestantes-evangélicos. Os próprios analistas mais técnicos caem na artimanha montada pelos líderes (religiosos midiáticos) que se arrogam porta-vozes dessa religião, como o pastor Silas Malafaia e o bispo Edir Macedo.

Na verdade, é do interesse desse grupo hegemônico o silenciamento da memória inicial (e contínua) de protesto social dos evangélicos, que buscam, com isso, se notabilizar. Por isso, indico que o setor protestante-evangélico de hoje é muito mais complexo no Brasil que os gritos de Silas Malafaia buscam silenciar e os dízimos/ofertas pedidos por Edir Macedo e Valdomiro Santiago buscam extorquir.

Para tratar dessa complexidade, busco trazer à tona um movimento que foi devidamente “silenciado”, na origem: as Reformas Europeias, dos séculos XV e XVI. As Reformas foram encadeadas em várias geografias, de forma plural:  na Germânia levado pelo monge Martin Luther;  na Suíça liderado por Zwinglio; em Paris, por  João Calvino; O rei Henrique VIII, na Inglaterra. Todos esses movimentos, nas suas diferentes gradações, invariavelmente foram ligados ao poder, aos reis, às monarquias.

Contudo, existe uma reforma esquecida, que foi a mais perigosa, numerosa e justamente não ligada às elites: as Revoltas Camponesas. Na verdade, essas Revoltas foram um amplo movimento popular levado pelos trabalhadores do campo de todos os cantos da Europa. Naquela época, até trabalhadores que vinham da África e da Ásia se revoltaram contra o “Antigo Sistema Feudal” europeu. O movimento transpassou as geografias de toda Europa, do Leste para o Norte. As Revoltas Camponesas uniram variadas lideranças de diferentes regiões, tais como: Thomas Muntzer, Georg Blaurock, Conrad Grebel, Agatha Trezel, John Miliandick, e Félix Manz. Assim, uma grande rebelião camponesa varreu a Europa questionando a divisão das terras dos reinos, seus revoltosos experimentavam as experiências religiosas das glossolalias, não aceitavam a conexão das elites com o cristianismo, e por isso, se rebatizavam nos rios. Eles foram chamados de “anabatistas” – que numa tradução simples seria o “novo-batismo”.

As Revoltas questionaram a ordem europeia a partir das mazelas dos trabalhadores espoliados no continente. É claro que foram completamente massacrados pelos reis, contudo, se parte dos derrotados foram mortos, degolados, e a outra parte promoveu novas demografias, principalmente, no leste europeu. O que gostaria de destacar sobre as reformas camponesas é a amplitude do movimento, que foi numericamente o maior movimento das Reformas com alto caráter reivindicatório. Infelizmente, no entanto, as reformas camponesas foram propositadamente esquecidas. Essa “operação esquecimento” (Pollack, 1989) no Brasil é recorrentemente reafirmada pelas elites intelectuais (ligadas ao positivismo e ao elitismo acadêmico), que desacreditam o amplo movimento popular religioso do início da modernidade, bem como pelos próprios líderes das grandes corporações cristãs familiarizados com o poder, pois temem a memória perigosa dos camponeses. Então, existe um duplo interesse hegemônico na manutenção do “silenciamento da memória” das Revoltas Camponesas justamente por sua força como amplo movimento evangélico popular anti-sistema.

União espiritual das Revoltas Camponesas e as teologias progressistas

Assim, ao apagarem as Revoltas Camponesas como parte das Reformas Europeias produziram um “esquecimento” que ajuda na simplificação política do setor evangélico como conservador ou de pouca crítica social. Por isso, para se opor a esse complexo silenciamento simplificador do setor, discuto agora os grupos de esquerda evangélicos atuais. Existem protestantes-evangélicos ligados às Teologias da Libertação, à Teologia da Missão Integral, à Teologia Feminista, às Teologias Negras. Todos movimentos teológicos que representam o questionamento às ordens religiosas e ao modo de vida cristão.

Esse conjunto de teologias insubmissas ajudaram nas últimas décadas a formar diferentes grupos de evangélicos atentos as lutas sociais, que hoje, chegaram a cargos no poder político. Portanto, busca-se na sequência do artigo pontuar dois políticos eleitos na última eleição (2020), que se sentem irmanados pelas Revoltas Camponesas, e se reconhecem como evangélicos de esquerda, são eles: Wiliam Siri, do PSOL do Rio de Janeiro, e Elenizia Matta, do PT de Goiás. Passamos agora a destacar essas duas importantes trajetórias políticas.


  • Wiliam Siri, sua trajetória político-religiosa de Campo Grande para a Câmara de Vereadores

William Carlos Brum Bispo, mais conhecido como William Siri, é membro da Igreja Presbiteriana do Recreio (na cidade do Rio de Janeiro). Contudo, seu histórico na igreja evangélica é antigo. Quando tinha dois anos de idade, seus pais se converteram na Igreja Metodista Wesleyana- vertente pentecostal dos metodistas, e passou a frequentá-la com a sua família. Por isso, se considera “praticamente nascido no lar evangélico”. Lá pelos dez anos migrou para a Igreja Maranata, em Campos Grande. Ficou nessa outra estrutura pentecostal até seus 20 anos, quando passou a conhecer outras igrejas, e há quatro anos ele se estabeleceu na Igreja Presbiteriana do Brasil, no Recreio.

Logo, Siri tem longa trajetória entre os pentecostais. Sua vinculação com o PSOL começa em 2015, antes, porém participava de encontros do PSB embora não fosse filiado ao partido. Na entrevista ele narra como entrou no PSOL: “No PSB conheci o deputado federal Glauber Braga, e depois, em 2015, pela morte do Eduardo Campos, o PSB apoiou o Aécio Neves. E, aquele grupo resolveu sair, nós fomos para o PSOL”. Em termos das eleições diretas, em 2016 e 2018, conseguiu uma boa margem de votos, mas não se elegeu (ficou como terceiro suplente). Também, entre 2017 a 2018 foi assessor do Glauber Braga (PSOL), e depois, entre 2019 à 2020, passou a trabalhar com o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL).

Tal como os revoltados camponeses do passado, William Siri entende que existe uma conexão do cristianismo com a realidade. Afirma que o cristianismo tem toda a “questão espiritual, envolvendo o evangelho, mas o cristianismo também tem a política, na dinâmica de como tratar o outro, o próximo (…) A vida é política! As escolhas que vamos fazendo são políticas. Acho que é isso, é o combate à desigualdade, à injustiça”. O vereador vai mais adiante nos desafios do cristianismo absolutamente político que “é todo mundo ter o que comer! Todo mundo ter dignidade (…) bem estar, vida digna. Essa é a conexão do cristianismo com a política na raiz”. O vereador sintetiza seu mandato sobre o paradigma da dignidade, que é uma base do cristianismo. Para ele, o cristão deve se “conectar com a política raiz, que é de luta por justiça e dignidade para todos e todas de forma irrestrita”, o que no território da periferia da cidade é “todo mundo ter acesso à cultura, ao desenvolvimento, acesso à saúde de qualidade (…) Essas pautas têm total conexão com os ensinamentos de Jesus”.

O mandato coletivo do jovem vereador Siri se liga politicamente à espacialidade da Zona Oeste, onde fica o bairro em que mora, isto é, em Campo Grande. Afirma “nossa cidade é maravilhosa, mas na Zona Oeste, Campo Grande, Bangu, Guaratiba, Realengo, tem uma desigualdade enorme. São mais de 2 milhões de pessoas com muita desigualdade, muita miséria”. Assume seu mandato sobre o prisma de colocar “a discussão da produção da desigualdade, da pobreza, de ter educação, ter transporte digno que aqui é, sobretudo, sucateado”.

O vereador diz ainda sobre a espacialidade que vive: “tem uma área rural muito grande na Zona Oeste (…) estou trabalhando todas as questões ambientais, saneamento básico, que não tem aqui”. Portanto, com o mandato, Siri busca inverter a lógica das gestões e das elites urbanas que olham a cidade a partir do centro. O desafio de sua política “é de um olhar de cidade, a partir do subúrbio”, assim, sua proposta é de se colocar junto aos trabalhadores urbanos que não moram nos centros, mas principalmente, nos cinturões periféricos distantes, como os moradores da Zona Oeste.

Diferente dos grandes nomes da Bancada Evangélica do Congresso Nacional, o vereador não teve apoio de qualquer instituição religiosa, pois “não é a favor”. Ao contrário das pautas das grandes corporações evangélicas, sua atividade religiosa se liga ao coletivo que ajuda a construir o “Tudo Numa Coisa Só”, na Zona Oeste. O coletivo tem 12 projetos, como um pré-vestibular comunitário, e se notabiliza a partir de uma atividade de impacto ecumênico que é a Caminhada pela Liberdade Religiosa. O vereador, diferente dos evangélicos apologéticos exclusivistas, circula em “outras religiões”, e por isso, acha importante não ter apoio institucional de qualquer grupo religioso, considerando “completamente errado. Não condiz!”.

Ao fim da conversa, o vereador conclui que busca dar visibilidade as pautas da Zona Oeste que tem “2 milhões de pessoas que tem dons, e justamente a falta de investimento dificulta as pessoas a se desenvolvem, desperdiçando talentos, vocações (…) mas o que não falta aqui são pessoas extraordinárias”. Portanto, luta para que os moradores da região “tenham acesso à cultura, a terem mais equipamentos culturais, que são apenas 26 equipamentos culturais, enquanto a Zona Sul são mais de 200 (…) e o que tem aqui é sucateado, é um descaso muito grande”. Contudo, o grande gargalho da população da Zona Oeste é a “questão do transporte público que dificulta o translado para o trabalho”, fazendo com que a população gaste horas no dia nos trajetos.


  • Elenízia da Mata, trajetória político-religiosa na defesa do serrado e a luta contra o machismo estrutural

Outra persona política irmanada a partir das Revoltas Camponesas, é Elenízia da Mata. Formada em Letras pela UEG, com MBA em Gestão do Terceiro Setor e especialização em Direitos Sociais pela UFC, Elenízia pertence a Igreja de Cristo. Nascida num lar evangélico, seu pai é pastor da Assembleia de Deus, onde ficou até os 18 anos. A partir dali, foi para a Igreja de Cristo, uma denominação pentecostal independente da cidade de Goiás, iniciada em 1986, pelo pastor Raimundo Aires e a bispa Rosa Heide. Migrou para essa igreja “para ampliar o diálogo do cristianismo com a vida” – embora mantenha relação com pessoas da Assembleia de Deus.

A vereadora entrou no PT oficialmente em 2003, embora já participasse das suas atividades antes. Ligou-se ao partido no movimento de pessoas de esquerda da cidade que tentavam abrir espaço para disputar com as antigas oligarquias. Hoje ela é da direção do partido, e justifica: “acho super importante ser uma mulher na disputa por narrativas dentro dele”. Para ela, a função “do cristão e da cristã primar pelos princípios básicos chamados pelo nosso grande líder, que é Jesus Cristo. Ou seja, zelar pelas pessoas, pelos pobres, pelas viúvas. O cristão deve servir aqueles e aquelas que são mais vulneráveis”. Diz ainda que o cristão na sociedade deve “cuidar de quem está preso, quem tem fome, quem não tem roupa, com os desvalidos”, destaca. A vereadora completa: “a política é um instrumento oficial para execução desse chamado”.

Elenízia esteve à frente do Centro Especializado de Atendimento à Mulher, ligado à prefeitura de Goiás, com função de trabalhar com mulheres na condição de violência doméstica, e na prevenção da violência. Esse projeto foi considerado uma das melhores iniciativas nas gestões de municípios do Brasil. Segundo Elenízia, “ajudou a fortalecer meu nome, porque você exercer um cargo público de excelência (…) por ser de esquerda e uma mulher cristã a princípio causou muito estranhamento”. A vereadora consegue unir a vivência na Igreja ao trabalho de luta pelos direitos das mulheres diretamente quando promove atividades sobre violência de gênero nas igrejas da região. Esse projeto foi até aprovado pelo conselho de pastores de Goiás.

A vereadora é atenta também as questões da ancestralidade. Pouco antes da eleição, teve atuação na territorialidade do Quilombo Alto Sant’Anna “tanto na organização da comunidade, de dados para o relatório para o reconhecimento da Fundação Palmares, quando na organização que deu personalidade jurídica ao movimento” – sendo umas das lideranças do movimento negro na organização do “Fórum de Igualdade Racial, que já existe enquanto coletivo”. Ela se orgulha de participar do projeto de Mulheres Coralinas: “um projeto para mulher, com mulheres que se captou recurso da extinta Secretaria de Políticas Públicas para mulheres, ligada à presidência da república”.

Assume que seu mandato está “pautado na luta antirracista, principalmente, pelo viés da questão da segurança para as mulheres”. Por isso, se atenta para a “geração de trabalhos, oportunidades e tanto de empoderamento de espaços de poder para as pessoas mais vulneráveis, que em geral são as pessoas pretas, em geral são mulheres, então isso está interligado”. A vereadora reconhece a vinculação do cristianismo com o socialismo, que se dá “a partir do Reino de Deus, que é sobretudo pautado no reino de justiça, pautado na equidade, no cuidado com aqueles que são mais frágeis, com aquelas pessoas que estão marginalizadas, com aqueles e aquelas que tem fome e sede de justiça”.

Ela não deixa de destacar a conexão do cristianismo com seu partido. Pois ele é formado por “trabalhadores, por aqueles e aquelas que tiveram a vida impactada pelos poderosos e que decidiram pela insurgência pela luta de seus direitos”. Seu mandato defende a “vida segura das mulheres (…) e que tenha delegacia especializada”, e, se propõe trabalhar com os agressores, pois que “se entenda que o machismo estrutural atravessa os corpos dos homens agressores”. Por fim, é sensível a questão da geração de renda para o “setor negro da sociedade, pois a questão do racismo institucional impede a inclusão econômica também (…) assim também tratar da questão da geração de renda pautada em economia solidária”.

Novas lideranças evangélicas de esquerda e a inspiração popular

Portanto, a força política de William Siri e Elenízia Matta se possibilita a partir de suas experiências sociais e religiosas junto às suas espacialidades que permitem agremiar lutas na defesa do despossuídos e aos que sofrem violência junto aos seus mantados políticos populares. Ambos são impulsionados por um cristianismo mais humano atento às dores e às mazelas. Com este artigo, selecionei as trajetórias politicas desses dois crentes, que são novas faces de políticos evangélicos de esquerda que não se ligam à Bancada Evangélica, à Frente Parlamentar Evangélica e ou a qualquer estrutura Evangélica dos grandes evangelistas. Também, apontei que a expansão evangélica avança nos territórios brasileiros formando também pessoas que pensam um cristianismo mais encarnado, insubmisso. Assim, Elenízia da Matta, mulher, pentecostal, negra, direto do cerrado brasileiro, e William Siri, do Sudeste, periférico da Zona Oeste do Rio de Janeiro se inspiram na memória dos camponeses que lutaram contra o peso dos poderosos do mundo europeu do seu tempo. Um dado interessante é que tanto Siri quanto Elenízia passaram a infância e a adolescência nas comunidades pentecostais que se multiplicaram pelo Brasil. Nada mais pulsante e popular no Brasil contemporâneo.

É a partir do amplo território das periferias brasileiras que ambos se identificam com os movimentos de esquerda evangélica que sofrem diariamente um processo de “silenciamento/apagamento” do passado e no presente. Mas, que humanizam as lutas no setor, lutando por justiça, de forma antirracista, feminista, pelo acesso à moradia, à justiça ambiental e pelo transporte dos trabalhadores. Nesse sentido, suas personas inspiram e são icônicas nas suas geografias mesmo quando ao inverso do senso comum que desacredita em qualquer conexão dos evangélicos e as diferentes gradações das esquerdas. Sim, ambos mostram que a simplificação histórica do setor protestante-evangélico só ajuda aos coronéis da fé, reafirmando a barganha fundamentalista.

E, como destacado aqui, essa “operação de silenciamento” e simplificação despreza propositadamente a origem das Revoltas Camponesas, para também, apagar da memória figuras como o pastor Guaracy Siqueira, metodista que participou da Revolta Constitucionalista de São Paulo de 1932, depois se tornaria Deputado Federal – se dizia socialista cristão. Essa operação também silencia os grupos evangélicos trabalhadores rurais, nas Ligas Camponesas, nas décadas de 1950 e 1960, liderados pelo advogado/deputado batista-presbiteriano Francisco Julião. Também, forçam o esquecimento das juventudes presbiterianas, batistas, metodistas, luteranas e anglicanas que lutaram contra a Ditadura civil-empresarial-militar no Brasil.

O que pretendo dizer é que o setor evangélico nunca foi uniforme em termos políticos e sua vinculação com as direitas é uma conclusão apressada. Ocorre assim desde a formação dos protestantes-evangélico nas Reformas Europeias um complexo exercício das elites religiosas de “operar o silenciamento” dos setores descontentes, subversivos dos crentes que questionavam o status quo. E, hoje, parte das esquerdas evangélicas se inspiram nos movimentos dos camponeses revoltosos que buscaram se libertar das amarras dos reis, orando, rezando, falando em línguas, se organizando para lutar por moradia/terras, contra as elites religiosas do seu tempo e sobretudo por justiça social.

É verdade, que muito se repete sobre não generalizar os protestantes-evangélicos. Contudo, acredito que se deva dar um passo a mais. Não basta o alerta pela não generalização do setor, mas, a partir da memória “esquecida” dos camponeses revoltados contra o Antigo Regime, deve-se dizer para não se subestimar os crentes. Sim, porque é uma constante das elites e dos mais letrados desprezar aqueles que seguem limpando os ladrilhos, os vasos, os que são explorados pela servidão dos tempos pandêmicos. Pois, a população evangélica, no Brasil, é parte contundente das camadas populares. Logo, o desprezo pelo setor, se resvala no preconceito de classe e no racismo direcionado às populações negras das periferias.

As mesmas elites e os mais letrados que cismam em cortar as flores, ou então, desprezá-las ao nascerem nas encostas cimentadas. William Siri e Elenízia Matta são flores que aparecem no cinza opaco das encostas, mas que dão luz e beleza, e mostram força ao rompem com o cimento. Ambos conjuntamente são um anuncio da primavera. E, ela, o bom Marcos nos ensinou que é inevitável.

Bibliografia:

BARROS, Odja. Flores que rompem raízes. São Paulo: Recriar, 2020.

CALDEIRA, Cleusa. Fundamentos teológicos da Política. Rever, v.18, n.3, 2018.

DREHER, Martin. História do povo de Jesus. São Leopoldo: Sinodal, 2012.

ENGELS, Frederick. The Peasant War in Germany. Moscou: International Publishers, 1926.

GAGNEBIN, Laurent e PICON, Raphaël. Le protestantisme: La foi insoumise. Paris: Flammarion, 2005.

GOERTZ, Hans-Jürgen. Thomas Müntzer. Mystiker – Apokalyptiker – Revolutionär. München: Beck, 1999.

GRABOIS, Pedro. Devir minoritário no ‘devir-evangélico’ do Brasil. UniNomade Brasil, 2018. Em: http://uninomade.net/tenda/devir-minoritario-no-devir-evangelico-do-brasil/.

LOWY, Michael. A guerra dos deuses, Petrópolis: Vozes, 2000.

PACHECO, Ronilso. Teologia negra: o sopro antirracista do espirito. Brasília: Novos Diálogos: 2019.

PEREIRA, Nancy Cardoso. Teologia da Mulher. Encontros Teologicos, v.30, 2015, p.121-134.

POLLACK, Michael. Memória, Esquecimento e Silenciamento. Estudos históricos, v.2, n.3, Rio de Janeiro, 1989, p.3-15.

PY, Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020.

RAMOS, João Oliveira. Fé subversiva: o conflito sociopolítico da ideologia anabatistas com as demais propostas da Reforma Protestante na Europa Central entre 1525 à 1555. Tese de Doutorado em História, UFG, 2016.

RANDELL, Keith. Luther and the German Reformation 1517-55. Michigan: TransAtlantic Publications, 2000.

quinta-feira, 5 de novembro de 2020

"Além do que se vê": fotografia, memória e teoria crítica.


As Coordenações dos Cursos de Ciências Sociais da UFF-Campos e o Blog Autopoiese e Virtu convidam para a live:

"Além do que se vê": fotografia, memória e teoria crítica.

Palestrante: Prof. Sérgio Luiz Pereira da Silva - UNIRIO

Mediação: Prof. George Coutinho - UFF-Campos

Debatedor: Prof. Marcos Abraão Ribeiro - IFF

05/11/2020 - 18h - Quinta-feira

Inscrições: https://www.even3.com.br/adqsvfmetc2020

Lançamento do livro "Gozo estético na cultura visual: fotografia, memória e alienação social" de Sergio Silva.

sexta-feira, 8 de março de 2019

No dia de hoje...


No dia de hoje… *

Esperamos que o martírio dessas meninas, moças, filhas, mães, irmãs, exposto à luz da história, impeça o martírio de outras meninas, moças, filhas, mães, irmãs

Por Eugênia Augusta Gonzaga**

08 de março é dia de prestar nossas homenagens – nesta série de textos sobre a violência estatal e suas vítimas – às mulheres que, direta ou indiretamente, foram atingidas pela violência do Estado.

Como fizeram Aldir Blanc e João Bosco, é preciso lembrar das Marias e Clarices, que choraram, mas que sobretudo resistiram criando seus filhos após terem visto seus maridos serem presos e recebido uma comunicação falsa de suicídio.

É preciso lembrar das Marias, Mahins e Marielles, mulheres negras e imortais, que lutaram contra a escravidão e a injustiça que se instalou mesmo após a abolição.

Fica aqui registrado o nosso agradecimento à Mangueira, por nos ensinar que o nome do Brasil é Dandara, guerreira, mulher de Zumbi dos Palmares, que se suicidou quando foi presa para nunca mais voltar a ser escrava.

Hoje é dia de lembrar de Isabel e de Janaína, que conheceram a violência estatal ainda crianças de tenra idade, para que suas mães fossem forçadas a entregar informações sobre seus familiares; de Criméia Alice que, grávida de seu companheiro na Guerrilha do Araguaia, André Grabois, voltou para a cidade, mas caiu em mãos sujas que a colocaram num pau de arara; de Patrícia, irmã de um sobrevivente da chacina da Candelária, e que luta em nome dele e de tantas outras crianças vitimadas apenas por terem nascido pobres e negras; de Débora, que teve seu filho, jovem e já trabalhador há 07 anos – como gari -, gratuitamente assassinado pela Polícia Militar no fatídico mês de maio de 2006; de Ana Rosa, Heleny, Ísis, Walquíria, Lenira e de tantas outras resistentes, assassinadas por forças estatais, mas que sequer tiveram seus corpos entregues às famílias para sepultamento.

Esperamos que o martírio dessas meninas, moças, filhas, mães, irmãs, exposto à luz da história, impeça o martírio de outras meninas, moças, filhas, mães, irmãs.

“Para que não se esqueça, para que não se repita”.

* Publicado originalmente no Jornal GGN. Ver aqui.
** Presidenta da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos; Procuradora Federal dos Direitos Cidadãos Adjunta.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Memória e resistência


Memória e resistência

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Há quase oito meses, jaz um silêncio ensurdecedor sobre o assassinato de Marielle Franco (PSOL), vereadora pela capital fluminense, e de seu motorista, Anderson Gomes. Se muito, os militares que conduzem a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro lançam mão de declarações protocolares sobre o andamento da investigação criminal que, ao fim e ao cabo, evidenciam condições favoráveis a um estado de compromisso entre mandantes e executores daquele crime político. O silêncio, no entanto, é uma operação sujeita a reveses. Estes se manifestam por meio de iniciativas de tributo à vida de Marielle Franco, as quais relevam ser a memória social um magma capaz de provocar pequenas fissuras no solo aparentemente rígido da história oficial.

Lembrar Marielle Franco na UENF implica reconhecer esta instituição como um território em disputa no momento em que a violência estatal e a estupidez indômita dos bolsonaristas tornam vulneráveis os espaços nos quais o pensamento seja elaborado como crítica do poder pelas próprias possibilidades facultadas por sua livre expressão do ponto de vista científico. Para exemplificar essa vulnerabilidade na UENF, bastaria lembrar que também paira uma névoa de mistério em torno da invasão da sala do professor Marcos Pedlowski por um grupo que se identificou a serviço da Justiça Eleitoral, ação cuja autoria fora negada pelo TRE-RJ.

Evocar o nome de Marielle Franco é assegurar um lugar de pertencimento a memórias coletivas subterrâneas a partir da empatia que sua trajetória pública suscita para com os grupos dominados. Mais do que isso, mostra-nos a posição defensiva em que se encontra a sociedade civil vinculada com as agendas às quais a vereadora carioca se fazia porta-voz diante de uma sociedade majoritária com perturbadores sintomas de fascistização. Tais sintomas tiveram um registro emblemático na destruição da placa em homenagem à Marielle Franco protagonizada por Rodrigo Amorim e Daniel Silveira, ambos candidatos pelo PSL, partido de Jair Bolsonaro, em ato de campanha ainda no primeiro turno das eleições fluminenses. Tal afronta, diga-se, ocorreu sob o olhar complacente de Wilson Witzel (PSC), eleito governador no segundo turno.


Nada surpreendente. 

O Governo Witzel será a continuidade, em vestes civis, do modus operandi da intervenção federal desde que passou a vocalizar a lógica do “inimigo interno” como fio condutor das ações na segurança pública. "A polícia vai mirar na cabecinha e... fogo", disse Witzel sem maiores pudores nos primeiros dias após o pleito. Há objeções factuais à retórica belicista com a qual o futuro governador pretende estabelecer sua marca política em consonância com o senso comum sobre a violência urbana.

Os mercados ilegais que fomentam tamanha insegurança não se organizam à sombra do aparelho de Estado, mas dele participam na medida em que os bens e serviços que transacionam são mais ou menos passíveis de incriminação conforme as hierarquias sociais que edificam sua estrutura de poder. Dito de outro modo, é irrelevante autorizar a "caça" aos pobres recrutados nas periferias para desempenhar funções subalternizadas nos mercados ilegais, enquanto o controle repressivo estiver dissociado de serviços de inteligência cuja integração ofereça uma visão global das redes que se articulam nesses mercados e cujos principais elos localizam-se nos espaços urbanos dotados de legitimidade social.

Imprimir eventuais reformas ao código penal ditadas pelo punitivismo não desmente a ineficiência da "guerra ao crime", senão ratifica a eficácia de sua seletividade. Essa é a constatação que sociólogos da violência e da criminalidade reiteram com sólida base empírica em suas pesquisas. Menos evidente é indagar por que algumas pessoas são mais "matáveis" do que outras e como essa clivagem acabou sendo um ponto de inflexão na eleição do terceiro estado mais populoso da federação.

A representação política exercida por Marielle Franco foi uma tentativa de produzir uma resposta crítica e propositiva à questão social na cidade do Rio de Janeiro, que, via de regra, é reduzida ao acordo tácito que separa "gente" de "não gente" através de um cordão sanitário entre morro e asfalto sustentado por velhos preconceitos em torno das "classes perigosas". Para tal empreitada, combinava em seu mandato elementos do ativismo identitário com a visão programática de um Estado social que superasse o Estado de exceção vivenciado de maneira nua e crua pelos subempregados e inempregáveis que o nosso capitalismo periférico produziu numa urbanização caótica ao longo do século XX.

Ante a consolidação de um Estado policial que reflete o eterno retorno das soluções autoritárias, redefinir fronteiras sociais (o atual "sair da bolha") é um trabalho de reconstrução política e este implica novos enquadramentos da memória social, de modo que a distância entre o dito e o não-dito seja encurtada nos embates do presente e do futuro para a afirmação de uma civilização comum. Assim sendo, conferir posteridade ao nome de Marielle Franco é uma forma de resistência que permite à UENF entrecruzar referências do campo popular da política fluminense com a defesa de sua autonomia na guarda de um patrimônio universal: o conhecimento científico.

Marielle e Anderson vivem.