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domingo, 15 de janeiro de 2017

Bauman (1925-2017)

Bauman (1925-2017) *

George Gomes Coutinho **

O sociólogo Zygmunt Bauman morreu em pleno inverno inglês no último domingo, dia 08 de janeiro, em sua última casa em Leeds. Porém, Bauman, o indivíduo, habitou outras casas e países em sua trajetória. Mas, antes, partiu da Polônia, seu local de nascimento, viveu na extinta União Soviética, também passou por Israel e, por fim, a Inglaterra, nação onde encontrou bases mais sólidas para construir sua carreira e sua vida.

Assim se resume de forma absolutamente precária o Bauman concreto. De certa maneira, um desterrado em sua própria terra. Condição esta de diversos intelectuais judeus, tal como de muitos outros que se tornam refugiados. Os elementos biográficos não geram o entendimento por encanto de nenhuma obra teórica ou trajetória. Contudo, usando um pouco de imaginação sociológica, pode-se utilizar a biografia como pretexto para abordar uma produção intelectual que publicou aproximadamente 42 livros e 146 artigos acadêmicos traduzidos nos cinco continentes e na polifonia das línguas humanas.

Bauman trabalhou uma diversidade de temas. Não posso neste espaço sequer citar todos. Vou apresentar apenas quatro: o amor, o poder, a desigualdade social e discutiu uma abordagem geral da sociedade. Integrou análises de escala macro e micro. Dotado de uma maneira de compreender o mundo conscientemente porosa, Bauman conseguiu transpor as fronteiras das Ciências Sociais em dois limites distintos. O primeiro limite de caráter interno: desconsiderou as fronteiras disciplinares e construiu uma obra subversivamente transdisciplinar. Por isso talvez seja também conhecido como filósofo. A outra fronteira sobrepujada é a estabelecida pelos muros da universidade e o leitor comum. Encontrei livros de Bauman em estantes improváveis de profissionais de formação diversa. Mais uma vez o estrangeiro onde quer que fosse. Dentro ou fora das ciências humanas. Dentro ou fora da academia.

Retomando a biografia de nosso autor, Bauman vivenciou os grandes regimes do século XX. Nazismo, socialismo realmente existente, a destruição quase integral do Estado de Bem-Estar Social europeu e, ultimamente, o rentismo neoliberal. Nenhum destes o entusiasmou.


* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 14 de janeiro de 2017

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Excelente entrevista do Bauman - "seus netos continuarão pagando os 30 anos da orgia consumista"

Zygmunt Baumann, mais conhecido entre nós por sua "série líquida" (amor líquido, modernidade líquida, etc..), concedeu uma excelente entrevista no final de agosto deste ano para o Monitor Mercantil. 

Penso, inclusive, que esta entrevista interessa particularmente ao leitor brasileiro. Nestes tempos exageradamente trevosos, onde o pânico disseminado pela Grande Mídia faz produzir a sensação de que chegamos ao fundo do poço, leituras lúcidas de realidade sempre são importantes. Até mesmo para atacar crenças coaguladas e percepções que podem gerar profecias auto-realizáveis pelos próprios agentes. Ou seja, interpretações e análises podem ter mais alcance fático do que imaginamos, trazendo consequências que nem de longe são desejáveis. Só por isso a entrevista cumpre, desde já, um papel importante. 

Dentre outros pontos, dado que o foco central das questões transitava sobre a crise econômico-social no Velho Continente, Bauman nos brinda com algumas pérolas que confrontam diretamente o senso comum. Dada a abrangência, visto que a crise para qualquer analista que compreende a sutil relação partes/todo, o polonês dialoga com as diferentes camadas da realidade social selecionando novidades e continuidades entre os planos micro e macro-estrutural. Destaco algumas questões:

- o sociólogo, que atualmente é o vice-reitor da London School of Economics (LSE), embora cético, mantém um tom relativamente otimista quanto ao médio/longo prazos. Não se fixa de forma obsessiva na atual conjuntura. Em verdade compreende que o atual modelo societário, pautado pelo corrosivo binômio de financeirização e consumismo insustentável, apresenta sinais de profundo esgotamento. Inclusive, para asseverar este juízo, nota as revoluções moleculares que vão se multiplicando, mesmo que a passos muy lentos, ao redor do globo e nas sociedades ocidentais. Ou seja, há um facho de luz, mesmo que tímido, no final do túnel.;

- alerta quanto ao distanciamento da relação entre poder e política institucional. Isto não é exatamente uma novidade na literatura, seja sociológica, econômica ou filosófica: há um robusto distanciamento dos interesses vinculados ao capital "virtual" da especulação financeira e o restante da humanidade. Porém, algo que nos interessa especificamente acerca do funcionamento da política institucional nestes tempos, Bauman é claro ao afirmar sobre os limites das estruturas modernas formais. Partidos, parlamentos, ministérios, a despeito de sua vinculação entre esquerda ou direita do espectro ideológico, tem uma margem de atuação francamente limitada ante as pressões dos grandes agentes financeiros. Neste ponto o que resta é a impossibilidade factual da execução plena e ipsis litteris de promessas de campanha eleitoral nas nações ocidentais. Este é um ponto trágico para a imaginação política contemporânea... A sensação de um certo "estelionato eleitoral" talvez não seja a nossa jabuticaba afinal...

Em suma, recomendo vivamente a leitura que pode ser acessada aqui.