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quarta-feira, 28 de junho de 2023

Medo à liberdade – Fabrício Maciel

 

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Medo à liberdade**



Fabrício Maciel***

Especialmente após a crise global de 2008, o mundo foi tomado de assalto por um espírito autoritário, que encontra conformações específicas em cada país, o que precisa considerar as desigualdades históricas nacionais. Donald Trump e Jair Bolsonaro são, neste sentido, excelentes exemplos advindos de realidades históricas bem distintas.

Ao observar as razões que levaram à ascensão e a queda e que podem levar à reascensão de tais líderes, podemos notar diversos fatores em comum. Dentre eles, as dificuldades na vida econômica da nação, o que significa especialmente o aumento da precariedade e do espectro da indignidade nas classes populares, serão sempre o primeiro aspecto a ser observado. Não foi outra coisa o que fez Erich Fromm em seu tempo, ao buscar compreender as razões profundas do fascismo.

Entretanto, para ele, as razões psicológicas se apresentaram como de maior importância, o que também é fundamental para compreendermos as novas formas de autoritarismo atuais. Isso não significa cair em um psicologismo, o que Erich Fromm deixa muito claro em sua leitura de Freud e sua ruptura com o mestre. Para Fromm, a natureza humana é dinâmica, sendo modificada ao longo do processo histórico, ao mesmo tempo em que o modifica.

Tal percepção pode ser encontrada em seu belo livro O medo à liberdade (Fromm, 1974). Nele, o autor procura compreender as dificuldades humanas na modernidade em sua relação com a liberdade. Liberto das amarras anteriores, o indivíduo agora não sabe o que fazer com sua nova condição, encontrando-se angustiado e com medo. Teríamos assim a condição perfeita para uma entrega à influência de líderes autoritários.

Isto foi fundamental para entender o fascismo clássico. Entretanto, na atualidade, precisamos atentar para alguns aspectos específicos. Fromm não presenciou, por exemplo, o que a máquina tecnológica atual é capaz de fazer com a produção de fake news e a mudança de consciência nas pessoas. Sem este mecanismo de poder Donald Trump e Jair Bolsonaro simplesmente não existiriam. Faço menção a estes dois casos específicos por considerar as semelhanças da ação do neofascismo em sociedades de massa gigantescas como o Brasil e os Estados Unidos, marcadas por fortes desigualdades estruturais. Encontraremos outros aspectos específicos na Europa e no mundo asiático.

Pensando especialmente no caso brasileiro, Jair Bolsonaro foi uma resposta um tanto quanto imprevista ao fracasso de um certo sistema político, econômico, moral e simbólico em promover justiça social e atender aos anseios existenciais mais profundos da sociedade brasileira e especialmente das classes populares. Refiro-me a um sistema que se esboça na década de 2000 e que normalmente definimos como “progressista”.

Naquele momento, a eleição de Lula incorporou e simbolizou este movimento, em consonância com o cenário global. Esta será uma década que vai presenciar grande esforço por parte dos governos do PT em promover justiça e inclusão social, o que foi, entretanto, muito menor do que o discurso do governo. Este esbarrou na desigualdade estrutural brasileira e no poder ilimitado de sua elite.

Com isso, a grande discrepância entre as promessas do sistema progressista e as possibilidades efetivas de mudança social foram gerando uma série de dificuldades no campo político e, em contrapartida, uma série de frustrações no seio da sociedade. Neste sentido, a perspectiva teórica de Fromm cai como uma luva. Esboçando uma interpretação, podemos dizer que os esforços do sistema progressista geraram expectativas fora da realidade, buscando provocar um caráter social igualmente progressista, tolerante e inclusivo. Em boa medida, não podemos negar o surgimento de um caráter social com boas expectativas de justiça e igualdade, considerando que várias ações do governo de fato promoveram alguma inclusão e justiça social nas camadas populares.

Entretanto, a discrepância entre a “grande promessa” progressista e a realidade estrutural do Brasil se colocou como o grande empecilho. Neste ponto, não podemos ignorar a realidade global promovida pelo capitalismo “flexível”, que eu prefiro definir como “indigno”. Com isso, precisamos ir além do nacionalismo metodológico e romper com a interpretação equivocada de que o Brasil e a América Latina possuem culturas autoritárias arraigadas em sua história, o que explicaria os fenômenos autoritários atuais. Com efeito, um olhar atento no cenário atual pode perceber a existência de uma cultura autoritária em escala global, inclusive aqui na Europa, o que pode ser visto com toda a nitidez no grau de intolerância crescente diante dos imigrantes.

Compreendo este fenômeno como um resultado tardio da ascensão de um capitalismo indigno e autoritário, em escala global, desde a década de 1970. Este resultado é tardio no sentido de que, em grande medida, ficou ‘debaixo do tapete’ da grande promessa progressista neoliberal das últimas décadas. Incondizente com a realidade, esta promessa apenas omitiu a ação real do capitalismo indigno, cuja verdadeira face é autoritária, promovendo desigualdade e injustiça social como nunca, agora em escala global. Neste sentido, a falência do Welfare State em países como Alemanha, França e Inglaterra é uma das principais provas empíricas da existência deste novo tipo de capitalismo e de sua lógica intrínseca de ação.

É claro que, se compararmos países como a Alemanha e o Brasil, veremos que, na primeira, o Estado ainda possui volumosos recursos para defender o país do “grande fracasso” do sistema progressista. Veja-se, por exemplo, a crise do gás promovida pelo contexto da guerra na Ucrânia. Por outro lado, todo o empenho progressista dos governos de esquerda no Brasil não foi suficiente para enfrentar nossa desigualdade estrutural. Como resultado, na década de 2010 começaremos a ver os efeitos deste fracasso e suas especificidades no caso brasileiro.

As manifestações de 2013, que agora completam dez anos, demonstraram uma certa revolta contida nas camadas populares, o que foi rapidamente manipulado por grupos de poder, criando uma crise profunda nos governos de Dilma Rousseff e levando ao seu impeachment em 2016. Rousseff quase não se reelege em 2014, o que revela tanto a crise de seu partido quanto a falência maior do sistema progressista global.

Novamente, a teoria de Erich Fromm se apresenta como muito propícia. Para ele, o caráter social significa o tipo ou perfil de humanidade predominante em uma época ou contexto histórico específico. Em termos simples, é preciso entender o caráter social do brasileiro mediano que votou e acreditou nos governos progressistas do partido dos trabalhadores de Lula e Rousseff. Um dado extremamente importante aqui é que um grande número de pessoas votou duas vezes em Lula, duas vezes em Dilma e então em Jair Bolsonaro. Isso não é casual e se explica em grande medida pela frustração generalizada diante da grande promessa que se transformará em descrença, apatia, animosidade e intolerância em grande parte da população, além de ódio e agressividade em escala preocupante. 

Temos assim um prato cheio para o discurso neofascista, que vai compreender e instrumentalizar esta frustração e insatisfação coletiva, traduzida em grande parte em ressentimento generalizado diante das instituições e sentimento de não reconhecimento pelas mesmas. Daí se explica o sucesso do discurso antissistema de Jair Bolsonaro, semelhante ao de Trump e adaptado ao cenário brasileiro. Vale ressaltar que este discurso possui uma tonalidade ultra meritocrática, manipulando os sentimentos e o ideal de liberdade individual para justificar e legitimar a campanha e posteriormente as ações do governo de Jair Bolsonaro.

Aqui, o discurso abstrato da liberdade vai ser bem-sucedido ao se contrapor ao discurso e a consequente falência do sistema progressista, que prometeu inclusão e justiça vindos de cima. Com isso, a extrema direita se aproveita do fracasso progressista com o discurso de que a justiça e a inclusão só podem vir debaixo, da própria sociedade, através da defesa da liberdade individual de ação no mercado, o que dependeria de um governo igualmente ultraliberal. A fala emblemática de Jair Bolsonaro, no auge da pandemia, de que o “povo precisa trabalhar”, é bastante esclarecedora neste sentido. Ao mesmo tempo, o governo da extrema direita vai manter políticas sociais da esquerda como um recurso populista eficaz.

Com isso, retornando a Erich Fromm, o que presenciamos é uma mudança gradual no caráter social brasileiro recente. Tal mudança, como percebia Fromm, é dinâmica, típica da cultura capitalista que ao mesmo tempo molda e é moldada pelo caráter social. Diferente da interpretação dominante e equivocada de que o brasileiro é essencialmente autoritário, o que presenciamos durante os governos da esquerda foi a construção gradual de um contexto de mais tolerância, aceitação e crença nas propostas progressistas de justiça e inclusão, que começa a ser modificado diante do fracasso de tais promessas. Com isso, o sistema político ao mesmo tempo modifica e é modificado pelas formas de pensar, agir e sentir da sociedade como um todo.

Agora, Jair Bolsonaro perdeu a última eleição e Lula retorna ao poder, em uma situação muito atípica e de difícil interpretação. Aqui, valem algumas considerações parciais. Em um primeiro momento, Jair Bolsonaro tentou um golpe, no fatídico 8 de janeiro, o que pode ser entendido a partir de outra parte da obra de Erich Fromm. Como foi bastante divulgado na mídia, os principais símbolos do poder em Brasília foram depredados em um ato de vandalismo de dimensões inéditas em nossa história.

Ali pudemos ver os impulsos de agressividade e destrutividade individuais canalizados contra um suposto opressor externo que, depois de amado, no auge da promessa progressista, agora é odiado. A ambiguidade intrínseca, que expressa o teor instrumental da manipulação realizada sobre boa parte dos indivíduos no ato, reside no fato de se empunhar a bandeira do brasil e ao mesmo tempo destruir seus símbolos de poder. Ou seja, se expressa aqui uma relação mal resolvida de amor e ódio em relação a autoridade externa do sistema político.

Na prática, sabemos que boa parte das pessoas envolvidas no ato agiram de maneira puramente instrumental, sendo inclusive financiadas para tanto. Ou seja, uma milícia da extrema direita. Por outro lado, muitos indivíduos ali presentes, o que também pudemos ver em toda a ação da militância de extrema direita ao longo do governo Bolsonaro, representando seu eleitorado, foram movidos por crenças e ideais que se infiltraram ou maximizaram no caráter brasileiro recente nos últimos tempos.

Aqui, como conclusão, podemos buscar um diálogo com a leitura de Erich Fromm sobre a fuga da liberdade e suas dificuldades. Se estivesse vivo, Erich Fromm certamente não ignoraria os imperativos morais impostos pelo capitalismo flexível, que promete sucesso e felicidade, ao mesmo tempo em que oferece, no plano material, instabilidade e precariedade, além de angústia, instabilidade e sofrimento, no plano existencial.

Com isso, precisamos de uma nova teoria da alienação e de novas buscas para sua superação. Em boa medida, Erich Fromm psicologizou a teoria da alienação de Karl Marx, a partir de sua influência de Sigmund Freud, indo além também deste, ao mostrar que o indivíduo, em sua natureza humana dinâmica, pode ser vetor tanto da reprodução quando da superação da alienação.

Para Erich Fromm, a superação da alienação dependeria da construção altruísta de relações sadias com o outro, diferentes daquelas predominantes na sociedade insana de seu tempo, muito semelhante ao que vivemos hoje. Neste sentido, a busca por um humanismo transformador e até mesmo por um socialismo humanista pode ser um projeto sério a ser construído socialmente. Se Erich Fromm estiver correto, a sociedade e o caráter social se transformam de maneira dinâmica, o que nos permite margem para esperança e não para a simples entrega ao conformismo, pessimismo ou melancolia. Entretanto, esta mudança depende também da ação do sistema político-econômico, que precisa se reconstruir criativamente.

Em seu terceiro mandato, Lula encontra novas dificuldades, mais obtusas e complexas do que as anteriores. Em certo sentido, a presença de Jair Bolsonaro no poder deixou claro quem era o inimigo a ser deposto. Ainda que Jair Bolsonaro tenha sido, como indivíduo, apenas um instrumento de um contra-sistema conservador, considerando que sua carreira agora parece fadada ao fracasso, ele explicitou, assim como Donald Trump, os ideais mais obscuros da modernidade, negados pelo sistema progressista.

Agora, a ação conservadora migrou para mecanismos mais complexos, como aqueles capitaneados pelo atual presidente da câmara dos deputados, Arthur Lira, que tem conseguido impedir ações progressivas do governo, assassinando o mesmo ainda no berço. Com isso, as perspectivas para os próximos anos não são muito promissoras. Por outro lado, com a eleição de Lula o caráter social brasileiro parece ter amenizado um pouco os seus ânimos e retomado algum fôlego. Com isso, podemos talvez ainda ter alguma esperança.


* The Night Wanderer, Edvard Munch. Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/02/19/arts/design/review-the-darkness-and-light-of-edvard-munchs-work.html, acesso em 28 de junho de 2023.

** Versão modificada de apresentação na 3ª Conferência de Pesquisa Internacional sobre Erich Fromm, realizada na International Psychoanalytic University em Berlim. Utilizamos aqui, com a devida autorização do autor, a versão publicada em A Terra é Redonda disponível em https://aterraeredonda.com.br/o-medo-a-liberdade/?fbclid=IwAR0dWi4FmvDPAyNjD_qnsACFUVbjjaJHLutC8D1AJsKgNqFz4I5vH_uVsPs, acesso em 28 de junho de 2023.

*** Fabrício Maciel é professor de teoria sociológica na Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor, entre outros livros, de O Brasil-nação como ideologia. A construção retórica e sociopolítica da identidade nacional (Ed. Autografia).

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Bolsonaro e a teologia brasileira do poder autoritário



[Pessoal] 

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Espero que estejam bem. Escrevo para indicar que semana que vem estarei em um diálogo sobre “Bolsonaro e a teologia brasileira do poder autoritário”, na próxima sexta-feira às 19h, com o pessoal do Instituto Humanitas de Estudos Integrados e o grupo de pesquisa Mythos-Logos da UFRN. 

Quem puder está junto será um prazer.

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[Abraços] 

terça-feira, 27 de julho de 2021

Nota de solidariedade ao Professor Conrado Hübner Mendes e de repúdio ao Procurador-Geral da República

Nós, membros do grupo de pesquisa “Direito, Sociedade Mundial e Constituição” (DISCO), da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, manifestamos nossa solidariedade ao professor Conrado Hübner Mendes, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Neste domingo, 16 de maio de 2021, tomamos conhecimento da representação à reitoria da USP feita pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras, contra o prof. Conrado Mendes. Membro do corpo docente da FD/UnB, Augusto Aras deturpa a via administrativa universitária ao promover ato flagrantemente intimidatório. O Procurador-Geral demonstra valer-se do modus operandi truculento, egocêntrico e autoritário característico do chefe do Executivo, comprometendo a independência funcional do órgão público que chefia.

O direito de crítica a fatos da vida pública e o pluralismo de ideias são de extrema importância para o regime democrático. Tentativas de intimidação, como a cometida por Augusto Aras, representam grave risco às bases constitucionais da nossa democracia. O Procurador decidiu se juntar àqueles que têm atacado de maneira infame a Constituição e o nosso regime democrático. Com essas ações desmedidas, ele atinge não só os direitos de Conrado Hübner Mendes, mas a liberdade acadêmica da comunidade científica brasileira, a liberdade de expressão e o direito à informação das leitoras e leitores.

Defendemos com veemência o exercício da atividade docente e a liberdade de expressão. Repudiamos a tentativa de intimidação do Procurador-Geral Augusto Aras. E expressamos nossa solidariedade com o professor Conrado Hübner Mendes.

Brasília, 16 de maio de 2021

Marcelo da Costa Pinto Neves

Professor de Direito Público da Faculdade de Direito Universidade de Brasília

Pablo Holmes Chaves

Professor do Instituto de Ciência Política (UnB) e na Pós-Graduação da Faculdade de

Direito da Universidade de Brasília-UnB.

Link para a nota em pdf: http://bit.ly/notadesolidariedadechmdiscounb

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Bolsonaro e o cristofascismo brasileiro: relação cristianismo e política

 


Bolsonaro e o cristofascismo brasileiro: relação cristianismo e política*

* Publicado originalmente na ASCOM/UENF.

Em 1970, a teóloga alemã Dorothee Sölle criou o termo “cristofascismo” para se referir às relações entre o partido nazi e as igrejas cristãs no desenvolvimento do Terceiro Reich. Em 2020, ao lançar o livro “Pandemia cristofascista” (Editora Recriar), o também teólogo Fábio Py, docente do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF, resgatou o termo, trazendo-o para o contexto brasileiro. O cristofascismo brasileiro é, segundo Py, a aliança entre igrejas cristãs e bolsonaristas para a implantação de um governo autoritário, com características neofascistas e ultraliberais. 

São muitas as analogias com o cristofascismo alemão. Assim como Hitler, Bolsonaro utiliza jargões cristãos como parte preponderante de seus discursos, como o clássico “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Assim como o ditador nazista, o presidente brasileiro também participa de eventos promovidos pelas igrejas cristãs, relacionando-se com seus líderes. E, dentre suas estratégias para alçar o poder e manter sua imagem em alta, se vale de seguidas conversões ao cristianismo. 

Segundo Py, o cristofascismo bolsonarista “promove-se por meio de uma teologia política autoritária, pautada hoje no clima apocalíptico do coronavírus, baseada no ‘ódio à pluralidade democrática’. Esse ódio é salpicado por técnicas governamentais de promoção da discriminação, de ódio aos setores ‘heterodoxos’. Diante da expansão do coronavírus no Brasil, foi somada sua característica antidemocrática ao discurso economicista como justificativa para a explicita permissão da ‘política da morte’ eugênica cujos alvos são os pobres, os mais velhos, os diabéticos e os hipertensos”. 

“A artimanha construída pela cúpula o desenha numa cristologia profana, apontando-o como messias, servo sofredor, ungido e eleito da nação. Faz isso para reagrupar as forças a fim de manter, a duras chicotadas, a implementação de medidas ultraliberais que hoje entregam à morte os mais vulneráveis” afirma. 

Em sua análise Py salienta que, em resposta ao contexto mundial e brasileiro da pandemia de Covid-19, Bolsonaro acirrou ainda mais a associação de seu governo ao cristianismo, evocando uma espécie de “guerra dos deuses”, como define Michel Lowy. 

“Nessa guerra pelo Deus cristão, Bolsonaro alimenta a base de seu governo autoritário ao reforçar sua gestão do ideário maniqueísta. Ao assumir-se como presidente dos cristãos, simplifica os conflitos políticos, que passam a transubstanciar-se em embates entre bem versus mal. Em tal arranjo, a guerra dos deuses se traveste na luta entre aqueles que representam o mal, em uma alegoria caricatural dos ‘comunistas’, dos ‘humanistas’, ou dos ‘petistas’, e entre aqueles também alegoricamente expressos como ‘cidadãos de bem’”, diz. 

Nesta entrevista à ASCOM/UENF, Fábio Py fala sobre as causas históricas para a ascensão do cristofascismo no Brasil, chamando a atenção para o legado da ditadura militar — cujo ideário não foi apagado com a volta da democracia — bem como para a responsabilidade do “petismo” para a ascensão dos evangélicos no poder. Segundo o professor, mais difícil que vencer Bolsonaro nas próximas eleições, será desarmar o bolsonarismo. Veja a entrevista: 

ASCOM – Segundo a narrativa do Novo Testamento, Jesus era a personificação do amor ao próximo. O presidente Bolsonaro já deu mostras suficientes de seu caráter racista, homofóbico, misógino, agressivo, arrogante e completamente insensível às mortes pelo coronovarírus. Como podemos entender este fenômeno no qual um candidato tão distanciado desse ideal cristão possa, ao mesmo tempo, para algumas parcelas da população, ter sua imagem aproximada à de Jesus Cristo?  

FÁBIO – Existe um ideário medieval de que Jesus é o amor encarnado, dono de uma prática pacifista. Esta é uma tradição do catolicismo hegemônica, contudo, alguns textos do evangelho destoam disso. Eu não sei dizer que ser pacífico, no mundo antigo, era você sair da sua casa e largar sua família como as narrativas indicam nos evangelhos. E tampouco falar que não veio trazer paz, mas espada, como Jesus indica aos apóstolos. Então esse é o primeiro elemento que tem que ser problematizado: essa imagem de um Jesus pacífico, que dá a outra face etc. Existem vários grupos partidários do judaísmo, da época de Jesus, nos quais, vez ou outra ele se enquadra. Eu não acho que Jesus foi alguém tão pacifico em relação às instituições religiosas e instituições do estado romano na Palestina. Na verdade, ele foi contra as duas instituições de domínio sobre os judeus na época. Na superfície, o cristianismo não tem muito a ver com Bolsonaro. Mas temos que considerar que o cristianismo é um elemento importante da civilização ocidental. E ele é absolutamente violento no seu lado interno, dos mecanismos religiosos, como Xavier Pikaza indica, pois renomeia as outras religiões, chamando alguns deles de satânicos, demoníacos. Então essa própria agenda monoteísta interna do sistema teológico do cristianismo é um problema, pois acumula praticas violentas das demais tradições religiosas.  

Estrategicamente, desde 2016, Bolsonaro vem tentando cada vez mais se afirmar como um bom católico e evangélico. E aí vemos uma série de conversões públicas dele, nas quais ele afirma: agora eu aceitei Jesus. Estrategicamente, ele afirma isso nos eventos cristãos, para poder sensibilizar de uma forma muito direta o público. Então, a via do diálogo dele com o cristianismo não é de acordo com o seu caráter reflexivo enquanto sujeito, que luta contra a homofobia, contra a discriminação, mas a via dele de diálogo com o setor é a de tentativas ou indicações de conversões. Foram diversas conversões ao catolicismo e, principalmente, mais recentemente, ao público evangélico. Nos últimos tempos, ele tem ido a várias celebrações religiosas na Assembleia de Deus, na Igreja Universal, na Igreja Mundial do Poder de Deus. Ele vem frequentando essas igrejas de forma muito direta e, com isso, tentando amplificar o seu diálogo com a base. Portanto, Bolsonaro vem tentando se afirmar como um convertido, e ao mesmo tempo, frequentar uma série de celebrações com o setor evangélico. Essa é a forma com que ele vem tentando dialogar, passando inclusive por cima dessa tônica dele misógina, a favor de armas etc. Aliás, isso é interessante, pois o setor evangélico no Brasil é contrário ao uso de armas e, mesmo assim, ele vem conseguindo suplantar essa dificuldade.  

ASCOM –  O envolvimento de evangélicos na política, apoiando candidatos e mesmo adentrando a arena política, vem se dando já há algum tempo no Brasil. Em que difere o momento atual do que ocorreu nos últimos governos de esquerda?  

FÁBIO PY – A questão dos evangélicos na política já vem acontecendo há algum tempo, antes mesmo da construção da bancada evangélica. Na verdade, isso vem desde 1930, quando o governo varguista incentivou a criação de algumas representações, organizações religiosas. Por exemplo, nós temos a Liga Católica, formada em 1932, e a Confederação Evangélica Brasileira, formada em 1934. Essas agências vão lutar também pela representação eleitoral desses setores. A Confederação Evangélica consegue eleger, em 1936, o pastor metodista Guaraci Siqueira, que depois vai ser eleito deputado federal. O interessante é que ele tinha uma posição política de esquerda, era um ‘socialista cristão’. Também se mobiliza o catolicismo. Na ditadura militar, há um apoio indireto das igrejas evangélicas, como a Assembleia de Deus, a Batista, a Presbiteriana. Elas apoiam em silêncio a ditadura militar. Em 1986, acontece um novo tipo de entrada do setor evangélico no meio político, por conta de alguns grupos discipulados por evangelistas americanos que vão começar a incentivar a participação política das igrejas. Então, a configuração evangélica brasileira se redimensiona a partir de 1986, buscando uma representação oficial de evangélicos no meio da política partidária. Já neste ano, eles conseguem a eleição de alguns quadros, que vão começar a formar o esboço do início da bancada evangélica. Isso vai ganhando cada vez mais proporção e, a partir da década de 2010, eles conseguem criar a Frente Parlamentar Evangélica. 

 O que acontece é que no governo PT o grupo evangélico participou da governança petista. Vale à pena lembrar que a área de direitos humanos ficou durante um tempo nas mãos dos setores evangélicos chamados progressistas. Logo depois Marcos Feliciano assume esse setor, e se distancia do governo PT com intrigas públicas, como com Arolde de Oliveira. Mas se amplificou, culminando no impedimento de Dilma Rousseff, que foi amplamente convocado pela Frente Parlamentar Evangélica.   

Assim, o impeachment de Dilma Rousseff foi levado na ponta do lápis por Marcos Feliciano, Silas Malafaia e diferentes setores evangélicos hegemônicos. Nesse contexto, surge a vontade de construção de um governo cristão. Aí que entra o Jair Bolsonaro, que se batiza no âmbito do próprio impedimento de Dilma Rousseff, percebendo o vácuo e a necessidade da Frente Parlamentar Evangélica de ter um cristão como futuro presidente. Nos últimos anos, o que se diferencia é isso: o governo do PT ajudou a Frente Parlamentar Evangélica a ganhar força. Mas essa aliança se desfez e eles ajudaram no impedimento de Dilma. Em seguida, passaram a compor o quadro do governo Temer e,  posteriormente, ajudaram na construção do que chamamos hoje de bolsonarismo.  

ASCOM – O PT então pode ser culpado do surgimento do bolsonarismo por ter contribuído para a ascensão dos evangélicos ao poder? 

FÁBIO PY – Eu diria que sim. Vários grupos atuaram na construção do bolsonarismo, como o PT, o PSOL. As esquerdas tradicionais, mesmo de forma indireta, ajudaram nisso. Ajudaram no processo de construção de um “espantalho da esquerda”, um sujeito odioso, que fala tudo que não é correto, justo e que tem posições contrárias à democracia. Certamente, um dos responsáveis por isso é o setor de esquerda. Ao longo desse processo, ocorreram algumas questões. Quero salientar que, antes da eleição de Lula, quando se começava a pensar e mobilizar a campanha eleitoral que daria a vitória a ele, em 2001, um grupo evangélico progressista participou de uma reunião e assumiu que vale a pena abrir o diálogo com instituições religiosas grandes, como eu costumo chamar, com as grandes corporações religiosas evangélicas. A Universal e todas essas igrejas foram chamadas para o diálogo e, a partir daí, o PT passou a se relacionar com essas instituições representadas na Bancada Evangélica. Então, há um grupo, um núcleo dentro do petismo que defende o diálogo com grandes evangelistas, pastores como Silas Malafaia, Edir Macedo, etc. Esses evangélicos progressistas que são os responsáveis por esse diálogo. Isso foi até um passo importante, mas depois, ao longo do tempo, foi causando uma série de rusgas e problemas. Novamente, vale à pena lembrar que Marcos Feliciano assumiu, como liderança da Frente Parlamentar Evangélica, a comissão de direitos humanos, causando uma série de tensões, falando contra o setor LGBTQIA+, a favor da ‘família tradicional brasileira’, e isso ajudou a dar mais força ainda para a Frente Parlamentar Evangélica. Ao mesmo tempo, foi a partir do crescimento dessa Frente que aconteceu a união bolsonarista. Então não há uma ligação direta entre o lulismo e bolsonarismo, mas pode-se dizer que certas instituições, grupos, tendências do setor evangélico já participavam do governo petista e depois ajudaram a organizar e construíram muito fortemente o governo que agora a gente se está vendo, que é o bolsonarismo, e que eu chamo de cristofascismo brasileiro. 

ASCOM – Qual foi o motivo do rompimento dos evangélicos com o PT? 

Fábio Py – Eu diria que o motivo do rompimento dos evangélicos  com o governo Dilma foi essa questão de  que começou a ficar muito estridente  que o governo não era tão favorável à dita “familia tradicional brasileira”. Começou-se a falar muito em ideologia de gênero, por exemplo, e essas terminologias começaram a cada vez mais afastar o governo de Dilma Rousseff das pautas tão importantes para o setor conservador evangélico. Mas eu queria também adentrar um detalhe: a Igreja Universal do Reino de Deus, mesmo sendo favorável à ‘familia tradicional brasileira’, foi uma das últimas instituições a romper com Dilma. Isso também tem que ser colocado na ponta do lápis: a Igreja Universal do Reino de Deus, historicamente, desde Collor, é uma instituição religiosa extremamente pragmática, preocupada com o poder. Ela está sempre junto de quem ocupa o poder. Nesse momento, por exemplo, já estão acontecendo várias negociações dos agentes da Universal com os principais candidatos que começam a disputar a Presidência, no caso Lula e Bolsonaro. 

ASCOM –  Como podemos compreender historicamente o surgimento do “Cristofascismo” no Brasil e no mundo? Quais seriam as causas desse fenômeno de domínio das massas através da religião? Especificamente no Brasil, o que contribui para isso?  

FÁBIO PY – O cristofacismo é um termo que eu utilizo a partir de uma teóloga luterana chamada Dorothee Sölle. Ela usa o termo pela primeira vez para fazer referência à vivência dela no nazismo. Doutora em Teologia, foi professora em um seminário de Nova York, onde  teve acesso a grupos supremacistas brancos, percebendo o vínculo desses grupos com o fundamentalismo e a luta deles contra os direitos humanos, as mulheres, os negros etc. Dorothee afirma que há uma conexão entre o nazismo e esses setores. E é essa conexão que ela vai chamar de cristofascismo. Esses sujeitos supremacistas brancos americanos, em nome de Cristo, discriminam e constroem um maquinário de ódio contra os setores heterodoxos: mulheres, negros, LGBTQIA+ e, no caso dos  EUA, os latinos.  Então o cristofascismo surge assim. E aí eu faço uma diferenciação com a terminologia da Dorothee. Eu reconheço a importância do fundamentalismo para a construção do governo Bolsonaro, principalmente das grandes corporações evangélicas e católicas conservadoras. O cristofascismo brasileiro, a que eu estou me referindo, é a conexão destas grandes corporações evangélicas e católicas com o governo cerceador de Bolsonaro.  Elas ajudaram a construção dele, e agora dão as mãos e ajudam a composição, a manutenção dele no poder, construindo uma indústria muito pesada de signos cristãos de ódio a diferentes pessoas, como os professores, os setores LGBTQIA+, negros indígenas e quilombolas. Então, cristofascismo é uma larga composição hoje entre as grandes corporações religiosas cristãs e o bolsonarismo. Eles fazem isso a partir de uma linguagem comum: a linguagem do movimento dito fundamentalista. Bolsonaro chega a utilizar desde jargões e até textos bíblicos nas suas falas políticas. 

ASCOM -Temos visto a perda da popularidade do presidente Bolsonaro à medida em que aumentam as mortes pela pandemia e que a CPI da Covid-19 avança em suas investigações. Podemos vislumbrar o fim do cristofascismo a partir da queda de Bolsonaro ou este movimento tende a continuar com outros atores políticos?  

FÁBIO PY – Estamos vendo cada vez mais fritar o governo Bolsonaro, mas o que acontece é que, embora o presidente esteja perdendo apoio popular, o bolsonarismo vai ser um movimento difícil de ser desarticulado. Como ocorreu nos EUA, onde, mesmo com a derrota de Trump, o trumpismo ainda é um elemento forte. Quer dizer, existem parcelas dessa comunidade, da comunidade americana e da comunidade brasileira que atuam junto a práticas preconceituosas, racistas, e tudo o mais. Então, acho que temos pela frente um amplo desafio, ainda maior que sua derrota nas eleições, que é desarmar o bolsonarismo, que está absolutamente ligado em suas raízes as antigas elites da ditadura civil-empresarial-militar brasileira.  

Nós não desarmamos esta construção hegemônica do militarismo na sociedade brasileira, não prendemos os militares que se utilizaram do governo para poder cassar, matar, praticar crimes contra a humanidade no Brasil. Bolsonaro foi criado na ditadura militar. Ele era militar à época, foi criado por ela e agora segue dissipando, a partir do cristianismo, o seu ódio em direção a diferentes setores sociais e a classes sociais distintas da dele. Então, o maior desafio é desarmar o bolsonarismo, uma vez que nós não conseguimos desarmar o legado da ditadura militar na sociedade brasileira e isso, evidentemente, ajudou a construir o que nós chamamos hoje de  bolsonarismo. 

ASCOM – Caso o presidente seja considerado culpado, sofra um impeachment e eventualmente seja condenado na esfera criminal, que consequências isto poderá trazer para as instituições religiosas que ajudaram a elegê-lo e ainda mantêm o seu apoio? 

FÁBIO PY – Se o bolsonarismo não está desarmado, o cristofascismo não será desarmado tão facilmente. As agências religiosas seguem junto ao bolsonarismo. E seguem dando tons religiosos, ensinando, agindo como ‘intelectuais orgânicos’ (Gramsci) no governo e posteriormente também devem seguir. Então a gente tem um duplo desafio: primeiro vencer Bolsonaro nas eleições, de forma pragmática. Segundo, é tentar, ao longo do tempo, com um trabalho denso de formação crítica, educativa, de formação social, tentar desarmar tanto a ditadura militar quanto o bolsonarismo. 

Caso haja impedimento e criminalização, espera-se que as grandes corporações religiosas evangélicas e católicas sofram medidas judiciais. O que eles vêm fazendo merece ser criminalizado, porque fecham os olhos para as mortes das pessoas e para a ciência, em detrimento do ganho financeiro, do ganho político. Essas instituições religiosas que abarcam esses pastores que mobilizam o bolsonarismo merecem pelo menos servir de exemplo sendo criminalizadas, pois estão cometendo crime contra a humanidade. Meio milhão de pessoas não morrem à toa, morrem porque não há uma política ampla do governo e também não houve uma conscientização religiosa e política junto à população, isso tem que ser deixado bem claro. 

ASCOM – Estamos então vivendo o resultado de um duplo descaso: 1- a não punição dos militares envolvidos em crimes durante a ditadura e 2- a “vista grossa” para a proliferação de igrejas cujo único popósito é arrecadar dinheiro e aumentar seu poder? 

FÁBIO PY – Na verdade, figuras como Bolsonaro só estão no poder porque os militares não foram criminalizados. Não todos, mas os militares que estavam no poder. Um dos responsáveis pelo que está acontecendo é, sim, essa linha de pensamento militar brasileira. E também não posso deixar de mencionar as instâncias religiosas que ajudaram de forma direta a eleger o Bolsonaro. Não posso deixar de destacar o descaso das instâncias religiosas cristãs às 500 mil mortes de Covid-19, inclusive protestantes tradicionais, que tanto são considerados como intelectualizados e tudo mais. Eles também desprezam a ciência hegemônica que constrói tratamentos e vacinas contra a Covid e fizeram uma aposta em vários momentos por remédios ineficazes como a cloroquina. 

 
ASCOM – Como as milícias se encaixam no cristofascismo brasileiro? 

FÁBIO PY – Já se vem falando que a milícia é o estado. Posso dizer de uma forma direta que Bolsonaro tem seu público fiel junto às milícias do estado do Rio de Janeiro. É só olhar a própria moradia dele e quem são as figuras que habitam aquela região, ou os próprios suspeitos do assassinato de Marielle, vereadora do Rio de Janeiro.  

Há muita discussão sobre a vinculação de Bolsonaro com as milícias do RJ, mas, de forma mais conclusiva, a gente pode dizer que é um quadro do militarismo que ajudou a nutrir as milícias, mas que está ligado com todas essas práticas que já são clássicas desde a ditadura militar brasileira, de rachadinha, esse tipo de coisa, que vem sendo levantado agora, na própria CPI. Bolsonaro e seus filhos estão absolutamente vinculados a essas práticas como vêm demonstrando as investigações.  

Se a milícia se apodera cada vez mais dos espaços públicos, das geografias e das agências do estado brasileiro, cada vez mais se tem uma pragmática dentro do cristofascismo.  Porque se há uma conexão entre igrejas evangélicas e católicas com a linguagem do estado cerceador brasileiro atual, as milícias são quem opera a prática disso, a prática de violência contra diferentes setores. De forma não oficial, mas às vezes oficial. 

ASCOM – Você vê algum risco concreto para a democracia brasileira neste momento ou se o bolsonarismo não for desarmado? Podemos voltar a uma ditadura? 

Fábio Py – Primeiro temos que pensar que a ditadura militar não foi descrita como ditadura nos seus cinco, seis primeiros anos. Foi a partir de 1970 que começou a se configurar uma ditadura civil-empresarial-militar. No momento, é muito difícil se fazer uma análise mais detalhada sobre isso. Agora, alguns elementos têm que ser considerados. Para o professor Michael Lowy, não é possível mais falar de fascismo tal como era na década de 1940, 1950. Pra ele, o que se tem a partir de 1960 são novas versões, quando não se faz mais um governo totalitário, dissolvendo parlamento, construindo de forma direta práticas violentas, de estado ou, no caso do Hitler, imperial mesmo, do império do terceiro Reich. Para esse autor, virou uma pragmática dos governos nacionais certos traços fascistas. Eu acho que é isso um pouco que a gente passa com o bolsonarismo. Não tem aquela antiga configuração. Então não temos mais as condições de antes de 1960, novas versões. São governos pretensamente democráticos, mas com práticas de ódio internas intrínsecas a esses estados.  Bolsonarismo, para Michel Lowy, é um caso desse tipo, trata-se de um neofascismo, por isso que utilizo o termo cristofascismo. Pois nunca um governo (autoritário) traçou tanta conexão com o cristianismo hegemônico no Brasil. Essa é uma equação sinuosa. Agora, deve-se considerar outro dado: na atual gestão se tem aproximadamente 7 mil militares trabalhando no governo. O que eu quero dizer com isso é que, mesmo acontecendo a vitória de outro projeto que não seja Bolsonaro em 2022, vai ser muito difícil desarmar esse governo cristão militar. Desde o processo interno da eleição ao pós-eleição, tal como aconteceu  com Trump. O Bolsonaro já vem avisando, como o Trump fez também, que não vai aceitar facilmente uma pretensa derrota nas urnas. Tudo isso tem que ser colocado na ponta do lápis.  Não é apenas derrotar nas eleições, tem que tentar depois desarticular essa mobilização antiga pró-militar, que existe desde 1964 no Brasil, destruir esse imaginário que existe do militar como sendo uma possibilidade de construção governamental no Brasil, com a possibilidade de golpes militares. Então eu diria que temos muito trabalho pela frente. Primeiro, tentar de alguma forma derrotar o projeto Bolsonaro em 2022.  Eu preferia que fosse impeachment, mas… nem mesmo a cúpula do PT deseja o impeachment, preferem uma disputa eleitoral pois é mais rápida e menos desgastante. E também pelo risco de ocorrer uma outra virada de mesa caso o impeachment aconteça e o vice Mourão venha a ganhar novas cores. Então tudo isso tem de ser pensado diretamente. Após a saída de Bolsonaro, seja por impeachment ou eleição, é preciso depois seguir no processo de construção de diálogos e de educação, de repensar essa brasilidade. Repensar e negar, lutar contra, de forma direta, a composição que indica que os militares possam de alguma forma serem os salvadores da pátria no Brasil. Existe uma ala dentro do militarismo, um grupo, que admite condições políticas para isso. Desde o tenentismo da década de 1922, acham que têm que lutar politicamente pela construção de um Brasil, embora o tenentismo tivesse outra ideia, mas isso é um pensamento muito comum, no século 20, entre os militares brasileiros. Eu não acho que há um risco de uma nova ditadura civil militar, acho que existe risco é de o governo Bolsonaro seguir e aprofundar seu delírio que diz ser democrático. Isso é um risco muito claro: ele continuar e seguir a tônica do desprezo pela vida das pessoas. 

Indicação de Leituras: 

LOWY, M. O neofascista Bolsonaro diante da pandemia. Blog da Boitempo, 2020. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/04/28/michael-lowy-o-neofascista-bolsonaro-diante-da-pandemia/ 

PY, Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020a. 

PY, Fábio. Bolsonaro’s Brazilian Christofascism during the Easter period plagued by Covid-19. International Journal of Latin American Religions, v. 4, p.318-334, 2020b. 

SCHMITT, C. Théologie politique. Paris: Gallimard, 1988. 

SOLLE, Dorothee. Beyond Mere Obedience: Reflections on a Christian Ethic for the Future, Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1970. 

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

Repúdio à invasão violenta de evento acadêmico por bolsonaristas.


Repúdio à invasão violenta de evento acadêmico por bolsonaristas*.

 * Publicado originalmente em Change.org.

NOTA DE REPÚDIO

O Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas sobre a Democracia da Uerj (Cebrad/Uerj/CNPq) e o Laboratório de Alternativas Institucionais da UFF (LAI/UFF/CNPq) vêm a público manifestar seu mais veemente repúdio à ação perpetrada por militantes bolsonaristas que, no dia 03/12/2020, por volta das 19h, invadiram a live de lançamento do livro Bolsonarismo: teoria e prática, produzido em parceria pelos nossos núcleos de pesquisa e recém publicado pela Gramma Editora.

O evento, de cunho acadêmico, propunha-se a debater os temas ligados à natureza, desenvolvimentos e impactos do bolsonarismo como fenômeno sociológico e político sobre a sociedade e sobre as instituições políticas nacionais. Não havia nenhuma conotação partidária ou ideológica no encontro, cujo intuito era a livre discussão científica. Foi neste ambiente que militantes bolsonaristas se infiltraram e, aos gritos, tentaram silenciar os debatedores.

Não obtendo sucesso, postaram vídeos grotescos, de cunho pornográfico, com o objetivo de constranger os presentes e impedir o prosseguimento do debate. Ainda que tenhamos conseguido repelir os invasores e concluído com êxito a discussão, houve prejuízo para diversas pessoas que não puderam mais acessar a sala.

Os signatários desta nota entendem que é legítima a expressão de toda divergência política, ideológica ou teórica numa sociedade democrática, mas não podemos admitir práticas fascistas que têm por objetivo impor uma visão única e calar o divergente. Expressamos, assim, nossa repulsa a essa ação antidemocrática, que não pode prosperar na nossa sociedade.

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2020

Geraldo Tadeu Monteiro, Coordenador do Cebrad/Uerj/CNPq

Carlos Sávio Teixeira, Coordenador do LAI/UFF/CNPq

Essa nota vai subscrita pelas seguintes entidades e pessoas, estando aberta à adesão de todas pessoas físicas e jurídicas que cerram fileiras na defesa dos Direitos Humanos e das liberdades democráticas.

Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais - Coordenação Regional do Rio de Janeiro;

APSERJ - Associação Profissional dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro

Sindicato dos Sociólogos do Estado do Rio de Janeiro

SINTIFRJ - Sindicato dos Trabalhadores do Instituto Federal do Rio de Janeiro

Professor Thiago de Jesus Esteves (IFRJ)

Professor Lier Pires Ferreira (Ibmec; CP2; Lepdesp)

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Da Planície Goytacá ao Planalto Central: Sobre poderes, instituições e teorias políticas implícitas

Da Planície Goytacá ao Planalto Central: Sobre poderes, instituições e teorias políticas implícitas

George Gomes Coutinho

Não podemos dizer que está tudo bem em nossa conjuntura. Da Planície Goytacá ao Planalto Central os legislativos ganharam a atenção da opinião pública ao desafiar seus executivos dentro da ordem constitucional, com maior ou menor impacto e guardadas as devidas proporções. Até então essa não deveria ser questão a nos preocupar dado que momentos de atrito entre poderes estão previstos na arquitetura das instituições políticas modernas. O maior problema são as reações dos seus respectivos executivos.

Em Campos vimos a não aprovação da Lei Orçamentária Anual em rodada ordinária de votações, fazendo com que a LOA só fosse aprovada no início deste ano.

No âmbito federal temos instalado o que alguns chamam com bom humor de Maiamentarismo. Outros chamam simplesmente de “parlamentarismo branco”. Neste caso em particular muitas vezes as proposições vindas do executivo são repaginadas, rediscutidas, algumas rechaçadas e outras acatadas.

As reações dos executivos foram dramáticas nos dois casos. Em Campos o prefeito Rafael Diniz foi acusado de pressionar o legislativo[1] e naquele momento certo alarde foi feito na opinião pública nesta cidade onde parte da economia depende dramaticamente de recursos públicos. Embora a não aprovação da LOA não atingisse as despesas obrigatórias, vide salários de servidores e dívida pública, uma narrativa de crítica pesada ao legislativo local circulou. Contudo as críticas, inclusive as perpetradas por Diniz, se indicavam certo pendor autoritário, onde o legislativo por vezes é visto como uma espécie de correia de transmissão do executivo, estas não flertaram perigosamente com a ruptura institucional. Eram críticas duras onde a população “comprou” a interpretação de que o legislativo seria uma espécie de inimigo a ser combatido e refletem antes um sentimento autoritário endêmico que é um traço de nossa cultura política.

Esta desconfiança ante o legislativo não é uma novidade. Cabe lembrar Luiz Inácio Lula da Silva e a acusação de uma Câmara Federal formada por “300 picaretas com anel de doutor”.

O problema é onde esta narrativa pode nos levar. A satanização de um dos poderes, ou mais de um, ignora as recomendações da filosofia política moderna que encontramos em Montesquieu ou nos Federalist Papers. Não precisamos entrar aqui nos detalhes das obras desta tradição filosófica liberal. Basta lembrarmos que dividirmos a responsabilidade dos processos de tomada de decisão é uma possível prevenção contra arroubos tirânicos. Sim, estamos falando de tirania.

A história humana nos mostra que, contrariando Platão e seu Rei-Filósofo, Faróis da Alexandria tem pés de barro quando decantam na realidade. Sob a égide do “correto”, do “mais justo”, “do mais sábio”, etc., plenos poderes concentrados não costumam produzir bom resultado justamente quando reconhecemos a política enquanto é: humana, demasiado humana, escrava de paixões, caprichos e muitas vezes impenitente em seus erros.

Retomando a nossa linha argumentativa factual, sim, legislativos contrariarem os seus respectivos executivos faz parte das regras do jogo na Democracia Representativa Liberal, nome completo disto que simplesmente chamamos de democracia. Diniz quando utilizou de retórica em disputa com seu legislativo rebelde, embora tenha carregado nas tintas e flertado com certo pendor autoritário, não atravessou o Rubicão. Apenas surfou a onda do traço autoritário subjacente que também é parte de nossa cultura política onde os legislativos são mais vilões do que mocinhos.

Outra coisa muito diferente e grave é o chefe do executivo divulgar vídeos de apoio a protestos em março próximo que afrontam as bases institucionais brasileiras vigentes.

Cabe notarmos que a convocatória dos protestos de 15 de março tiveram por estopim a fala do General Augusto Heleno onde o Congresso é acusado de chantagear o executivo. O General recomendou o “foda-se”. O 15 de março talvez seja uma forma de plasmar o “foda-se” clamado pelo General.

Não nos cabe discutir aqui crimes de responsabilidade, problema já debatido muitíssimo por juristas diversos na grande mídia. Mas, neste momento é fundamental assinalarmos que quando um membro importante do executivo sugere um “foda-se” em público a um dos poderes e este agente é demasiado próximo do presidente, a segurança e o respeito pelas instituições encontram-se no volume morto. Para além disso, denuncia que a teoria política subjacente ao que temos no poder no executivo federal é qualquer coisa... Mas, não merece de forma alguma o termo “liberal”. O alerta vermelho prossegue aceso e não dá sinais de que irá apagar tão cedo.




terça-feira, 2 de abril de 2019

Agende-se: Ato "Censura nunca mais", quinta-feira (04/04), às 9h, Regional NF-1 (SEEDUC)


CENSURA NUNCA MAIS

Por Pedro Otávio Cavalcante*

Professor do Liceu está sendo perseguido pela direita por ter utilizado uma CHARGE em um exercício de REDAÇÃO. Sim, o professor foi acusado de "doutrinação" por ter feito uma atividade na aula de Português que desenvolve a interpretação de texto e a reflexão crítica dos alunos.

Como se não fosse absurda o suficiente a perseguição, a SEEDUC compra o que a direita fala e abre sindicância contra o professor! Vamos lá, todo professor tem liberdade de cátedra justamente por ter estudado para ser professor e saber como e o que deve se ensinar. 

Sindicância se abre quando o professor comete alguma falta, como não ir às aulas, agredir os alunos ou fugir do exercício de sua função. Ora bolas, utilizar uma charge numa aula de Português é alguma dessas situações? Qual o motivo de abrirem uma sindicância então? Qual o indício de atitude irregular do professor? Será que estão assumindo que a Lei da Mordaça já foi aprovada?

Mas eles estão tendo reposta, e o professor Marcos não está sozinho! 

Vamos na quinta-feira nos unir contra esse absurdo! Às 9h, em frente a Regional NF-1 da SEEDUC (Rua Dr. Lacerda Sobrinho, 169, Centro)!

Pela liberdade de ensinar! Contra a censura!

* Professor de História e chargista.

sexta-feira, 22 de março de 2019

Em defesa da liberdade docente - o caso do Liceu de Humanidades de Campos


Em defesa da liberdade docente - o caso do Liceu de Humanidades de Campos*

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Não é a primeira vez que tratamos de violações à autonomia didática e científica das instituições de ensino desde que a redemocratização entrou em agonia há quase três anos. Relembremos nossos posicionamentos sobre as tentativas de censura à disciplina optativa "Tópicos Especiais em Ciência Política 4: o golpe de 2016 e a democracia", oferecida pelo professor Luís Felipe Miguel na Universidade de Brasília (Unb) (aqui), bem como à Cássia Maria Couto, professora da rede pública de ensino do estado do Rio de Janeiro, que sofreu ataques covardes em sua página no Facebook devido a uma simples ironia sobre a dita "doutrinação" nos espaços escolares (aqui). 

Agora, quem sofre semelhante constrangimento é Marcos Antônio Tavares da Silva, professor de Português do Liceu de Humanidades de Campos dos Goytacazes/RJ[1]. O motivo? Uma redação solicitada aos seus alunos tendo por mote a charge "O patriota" (ver acima). É bom que se diga: uma atividade rotineira para professores(as) de Português e demais disciplinas que compõem o arco das "Humanidades" - isto é, a própria missão institucional do Liceu! - e cujo conteúdo chega a ser trivial para estudantes concluintes do Ensino Médio. Aliás, a charge veio ao mundo em 2017, sendo assinada por Vitor Teixeira no sítio "Humor Político"[2].

O constrangimento pelo qual passa o professor Marcos já foi reportado à Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ):



Afinal de contas, por que tanto alarde em torno de uma simples tarefa escolar?

Olhar com sobriedade o "caso Liceu", que toma de assalto a opinião pública, leva-nos a pensar uma questão-chave para a autonomia didática do(a) professor(a): a relação entre razão e autoridade. Para tanto, nada melhor do que reler "Resposta à pergunta: 'Que é Iluminismo'"?[3], de Immanuel Kant, para distinguirmos quando termina a autoridade e onde começa a razão entre a escola e o seu entorno.

Se levarmos a sério a concepção de autonomia legada por Kant, localizaremos na educação escolar uma tensão permanente entre razão e autoridade. Não haveria mesmo como nos aliviarmos dela, uma vez que a escola somente confirma sua potencialidade emancipadora na transmissão de um patrimônio universal - o conhecimento que o gênero humano produziu até aqui - se "trair" a si mesma. 

Confuso até aqui? Explicamos: o Iluminismo possibilitou aos homens (e, por contrabando, às mulheres...) reconhecer, quiçá pela primeira vez, que vivemos em estado de "menoridade" e, logo, seria contraditório estarmos sob a tutela de alguém para superá-lo. Ora, se nos é facultado o entendimento e, mesmo assim, continuamos inaptos diante das indagações que a vida social nos solicita, é porque pouco nos servimos de nós mesmos. 

Atreva-se a conhecer! - Sapere aude! -, eis uma provocação do Iluminismo que sempre encontrará resistências, na medida em que figure para o homem e mulher medíocres uma perda do conforto que a ignorância lhes assegura. "É tão cômodo ser menor", admite Kant, ou lembrando uma frase icônica do filme "Matrix", a ignorância é uma bênção... 

A passagem à maioridade, contudo, não é uma impossibilidade. 

A todo tempo, lidamos com restrições ao pensamento: temos de pagar tributos, crer em símbolos nacionais e/ou religiosos, adequar-se às convenções sociais sem precisarmos de outra disposição senão ajustar-se irrefletidamente à ordem estabelecida. 

Até certo ponto, é lícito que assim seja se considerarmos a noção kantiana de uso privado da razão: um(a) professor(a) do Liceu de Humanidades, por exemplo, não poderia desvincular o uso que faz de sua razão das atribuições do cargo público a ele(a) confiado(a). Há um regime disciplinar, orientações curriculares a seguir, decoro a zelar etc. Porém, de um(a) professor(a) não é exigível educar os(as) seus(as) alunos(as) para continuarem sendo... seus(as) alunos(as).

Qual se fosse um parteiro de ideias ao modo socrático, professores(as) se constituem como intermediários culturais entre aquilo que ensinam e o uso público da razão enquanto destino para o qual seus(as) alunos(as) são estimulados a caminhar com as próprias pernas: a liberdade de trabalhar em salas de aula todos os elementos disponíveis para o entendimento é uma condição necessária para que homens e mulheres adultos(as) tenham sido educados para exercer a liberdade civil. 

Por liberdade civil, leia-se: uma pessoa falar em seu próprio nome para um público sem obedecer a outro critério senão expor com clareza seus próprios juízos e ideias para o exame de todos(as). Ser livre é uma realização pessoal que, todavia, apenas a socialização referenciada na liberdade de pensamento pode garantir. Aqui, os espaços escolares ainda configuram o lugar de excelência dessa forma de socialização, malgrado serem também espaços de controle e de nivelamento.

Voltando ao "caso Liceu", que crime ou pecado cometera o professor Marcos? Dizer, por intermédio de uma charge, aos(às) seus(as) alunos(as): "Sapere aude!". Atreva-se a conhecer: a posição de subalternidade do Brasil frente aos Estados Unidos com a política externa ultrajada pelo governo de Jair Bolsonaro. 

Secundaristas, atrevam-se a conhecer: a base militar de Alcântara, localizada no Maranhão, foi objeto de acordo assinado por Bolsonaro com o governo de Donald Trump para lançamentos de satélites, dependendo ainda da aprovação do Congresso Nacional. Pasme, o Ministério da Defesa estima que o país fature pífios 37 milhões de reais para ceder um dos raros recursos militares estratégicos que temos à maior potência militar do planeta[4].

Secundaristas, atrevam-se a conhecer: o Brasil entregue à falange bolsonarista no poder abrirá mão de suas vantagens como membro da Organização Mundial do Comércio (OMC) para ingressar na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), subordinando-se às diretrizes do governo estadunidense para o comércio exterior. Quais vantagens seriam essas? Na condição de país em desenvolvimento – status conferido ao Brasil na OMC –, negociar com países economicamente desenvolvidos sem se obrigar à reciprocidade de liberalização do seu mercado interno[5], uma medida protetiva cuja justificativa é autoevidente para um país em franco processo de desindustrialização como o Brasil.

Sem contar, claro, a cereja do bolo: Bolsonaro, um capitão da reserva do Exército brasileiro e então pré-candidato à Presidência da República em 2017, bater continência para a bandeira estadunidense em comício num restaurante em Deerfield Beach, estado da Flórida, região sul dos EUA[6]. Para os(as) incrédulos(as), recomendo uma visita rápida ao YouTube[7].

Chega! Haveria outras tantas demonstrações do patriotismo de araque de Bolsonaro et caterva, mas o texto ficou demasiado longo e não quero desanimá-los(as) expondo ad nauseam a velha síndrome de vira-lata a qual Nelson Rodrigues apontou como a vicissitude mais arraigada entre nós brasileiros(as).

Ao professor Marcos, prestamos nosso apoio e solidariedade por ousar ser iluminista em tempos sombrios. Acompanharemos o desenrolar do “caso Liceu” e desejamos que sua rotina profissional seja prontamente restabelecida em nome do interesse público inerente à arte de educar.

* Última atualização em 23/03/2019, às 11h06.