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segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

O suplício de Moïse: do que padecemos neste país - Luciane Soares

 

O suplício de Moïse: do que padecemos neste país*

Luciane Soares**

 

***


A frase dita por Ivana Lay, mãe de Moïse Kabagambe deve ser objeto de reflexão: “Matou meu filho, mesma coisa mata pessoa lá. Não tem diferença, se eu soubesse ficava no meu país”. O jovem de 24 anos, refugiado político da República Democrática do Congo, vivia no país desde 2011. Tinha amigos, uma família, e um trabalho. Precário e incerto como o de tantos outros jovens imigrantes africanos, latino-americanos, asiáticos, que vivem no Brasil. Como tantas outras, sua família estava à procura de segurança e de um recomeço, fugindo de uma guerra. Acreditaram que o Brasil seria o país certo, “uma mãe que a todos acolhe”. Talvez não tenham visto as declarações do presidente sobre sua visita a um quilombo quando ainda era pré-candidato. Jair Bolsonaro declarou no Clube Hebraica que: “Eu fui num quilombo. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem pra procriador ele serve mais...”. E com este discurso, eleito presidente, seguiu destruindo a cultura, a diplomacia brasileira e todas as representações de que o país poderia acolher com segurança Moïse e sua família. Não podia. A declaração do Itamaraty sobre o caso é insossa, descomprometida e não dá conta do assassinato de congoleses no Brasil. Uma declaração que nada encaminha: “O Itamaraty expressa sua indignação com o brutal assassinato e espera que o culpado ou culpados sejam levados à justiça no menor prazo possível”.

 

Em 2018. Em uma noite durante minha aula na UENF (Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro), fui chamada por um grupo de alunos para mediar um conflito. Um aluno se recusava a descer da bicicleta para entrar no campus Leonel Brizola. O segurança, que dizia cumprir ordens, estava a poucos metros de agredir o estudante. Após a mediação ouvi do trabalhador terceirizado, orgulhoso de seu cargo que, “Em breve aquela baderna iria acabar, o capitão estava vindo”. Faltavam poucos meses para as eleições. Aquele quadro, como um ovo da serpente, possibilitou ver o que seria. Moa do Katendê, morto em 8 de outubro de 2018, o reitor Luis Carlos Cancellier proibido de entrar na própria universidade em que estudara. Desde então, não há um dia sem abusos, mortes e violação dos direitos humanos. Claro que o governo Bolsonaro não inaugurou estas violações. Precisamente, ele trouxe Carlos Brilhante Ustra como patrono de seu governo. Explicitamente. Acharam que “não seria tudo isto”. Mas foi. E foi ainda pior se considerarmos os casos de morte por covid-19 no Brasil. Foi deliberado.

 

Não é necessário estabelecer uma relação causal como mostra de evidências sobre as consequências da eleição de Bolsonaro para as minorias. Como não é possível desconhecer a intensidade recente dos crimes de ódio em escala global. Particularmente nos países que têm líderes de direita e extrema direita a discursar cotidianamente sobre armas, uso da força, ataque aos negros, mulheres, indígenas e todos aqueles classificados como indesejáveis. Desde então, assistimos grupos que à luz do dia expressam simpatia por obras nazistas e encontram na violência física a forma mais comum de resolução de conflitos. As tentativas de linchamento contra os “indesejáveis” aumentaram no Rio de Janeiro. Geralmente os alvos desta violência são homens negros. O mesmo perfil dos mortos em favelas pelo Estado.

 

A brutalidade de mais um caso de racismo nos remete a George Floyd. Ainda perguntamos onde está Amarildo, desaparecido dentro de um contêiner de uma Unidade da Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro. Devemos lembrar de Kathlen Romeu, de 24 anos, grávida e atingida por bala perdida na comunidade do Lins em junho de 2021 e de Cláudia Ferreira, arrastada por uma viatura da Polícia Militar no Rio de Janeiro. Em 2019, durante o governo Witzel, seis crianças foram mortas em um curto período de tempo. O perfil? Moradoras de comunidades, filhos de mães solteiras e mais importante: investigações inconclusas. Todos estes casos têm em comum a falta de punição do Estado. Casos recentes como o do Metrô em São Paulo no qual um segurança aplica um mata-leão em um homem negro com um carrinho de bebê não são raros no país. Devemos lembrar de João Alberto Freitas, morto dentro do Carrefour em Porto Alegre, também espancado até a morte. Pedro Henrique Gonzaga, 25 anos, morto no Extra da Barra da Tijuca em 2019. Também espancado por seguranças.

 

Em fevereiro de 2014, um jovem foi preso em um poste da avenida Rui Barbosa, no Flamengo. Foi utilizada uma tranca de bicicleta. Ele foi amarrado nu. A reclamação dos moradores era de que os roubos no bairro haviam aumentado. O que me chamou a atenção neste caso, além da brutalidade, foi a necessidade de desnudar o corpo negro. Assim como o corpo de Cláudia, arrastado por uma viatura da Polícia Militar por 350 metros na estrada Intendente Magalhães, no Rio. Assim como o major Edson, que seguiu recebendo seus vencimentos após o envolvimento no caso Amarildo, o capitão Rodrigo Boaventura foi promovido e não recebeu qualquer punição pelo envolvimento com o caso Cláudia Ferreira. Esta é a regra. Em tudo isto há um modus operandi, uma didática destinada àqueles que são genéricos, cujo corpo pode ser exposto ou dilacerado publicamente.

 

As representações sobre nossa cordialidade e amabilidade têm sido questionadas. Até recentemente não usávamos o termo xenofobia. Não por falta de casos, mas por falta de registros nas delegacias. Mesmo o crime de racismo ainda depende quase que completamente da vontade dos operadores do Estado. Ou seja, é comum que ocorra uma discussão interminável sobre o que foi dito e feito, com a intenção de desestimular o registro. Se não há registro, não há racismo, xenofobia. Nem justiça. Uma rápida pesquisa sobre o número de mortes em shoppings do Brasil após a aplicação do golpe mata-leão não deixa dúvidas sobre a violência e o racismo nas interações cotidianas.

 

Pesquiso casos de racismo no Brasil desde 2001. Desde discussões de trânsito até casos nos espaços de trabalho e moradia. Na dissertação sobre o cotidiano das relações interraciais no Rio Grande do Sul, analisei 531 casos de delegacia. A maioria destes casos ocorria em espaços de trabalho ou moradia. Ou seja, não estamos falando de conflitos que ocorrem por um descontrole. Nada disto. Assim como no caso de Moïse, que é agredido ao solicitar seu pagamento, estes casos ocorrem quando um empregado solicita regularização de sua situação trabalhista, procura judicialmente por seu direitos ou exige seu pagamento. Estes últimos, muitíssimo comuns entre empregadas domésticas e mais recentemente, diaristas. Ou seja, os dados mostram que há um importante cruzamento entre qualificação profissional e cor em caso de racismo (ou injúria racial). A permanência deste quadro por mais de um século, mesmo após a criminalização do racismo na Constituição de 1988, é importante indicador do quanto nossas relações são regidas por atos de violência herdados do período escravocrata. Nem metade destes casos chegam a um inquérito e convido vocês a pesquisarem as sentenças nos Tribunais de Justiça. No caso do tribunal do Rio, a análise de 52 sentenças é reveladora. Em 2013, junto com as pesquisadoras Aline Lopes e Lygia Costa, analisamos sentenças e documentos públicos de casos classificados como racismo ou injúria racial. Em locais diversos. Encontramos uma concentração em situações de comércio, bancos, supermercados, estacionamentos. Quando existe alguma indenização, ela foge ao reconhecimento de que houve racismo (casos como as portas giratórias de bancos) e apela para uma questão de direito do consumidor. Ou seja, em resumo, o Judiciário do Rio de Janeiro (e certamente do resto do país) trabalha diariamente na desconstrução dos casos cotidianos da mesma forma que o Estado trabalha na não punição de agentes envolvidos em mortes e chacinas no exercício de sua profissão. Mesmo quando agredidas fisicamente, essas pessoas não são indenizadas de forma satisfatória. Em um exemplo muito comum de argumentação lemos que “o fato de o autor ser abordado por seguranças por ocasião de sua entrada no estabelecimento pertencente ao réu, revela situação corriqueira pela qual qualquer pessoa poderia passar, o que não caracteriza constrangimento decorrente de conduta indevida ou abusiva. Na verdade o autor sentiu-se discriminado por razões de foro íntimo, ou de exacerbada sensibilidade, não logrado êxito contudo, em demonstrar que fora submetido a situação vexatória ou humilhante, como vítima da alegada discriminação racial”. O racismo no Brasil é visto por estes operadores do direito como questão subjetiva. Nossa tarefa é pressionar estas esferas para que se crie de fato uma jurisprudência a partir destes crimes. E que eles sejam tipificados como racismo e não desqualificados.

 

Não temos a ampliação de delegacias de combate ao racismo e à xenofobia no Brasil. Em 2001 tínhamos duas delegacias especializadas. Uma em São Paulo e outra no Piauí. Este quadro teve alterações nos últimos anos? Como pensar as práticas milicianas neste contexto? E a declaração de um dos envolvidos, pedindo desculpas aos familiares e afirmando que não tinha a intenção de matá-lo? Ou outro declarando que desejava “extravasar a raiva”? Como explicar o racismo e os linchamentos diante do quadro apresentado? É necessário que o negro enquadre-se em que mundo da ordem para sua perfeita aceitação e ganho de confiança? Que sentimento explica os seguidos linchamentos, se não são motivados por ódio racial? O problema seria explicado pela pobreza ou vulnerabilidade daqueles a quem o ódio é endereçado?

 

Nas delegacias, a explicação para contrapor uma acusação de racismo é geralmente esta: “Mas tenho um cunhado moreninho”, ou algo equivalente. Interessante notar que a ordem da explicação remeta ao terreno dos afetos, da intimidade, da afetividade. E sigo vendo o sorriso retumbante de Gilberto Freyre. Como explicamos a coexistência de nosso “não” racismo cotidiano com a sequência de linchamentos e execuções? Será nossa contribuição ao mundo esta cordialidade apontada por Sérgio Buarque de Holanda, que tem horror ao universal, igualitário, e adere com cores quentes ao familiar, pessoal? Ao “negrinho” para montar e brincar, aquele que é “meu”: amigo, cunhado, padrinho, porteiro... Será a exigência de um tratamento mais igualitário uma das causas desta sensação de aumento da violência motivada por ódio racial?

 

É possível que o brasileiro consiga trabalhar com dois registros sobrepostos? O negro genérico que carregaria todos os elementos descritos por Nina Rodrigues: a tendência ao crime, a embriaguez, ao roubo, a vadiagem, ao excesso sexual e, ao mesmo tempo, o “meu negro”, gênio da raça, fiel, afetivo? É possível que o brasileiro opere diferenciações entre os negros que devem morrer e aqueles que merecem sua confiança e respeito? Como esta operação é possível? O que isto nos conta sobre nossa formação como povo ou civilização? Como seria um erro pensar em termos de avanços civilizacionais, também podemos inverter a escala e admitir que o simples fato de utilizar tais classificações raciais ao longo da história, já demonstra a distância entre ideal e realidade.

 

As teses racistas não comprometeram apenas a liberdade dos negros. Estamos todos enredados nesta área cinzenta na qual alguns ainda não conseguiram aceitar um princípio básico sobre igualdade e humanidade comuns aos homens sobre a terra. Por esta razão é preciso manter bem viva a desconfiança sobre as possibilidades de emancipação humana dos negros no Brasil. O abalo destas estruturas produziria uma crise sem precedentes na representação que os demais grupos têm sobre suas virtudes morais, intelectuais, artísticas. E uma sociedade assim, livre dos preconceitos, estaria “fadada” à liberdade.

 

A morte de Moïse é um dos capítulos mais tristes da nossa história recente. Pedimos justiça e ampliação dos instrumentos de cidadania para o acolhimento de todos que procuram o Brasil como um segunda casa.

 

* Publicado originalmente no Nexo Jornal. Disponível  em: https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2022/O-supl%C3%ADcio-de-Mo%C3%AFse-do-que-padecemos-neste-pa%C3%ADs?position-home=1&fbclid=IwAR1ixf9e9jlQe-lM5EYqVn4yRH2Pu5nT-O17DnWgrFi0WdK4Y3MPT-GS6Gw. Acesso em 06 fev. 2022. O Ensaio foi aqui republicado com a autorização da autora.

 

** Luciane Soares é professora associada da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. Doutora em sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é chefe de laboratório do Lesce (Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado) e coordenadora do Núcleo de Estudos Cidade Cultura e Conflito.


*** The trap of imaginary desires - Óleo sobre tela de Anastasia Ov. Disponível em: https://www.saatchiart.com/art/Painting-The-trap-of-imaginary-desires/1755764/8639643/view, acesso em 07 de fev. 2022.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Jojo Toddynho é apenas uma menina


Fonte: Gazeta.

Jojo Toddynho é apenas uma menina

 

Renata Saul*

 

Dia desses, eu estava em alguma rede social e, sabe Deus por quê, deparei-me com um vídeo em que a cantora de funk Jojo Toddynho declarava seu amor a um filme infantil chamado “O mistério de Feiurinha”. Eu sorri com a alegria da cantora e procurei alguns vídeos sobre ela.

Nascida em 11 de fevereiro de 1997, Jordana Gleise de Jesus Menezes tem 23 anos. Jojo Toddynho é uma menina.

Outra coisa que me chamou atenção foi a linguagem corporal de Jojo Toddynho nos vídeos. Confesso não ser especialista no tema, mas sou observadora, mulher negra e queria compartilhar algumas ponderações.

A menina Jojo anda sempre com a cabeça extremamente erguida e não no sentido figurado, aquele da metáfora da dignidade (coisa que ela demonstra ter), mas como se perguntasse: “Algum problema?”. Ombros para trás, externo muito projetado. Jojo Toddynho é negra, veio das classes menos favorecidas e é gorda. Ela precisou ser uma “afronta” para que não a atropelassem constantemente. A postura corporal é a de um corpo que está em constante alerta, pronto para se defender, pois o ataque virá.

         Toda mulher sabe o que é sofrer pressão estética, como é ser constantemente questionada em suas atividades e até mesmo silenciada em razão do gênero. No caso da Jojo, agregue ainda a questão da classe social e da cor. As estatísticas no Brasil provam que ser mulher negra no Brasil é um eterno combate.

         Há entre nós o seguinte ditado: “A branca para casar, a mulata para fornicar e a preta para trabalhar”. Como se não bastasse o racismo, a objetificação da mulher, o ditado explicita o nosso tipo de racismo, alicerçado nos fenótipos (quanto mais características negróides, mais discriminação e racismo se sofre). Nesse ditado, a mulher branca “ganha” o status do título, da mulher casada, da que é apresentada à família, a que tem o direito ao matrimônio – gerar filhos para que o homem possa ter a quem entregar seu patrimônio, seu sobrenome. À mulata, palavra que tem origem no termo mula (animal híbrido, incapaz de gerar), cabe o papel da hipersexualização: não será apresentada à família. Por fim, temos a negra do último tom de pele: esta ainda luta para ser humanizada, já que, no ditado popular, não tem direito à afetividade ou à sexualidade: é ferramenta de trabalho. Jojo Toddynho é uma menina e é um “tiro, que samba e desfila com as amigas”, como diz sua música. Jojo é protagonista de sua história, mas ainda é apenas uma menina.

 

* Mestra em Cognição e Linguagem, Socióloga, Professora de Sociologia, Docente na rede municipal de educação básica de Campos dos Goytacazes-RJ e, não menos importante, neta de Dona Lourdes.

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

João Alberto Silveira Freitas

Fonte: G1 (aqui).

João Alberto Silveira Freitas


Paulo Sérgio Ribeiro

Se branco fosse, vivo estaria. Simplismo? Não. Apenas uma mórbida confirmação do genocídio negro perpetrado por brasileiros(as) às vésperas do Dia Nacional da Consciência Negra. O fato: João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, foi espancado ontem, sem chance de defesa, até a morte por seguranças privados de uma corporação francesa – Carrefour – em um dos seus estabelecimentos comerciais em Porto Alegre/RS, dando um nome e um rosto ao velho “normal” descrito pelo Anuário Brasileiro da Segurança Pública[1]. Em sua edição mais recente (2020), tendo por referência o ano de 2019, dois dados saltam aos olhos: das vítimas de violência letal no Brasil, 74,4% atingem negros e, no tocante à vitimização decorrente de intervenções policiais, 79,1% lhes acomete[2].

Ante a constância da vulnerabilidade social de homens e mulheres negros(as) à violência em suas múltiplas manifestações racistas, temos de indagar sobre as razões possíveis da arbitrariedade sobre os seus corpos aqui e alhures. Em “Contra-história do liberalismo”[3], Domenico Losurdo sugere apontamentos tão perturbadores quanto as imagens do brutal assassinato do senhor João Alberto.

Ao focalizar a construção do pensamento liberal nos dois lados do Atlântico a separar o império inglês de suas colônias no hemisfério norte até o século XVIII, Losurdo revela em detalhe as incongruências de uma visão de mundo que encontraria na escravidão racial seu anteparo em um emergente capitalismo cuja lógica desumanizante não daria margem a veleidades iluministas.

Losurdo é incisivo: o que é o liberalismo? A resposta, feita com suficiente fôlego empírico em sua obra, poderia assim ser contextualizada: filósofos, como John Locke entre tantos outros expoentes daquela tradição de pensamento, que elegeram a liberdade como o alfa e o ômega de um concepção de boa vida, justificariam o poder absoluto sobre homens e mulheres tornados bens semoventes sob o escravismo colonial como prova de coerência de sua luta contra qualquer poder despótico que interviesse na propriedade privada entendida como um direito natural. Tratar-se-ia, em sua forma e conteúdo, de assegurar vida longa ao mito fundador de uma sociedade nacional politicamente emancipada (EUA), mas comprometida (eternamente?) com o seu complexo de colono:


Se a honra da metrópole como lugar privilegiado da liberdade estava salva, não obstante a permanência da escravidão na sua extrema periferia, para os colonos, essa visão cometia o erro de confundir e assimilar ingleses livres, escória carcerária e povos de cor.

[...]

Independentemente até do problema da representação, a delimitação espacial da comunidade dos livres é percebida como uma exclusão intolerável. Por outro lado os colonos, ao reivindicar a igualdade com a classe dominante inglesa, aprofundam o abismo que os separa dos negros e dos peles-vermelhas. Se em Londres se faz a distinção entre a área da civilização e a área da barbárie, entre o espaço sagrado e o profano, contrapondo em primeiro lugar a metrópole às colônias, os colonos americanos são levados por sua vez a localizar a linha de separação em primeiro lugar no pertencimento étnico e na cor da pele: em base ao Naturalization Act de 1790, só os brancos podem ser tornar cidadãos dos Estados Unidos[4].


EUA e Brasil diferem quanto às vicissitudes do seu racismo institucionalizado, mas olhar para a contradição insolúvel do ideário de liberdade que caracteriza a autoconsciência dos(as) estadunidenses e o preço de levá-la adiante, caso não subestimemos o movimento “Black Lives Matter” detonado pelo assassinato igualmente brutal de um homem negro – George Floyd – por agentes policiais, coloca-nos diante do nosso próprio complexo de colono. Ora, não estaríamos diante dos impasses trágicos da delimitação, por exclusão, de uma “comunidade dos livres” entre nós?

O senhor João Alberto ousou ser livre ao acessar as dependências de um hipermercado e delas foi expulso como um corpo sem vida por dois homens brancos, agentes de segurança privada, sendo um deles também policial militar[5]. Excelsa realização de nossa subcidadania: Mercado e Estado personificados como uma só força contra alguém que não seja legatário de uma ordem capitalista cuja estrutura de poder se edifica sobre as bases duradouras do colonialismo.

O que advirá do holocausto negro testemunhado na capital gaúcha retirará o véu de nossas iniquidades neste 20 de novembro? Haverá sublevações populares como as que se seguiram à morte de George Floyd nos EUA? Não levanto tais questionamentos me fazendo incendiário. Só desconfio que, se sobrevierem atos de revolta antirracista como uma onda crescente nas ruas de nosso(?) país, apelar à ordem dirá muito sobre o lugar de fala e o lugar de escuta de cada um(a).



[1] Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020). Acesso em 20/11/2020. Disponível (aqui).

[2] Idem, p. 12.

[3] CF. LOSURDO, Domenico. Contra-história do liberalismo. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2006.

[4] Op. cit., pp. 61-62.

[5] G1. “Era esperto, brincalhão”, diz amigo de infância sobre homem negro morto espancado em supermercado no RS. Edição de 20/11/2020. Disponível (aqui). 

quarta-feira, 10 de junho de 2020

Não consigo respirar!

                                                                                                                                 Fonte: Terra (aqui)
Não consigo respirar!*

Renata Souza**

Não consigo respirar. O que me impede de respirar neste momento não é a insuficiência respiratória causada pela Covid-19. Não consigo respirar diante de tantas notícias de morte de pessoas negras de forma cruel e executória. Não consigo respirar porque mal termino de ficar em choque com uma morte cruel, ou treze, e outras mais cruéis ainda acontecem. Não consigo respirar, porque cada dia um dos nossos é morto de forma violenta, vítimas de um sistema racista e desumano.

Vivemos em uma sociedade que nos impede de respirar e, consequentemente, de existir. Uma sociedade que, historicamente, colocou os negros em uma situação de subalternidade. Que coisificou, vilipendiou, massacrou e sufocou a nós negros e negras. Uma sociedade da hierarquia e do privilégio branco. 

A abolição da escravidão, as conquistas cidadãs, o avançar do tempo, da tecnologia e dos modos de vida trouxeram poucas mudanças para a construção do negro no imaginário social. Tanto no Brasil quanto em outros países que, em seu passado, adotaram a escravidão como forma de relação de produção. Uma vez que, o que vemos diariamente é a coisificação, a execução sumária e a chacina de pessoas negras. O que vou chamar aqui de "negrocídio", isto é, a morte de pessoas negras, simplesmente por elas serem negras.

A pandemia, por si só, já traz motivos que nos impedem de respirar de forma adequada, seja no sentido denotativo, pelo contágio da Covid-19 ou pelo uso de máscaras. Seja no sentido conotativo, por estarmos há mais de 80 dias “trancados” em nossas residências, para quem tem uma. Entretanto, as mortes de pessoas negras de forma brutal, que, nas últimas semanas, vêm sendo noticiadas, tanto no Brasil quanto no EUA, são apenas uma pequena parcela de mortes da população negra que conseguiu romper o espiral de naturalidade e o estado de letargia que sempre vivemos em relação ao negrocídio.

Quantos homens e mulheres negros são silenciados, sufocados, asfixiados diariamente no Brasil, vítimas do racismo estatal, e sequer ficamos sabendo. Quantos pretos, que já são considerados invisíveis em vida, permanecem assim em sua morte. Os quais nem seus familiares têm a oportunidade de velar porque o corpo sumiu. Uma vez que, a lógica "sem corpo sem crime" é uma velha conhecida das instituições que deveriam servir e proteger. Isso para falar da face mais visível e cruel da violência contra o povo negro. A violência estatal, que encontra nas forças de segurança a personificação da mão, nada invisível, que aperta o gatilho.

O silenciamento do povo negro não se dá só nessas infelizes tragédias que estamos vendo nas últimas semanas. A morte do americano George Floyd desencadeou uma comoção internacional. Que penso ser justa, digna e legítima. Mas só pra avisar que, aqui, abaixo da linha do equador, todos os dias um preto é morto de forma cruel. O racismo, aqui no país tropical, existe e mata com tanta ou mais crueldade que os agentes públicos americanos. Que corpos pretos são sentenciados diariamente na fila do SUS, na cozinha da madame, nas unidades de socioeducação, na escola pública, nas cadeias, etc. O negro aqui serve pra tudo! Menos para ser respeitado.

Até quando não vamos conseguir respirar? Até quando nossa vida vai valer menos? Até quando a polícia vai achar que eu sou suspeita? Até quando eu vou servir apenas para fornicar? Até quando a hipocrisia vai reinar? Até quando eu vou ter que me calar? Até quando...

* Publicado originalmente em Ururau Jornal Online (aqui).

** Professora de Sociologia da Educação Básica, Mestre em Sociologia Política, Pesquisadora do Núcleo Cidade, Cultura e Conflito e Doutoranda em Sociologia Política na Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF).

terça-feira, 9 de abril de 2019

segunda-feira, 25 de março de 2019

Padrões de beleza, violência simbólica, cabelos e representatividade


Publicado originalmente em Prensa de Babel (aqui).

Padrões de beleza, violência simbólica, cabelos e representatividade

Por Renata de Souza Francisco*

Como a maioria das meninas negras que nasceram na década de 80, fui apresentada desde muito nova aos vários métodos de tortura capilar. Tortura sim! Porque hoje entendo tudo que estava por trás daqueles alisantes infernais que queimavam meu coro cabeludo, ardiam meus olhos e era motivo de choro e sofrimento em minha casa a cada 2 ou 3 meses. A hora de cuidar do cabelo era o momento mais traumático do meu dia.

Cresci odiando pentear os cabelos. Achava que um dia meus olhos se assemelhariam a de uma oriental. A força e os rabos de cavalo feitos em meus cabelos eram extremamente apertados. Tudo em nome de não deixar nenhum fio se rebelar e mostrar que de fato eu não tinha cabelos lisos. Meu cabelo era quase assunto do Código Penal, como costumavam dizer popularmente. Era o cabelo bandido: ou estava preso ou armado. Logo, era perigoso em qualquer das suas formas de apresentação.

À medida que fui crescendo, incorporei o argumento irrefletido, do senso comum, de que o cabelo alisado se justificava por ser mais fácil de cuidar e uma alternativa “legal” ao cabelo bandido, afinal meu cabelo era classificado como o cabelo ruim, o cabelo de pico, o cabelo duro e outras coisas do gênero.

Há mais ou menos dois anos atrás, resolvi não mais alisar meus cabelos. E, junto com essa decisão, veio uma enxurrada de questionamentos e uma leve crise existencial. Além de questões existenciais, tive uma profunda crise de representatividade. Onde estão as mulheres negras de cabelo natural bem-sucedidas? Quais atrizes negras fazem papel de destaque? Quantas jornalistas negras vejo na TV?

Comecei a perceber que não faltavam apenas mulheres negras com seus black power na mídia, faltavam pessoas negras como um todo, com cabelo liso ou natural. Não via pessoas negras em posição de destaque, em profissões bem remuneradas. Faltava representatividade. Infelizmente, ainda sou a única negra a frequentar alguns espaços de poder em uma condição “privilegiada”, o que me levou a mais questionamentos.

Aos olhos de quem não é negra ou é negra e nunca questionou seu cabelo alisado, minhas inquietações poderão parecer algo menor. Só que, atrás de um cabelo alisado, existe um campo de disputas por narrativas e poderes. Narrativas ideológicas em que o padrão eurocêntrico se estabelece às custas da autoestima e do sacrifício das muitas mulheres negras, que eram e ainda são “submetidas”, como disse no início, a um verdadeiro ritual de tortura.

Que fique nítido: não quero dizer que todo mundo tenha de fazer uma transição capilar ou queimar as chapinhas e os alisantes em praça pública. Se quiser continuar alisando o cabelo, ok! Não penso que o cabelo alisado, por várias questões que apontarei abaixo, deslegitime o discurso engajado e consciente. Tenho consciência de que a posição de alisar ou deixar de alisar é imposição. Não podemos sair de uma e cair em outra.

Alguns me dirão: “Que exagero! O alisante não pula na cabeça de ninguém”. Sim! Concordo. A colonização do pensamento e as necessidades espelhadas no paradigma eurocêntrico criaram amarras, ou melhor, alisantes para uniformizar os cabelos e os pensamentos. Nós, mulheres negras, para sermos aceitas no mercado de trabalho, na escola e no mercado matrimonial, fomos obrigadas, durante muitos anos, a alisarmos nossos cabelos. Ou seja, sofremos uma violência silenciosa, do tipo que a sociedade naturaliza e ninguém questiona.

Um tipo de violência branda, uma violência que usa artifícios sutis para que as regras impostas pelos que dominam sejam até desejadas. O sociólogo francês Pierre Bourdieu cunhou o conceito de “violência simbólica”, que tomo a liberdade de usá-lo aqui, para pensar a colonização e a normatização de nossos corpos. Afinal, o corpo da mulher sempre foi um campo de disputas, não ficaria o cabelo da mulher negra fora dessa seara.

A violência simbólica “consiste em uma forma de aceitação de crenças, regras partilhadas como se as mesmas fossem normais e naturais”. A ideia do amor materno, a crença de que é papel da mulher cuidar da casa e dos filhos sozinha, de que homens não sentem medo e não podem chorar, dentre outras. Com o alisamento do cabelo é assim, já está estabelecido há muito tempo que alisar o cabelo era uma etapa considerada “normal” na vida de uma menina negra.

O que gerou anos de inflexão da mulher negra sobre seus cabelos. E não as culpo ou, melhor, não me culpo. Pensar no cabelo é pensar em autoestima, é pensar nossa relação com o mundo. Pensar o cabelo das mulheres negras alisado é pensar em não sofrer bullying na escola, é não ter sua capacidade posta em dúvida porque usa seu cabelo natural. Alisar seu cabelo é ter certeza de que terá um par para dançar na festa junina, é a possibilidade de figurar na lista das garotas bonitas da sala quando se está na quinta série. Coisas que para uma mulher branca adulta pode parecer não ter muita importância, mas que para uma criança terá impactos reais para o resto de sua vida adulta.

À medida que comecei a ler mais e entender mais sobre minha condição de mulher e negra na sociedade brasileira, a vontade de não alisar mais meu cabelo só foi aumentando. Mas, como já disse, essa vontade vem cheia de dúvidas e de medos. A transição de uma vida inteira de cabelo alisado para um cabelo natural envolve uma série de etapas esteticamente não muito agradáveis. Adiei e sabotei o processo várias vezes. Quando via uma parte do meu cabelo natural contrastando com o restante alisado, sentia grande incômodo e infelicidade com minha autoimagem.

Conversando com um amigo sobre as dúvidas e medos que estava enfrentando em meu processo de transição capilar, ele me apresentou uma autora estadunidense negra chamada Bell Hooks, que escreveu um texto que me fortaleceu de uma forma que não tive mais dúvidas sobre minha decisão. O texto chama-se: “Alisando nosso cabelo”. Nesse texto, a autora faz uma reflexão sobre a impressão dela acerca do processo de alisar os cabelos com o extinto pente quente. Em um primeiro momento, esse cabelo alisado estava vinculado aos anseios de se tornar mulher, de proporcionar bem-estar e da criação de vínculos entre mulheres.

Hooks nos conta que, como viviam em um mundo segregado racialmente, não era evidente a ideia de que as mulheres negras estavam lutando para colocar em prática um padrão de beleza branco, ou seja, o fato de mulheres brancas serem consideradas um grupo feminino mais atrativo e as mulheres negras de cabelo liso serem mais aceitas do que as de cabelo crespos e encaracolados acabou estabelecendo um padrão de beleza.

Ela segue dizendo que no “patriarcalismo capitalista, essa postura representa uma imitação da aparência do grupo branco dominante e, com frequência, indica um racismo interiorizado, um ódio a si mesmo que pode ser somado a uma baixa autoestima”. Mais uma vez, não me sinto culpada por algum momento de minha vida ter tentado, assim como muitos e muitas ainda tentam, expurgar tudo que me identificasse como negra, porque ser negro(a) no Brasil não é legal, quase no sentido literal da palavra.

Infelizmente, o racismo que estrutura nossa sociedade nos faz ter ódio de nossa cor da pele, de nossos cabelos. Identificar-se como negro(a) no Brasil está além da autodeclaração. É uma questão política. E para alguns é uma questão de vida ou morte, porque nós negros(as) figuramos no topo das piores estatísticas neste país.

* Socióloga; Doutoranda em Sociologia Política (UENF); Professora da rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro.

sábado, 16 de março de 2019

Racismo, Universidade e as disputas pelos sentidos do mundo.



Racismo, Universidade e as disputas pelos sentidos do mundo.

Por Luciane Soares da Silva*

Existem textos que são escritos de uma única tacada. A conjuntura, a necessidade da denúncia são aliados na construção dos argumentos. Não se deve esperar para apresentar um posicionamento. Faço esta advertência, pois correrei um risco muito grande hoje. De qualquer forma, outros correram antes de mim.

No início dos anos 2000, em um Congresso com cientistas portugueses, discorria sobre ocorrências de delegacia envolvendo injúria racial após a Constituição de 1988. Fui interrompida por uma professora que, muito preocupada com o espanto do grupo de 11 pesquisadores, tentava defender a representação do Brasil como um paraíso racial. Quando a indagaram sobre as “cotas”, experimentei o primeiro momento constrangedor de inúmeros que veria ao longo de uma década: aos prantos, fez uma defesa pessoal de sua orientação racial democrática. De como era ter orientandos do CNPq negros.

Como pesquisadora formada no sul do país, vivi ao longo de 6 anos situações que muito recentemente são classificadas como “racismo” institucional. Desde piadas em bancas de seleção com personagens negros cômicos de filmes americanos até o questionamento da vocação para pesquisa. Sem contar as classificações obscuras em concursos nos quais a banca permaneceu olhando pela janela durante minha prova-aula e bocejando. Todos sabem como isto acontece, mas não é possível criticar um círculo de poder se você ainda tem a pretensão de ingressar em uma Universidade.

São esses os inconvenientes que o professor José Jorge de Carvalho ousou denunciar ao tomar posição no “caso Ari”. Arivaldo Alves foi reprovado em uma disciplina obrigatória do curso de doutorado no departamento de Antropologia da Unb em 1998. Algo inédito nos 20 anos de existência daquele programa. Lembro de José Jorge na UFRGS contando quantos professores negros tínhamos na Universidade. Um deles era meu orientador, cabo–verdiano. Não lembro de outros durante o tempo que estive lá. E não creio que haja um número muito representativo em 2019. José Jorge indagava se tínhamos os dados sobre evasão nos cursos das principais Universidades. Por que concentrar-se em 20% de reserva de vagas?

Naquele ano, um muro amanheceu pichado na frente da faculdade de Direito na João Pessoa com a frase “Negro, só se for no RU, cotas não”. A referência era ao restaurante universitário, no qual comi por seis anos e o local em que, de fato, podíamos ver os não brancos. As “cotas” foram atacadas, livros foram escritos com vários argumentos sobre a dificuldade da classificação racial, sobre importar um problema que não existia no Brasil. Lembro de estudantes defendendo a meritocracia.

O Brasil de 2019 é bem diferente daquele. As primeiras turmas de UERJ e da UENF (pioneiras na política de ação afirmativa) já estão formadas e desmentem hipóteses iniciais sobre desempenho de cotistas. As Federais também sofreram o impacto das políticas e é possível perceber maior heterogeneidade quanto a cor em alguns cursos. Se olharmos para o corpo docente das Universidades, vemos algo curioso: alunos não brancos e de classes trabalhadoras ingressam em cursos de doutorado. Mas se realizarmos um levantamento nos últimos dez anos nos concursos públicos, veremos que segue o mesmo padrão de cor de décadas anteriores.

Quais as hipóteses para este fenômeno? Tenho amigos formados na UFF, USP, UFRJ, UFMG, UFRGS, UERJ, UFBA... por pesquisadores reconhecidos internacionalmente, com uma biografia de dedicação à pesquisa, com formação na Europa, Estados Unidos, com publicações nas melhores revistas. Como explicar seu desempenho em concursos? Um ponto: creio que as ações afirmativas não servem como resolução para desigualdades estruturais com base em cor. Mas sabemos o peso do reconhecimento pelo título conferido no século XXI para aqueles cujas famílias não têm uma única pessoa com ingresso no ensino superior.

Mas me parece que a entrada na carreira docente representa o passo que não demos. Representa a discussão de uma outra epistemologia científica, o deslocamento concreto dos objetos de observação (tanto na área de saúde como na geografia ou no urbanismo). Se temos como professor um homem negro, residente na Maré e que estuda favelas (e de fato, ele existe com estas características), alteramos um ponto nos discursos sobre um dos temas mais interessantes na ciências sociais brasileiras. Outro lugar de observação, outra forma de entrada em campo, outras possibilidades teóricas e políticas.

Creio que todos têm um acordo formal sobre isto. Como temos acordo sobre a necessidade de combater o racismo. Mas o que temos hoje é um outro tipo de reserva de vagas: aquelas que definem os sentidos do mundo. E que, ao definirem, estabelecem os lugares de poder. E, como conseqüência óbvia, a forma da distribuição dos recursos e da reprodução nos termos estudados por Pierre Bourdieu. Não é apenas uma questão de escolha teórica. Longe disto. Há também o uso do discurso dos estudos culturais, dos estudos de gênero e outros como forma de autoconsagração. Atuação magistral no campo da retórica. Mas que não se aplica às regras de seleção dos novos professores. O fato concreto é que não há nenhuma disposição para alterar este quadro e basta dar uma olhada nos resultados de concursos recentes para confirmar este texto.

Melhor seria se permanecessem as cátedras. É uma ironia. Mas pouparia muito sofrimento aos que entram em concursos com 50 candidatos e aceitam regras que jamais os incluirão. Que sequer explicarão a diferença de décimos que os colocou em segundo lugar (estas explicações nunca poderão ser dadas, pois democratizariam o processo). Quanto a mim, que furei o bloqueio sem qualquer obtenção de justiça em nenhum destes lugares, seguirei na disputa pelos sentidos do mundo. Porque não se pode acreditar em uma ciência sem dissenso e fenotipicamente homogênea. Eu estive prestes a dedicar este texto a quatro professores ... mas percebi que seria injusto não completar a lista. E o texto já está longo demais. Além disto, não faz mais diferença.

* Socióloga. Professora Associada à Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Chefe do Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (LESCE/CCH/UENF) e Presidenta da Associação de Docentes da UENF (ADUENF). 

quarta-feira, 13 de março de 2019

convite Cineclube Marighella - 23/03/2019 - 19 horas

Prezadxs,

Repassando convite de atividade organizada tanto pelo CRESS* 7ª Região quanto pela galera sempre presente do Cineclube Marighella:

O CRESS 7ª Região (Seccional Campos) e o CINECLUBE MARIGHELLA convidam a todos(as) para a atividade referente ao Movimento “21 Dias de Ativismo Contra o Racismo”, intitulada “Cinedebate contra o racismo: a construção da imagem de negros e negras na mídia brasileira”, com a exibição do documentário “A negação do Brasil”, a ocorrer no dia 23/03 (sábado), às 19h, no Museu Histórico de Campos, com a participação das jornalistas Cláudia Eleonora e Stella Freitas como debatedoras.


O evento faz parte da ação "21 Dias de Ativismo Contra o Racismo" que ocorre em todo o estado.

Divulguem, prestigiem! 



*CRESS é o Conselho Regional de Serviço Social.