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quarta-feira, 28 de julho de 2021

Centrão civil versus Centrão Fardado


Centrão civil versus Centrão Fardado*

* Publicado originalmente em A Terra é redonda. 

Luís Felipe Miguel 

As providências de Jair M. Bolsonaro para arrastar-se até o final do mandato mantendo impunidade para si mesmo e para os rebentos

Acuado pela crise sanitária, social e econômica, colocado na defensiva pela CPI, o governo Bolsonaro luta pela sobrevivência. O capitão sabe que a parcela de eleitores que lhe é integralmente fiel, aqueles 25 a 30% que permanecem invulneráveis ao impacto da realidade, é fundamental para qualquer projeto eleitoral da direita. Este é seu capital. Mas parece cada vez mais improvável conquistar os votos restantes, que propiciem a reeleição. O discurso da “escolha muito difícil” será, em 2022, ainda mais constrangedor do que já era em 2018. Sob risco de ser abandonado pelos aliados ou mesmo de ver seu mandato abreviado – crimes de responsabilidade para isto não faltam –, Bolsonaro investe em duas estratégias paralelas: ameaça tumultuar o processo eleitoral e rateia o governo entre os políticos do Centrão.

São movimentos de alto custo. As bravatas contra as eleições aumentam a pressão para que as famosas instituições finalmente ajam para impor limites a Bolsonaro. E o acordo com o Centrão, como bem lembrou o general Mourão em outra estudada declaração pública, aliena de vez aquele eleitor que acreditou que Bolsonaro representava a ruptura com a “velha política”. O preço a pagar pela sobrevivência é aumentar a conta para o futuro imediato.

Até porque o modus operandi do Centrão, sobretudo diante de governos fracos, é o do saque, sem nenhum compromisso de longo prazo – no que lembra, aliás, a política econômica de Paulo Guedes. Um exemplo eloquente: mesmo entregando a Casa Civil a Ciro Nogueira, talvez recriando o Ministério do Planejamento para devolver ao grupo o controle do orçamento da União, Bolsonaro pode não conseguir a filiação ao PP. A imprensa reporta resistência de muitos caciques do partido, seja porque não desejam ver o clã do presidente dominando os diretórios locais, seja porque querem estar livres para apoiar outro candidato em 2022, em alguns casos ninguém menos do que o ex-presidente Lula.

O quadro se complica ainda mais porque o governo Bolsonaro já está em grande medida ocupado por um grupo dedicado a parasitar o Estado – os milhares de oficiais da ativa e da reserva que ocupam cargos civis e intermedeiam negócios, dos quais Pazuello foi o símbolo mais vistoso e Braga Netto é o porta-voz mais ativo. Este “Centrão fardado”, por assim dizer, ampara as intentonas de Bolsonaro contra as eleições do ano que vem, por medo de, com uma mudança de governo, perder as prebendas de que hoje desfruta. Não está feliz, portanto, de ver o Centrão civil invadir, com seu típico apetite de gafanhoto, os múltiplos espaços que conquistou nos últimos anos.

Por isso, é razoável interpretar – como fizeram vários jornalistas – o vazamento da conversa entre Braga Netto e Arthur Lira, na qual o ministro da Defesa anuncia sua intenção de impedir a realização das eleições, como parte deste conflito intestino (sem nenhum trocadilho). O general foi obrigado a um desmentido, ainda que capenga, e é forte a pressão para que seja ao menos investigado. Uma convocação pelo Congresso, para prestar esclarecimentos, é bem provável; falta saber o quanto custará, para o governo, evitá-la. Esta é, aliás, uma das vantagens dos civis na disputa ora em curso: possuem um amplo arsenal de medidas que podem usar de acordo com a ocasião, calibrando seu impacto. Já os militares contam apenas com a ameaça, que usada em excesso tende a se expor como mera fanfarronada.

A posição do governo Bolsonaro é pouco confortável. O agravamento da crise sanitária e social, a incompetência gerencial e a inabilidade política fizeram com que ele desperdiçasse, em pouco tempo, a situação vantajosa em que parecia estar no começo do ano, quando conquistou vitórias folgadas nas eleições para as mesas do Congresso e chegara a certa pacificação, ainda que tensa, na relação com o Supremo. Sua fórmula de “governabilidade”, que no caso significa arrastar-se até o final do mandato mantendo impunidade para si mesmo e para os rebentos, exige tanto o Centrão civil quanto os fardados. Mas tudo indica que a convivência entre eles está ingressando em momento de forte turbulência.

sábado, 18 de julho de 2020

PANDEMIA: O NOVO CANUDOS DO EXÉRCITO BRASILEIRO?

PANDEMIA: O NOVO CANUDOS DO EXÉRCITO BRASILEIRO?[1]



Christian Edward Cyril Lynch[2]



*

 
Os romanos, quando queriam aludir à rapidez com que se ia da glória à miséria, falavam que fulano teria ido "do Capitólio à Rocha Tarpeia". O Capitólio era centro de poder de Roma, de onde os deuses teriam criado a civilização. A Rocha Tarpeia ficava um pouco atrás, e era de lá que eram arremessados os condenados à morte.


A metáfora me vem à cabeça para pensar a rapidez com que as expectativas do público bolsonarista foram desmentidas desde a eleição do capitão há menos de dois anos. Desde a presidência Collor de Mello, nunca as expectativas eleitorais de um mandatário se esfarelaram tão rapidamente. Mas a desilusão dos próprios integrantes do poder não foi gerada só pela pandemia, mas pela miragem que os movia na sua fantasia antissistêmica.


Os radicais reacionários acreditavam que, no poder, promoveriam uma cruzada redentora da moral e dos bons costumes que levaria o Brasil de volta à idade do ouro. Os neoliberais achavam que, se desfazendo do Estado e dos servidores, produziriam crescimento econômico miraculoso. Os militares acreditavam que redimiriam o regime militar, revelando toda a sua capacidade administrativa e tirocínio político. No final, todavia, acabou tudo onde sempre acaba: no centrão.


O desalento dos reacionários radicais já é conhecido. Mas o que anda na pauta é o desalento do exército. Esperava-se que o governo Bolsonaro representasse a redenção do regime militar, ou seja, o triunfo público do patriotismo revelado pelas forças armadas que teriam salvo o Brasil do comunismo. Todas as habilidades dos militares - intelectuais, cívicas, logísticas, estratégicas- ficariam novamente em evidência. Mas não é isso que vem acontecendo, como se percebe da tensão em torno de sua associação com o alegado "genocídio" patrocinado pelo presidente Bolsonaro na pandemia.


No começo da República, como se sabe, os militares ocuparam a presidência nos primeiros quatro anos e depois resistiram a ceder lugar de volta aos civis. O fator decisivo para sua desmoralização e retirada foi o desastre de Canudos. Os radicais da época, que apoiavam os militares, tentaram emparedar o moderado Presidente Prudente de Morais, acusado de frouxo na repressão ao movimento. Prudente mandou os militares para lá, e ao invés de consagrar o exército, o desastre da campanha demonstrou suas insuficiências e liquidou suas veleidades políticas.


Com suas dezenas de milhares de mortos, a pandemia parece ser o novo Canudos do Exército brasileiro.



* Foto Arquivo Folha de São Paulo. Disponível em: https://f.i.uol.com.br/fotografia/2019/06/07/15599458265cfae26267c12_1559945826_5x2_lg.jpg, acesso em 18/07/2020.




[1] Texto republicado com a autorização do autor. A publicação original pode ser conferida em: https://www.facebook.com/christian.lynch.5/posts/10220167157021523, acesso em 18/07/2020.


[2] Cientista político e professor da área no IESP/UERJ. É autor de “Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia” publicado pela editora da UFMG, “Wanderley Guilherme dos Santos: a imaginação política brasileira - cinco ensaios de história intelectual”  publicado pela Revan, dentre outras obras, coletâneas e inúmeros artigos nos campos do Pensamento Político Brasileiro, Teoria Política e História das Ideias Políticas.

 


terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES

INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES*

José Luis Vianna da Cruz**

Fatos

O Governo Federal intervém, apoiado na Constituição, na Área de Segurança do Estado do Rio, até 31 de dezembro deste ano, por suposta perda de controle do governo estadual sobre a violência. Um General vai comandar as ações das Polícias Militar e Civil, dos presídios, da área de inteligência, dos bombeiros. Vai reportar diretamente ao Presidente da República.

Com a intervenção, fica proibido alterar a Constituição. A Reforma da Previdência, considerada “questão de honra” para o Governo, as elites, a grande mídia, o Judiciário, o MP e o Mercado, não poderá ser realizada nesse período, pois implica em mudanças na Constituição, como bem lembra a reportagem da BBC sobre o assunto (http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43088935).

Dúvidas, questões e apreensões

O Exército já está, desde o ano passado, autorizado por Decreto do Presidente, a atuar na segurança do Rio de Janeiro. Sua atuação não resolveu nada.

O Rio não é o único nem o pior estado do país na questão da violência. Segundo o 11º Anuário de Segurança Púbica, do Forum de Segurança Pública, divulgado no site da revista EXAME, em 4 de novembro de 2017, o Rio é o 10º colocado em crimes violentos do Brasil (https://exame.abril.com.br/brasil/os-estados-mais-violentos-do-brasil-3/).

A presença de tropas, somente, não resolve a questão estrutural da violência, de forma profunda e por um longo prazo. Ocupação permanente? Como bem lembrou o sociólogo Renato Lima, do Fórum de Segurança Pública, com a proibição de mexer na Constituição provocada pela Intervenção, não será possível enfrentar as questões estruturais e as mudanças que podem garantir uma melhoria profunda e de longo prazo, tais como a natureza, as estruturas e as funções das polícias, dentre outras questões de fundo. Que efetividade é possível alcançar com esta medida?

Se vai ser feito “mais do mesmo”,o que já demonstrou não ser eficaz; se isso vai ser feito no décimo estado em gravidade da violência, qual a perspectiva de solução?

A Intervenção militar não foi precedida de nenhum estudo, estratégia, proposta ou projeto de enfrentamento da questão da violência. Se ela está em níveis insuportáveis em todo o país não seria um caso de ataca-la com políticas públicas, e não com violência?

Não podendo mexer na Constituição, até o final do ano, para que serve a intervenção? Especula-se que seria para encontrar uma desculpa para o Congresso e o Governo Temer escaparem da realização da Reforma da Previdência, cuja rejeição pode ameaçar as eleições dos membros do Congresso e do Governo.


Como ficam as eleições?Analisando-se politicamente, com tanta água a rolar por debaixo da ponte após a intervenção, quem pode garantir que serão realizadas? Lembremos que o Exército vai atuar também na questão dos imigrantes venezuelanos. Será um ensaio para um projeto de um golpe civil-jurídico-político-militar? Se a conjuntura caminhar para uma reação ativa da sociedade, dos movimentos e organizações populares, contra o Governo e suas medidas antidemocráticas e antipopulares, e as pesquisas mostrarem que os candidatos dos golpistas tendem a não se eleger e os candidatos contrários a esse Estado de Exceção e a favor do retorno e ampliação dos direitos e da democracia, tendem a ser bem votados em número e representatividade, para o Congresso e o Executivo, vai haver eleições em 2018? Será isso o que explica, em última instância, a Intervenção?

* Artigo publicado originalmente no jornal Terceira Via em 18 de fevereiro de 2018. O texto foi cedido gentilmente pelo autor para ser republicado por nós aqui no Autopoiese e Virtu.

** Cientista Social, Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Oportunismo de caserna

Oportunismo de caserna*

George Gomes Coutinho **

Mais uma de nossas assombrações históricas resolveu dar as caras. Reencarnada na fala de um general do exército em palestra que ocorreu em uma loja maçônica, local dos mais apropriados para aparições fantasmáticas, a intervenção militar nos avisou que não morreu.

Não se trata de novidade. Aqui estamos falando de reaparições históricas. Militares, moralistas atemporais e o lado insurrecional das esquerdas propõem, de tempos em tempos, a interrupção da ordem institucional como solução de curto prazo a nos redimir. Podemos sintetizar o drama no jargão “estamos contra tudo o que está aí”. Então, em um passe de mágica onde as metáforas de higienização são utilizadas aos borbotões, reiniciamos a História e a sociedade mediante a “limpeza” acurada e sem tréguas de nossas instituições. Parte do judiciário de hoje aparentemente confessa a mesma fé.

 Voltemos ao general e seu discurso.  Ele colocou os seguintes termos: caso o judiciário não conclua sua assepsia de forma eficiente (eficiente para quem ou para o que?) a solução militar não deve ser descartada enquanto opção de ação. Decerto contou com aplausos de diversos setores da sociedade. Mais ainda, algo que considero patológico, o general obteve a devida condescendência do alto comando do exército. Trata-se de chantagem grave e me causa espécie a forma branda com que esta fala foi recepcionada pelo governo Temer até agora.

Este episódio diz muito sobre nós e nossos exorcismos incompletos. É conseqüência de um processo de anistia mal ajambrado que tornou a ditadura civil-militar uma gestalt aberta. Somos dos poucos países latino-americanos que não levaram adiante a punição dos crimes praticados pelos agentes de Estado no período. Sem punição, investigação e congêneres consideramos tacitamente que estes atos não seriam sequer crimes. Aqui está o problema. Na miopia conservadora há instituições ou grupos da sociedade “santificados”, vide as próprias Forças Armadas cujos agentes teriam sido recrutados em outra galáxia e por isso seriam incapazes de praticar essas coisas vulgares de corrupção. Este pensamento distorcido e idiota só alimenta o oportunismo de caserna que ressurge sempre que julga conveniente.    

* Texto publicado em 23 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes