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terça-feira, 9 de outubro de 2018
sexta-feira, 1 de dezembro de 2017
Querelas e acertos sobre o pensamento político brasileiro (parte 2)
Por Paulo Sérgio
Ribeiro
Considerando que o objeto da ciência social
"fala" e assim o faz de maneira contingente, a incorporação de
elementos do pensamento político-social formulado originariamente na Europa
ocidental e na América do Norte no trabalho de pesquisadores do Sul não é em si
problema se o estatuto de cientificidade da pesquisa social não depender,
exclusivamente, de “citar a literatura da Metrópole e tornar-se parte do
discurso lá produzido”, como lembra-nos Raewyn Connell[1].
Para a socióloga australiana, um turning point no
velho questionamento ao imperialismo cultural nas ciências humanas é
assinalável atualmente por meio de quatro proposições: a) afirmar as diferenças
entre os estilos de trabalho intelectual em correspondência com a história das
sociologias nacionais; b) buscar “sistemas indígenas de pensamento” [2] cuja
origem externa ao sistema de pensamento eurocêntrico faculte uma base para a
produção autônoma de conhecimento; c) desconstruir o pensamento europeu
mediante a crítica pós-colonial; d) vislumbrar um “universalismo alternativo” [3] fora
das tradições europeia e norte-americana. Sintonizado particularmente com
a primeira proposição de R. Connell, Gildo Marçal Brandão também sinaliza em
muitos estudos do pensamento político brasileiro uma inclinação à pobreza
analítica dimensionada por Fábio Wanderley Reis como um entrave à formulação de
um pensamento teórico em bases universais sem, digamos, perder de vista um
sotaque e ideias próprios.
O diagnóstico de G. M. Brandão, tal como o de F.
W. Reis (parte 1), não dá margem alguma à auto-condescendência. Na maioria
dos estudos pensamento político brasileiro, pontua Brandão, ainda impera a
tentação de resolver o “problema da qualidade e da capacidade cognitiva e
propositiva de uma teoria pela enésima remissão ao grau de institucionalidade
da disciplina ou província acadêmica na qual ela surge”; de reiterar as
“tradicionais ‘explicações’ de uma obra pela origem social do autor”; e de
operar as “reduções de conteúdo e da forma de produção intelectual às
estratégias institucionais ou de ascensão profissional ou social das coteries” [4]. Desse
ângulo, seria razoável que a abordagem de G. M. Brandão confluísse com o
programa mertoniano de pesquisa, ao admitir que a pesquisa teórica se torna
inócua quando serve de incremento a uma história científica - cujo escopo se
confunde com o prestígio auferido por um autor nos “colégios invisíveis” da
academia em detrimento das ideias teóricas contidas na sua obra.
Como lembra Jeffrey Alexander[5], no
programa mertoniano não estaria vetado a historiadores da ciência e cientistas
sociais compartilhar um referencial epistemológico através da leitura das
grandes oeuvres, ainda que coubesse aos últimos convertê-la em
novos pontos de partida na busca do conhecimento, pois, ao contrário de outras
disciplinas cuja construção do objeto é heterônoma, as ciências sociais se
revelariam pródigas ao forjar seus próprios instrumentos para se manterem
cumulativas. No entanto, o consenso termina quando se põe em questão o que
significa propriamente “cumulatividade”.
É fortuito lembrar que o estudo do pensamento político
é antípoda do relato da história da ciência que consagra a autoimagem das
ciências naturais. Ora, as teorias e polêmicas das ciências sociais
consubstanciam atos performativos que, no plano linguístico, assumem caráter
multitudinário ao serem partilhados por indivíduos que, em determinada formação
histórico-social, cada vez mais atribuem sentido à sua coexistência mediante os
produtos acabados daquelas ciências, transformando-os, no decurso do tempo, em
pré-noções acerca de uma identidade coletiva associada àquela formação. Eis o
terreno acidentado no qual caminha o pesquisador instigado pela teoria social.
A “dupla hermenêutica” da pesquisa social encontra seu
meio de realização numa acumulação teórica que, no caso brasileiro, é permeada
por “formas de pensar extraordinariamente persistentes no tempo, modos
intelectuais de se relacionar com a realidade que subsumem até mesmo os mais
lídimos produtos da ciência institucionalizada”[6].
Portanto, analisar “formas de pensar” não condena o cientista social ao
inventário das tradições de pensamento mortas. Ora, recorrer àquelas “formas de
pensar” modula a nossa imaginação sociológica na justa medida em que usufruí-la
com neutralidade axiológica implica reconhecer no ensaio sobre a formação
nacional um elemento ativo na vinculação social da obra pesquisada às ideias de
valor com as quais, inexoravelmente, erige-se um dissenso entre perspectivas do
conhecimento:
Nessa condição, não há como não confrontar leituras distintas do
pensamento político-social brasileiro, especialmente os principais modelos de
interpretação formulados nas últimas décadas, ao mesmo tempo verificando em que
medida há continuidade ou ruptura entre as formulações clássicas dos
convencionalmente chamados “intérpretes do Brasil” e o trabalho intelectual que
vem sendo produzido na universidade segundo os métodos de investigação
especializada (BRANDÃO, 2010, p.32).
A aplicação desses métodos tem levado a bom termo as
mediações entre “continuidade” e “ruptura” nas ciências sociais brasileiras? G.
M. Brandão acolhe o tratamento dado à questão por Gabriel Cohn, o qual salienta
a polêmica entre Guerreiros Ramos e Florestan Fernandes no início dos anos 1960
como a inflexão mais desafiadora que tivemos até hoje no debate sobre a episteme das
ciências sociais[7].
Passado meio século desse debate, a teoria social ainda é empreendimento de
poucos ou, como ironiza Cohn, um problema “a ser deixado para outros em
melhores condições” [8].
Os parâmetros avaliativos pelos quais G. M. Brandão
esmiúça essa questão inconclusa – a elaboração de teoria social no trabalho
científico aqui produzido – suscitam o balanço das perdas e ganhos da
institucionalização de nossa pós-graduação em ciências sociais, um processo que
atingiu seu ponto de maturação sob o crivo da agenda “americana” de pesquisa
entre os anos 1990 e 2000. Por um lado, G. M. Brandão e F. W. Reis concordam
que a delegação do problema a “outros” simplesmente ratifica desvantagens
cumulativas das ciências sociais brasileiras em sua circulação internacional;
por outro, se Reis indaga por que os “ganhos” da institucionalização são ainda
exíguos, Brandão assevera que suas “perdas” tendem a se acentuar com a adesão
acrítica àquela agenda de pesquisa, na medida em que ela nada mais faz do que
obscurecer a cumulatividade do pensamento político brasileiro.
Seria dispendioso prolongar esse contraponto.
Conservemos dele que G. M. Brandão não é indiferente ao aperfeiçoamento de
procedimentos metodológicos logrado na pós-graduação em ciências sociais no
Brasil. Bastaria dizer que tal aperfeiçoamento qualificou a crítica às diversas
formas de determinismo que há pouco tempo faziam pressupor as variáveis
políticas como “subprodutos de tendências macrossociais e macroeconômicas” [9].
Todavia, o formalismo instrumental nas ciências sociais pode assumir um viés
minimalista ao situar a “vocação nos limites da profissão” [10].
Tais limites corporificam os ardis da especialização, notadamente quando omitem
que a aplicação do método em cada disciplina é uma condição necessária, mas não
suficiente para a elaboração teórica do objeto dessas ciências:
[...] se não é possível eliminar a especialização por ato de
vontade, não é também válido supor que qualquer disciplina, ou qualquer campo
interno a uma disciplina, que tenha obtido cidadania acadêmica corresponda
necessariamente a mudanças e a individualizações no ser social (BRANDÃO, 2010, p.193-194).
Redefinindo o pensamento político como uma área de
fronteira do conhecimento, G. M. Brandão lança mão de um prognóstico: por um
lado, é possível responder com originalidade à “crise das grandes teorias” [11] a
partir da situação brasileira ou, precisamente, do exame das formas de pensar
rotinizadas nos e pelos ensaios de interpretação da formação social brasileira
com as quais, queiramos ou não, colocamos à prova o campo discursivo das
ciências sociais que exercemos na divisão internacional do trabalho
intelectual.
Por outro, seria contraproducente apartar o esforço
endógeno em teoria social da pesquisa sobre as obras deixadas pelos nossos
ensaístas, pois as cautelas diante do anacronismo histórico podem,
paradoxalmente, estabelecer um corte arbitrário entre seus momentos de formulação
e recepção. Com efeito, os ensaios sobre a formação social brasileira têm
uma amplitude heurística irredutível ao seu contexto de origem e, logo,
apropriar-se deles não precisa nos ocupar em coligir ornamentos do passado,
senão em viabilizar a cooperação entre teoria social e pesquisa sobre os textos
históricos para investirmos cientificamente em temas e problemas da ordem do
dia.
[1]
Cf. Raewyn Connell, A iminente revolução na teoria social, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 27, n.º 80, out. 2012,
p.11.
[4] Cf. Gildo Marçal Brandão, Linhagens do pensamento político brasileiro, São Paulo, Hucitec, 2010, p.22.
[5]
Cf. Jeffrey Alexander, A importância dos clássicos in: Anthony Giddens &
Jonathan Turner (orgs.), Teoria Social
Hoje, São Paulo, Editora Unesp, 1999, p.23-89.
segunda-feira, 20 de novembro de 2017
Querelas e acertos sobre o pensamento político brasileiro (parte 1)
Por Paulo Sérgio Ribeiro
Um dos aspectos mais instigantes do
pensamento político brasileiro é a própria dificuldade de submetê-lo à
observação quando delimitamos a ciência em sua autonomia cognitiva frente à
política. O fascínio que desperta se deve ao fato de o trânsito profissional
nessa área de estudos ser, quiçá, um alento para o cientista social em face da
desarticulação dos discursos políticos com a crise das grandes narrativas (um
então porto seguro da nossa subjetividade ante o esforço metódico de pesquisa)
e, sobremaneira, com o comprometimento cada vez maior do nosso imaginário com o
tempo intemporal das redes sociais virtuais. Valendo-me das últimas, creio que
uma maneira de tatear o relevo do pensamento político sem fazer dele perfumaria
é enquadrá-lo a partir da sistematização que Gildo Marçal Brandão lhe conferiu
enquanto uma área temática que, no cenário brasileiro, mobiliza diferentes
campos disciplinares nas ciências humanas[1].
Admitindo a relativa incipiência
desse debate sem subestimar o potencial de autoconhecimento da sociedade nele
observável, G. M. Brandão oferece um enfoque construtivo às asserções
científica e humanista do trabalho intelectual nas ciências sociais. Com o
intuito de dimensionar o escopo da dicotomia “ciência” versus “humanismo”,
descrevo, também, a avaliação do estado de arte das ciências sociais sustentada
por Fábio Wanderley Reis após décadas de institucionalização do seu ensino e
pesquisa no Brasil[2]. Este breve desvio
se justifica por possibilitar um contraponto exemplar do programa de pesquisa
proposto por G. M. Brandão ao diagnóstico feito por F. W. Reis e, assim,
evidenciar algumas nuances de suas escolhas epistemológicas.
Comecemos pelo diagnóstico. Apesar da
demonstração do vigor das ciências sociais brasileiras nas últimas décadas,
verificável na diversificação do seu campo de atuação profissional e na
ampliação de seu capital cultural institucionalizado em universidades e
associações nacionais de pesquisa, F. W. Reis é cético quanto ao desempenho
obtido no domínio teórico e metodológico, pois se cristalizou um modo de
intelecção da realidade social, calcado num vezo “historicizante” dos
problemas, que tanto revela quanto agrava lacunas do treinamento para a
pesquisa. A indistinção de explicação sociológica e explicação histórica em
muitas pesquisas empíricas desenvolvidas por cientistas sociais não lhes
franqueia a expertise dos historiadores profissionais, o que
leva ao cultivo de uma espécie de história do presente que nada mais seria do
que um “descritivismo pobre e às vezes contente com sua pobreza”[3]. De maneira complementar, F. W. Reis aponta
um quadro heterogêneo no tocante à consolidação de um padrão “científico” nesta
esfera do saber especializado:
Creio que a Sociologia e a Ciência Política encontram-se claramente mais próximas do padrão “científico”, caracterizado pelo apego ao rigor, à sistematicidade, à generalização e à busca de cumulatividade, ao passo que a Antropologia e a História estariam, em geral, mais próximas do padrão “humanista” e “idiográfico” de trabalho, com a ênfase no qualitativo e no descritivo, a valorização da dimensão temporal ou histórica dos fenômenos e de suas consequentes “peculiaridades”, o relativismo, a confiança depositada na intuição e na “compreensão”(REIS, 1997).
A hierarquização das disciplinas
subsumida naquela avaliação não consiste, necessariamente, em reduzir suas
querelas metodológicas ao uso apurado de um conjunto de técnicas de pesquisa
tornado unívoco pelo trabalho intelectual dito hard, mas aduz a uma
perspectiva do conhecimento – referendada no mainstream da
ciência política norte-americana – que propiciaria não desvirtuar as ciências
sociais de sua “vocação teórica e nomológica” que, bem compreendida, subscreve
uma concepção de método que não as desabona por sua proximidade com os “fundamentos
lógicos da aceitação ou rejeição de hipóteses e teorias” das ciências naturais[4].
Sem dúvida, F. W. Reis vocaliza uma
postulação do programa de pesquisa legado pelo sociólogo norte-americano Robert
Merton: uma ciência social não é incompatível com a cumulatividade do
conhecimento. Pelo contrário, pressupõe-na como meio de realização e meta
precípua. O aporte teórico, requerido para construir um problema sociológico,
deixa de depender do retorno ritualizado aos textos clássicos ao ceder lugar a
sistemas conceituais e argumentos causais cuja validade se comprove através do
encadeamento lógico-formal do processamento dos dados com os resultados
alcançados. Estes últimos configurariam um conhecimento “verdadeiro”, posto que
verificável pela confrontação de hipóteses e teorias, capaz de realimentar
futuras pesquisas a partir de um novo patamar de inquirição da realidade nelas
circunscrita. Neste sentido, a releitura de uma obra canônica tange o risco de
subordinar a pesquisa a argumentos de autoridade que, no melhor dos casos,
revelariam erudição suficiente para uma exegese igualmente canônica.
Tal “risco” seria elevado em nossa
ambiência cultural, devido à obsessão pela questão nacional, que estimularia,
por exemplo, revisões permanentes dos “clássicos” do pensamento político-social
brasileiro. Quais seriam os móveis dessa obsessão? A rigor, vigora a pretensão
de uma elaboração discursiva “autêntica” sobre a realidade brasileira,
difundida com maior ou menor refinamento em nossas ciências sociais frente as
suas congêneres europeia e anglo-americana que, não obstante, tende a gerar
efeitos regressivos na elaboração teórica stricto sensu. Noutros
termos, o sacrifício de nossa imaginação sociológica – decorrente da
focalização de temas/obras situados localmente como critério de relevância sem
rival na produção de conhecimento – traduz certo acanhamento diante do problema
sociológico como problema teórico tout court. Logo, a importância
secundária atribuída à teoria apenas reafirmaria os papéis intelectuais
prescritos na comunidade científica internacional, que chancelam a estreiteza
de nossas iniciativas na fronteira do conhecimento:
Nessa ótica [da ciência social produzida localmente], boa ciência é aquela que, com alguma reverência aos modelos e abordagens “quentes” do momento, se dirige a problemas empíricos e práticos prementes, os quais vêm a ser os problemas socialmente relevantes na sociedade em que vivemos. Omite-se, assim, a ponderação crucial de que não saberemos sequer definir com propriedade nossos problemas empíricos e práticos se não tivermos condições de refletir com sofisticação adequada a respeito deles, vale dizer, se não formos teoricamente sofisticados (REIS, 1997; colchetes meus).
F. W. Reis defende que a superação
desses óbices se apóia numa reversão de expectativas quanto à noção de
“singularidade” da formação social brasileira. Assimilá-la criticamente nos
obrigaria a não confundir o esforço endógeno em teoria social com uma ideia
equívoca de precedência do “Brasil” no preenchimento de nossa curiosidade
intelectual. Esta, a seu ver, somente se converterá num recurso manejável para
a participação paritária na produção de conhecimento em escala mundial se o
caso brasileiro for um caso entre outros para os cientistas
sociais nativos. Para tanto, o repertório aquilatável em nossa socialização
científica prescinde de uma postura “cosmopolita e aberta” [5] e, não menos, de uma reconfiguração de
nossas áreas temáticas segundo proposições generalizantes que, por um lado, não
limitem seus respectivos trabalhos a “descrever” o Brasil e, por outro, liberem
seus autores do encargo de fornecer insumos (casos concretos) para a teoria
social cujos empreendimentos mais ousados continuam restritos a poucos nichos
acadêmicos fora do país.
Obviamente, o diagnóstico de F. W.
Reis tem a anuência de parte da comunidade científica brasileira afeita ao
postulado de objetividade com o qual, diga-se, o politólogo mineiro projeta uma
via de aprimoramento para pesquisa social sem recuar diante das clivagens
metodológicas entre as ciências humanas e as demais áreas de conhecimento.
Entretanto, F. W. Reis baliza seu diagnóstico numa crítica que, embora
incisiva, não nos motiva para além de uma espera (resignada?) pela efetividade
do seu desiderato: “fortalecer a qualidade do treinamento teórico-metodológico,
em termos que valorizem o modelo analítico e sistemático do trabalho científico” [6]. Doravante, seus apontamentos críticos a
respeito dos déficits qualitativos das ciências sociais brasileiras permitem,
curiosamente, introduzir o programa de Gildo Marçal Brandão (a parte final
desse texto, que reservo para outra publicação), mesmo que a analogia com a
limpeza de terreno feita pelo filósofo alagoano nessa área temática não
obscureça sua divergência com o modelo de ciência social preconizado por seu
colega mineiro.
[1] Cf.
Gildo Marçal Brandão, Linhagens do pensamento político brasileiro,
São Paulo, Hucitec, 2010.
[2] O diálogo
com Fábio Wanderley Reis e Gildo Marçal Brandão deve-se à filiação de ambos à
Ciência Política, disciplina pela qual tecem um panorama das ciências sociais
brasileiras segundo pontos de vista alternativos e, por vezes, antagônicos.
Todavia, não menos relevante é o cotejo das perspectivas de Elisa Pereira Reis
e de Gilberto Velho na entrevista que concederam com Fábio Wanderley Reis há duas décadas sobre
a situação das ciências sociais no país e que se revela flagrantemente atual. Cf. Elisa Pereira Reis; Fábio
Wanderley Reis; Gilberto Velho, As ciências sociais nos últimos 20 anos: três
perspectivas, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 12, n.º
35, out. 1997.
domingo, 18 de dezembro de 2016
Um liberalismo miserável
Um liberalismo miserável *
George
Gomes Coutinho **
“No Brasil, o marxismo adquiriu uma forma difusa, volatizada,
atmosférica. É-se marxista sem estudar, sem pensar, sem ler, sem escrever,
apenas respirando.”. A irritação do
conservador Nelson Rodrigues citada é uma crítica contundente ao marxismo
vulgar. Porém, igualmente poderíamos utilizar esse mesmo tom para demolir um
liberalismo miserável.
Grandes
tradições de pensamento são verdadeiros continentes. Seja o judaísmo, ou sua
vertente expressa no cristianismo, o evolucionismo, o confucionismo, o
platonismo, enfim, todo grande esforço de reflexão contém um conjunto de
elementos articulados complexos. Afirmam o que seria a natureza humana, se esta
é boa ou má e, para além disso, tentam responder: que bicho é esse, o homem?
Ainda, indicam caminhos morais e éticos. Projetam uma idéia de sociedade, etc..
O
liberalismo é, neste sentido, também um continente. Desde o século XVII o
debate interno nesta tradição nunca cessou. Há idas e vindas, como em todo
movimento de pensamento, o que inclui controvérsias e críticas internas. Mas,
se trata de uma vastíssima e rica tradição que permite, inclusive, o diálogo
com diversas bandeiras progressistas bastante arejadas. Talvez até mais do que
as que encontramos em diversos grupos tradicionais na esquerda do espectro
político.
O que
espanta é a versão raquítica e adestrada deste liberalismo que circula no
mainstream tupiniquim. Um liberalismo pobre, simplesmente “anti-Estado” armado
de um discurso afetivo e ressentido quase edipiano. Como se não bastasse, não
desconsiderando as contribuições liberais para a democracia alhures, nosso
liberalismo flerta com o autoritarismo. É um oximoro. Tal como os marxistas
vulgares, boa parte dos liberais de verde-amarelo se contentam em repetir
palavras de ordem preguiçosamente. Finalizando, padecem de covardia intelectual
ao não levarem as últimas conseqüências suas próprias premissas. Mal sabem que
defendem mais o atraso do que imaginam.
** Professor
de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos
Goytacazes
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