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domingo, 25 de fevereiro de 2018

Nota de apoio ao Prof. Luis Felipe Miguel - DCP/UFF

A Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, através do seu Departamento (GCP) e Programa de Pós-Graduação (PPGCP), vem manifestar pleno apoio ao Professor Luís Felipe Miguel, da Universidade de Brasília (UNB), pelas agressões sofridas ao seu direito legítimo de ministrar a disciplina "O golpe de 2016 e o futuro da democracia", no 1o semestre letivo de 2018, na UNB.
Assim sendo, o Departamento de Ciência Política e o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, da UFF, também repudiam enfaticamente os ataques sofridos pelo Professor Luís Felipe que ferem intensamente à liberdade de cátedra e o Estado de Direito, este já gravemente atropelado desde o ano de 2016!

Docentes e discentes da Ciência Política, e demais apoiadores!

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Intervenção para quem precisa

Intervenção para quem precisa*

George Gomes Coutinho **

Os dias imediatamente após as comemorações carnavalescas trouxeram para a população brasileira em geral, e a fluminense em particular, o inusitado. No dia 16/02 o anúncio intempestivo de uma Intervenção Federal pegou muita gente de calças curtas. Desconfio que até mesmo os policy makers fluminenses se viram em igual condição.

Afinal, que cazzo quer o Governo Federal na atual conjuntura? A medida foi recebida com críticas e ceticismo por uma enorme gama de pesquisadores. Cabe ressaltar o ineditismo da situação: nunca antes na História do Brasil redemocratizado assistimos algo assim. Não se trata, portanto,  de medida insignificante. É dotada de inegável excepcionalidade e implica o reconhecimento de que algo vai muito mal com as nossas instituições, a despeito da cantilena que apregoa o oposto desde 2016. Isso não desconsiderando a medida ser respaldada pela Constituição Federal de 1988. Para além disso, por qual razão seria o Rio o objeto da Intervenção? Justamente o estado da federação que não se encontra na pior situação em termos de violência urbana, não obstante a reconhecida tragicidade de sua condição estrutural.

Ainda, cabe perguntarmos se era esse o encaminhamento mais adequado, afinal a intervenção retira a autonomia decisória do estado no que tange a segurança pública. Isso é grave. Está se afirmando que o estado tornou-se incapaz de gerir este setor. Mas, seria só esse? É falta de expertise mesmo? A segurança pública é o maior e mais grave problema do Rio de Janeiro nesse momento? Oras, e as outras áreas fundamentais de atendimento da população? O problema é de gestão ou seriam opções suicidas de contigenciamento orçamentário que provocaram o atual cenário? No rastro das perguntas inconvenientes: como estabelecem um prazo, um limite temporal para a intervenção, sem terem delimitado objetivos claros?

Muitas dúvidas diante de tema tão espinhoso. E uma única certeza para o momento. A mudança de pauta na opinião pública. A segurança pública do Rio tornou-se, mais uma vez, o “assunto do momento” em ano eleitoral. Conseguiram o intento após a Reforma Previdenciária ter subido no telhado. A jogada é maquiavélica se foi para mera mudança de direcionamento dos holofotes.

* Texto publicado em 24 de fevereiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES

INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES*

José Luis Vianna da Cruz**

Fatos

O Governo Federal intervém, apoiado na Constituição, na Área de Segurança do Estado do Rio, até 31 de dezembro deste ano, por suposta perda de controle do governo estadual sobre a violência. Um General vai comandar as ações das Polícias Militar e Civil, dos presídios, da área de inteligência, dos bombeiros. Vai reportar diretamente ao Presidente da República.

Com a intervenção, fica proibido alterar a Constituição. A Reforma da Previdência, considerada “questão de honra” para o Governo, as elites, a grande mídia, o Judiciário, o MP e o Mercado, não poderá ser realizada nesse período, pois implica em mudanças na Constituição, como bem lembra a reportagem da BBC sobre o assunto (http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43088935).

Dúvidas, questões e apreensões

O Exército já está, desde o ano passado, autorizado por Decreto do Presidente, a atuar na segurança do Rio de Janeiro. Sua atuação não resolveu nada.

O Rio não é o único nem o pior estado do país na questão da violência. Segundo o 11º Anuário de Segurança Púbica, do Forum de Segurança Pública, divulgado no site da revista EXAME, em 4 de novembro de 2017, o Rio é o 10º colocado em crimes violentos do Brasil (https://exame.abril.com.br/brasil/os-estados-mais-violentos-do-brasil-3/).

A presença de tropas, somente, não resolve a questão estrutural da violência, de forma profunda e por um longo prazo. Ocupação permanente? Como bem lembrou o sociólogo Renato Lima, do Fórum de Segurança Pública, com a proibição de mexer na Constituição provocada pela Intervenção, não será possível enfrentar as questões estruturais e as mudanças que podem garantir uma melhoria profunda e de longo prazo, tais como a natureza, as estruturas e as funções das polícias, dentre outras questões de fundo. Que efetividade é possível alcançar com esta medida?

Se vai ser feito “mais do mesmo”,o que já demonstrou não ser eficaz; se isso vai ser feito no décimo estado em gravidade da violência, qual a perspectiva de solução?

A Intervenção militar não foi precedida de nenhum estudo, estratégia, proposta ou projeto de enfrentamento da questão da violência. Se ela está em níveis insuportáveis em todo o país não seria um caso de ataca-la com políticas públicas, e não com violência?

Não podendo mexer na Constituição, até o final do ano, para que serve a intervenção? Especula-se que seria para encontrar uma desculpa para o Congresso e o Governo Temer escaparem da realização da Reforma da Previdência, cuja rejeição pode ameaçar as eleições dos membros do Congresso e do Governo.


Como ficam as eleições?Analisando-se politicamente, com tanta água a rolar por debaixo da ponte após a intervenção, quem pode garantir que serão realizadas? Lembremos que o Exército vai atuar também na questão dos imigrantes venezuelanos. Será um ensaio para um projeto de um golpe civil-jurídico-político-militar? Se a conjuntura caminhar para uma reação ativa da sociedade, dos movimentos e organizações populares, contra o Governo e suas medidas antidemocráticas e antipopulares, e as pesquisas mostrarem que os candidatos dos golpistas tendem a não se eleger e os candidatos contrários a esse Estado de Exceção e a favor do retorno e ampliação dos direitos e da democracia, tendem a ser bem votados em número e representatividade, para o Congresso e o Executivo, vai haver eleições em 2018? Será isso o que explica, em última instância, a Intervenção?

* Artigo publicado originalmente no jornal Terceira Via em 18 de fevereiro de 2018. O texto foi cedido gentilmente pelo autor para ser republicado por nós aqui no Autopoiese e Virtu.

** Cientista Social, Doutor em Planejamento Urbano e Regional.

domingo, 1 de outubro de 2017

Populismo judicial

Populismo judicial *

George Gomes Coutinho **

Desde 2016 ouvimos do Governo Temer e dos setores mais integrados da grande mídia que as instituições estão “funcionando”. Além disso estariam “fortes”. É quase um mantra. De fato, no que tange funcionários trabalhando e rotinas burocráticas, as instituições estão operando no cotidiano. O que devemos nos perguntar é se estão funcionando bem. E para quem?

Dizer pura e simplesmente que as instituições estão “funcionando”, nos moldes do que descrevi no parágrafo anterior, tem algo de cinismo ou auto-engano. Olhemos para o nosso judiciário. Ao vermos a conexão estabelecida entre ministros, juízes, procuradores e a grande mídia, algo que se avoluma pelo menos desde a Ação Penal 470, o famoso “Mensalão” de 2005, centenas ou talvez milhares de arbitrariedades foram praticadas para todos os gostos. Este modus operandi, que prossegue até o presente, envolve vazamentos seletivos de informações para a grande mídia, atropelamentos do processo legal, contorcionismos constitucionais, negação de princípios e garantias fundamentais e o uso espetacularizado do aparato de segurança pública. Por vezes até mesmo em nossa Suprema Corte, o STF, os posicionamentos individuais e coletivos “jogam com a galera”. Ou seja, a opinião pública, nem sempre qualificada, em determinadas ocasiões guia aqueles que deveriam se pautar pelo rigor em suas decisões. Ao mesmo tempo há a perniciosa legitimação fornecida pelas multidões a cada um dos arbítrios.

A tudo isso o ministro Gilmar Mendes chamou há alguns anos atrás de “populismo judicial” e recentemente atualizou na variante “populismo constitucional”. Justo ele que se utiliza de uma atuação fortemente midiática sempre que julga conveniente.

Compreendo o quadro de hipertrofia conjuntural do judiciário em duas vertentes. A primeira delas envolve o ineditismo da atuação arbitrária e ilegal subindo os degraus da hierarquia social. Afinal, as classes populares há muito conhecem a “mão pesada do Estado” e o arbítrio, algo que só agora parte das elites vivenciam. O outro ponto é o estado terminal em que se encontra a nossa democracia representativa. No esvaziamento de legitimidade da classe política o judiciário entra no jogo fazendo o que jamais deveria fazer: política.

* Texto publicado em 30 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ. 


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Oportunismo de caserna

Oportunismo de caserna*

George Gomes Coutinho **

Mais uma de nossas assombrações históricas resolveu dar as caras. Reencarnada na fala de um general do exército em palestra que ocorreu em uma loja maçônica, local dos mais apropriados para aparições fantasmáticas, a intervenção militar nos avisou que não morreu.

Não se trata de novidade. Aqui estamos falando de reaparições históricas. Militares, moralistas atemporais e o lado insurrecional das esquerdas propõem, de tempos em tempos, a interrupção da ordem institucional como solução de curto prazo a nos redimir. Podemos sintetizar o drama no jargão “estamos contra tudo o que está aí”. Então, em um passe de mágica onde as metáforas de higienização são utilizadas aos borbotões, reiniciamos a História e a sociedade mediante a “limpeza” acurada e sem tréguas de nossas instituições. Parte do judiciário de hoje aparentemente confessa a mesma fé.

 Voltemos ao general e seu discurso.  Ele colocou os seguintes termos: caso o judiciário não conclua sua assepsia de forma eficiente (eficiente para quem ou para o que?) a solução militar não deve ser descartada enquanto opção de ação. Decerto contou com aplausos de diversos setores da sociedade. Mais ainda, algo que considero patológico, o general obteve a devida condescendência do alto comando do exército. Trata-se de chantagem grave e me causa espécie a forma branda com que esta fala foi recepcionada pelo governo Temer até agora.

Este episódio diz muito sobre nós e nossos exorcismos incompletos. É conseqüência de um processo de anistia mal ajambrado que tornou a ditadura civil-militar uma gestalt aberta. Somos dos poucos países latino-americanos que não levaram adiante a punição dos crimes praticados pelos agentes de Estado no período. Sem punição, investigação e congêneres consideramos tacitamente que estes atos não seriam sequer crimes. Aqui está o problema. Na miopia conservadora há instituições ou grupos da sociedade “santificados”, vide as próprias Forças Armadas cujos agentes teriam sido recrutados em outra galáxia e por isso seriam incapazes de praticar essas coisas vulgares de corrupção. Este pensamento distorcido e idiota só alimenta o oportunismo de caserna que ressurge sempre que julga conveniente.    

* Texto publicado em 23 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 6 de agosto de 2017

Temer (e) a Câmara

Temer (e) a Câmara*

George Gomes Coutinho **

No último mês de julho assisti uma das reprises da entrevista de Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara dos Deputados, concedida ao jornalista Roberto d´Ávila no canal por assinatura Globonews. Dentre os muitos momentos da entrevista uma frase de Maia me atordoou: “O presidente é muito querido na Câmara”. Eu já havia escutado em outras ocasiões menções sobre a habilidade política de Michel Temer. Mas, “querido”? Me contorci pensando se haveria alguma forma palpável de mensurar essa denominação afetiva. Após breve pesquisa utilizando fontes de agências de notícias e algo de agências de “fact-checking” (checagem de fatos), agrupei algumas informações. Irei propor que o “afeto” dos deputados com Temer pode ser avaliado, dentre outras variáveis, pelas emendas parlamentares.

Cabe o alerta: as emendas parlamentares nada tem de ilegal. São projetos apresentados que tem por objetivo a destinação de verbas, neste caso federais, para executar ações nas “bases eleitorais” de cada deputado ou de determinada bancada estadual. Redundam em pontes, reformas de hospitais, equipamentos para Universidades, etc.. Não é bom demonizar. Porém, as emendas são utilizadas também como instrumento de barganha entre executivo e legislativo e em momentos críticos costumam causar frisson. No Governo Dilma, por exemplo, nos momentos que antecederam a votação da admissibilidade do processo de impeachment, houve a liberação de 1.4 bilhões de reais para emendas individuais em 2016. Voltemos a Temer.

Temer desde que assumiu a presidência tem sido mais generoso.  Segundo matéria de 26 de março de 2017 assinada por Isadora Peron no Estadão, entre maio e dezembro de 2016, em sete meses, Temer empenhou 5.8 bilhões de reais para deputados e senadores. Foram 2 bilhões de reais a mais que todo o ano de 2015 sob a batuta de Rousseff. Já a dupla Juliana dal Piva e Leandro Resende da Agência Lupa apuram que até julho deste ano foram 3.1 bilhões para 465 deputados. Sem dúvida há uma “mudança de tom” entre executivo e legislativo. Só que há algo desconcertante: a despeito das emendas aprovadas, nem todos votam com o governo. Há várias deserções, tanto com Dilma quanto com Temer. É preciso temer a Câmara.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 05 de agosto de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

sábado, 1 de julho de 2017

Temer, Janot e a razão

Temer, Janot e a razão*

George Gomes Coutinho**

Nesta semana mais uma vez tivemos um noticiário político tumultuado. Dentre os embates e acusações, que se tornaram rotina nos últimos anos, um me chamou a atenção: a troca de acusações entre Michel Temer, o presidente não eleito, e Rodrigo Janot, atual Procurador-Geral da República. Como conseqüência mais óbvia e rápida deste estranhamento entre presidência e Procuradoria-Geral da República, justamente no momento em que ocorreram as eleições para o cargo de Procurador-Geral, Temer quebra a tradição iniciada pelos governos petistas em 2003 e nomeia o segundo lugar mais votado dentre os Procuradores da República. O silêncio ensurdecedor de boa parte da grande mídia corporativa constrange o observador atento da conjuntura. Fico a me perguntar se não causaria estardalhaço, protestos e congêneres se algum dos mandatários petistas tivesse feito esta opção.

Cabe lembrar que na Era FHC em lugar de um Procurador-Geral da República tivemos, na prática, o que ficou conhecido como “Engavetador Geral da República”, onde os processos eram solenemente ignorados sempre que fosse conveniente. Não falamos de pouca coisa afinal.

Retomando as atuações de Temer e Janot, acredito que em momentos de ânimos inflamados certos conteúdos são apresentados de forma muito elucidativa.

Temer foi bastante duro em suas críticas. Apontou falhas jurídicas na peça de acusação que tem se tornado praxe em parte das ações do Ministério Público Federal. Esta crítica não é feita solitariamente por Temer. Em mais de uma ocasião foram apontados abusos que apenas tornam nosso Estado Democrático de Direito cada vez mais esquálido. Para além disso questionou a legitimidade do que considerou serem “ilações”. Nesta questão Temer também não está sozinho. É uma opção demasiado arriscada pautar acusações sem a devida materialidade de provas. Ainda mais chocante são condenações apriori pautadas por “indícios” e narrativas. Assim voltaremos para as rotinas inquisitoriais da Idade das Trevas.

Contudo, Temer não desconstruiu em nada o núcleo do argumento de Janot: as ligações intestinas entre empresariado e presidência. No final talvez Janot e Temer estejam corretos.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 1º de julho de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

sábado, 20 de maio de 2017

Lasciate ogni speranza?

Lasciate ogni speranza?*

George Gomes Coutinho **

“Lasciate ogni speranza, voi che entrate” – “Deixai aqui toda a esperança, vós que entrais”. Assim o poeta italiano Dante Alighieri imaginou o aviso inscrito no portão de entrada do inferno na sua “Divina Comédia”, texto clássico e insuperável do século XIV. Guardadas as devidas proporções, não duvido que boa parte do sistema político brasileiro pode ter interpretado no mesmo tom a divulgação das gravações de Joesley Batista, dono da JBS, na última quarta-feira. O fim das esperanças.

Irei me ater a duas perspectivas: uma pautada pela obviedade exposta no noticiário. A segunda é menos visível e muito mais profunda.

Neste momento, no que tange o aspecto mais visível, temos o aprofundamento da crise da democracia representativa. Todos os grandes partidos encontram-se na berlinda em um cenário explosivo de ativismo judicial. Ao mesmo tempo as lideranças tradicionais, dotadas de lastro eleitoral, encontram-se no mínimo sob suspeição. No Congresso Nacional em suas duas casas boa parte dos agentes, senadores e deputados, tem seu próprio rol de acusações formais. Na presidência, Michel Temer, o “não eleito”, foi gravemente ferido pela divulgação das gravações de Batista e sua legitimidade só era sustentada pelo empresariado, latifundiários e banqueiros em um contexto de baixíssima popularidade. Em meio a tudo isso a polarização gera miopia, ódio político que sufoca a sensatez da análise, mantendo o ar ainda mais tóxico.

Mas, o que gerou este verdadeiro fumaceiro denso no espaço público? Onde está o fogo?

O volume de fatos levantados pelo judiciário sobre os agentes políticos revela muitíssimo acerca da construção de parte das grandes fortunas no Brasil. Em um ambiente suprapartidário de irrigação financeira da classe política o empresariado dos setores financeiro, produtivo e agrícola estabelece um jogo de “ganha-ganha”: não importa o vencedor da competição eleitoral, nós iremos vencer. Isto explicou também o apoio financeiro e simbólico das elites ao Governo Temer enquanto este era “útil”. De todo modo, sem enfrentarmos essa estrutura social profundamente desigual a democracia entre nós continuará seguindo um penoso caminho. 

* Publicado no jornal Folha da da Manhã em 20 de maio de 2017


*Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 30 de abril de 2017

Modus operandi temerário

Modus operandi temerário*

George Gomes Coutinho **

Ao acompanhar o trâmite do que o governo Temer, entusiastas e parte considerável da grande mídia e empresariado chamam de “reforma” trabalhista, o que na verdade implica na transfiguração de uma CLT jamais plenamente implantada, podemos notar uma regularidade no processo político. Há um modus operandi verdadeiramente temerário que fere de maneira ainda mais grave a já combalida saúde da democracia brasileira.

Até o presente momento na audaciosa agenda do governo Temer foram apresentados os seguintes pontos vitoriosos do governo: 1) a “reforma” do ensino médio; 2) a chamada “PEC dos gastos” (onde investimentos e gastos espantosamente tornaram-se sinônimos); 3) a aprovação na última quarta-feira da “reforma” trabalhista na Câmara dos Deputados. Decerto eu poderia listar outras vitórias do governo e derrotas de diversos grupos da sociedade. Mas, irei me centrar no que chamam de “reformas”.

O(a) leitor(a) certamente notou que utilizo o termo “reformas” entre aspas. Na verdade considero o substantivo feminino “reforma” nesse contexto um eufemismo. Em última instância as propostas aprovadas e a vindoura “reforma” da previdência mudam a configuração das relações entre Estado, mercado e sociedade de maneira profunda no Brasil. Justamente por isso o tratamento deveria ser outro.

Até o momento temos um presidente da Câmara organicamente alinhado e hábil ao utilizar manobras regimentais derivando em uma rotina legislativa rápida e aflitiva. Em anexo, setores não alinhados com as propostas são politicamente desconsiderados, o que empobrece o debate e a qualificação das “reformas”. Em meio a tudo isso parte substantiva da grande imprensa ignora qualquer contraponto gerando um samba de uma nota só na arena pública brasileira, algo que só é parcialmente quebrado por mídias mais pluralistas ou alternativas e de menor alcance de audiência. Aos críticos das “reformas” ainda pesa a desqualificação por serem a priori “petistas”, a despeito de muitos não terem qualquer afinidade com o PT. Tudo indica que o modus operandi se repetirá na questão previdenciária e a ambiência anti-democrática prossegue.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 29 de abril de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 9 de abril de 2017

Temer e a legitimidade

Temer e a legitimidade *

George Gomes Coutinho **

Os debates sobre legitimidade na teoria sociológica ou política dificilmente sequer se iniciam sem a formulação de Max Weber (1864-1920). Weber, sociólogo nascido em  Erfurt, defendia que a legitimidade era, antes de qualquer coisa, uma questão de consentimento entre os governados. Em outros termos nada românticos tratava-se de dominação consentida: os governados consentiam com as ações de seus governantes. Desta relação a legitimidade socialmente se produz onde há o assentimento pacífico que torna possível mandatos de forma geral terem início, meio e fim dentro dos trâmites previstos. Ou seja, as próprias regras do jogo precisam igualmente ser consideradas legítimas. De outro modo golpes de Estado, revoluções e congêneres são um desfecho historicamente constatável.

Portanto, ao discutirmos a legitimidade estamos em um patamar que nos direciona para além da mera legalidade proposta pelo direito positivo. Ainda, não se trata de uma questão de dialogarmos a partir do parâmetro da “popularidade”, onde poderíamos nos perguntar se o presidente Michel Temer neste momento é simplesmente popular, aceitável, bem quisto ou não.

Ora, vamos para a agenda do governo Temer aonde irei propositalmente colocar o termo “reforma” entre aspas: “reforma” do ensino médio; “reforma” da previdência; “reforma” orçamentária. Para além dos gurus da ortodoxia econômica que abraçam de forma entusiasmada o andar da carruagem, este volume e profundidade de ações do Estado seriam verdadeiramente legítimas? Contariam de fato com o assentimento dos governados? Foram discutidas de forma ampla com os setores da sociedade? Em um regime de democracia representativa liberal, onde os programas de governo são também avaliados mediante o critério do voto, esta agenda foi colocada por qualquer um dos candidatos em disputa nas últimas eleições? Todas estas são questões da ordem do dia na conjuntura pós-impeachment.

Por fim, não canso de lembrar que a última vez em que o voto direto para vice-presidente da República foi no longínquo ano de 1960. Algo que só reforça de maneira inegável os “pés de barro” desta aventura liberalizante em que nos lançamos.


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 08 de abril de 2017

* Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 26 de março de 2017

A precarização legalizada

A precarização legalizada *

George Gomes Coutinho **

Durante a década de 1990 o então presidente Fernando Henrique Cardoso teria dito que o Brasil não gosta do capitalismo. Penso que o juízo é dotado de um erro simplificador grosseiro e não soa muito mais do que uma frase inócua de efeito. Primeiramente, o capitalismo não obedece funcionamento idêntico em todos os pontos do globo terrestre. Em segundo lugar, há versões mais ou menos selvagens da lógica de mercado. Por fim, usualmente as críticas mais consensuais entre críticos brasileiros ao nosso formato de capitalismo se dão pelo reconhecimento da barbárie das relações entre capital e trabalho por aqui.

Nesta toada na última quarta-feira foi aprovada a “lei das terceirizações”. Em um cenário de votação tumultuado, onde até mesmo parte dos congressistas não tinha clareza sobre o que estavam votando, um projeto de lei apresentado outrora pelo onipresente FHC ressuscitou e se tornou para o Governo Michel Temer mais uma vitória na Câmara dos Deputados. Vitória que em última instância representa mais uma das muitas derrotas em curso contra a maioria da população brasileira. É o ápice do capitalismo inconseqüente defendido por FHC.

Não sou sociólogo do trabalho. Esta é uma especialidade, um subcampo da sociologia. Todavia, isto não me impede de enxergar na “lei das terceirizações” perversidades gritantes. Uma delas é a inovação da “terceirização plena, geral e irrestrita”. Ou seja, se a terceirização na prática contemplava atividades meio, agora por lei pode-se terceirizar as “atividades fim”. Isso deriva na possibilidade de uma gama de contratos de trabalho e salários diversa em uma mesma instituição ou empresa, pública ou privada, em rigorosamente todos os seus setores. Podemos por aqui vislumbrar as dificuldades da mobilização da ação coletiva dos trabalhadores onde nem mesmo a identidade jurídica é igualmente compartilhada. Inclusive sequer há a regulação da atividade sindical de forma clara em um cenário como esses.

Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, alega que a aprovação da legalização da precarização das relações de trabalho funciona para enfrentar os altos índices de desemprego. Na verdade a medida aumentará o subemprego e sem salvaguardas.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 25 de março de 2017 


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Nassar versus Freire

Nassar versus Freire *

George Gomes Coutinho **

No último dia 17 de fevereiro ocorreu uma cena que funciona como uma síntese incômoda do momento político brasileiro contemporâneo. A ocasião era a entrega do Prêmio Camões. Antes de prosseguir irei resumir algo sobre a premiação.

O Prêmio Camões, instituído em 1988, é um prêmio atribuído a autores que contribuíram de forma absolutamente relevante para o enriquecimento do patrimônio cultural e literário da língua portuguesa.  Portanto, dele concorrem escritores dos três continentes onde a língua portuguesa é praticada: África, Europa e América. Dentre os seus ganhadores figuram os incontestáveis Mia Couto, José Saramago e Jorge Amado. Ainda o prêmio, para se tornar viável, conta com contribuições financeiras de Brasil e Portugal e é considerada a premiação literária mais importante da língua portuguesa. Contudo, notem que se trata de uma contribuição do Estado português e brasileiro. Porém, é uma premiação não estatal, dado que na prática o júri, composto por 2 brasileiros e 2 portugueses, deve se guiar pela independência e, como não poderia deixar de ser, pelo juízo acerca do impacto simbólico e estético de uma determinada obra em seu conjunto. Por esta razão encontramos autores que trafegam em diferentes pontos do espectro político dentre os laureados.

Raduan Nassar, paulista de Pindorama, autor de “Lavoura Arcaica” e “Um copo de cólera”, foi indicado em maio de 2016 pelo júri do Prêmio Camões. Nassar situa-se no campo progressista e coerente com seu posicionamento político utilizou a solenidade para expressar seu desconforto com o governo brasileiro. Em sociedades democráticas trata-se de algo comum e em premiações deste quilate ocorrem manifestações deste teor ao redor do mundo. Porém, Roberto Freire, o ex-comunista e titular do Ministério da Cultura não pensa assim. Sua resposta, tal como em uma discussão de boteco, foi truculenta, ameaçadora e grosseira: uma defesa acrítica e irresponsável do governo que partilha. Não sendo suficiente, atacou de forma descortês o homenageado frente a um público transnacional. Se o Governo Temer fosse sério Freire seria defenestrado da pasta da cultura no dia seguinte pelo seu comportamento digno de um “cão de guerra”. E não foi.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 25 de fevereiro de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Temer: um Gilmar para chamar de seu?

Temer: um Gilmar para chamar de seu? *

George Gomes Coutinho **

A figura de Gilmar Mendes se tornou uma espécie de ícone no Supremo Tribunal Federal. Decerto ele representa parte da sociedade brasileira desde que foi indicado por Fernando Henrique Cardoso em 2002. Gilmar espelha a própria manutenção do status quo em sua carreira na mais alta corte brasileira e empunha bandeiras de uma parcela minoritária da população que se recusa a morrer: latifundiários, empresários dotados das “más práticas” e grande mídia monopolista. Ou seja, Gilmar simboliza o atraso e por este é teleguiado e legitimado.

Se a judicialização da política tem causado caos, a politização da justiça não tem sido menos inofensiva. Afinal, como disse a insuspeita jornalista Eliane Cantanhede em uma entrevista de alguns anos atrás, Gilmar seria “tucano demais” em sua atuação no STF. Contudo, mesmo sabendo que o STF nos últimos anos se tornou um espaço de militância política e deixou cair por terra a aura de mero guardião da Constituição, não deixa de causar espécie a indicação de Alexandre Moraes por Michel Temer.

Estaria Temer em busca de um Gilmar para chamar de seu?

Neste momento Temer conta com pouca resistência de atores políticos decisivos. Nem a grande mídia e tampouco o legislativo irão oferecer resistência a suas mais ousadas proposições. Temer sabe jogar o jogo, algo que Dilma desistiu de fazer e por esta razão sofreu o impeachment. Provavelmente Moraes será aceito. Mas, não custa pensar se a indicação de Moraes não soa como a pá de cal na aura imaculada que se mantém de forma incompreensível no STF.

Moraes tem apenas 49 anos. Ficará no STF por 26 anos se não mudarem novamente de forma casuística as regras de aposentadoria. É dotado de um perfil nada discreto, o que inclui uma carta de clientes que vai desde a Transcooper, relacionada ao PCC, até Eduardo Cunha. Para além disso se tornou uma espécie de garoto propaganda da chamada “guerra às drogas”, uma metodologia de enfrentamento das drogas ilícitas que contribuiu para o cenário de guerra civil nas grandes capitais brasileiras e pela superlotação dos presídios. Como se não bastasse, era filiado ao PSDB até esta semana. Por tudo isso, ganham os conservadores. Perde o Brasil.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 11 de fevereiro de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 11 de dezembro de 2016

Judicialização e crise institucional

Judicialização e crise institucional*

George Gomes Coutinho **

Nesta semana a imprensa decidiu massificar os termos “crise institucional”.  A motivação foi a liminar que objetivou provocar o afastamento de Renan Calheiros (PMDB/AL) da presidência do Senado Federal a partir da decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello do STF.

O que me causa espécie é que só agora, com este fato, a imprensa fale em uma crise institucional. Na verdade, o imbróglio do momento entre legislativo e judiciário é mais um acontecimento grave dentre outros  no Brasil já há algum tempo. O último evento não é pouca coisa. Contudo, não foi a primeira ocorrência e nem será a derradeira a nos arrepiar.

A reverberação objetiva da decisão de Marco Aurélio Mello é a da interferência de um poder formal e constituído sobre outro. A separação entre poderes não é mero adorno teórico proposto pela filosofia política.  Em última instância, mantém o objetivo prático de evitar que os poderes canibalizem uns aos outros. Nesta tese, a não interferência de um sobre o outro permite o que seria o horizonte mais eficiente de atuação dos agentes: a fiscalização das ações do vizinho. Ainda, é a separação formal e prática entre poderes que permite no processo de tomada de decisões os legítimos checks and balances, os pesos e contrapesos, onde um poder pode até reconsiderar tomadas de posição ocorridas no outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas, é vedada a interferência direta nos ritos e no funcionamento cotidiano de X sobre Y.  

A crise institucional em que vivemos deriva também de uma profunda e lenta judicialização da sociedade brasileira que não foi criada agora. No Brasil pós-Constituição de 1988 houve considerável empoderamento do judiciário como agente político que não é submetido ao controle democrático, sendo este agente o mediador preferencial das relações sociais em uma série de escalas. Sem dúvida há avanços civilizatórios inegáveis produzidos pelo judiciário. Contudo, da forma como estamos caminhando, tanto poder colocado no colo de juízes ou promotores sem controle social produzirá mais danos do que benefícios ao Estado Democrático de Direito. Não precisamos de um Leviatã jurídico nesta altura do campeonato. Precisamos, em verdade, é do restabelecimento das relações entre sociedade civil e o sistema político.

*  Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 10 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

terça-feira, 6 de dezembro de 2016

NOTA SOBRE A TRAMITAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO - ABECS

Reproduzo abaixo nota da Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais, a ABECS, sobre as propostas de mudança do ensino médio que estão sendo apresentadas pelo Governo Temer. 

Recebi o texto da professora Adelia Maria Miglievich Ribeiro da UFES.



NOTA SOBRE A TRAMITAÇÃO DA REFORMA DO ENSINO MÉDIO


Desde a publicação da Medida Provisória (MP) 746/2016 que modifica a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, a Associação Brasileira de Ensino de Ciências Sociais (ABECS) vem acompanhando com preocupação um conjunto de medidas arbitrárias em relação ao ensino médio.

No último dia 30 de novembro de 2016, a comissão mista do Congresso Nacional aprovou o parecer do relator da matéria e encaminhou o Projeto de Lei de Conversão nº 34/2016. Neste documento, foi confirmada a perda do caráter obrigatório das disciplinas de Filosofia e Sociologia do currículo, desconsiderando diversas manifestações contrárias de entidades científicas e de especialistas da área da educação.

Seguindo a linha adotada por entidades científicas como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), bem como pelo Movimento em Defesa do Ensino Médio, a ABECS manifesta sua contrariedade ao projeto apresentado e apóia a revogação da MP 746/2016 e, consequentemente, do PLC 34/2016.

Repudiamos a exclusão de disciplinas que representam áreas científicas fundamentais para a formação de nossos jovens sem um amplo debate com a comunidade escolar e acadêmica. De forma específica, o fim da obrigatoriedade da Sociologia no ensino médio significa grande retrocesso que desconsidera a produção científica e o debate especializado feito há duas décadas no Brasil, além de desconsiderar o campo internacional que existe na área de sociologia há mais de meio século e por representar nitidamente uma escolha do Governo Temer por uma formação educacional que privilegie a formação técnica, mercadológica e pragmática em contraposição à reflexão humanística e crítica. Cabe ressaltar que a formação escolar não é apenas para uma profissão ou uma técnica, mas algo para a vida em geral. 

Na atualidade, depois de amplo debate desde a LDB de 1996, a Sociologia é uma disciplina obrigatória desde a Lei nº 11.684/2008 e possui seis livros didáticos nas escolas da rede pública por meio do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Além disso, novos cursos de Licenciatura em Ciências Sociais foram criados dentro do processo recente de expansão de matrículas na educação superior, ações concretas de formação inicial para a docência foram realizadas junto ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID) e diversos encontros científicos estudantis e sindicais foram realizados sobre conteúdos e metodologia de ensino em Ciências Sociais/Sociologia. Queremos ser ouvidos porque temos o que dizer.

Dessa forma, a ABECS convida as instituições públicas e a sociedade civil para realizarmos um grande debate visando à qualificação do ensino médio e da própria educação básica. Não é possível a simples exclusão do caráter obrigatório da disciplina de Sociologia em uma tramitação apressada no Congresso Nacional sem ouvir especialistas e profissionais que atuam na área, sem ouvir a rede de escolas, sem ouvir estudantes, sem ouvir pais e a sociedade civil em geral, o que reforça o caráter autoritário e unitário da medida que vem imposta de cima para baixo.

Assim, não mediremos esforços para a defesa da disciplina de Sociologia na educação básica e, particularmente, no ensino médio. Estamos convictos de que o ensino de Sociologia é importante para a formação crítica e cidadã de nossa juventude, ofertando referencial científico para a compreensão dos grandes dilemas postos neste século XXI.

Em uma sociedade marcada por diversas contradições, conflitos e disputas, a ausência do debate científico proporcionado pela disciplina de Sociologia, que engloba a Antropologia e a Ciência Política, é inaceitável e representa, sem dúvida, um retrocesso social, cultural e cientifico inestimável. 

Repudiamos também os retrocessos nos direitos sociais que se vislumbram com a PEC 55/2016 (antiga PEC 241), que congela gastos públicos e concursos por 20 anos e que é o início da destruição da educação pública e da saúde, abrindo uma ampla frente para privatização e precarização, e com as reformas trabalhista e previdenciária, assim como projetos como o “Escola sem Partido”, absolutamente na contramão do debate educacional progressista da atualidade.

Esperamos que o Congresso Nacional repense a inapropriada e aligeirada tramitação desta importante matéria (da MP 746) e promova imediatamente um Projeto de Lei de Reforma do ensino médio brasileiro a partir de ampla e irrestrita participação dos mais diversos segmentos sociais sob a liderança do Conselho Nacional de Educação, que é o espaço adequado para a discussão de qualquer reforma educacional responsável.

É preciso denunciar e resistir.

Rio de Janeiro, 05 de dezembro de 2016.

Diretoria da ABECS.             

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

PEC 241 e seus contornos

PEC 241 e seus contornos*

George Gomes Coutinho **

Na última segunda-feira a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a PEC 241. Não é o final do debate. Foi apenas um primeiro round. Certamente uma vitória governista importante, mas, ainda foi só a primeira grande batalha do governo Temer neste campo.

Em um cenário desta magnitude salta aos olhos do analista uma torrente de elementos. Neste texto não poderei aprofundar todos eles, apresentar os detalhes que seriam necessários para uma análise com pretensões definitivas. Contudo, penso ser viável pontuar algumas questões. A PEC 241, onde o eufemismo asséptico chama simplesmente de “reforma fiscal”, não é pouca coisa. Caso aprovada em definitivo, ela irá reestruturar políticas sociais e atividades “fim” do Estado por nada menos que nos próximos 20 anos. Quando digo “reestruturar”, estou querendo dizer que pode não haver investimento real. O texto recomenda a atualização das cifras em acordo com a inflação do ano anterior. Ou seja, na prática, a chamada “Constituição Cidadã” de 1988, que jamais alcançou sua plenitude factual por buracos diversos de regulamentação, torna-se simplesmente uma bela e ficcional peça histórica.

O argumento conjuntural em defesa da PEC se concentra no tamanho de nossa dívida pública e as medidas ambicionam priorizá-la enquanto esforço de Estado. Ou seja, a partir de um argumento construído no curtíssimo prazo são traçadas ações que engessam médio/longo prazos. Igualmente trata como sinônimos gastos e investimentos, dado o nome midiático propagado, a “PEC dos gastos”. Confundem alhos com bugalhos e operam uma constrangedora redução de complexidade onde as pastas de saúde e educação, dotadas de especificidades diversas, são colocadas em pé de igualdade com outras demandas de naturezas particulares.

Por fim, há três ruidosos silêncios sobre o nosso curtíssimo prazo convenientemente ignorados. O primeiro envolve a nossa taxa de juros que incide não só sobre a dívida pública, mas, igualmente afeta famílias, empresas, etc.. O segundo ponto é sobre a proteção deliberada ao topo da pirâmide social. O terceiro é sobre quem está escalado para pagar a conta. O último grupo, que inclui classe média assalariada e trabalhadores em geral, só por vezes é lembrado.
   

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 15 de outubro de 2016

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 18 de setembro de 2016

Consenso de Washington reloaded

Consenso de Washington reloaded*

George Gomes Coutinho **

Matrix, trilogia cinematográfica orquestrada pelos irmãos Wachowski, causou furor na virada do século XX para o nosso século XXI. O segundo filme da seqüência, lançado em 2003, foi batizado de “Matrix Reloaded” e desde então o termo “reloaded” é utilizado como referência para sensações de continuidade nem sempre alvissareiras em diversas reflexões. Nesta toada, a sensação de déjà vu com os anos 1990 causada pela agenda do governo Temer nos remete necessariamente ao inglório Consenso de Washington. Interpreto como um verdadeiro Consenso de Washington reloaded.

Situando o leitor, o Consenso de Washington encabeçado pelo tesouro norte-americano agradou elites financeiras dos países mais ricos do mundo e diversos grupos da América Latina, o que inclui parte de suas oligarquias. Na prática consistiu em um conjunto de remédios liberais amargos que quase levou os seus pacientes a óbito. Naquela ocasião, propostas de privatização, desregulamentação de direitos trabalhistas e sociais, liberalização da economia, desmantelamento do Estado e sua capacidade de investimento afloraram como soluções inquestionáveis pretensamente capazes de produzir o paraíso terrestre.

O conjunto de medidas recessivas se traduziu em nações com baixa capacidade de distribuição de renda e a perda de soberania decisória dos executivos nacionais no que tange o gerenciamento de suas próprias economias. Naquele momento o Fundo Monetário Internacional gozava de prerrogativas que negavam até mesmo a mais remota pretensão de soberania.

Neste 2016, o FMI não é o mesmo e reconhece em prosa e verso os equívocos que destruíram economias ao redor do mundo com seu receituário. Todavia, o mea culpa parece não ter seduzido os tomadores de decisão nativos. Cabe um alerta: as medidas recessivas produziram um efeito não desejado para os liberais de então e pode se repetir agora com a resistência derivando na aglutinação de movimentos sociais, sindicatos e partidos na esquerda do espectro político. Os resultados eleitorais todos sabemos. Medidas recessivas não são sedutoras mesmo que tentem vender hoje o mesmo discurso de pouco mais de duas décadas atrás.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 17 de setembro de 2016.


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes.