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segunda-feira, 21 de fevereiro de 2022

A intolerância, o crime eleitoral e slogan nazista ao ar livre em Campos - Edmundo Siqueira

 

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A intolerância, o crime eleitoral e slogan nazista ao ar livre em Campos


Edmundo Siqueira**

Podemos, em uma tradução livre, definir um “outdoor” como uma “publicidade ao ar livre”. De fato, ele o é. Em suas modalidades urbanas, ele ocupa não apenas o “ar livre”, mas também é um elemento visual significativo nas vias públicas. Mesmo considerado como poluição visual, o painel publicitário de grandes dimensões é socialmente aceito e cumpre suas funções publicitárias com efetividade. O problema, é que a rua — ou uma praça —  deve cumprir um papel de convivência entre os diferentes; onde a diversidade precisa conviver em relativa harmonia. Não foi o que aconteceu nas últimas semanas em Campos dos Goytacazes. Algumas dessas mídias externas causaram desarmonia — e descumpriram a lei.

Confesso que um outdoor não é o tipo de propaganda que me atrai. Acho exagerado, poluidor e anacrônico; enfim, desnecessário. Uma empresa que opta por divulgar sua marca e produtos em uma moldura gigantesca, via de regra sem manutenção adequada, coladas com impressões em papel, de formado grande e usualmente de baixa qualidade, corre um sério risco de investir em “má publicidade”. Em um mundo cada vez mais virtual, e ecologicamente responsável, expor-se nessas condições pode trazer “efeitos colaterais” adversos.  

Um outdoor por ter outros fins que não publicidade comercial. Pode ser um ato político, como o exemplo que relato aqui. 

Um outdoor criminoso e com slogan nazista

Grupos políticos de Campos utilizam-se desses painéis com certa constância. Seja para agradecer os votos recebidos ou para divulgar algum feito. A coisa parecer ter se agravado com o advento do bosonarismo. Não só em Campos, muitas cidades pelo país utilizaram o outdoor para declarar apoio ao presidente Bolsonaro — nesse caso com poluição e anacronismo condizentes. No caso local, financiados ou não por grupos tentaculares ao bolsonarismo, as mídias possuem padrões: a faixa presidencial, as cores verde e amarela, hashtags seguidas de slogans de inspiração fascista, e o culto personalístico ao ‘dulce’ brasileiro.

Afirmar que Campos é uma cidade conservadora é um “lugar comum” que pode ser manifestado em uma verdade. Não cabe aqui trazer definições do conservadorismo como filosofia social, mas estaríamos em terreno seguro para substituir por reacionarismo. Isso se reflete na preeminência de propagandas bolsonaristas nas ruas campistas. Algumas ações pontuais, na tentativa de equidade, foram empreendidas (podemos esmiuçar em outra oportunidade), mas sufocadas por poderio econômico.

Situação agravada com a visita presidencial à Campos, há cerca de três semanas. Ciceroneado por Clarissa Garotinho (PROS/RJ), Bolsonaro passou pela cidade quando veio à região. Foi o bastante para as ruas serem tomadas por outdoors de apoio. Seguindo os mesmos padrões, uma das mídias chamou a atenção. Além de trazer evidente crime eleitoral (confirmado pelo Tribunal Eleitoral local, posteriormente), pedindo votos desavergonhadamente, inclusive trazendo o número de campanha, ainda trazia o slogan “Uma nação, um povo, um líder!” — plágio nefasto de Adolf Hitler, na Alemanha nazista: “Ein Nation, ein Volk, ein Führer”.


Expor um crime em “praça pública” com orgulho, e slogan nazista em letras garrafais — utilizando-se de sua condição financeira, potencializada por desigualdade e possivelmente mantida por benesses estatais —  demonstra a certeza da impunidade. E a profunda intolerância com a ordem pública, com a democracia, com a pluralidade, com a decência e com liberdade política. E não podemos tolerar os intolerantes, como nos ensina Karl Popper e outros tantos pensadores.

Portanto, algo precisava ser feito. O caminho que encontrei para fazer “minha parte”, por cidadania ativa, foi usar as redes sociais; algo como o “feitiço contra o feiticeiro”. Via Facebook —  rede em desuso, mas especialmente eficaz em temas políticos —, expus o outdoor, mostrei onde estariam cometendo crime eleitoral e pedi ajuda para peticionar aos tribunais eleitorais, ou ao Ministério Público Eleitoral, uma denúncia. Organicamente, através da publicação, fui alertado do slogan nazista e informado que já havia denúncia feita por partido político. Com mais de 200 curtidas, 41 compartilhamentos e 227 comentários (a maioria a favor), o alerta serviu para que muitas outras denúncias fossem feitas por pessoas físicas engajadas pela causa. Dois dias depois, iniciei uma petição pública virtual (espécie de abaixo assinado) através do site change.org, que já possui mais de 1.170 assinaturas.

Mais dois dias passados e o TRE local emite uma sentença que determinava a retirada das mídias. Apesar da previsão legal de multa e outras penalidades, o juízo decide por interromper o ilícito, apenas. Não cita o slogan nazista, que possui difícil comprovação, de fato, estando mais adequado a um “dog whistle”, ou apito de cachorro, prática comum de grupos nazistas. A empresa Outside Propaganda, sediada em Campos, foi tida como responsável pela colocação, e a ela atribuída, também, a autoria do conteúdo.

Nos espaços públicos de uma cidade a população pode manifestar sua territorialidade e ocupar física e socialmente. É preciso reforçar aqui que não há problema algum em grupos empresariais demonstrarem suas preferências políticas, ainda que seja a favor de um governante neofascista como Bolsonaro. Em essência, não configura uma ilegalidade. Se há desigualdade por condições financeiras, é um problema estrutural que o país precisa enfrentar.

O problema aqui não é ser “de direita”. Mas a liberdade de opinião e o livre exercício político esbarra na lei. Ou na “teoria o dano”, de John Stuart Mill, filósofo britânico e uma das principais referências em liberdade de expressão — termina quando causa dano a outras pessoas.

É preciso que as ruas, representando a população, deem respostas, e possibilitem reflexões. Mas sempre dentro do jogo democrático, e principalmente regulado pelo ordenamento legal. As instituições devem funcionar, provocadas ou não. E por escolha livre e consciente, o voto deve ser sempre um instrumento de liberdade.

É apenas o início de um ano eleitoral que se mostra, no mínimo, desafiante. Quem deve vencer? A lei e a democracia. 

* Disponivel em: https://www.rafmuseum.org.uk/research/online-exhibitions/history-of-the-battle-of-britain/the-rise-of-the-nazi-party/, acesso em 21 de fevereiro de 2022.

** Servidor Federal, jornalista, graduando em Direito, agente cultural, articulista do jornal Folha da Manhã.

domingo, 11 de setembro de 2016

A estranha pauta do Movimento Escola Sem Partido

A estranha pauta do Movimento Escola Sem Partido *

George Gomes Coutinho **

A democracia nas sociedades complexas necessita ser polifônica. É um critério para sua sobrevivência e o caminho oposto flerta com soluções autoritárias. Há um conjunto de vozes diversas em nossa sociedade, com reivindicações de diferentes naturezas e o puro e simples aniquilamento artificial da circulação de discursos e demandas simplesmente não combina com a própria democracia. Como já alertou Alexis de Tocqueville (1805-1859), se as democracias modernas tendem a derivar em verdadeiras “tiranias da maioria”, as minorias devem ser resguardadas inclusive no direito de circulação de suas narrativas.

Não obstante esses pressupostos, causa espécie a notoriedade alcançada pelo Movimento Escola Sem Partido, doravante MESP. Não se trata de simplesmente coibir os seus idealizadores de proporem qualquer coisa, vide as linhas no parágrafo anterior. As idéias e proposições surgem, sejam estas grandiosas ou medíocres a despeito do espectro político. Mas, o que choca é quanto o gesto de levantar uma lebre esquálida dessas, cujo idealizador do movimento se trata de um pai que ficou indignado com uma analogia feita por uma professora entre Ernesto Guevara e Francisco de Assis, tenha conquistado editoriais, circulado em redes sociais e estabelecido movimentos na direção oposta.

Ao acompanhar a divulgação dos dados da educação brasileira alcançados em 2015 no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o famoso Ideb, a situação é muito mais preocupante do que qualquer entusiasta ou opositor do MESP tem contemplado. Em mais uma ocasião nenhuma das metas do Ideb foram alcançadas. Dentre os projetos de lei que tive acesso e afinados com as diretrizes do MESP, no caso o PL 7180/2014 do deputado Erivelton Santana (PEN/BA), não consta uma vírgula sobre questões de infra-estrutura escolar, estímulo para a qualificação continuada dos professores, planos de carreira e salários, etc.. Nem a merenda escolar, questão básica no ensino público, é mencionada. Nada. Apenas fala em “convicções” da família. O debate soa como engodo e desperdício de energia que encobre questões mais graves. E talvez seja mais um sintoma da pequenez de nossa opinião pública contemporânea.


* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 10 de setembro de 2016. Na versão impressa o título original foi "A estranha pauta do MESP".

**Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes