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quinta-feira, 23 de junho de 2022

"Tutto nel mondo è burla"

Fonte: Metrópoles.

"Tutto nel mondo è burla" 

Milton Lahuerta* 

Roberto Schwarz nos deu uma chave analítica definitiva quando colocou no centro da interpretação da sociedade brasileira a escravidão, agregando à violência que lhe é constitutiva o favor e as relações de dependência pessoal que ela gera. Orientada por Marx e inspirada em Antonio Cândido da "Dialética da malandragem", a reflexão de Schwarz possibilita uma abordagem que permite tratar de nossa miséria ideológica e das ambiguidades do liberalismo, sem cair em armadilhas culturalistas moralizantes, mas procurando apreender a determinação social das ideias e dos valores. Lança luz assim sobre a debilidade da ordem normativa e sobre aquilo que se convencionou chamar de "jeitinho brasileiro" (Roberto da Matta), para caracterizar a cultura política que vige no país e tratar de nossa imensa dificuldade de estabelecer regras impessoais e de efetivar a universalização da lei. No mais das vezes, diante de um ilícito, a tendência inicial é a de nos mostrarmos extremamente rigorosos e de exigirmos punição exemplar para quem o pratica, até que isso envolva alguém com quem mantemos relações pessoais ou admiramos. Nessas situações, é comum a manifestação de uma espécie de "moralidade elástica" que faz com que uma parcela expressiva dos brasileiros seja extremamente leniente com os "seus" e absolutamente rigorosa com os "outros", com os "diferentes". Esse mecanismo ideológico é constitutivo de nossa cultura política e nos permite compreender a debilidade da ordem normativa no país, traduzida no bordão que diz que aqui "tem lei que pega e lei que não pega" e pelo culto da malandragem como estilo de vida e expressão do "caráter nacional".

Essa pequena introdução se justifica em face das reações daqueles que insistiam no "mantra" de que "não tinham bandidos de estimação" e que agora mostram-se totalmente coniventes com relação ao ex-ministro da Educação e aos "pastores" que foram detidos pela PF. É notório que Milton Ribeiro, que não passa de um "homem sem qualidades", foi indicado pelo (des) presidente para cumprir rigorosamente suas ordens e para agradar sua base de apoio evangélica, em seus delírios pseudo moralistas. Há que se notar porém que, diferentemente do que parece num primeiro momento, estamos diante de uma situação na qual os verdadeiros "bandidos", mais até que os pastores salafrários e o ex-ministro metido a pistoleiro, com Ciro Nogueira no comando, articulam-se com prefeitos, transformando as gordas verbas do FNDE num meio de encher os bolsos -- os seus e o dos aliados. O nome disso é desvio de função e apropriação indébita do Fundo Público. E sem sombra de dúvida pode ser enquadrado como um caso de corrupção em larga escala e de formação de quadrilha. O problema é que o chefe dessa quadrilha é justamente o (des) presidente, que orientou o ex-ministro pistoleiro a dar um atendimento especial aos "pastores" salafrários, com quem, inclusive, ele se encontrou dezenas de vezes no palácio do governo. Como medida para tentar se blindar e para manter o "discursinho" de que em seu "governo" não há corrupção, o (des) presidente decretou 100 anos  de sigilo sobre esses seus encontros com os "pastores" e, depois de dizer que "queimava a cara" pelo ex-ministro, jogou-o aos leões como se tudo tivesse ocorrido por falha exclusiva dele!

Haja "moralidade elástica" para seus apoiadores continuarem a justificar tanto descalabro! 

* Milton Lahuerta é professor de Teoria Política na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara. É autor de inúmeros artigos, capítulos de livros e coletâneas nas áreas de pensamento social brasileiro, sociologia dos intelectuais e teoria política. Publicou, em 2014, o seu "Elitismo, autonomia, populismo - Os intelectuais na transição dos anos 1940" pela editora Andreato.

quarta-feira, 6 de abril de 2022

Carlos Lessa e os intelectuais públicos - Milton Lahuerta


*


Carlos Lessa e os intelectuais públicos!**

Milton Lahuerta***

Em meados de 1976, tive uma oportunidade de trabalho que mudou minha vida. À época, com 22 anos, eu cursava o 3o ano de Ciências Sociais na FFLHC-USP, militava no MDB e no PCB, e vivia atormentado por trabalhar numa empresa multinacional holandesa, a Philips. 

Por uma colega que também fazia Ciências Sociais, a Sarah Yakhni, fiquei sabendo que estava em curso um processo de seleção de estagiários para trabalhar num projeto de pesquisa sobre "Estrutura e gênese  da Administração Pública Paulista", junto à Diretoria de Pesquisa de uma instituição que havia sido recém criada: a FUNDAP (Fundação para o Desenvolvimento Administrativo). 

Fiz a entrevista de seleção com Rui Fontana Lopes, que me explicou o que seria o projeto e me informou que a equipe da Diretoria de Pesquisa era composta por Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo (Diretor), Paulo Davidoff Cruz e ele próprio (um pouco depois seria incorporada à equipe como técnica Ieda Marques Britto), e que seria complementada por mais quatro estagiários, dos quais só faltava selecionar um. Acabei sendo o escolhido, para minha alegria e profundo desgosto de minha família, pois em casa eu era o único com trabalho fixo numa "boa empresa".

A mudança significou uma redução de 75% do meu salário e nunca esqueci o que meu pai, que sempre respeitou muito minhas escolhas, me disse, meio consternado por estar questionando minha opção: "você tem certeza do que está fazendo? Todo mundo anda pra frente, você vai andar pra trás?".

De fato, trocar um salário de 3.000,00 cruzeiros, com carteira assinada, refeitório e assistência médica, numa empresa multinacional, por um estágio, pelo qual receberia 600,00 cruzeiros, a ele e a meus amigos, parecia uma atitude insensata e, eu mesmo, confesso que vacilei!

E foi com essa dúvida que iniciei minha primeira experiência de pesquisa, integrando uma equipe que, além dos citados acima, passou a ser composta por quatro estagiári@s, que trabalhavam quatro horas por dia, em duplas, num edifício na Av. São Luís, no centro de São Paulo, onde ficava guardado o arquivo da Assessoria Técnica Legislativa (ATL), reunindo todas as leis e decretos do Estado de São Paulo, desde 1890, nos quais resgatávamos as informações sobre a criação, extinção, fusão, desmembramento de todos os órgãos da Administração Pública Paulista. A equipe de estagiários era composta por Eliane Pérola Maizel (CS-USP), Lizete Prata  (CS-UNICAMP), Milton Lahuerta (CS-USP) e Olivier Udry (AP-FGV), substituído por Mário Mazzilli (CS-USP).

Durante um ano cumprimos uma rotina rigorosa de trabalho de pesquisa, definindo a maneira de coletar as informações e padronizá-las, escrevendo textos sobre o evolver da Administração Pública Paulista, coordenados por Rui Fontana Lopes, que, ainda que fosse recém formado pela GV e tivesse a nossa idade, tinha muitas qualidades intelectuais e grande experiência como pesquisador. Para que o trabalho pudesse ser realizado, além das reuniões com Belluzzo, Paulo Davidoff e Rui, tínhamos encontros quinzenais com consultores, primeiramente, com a finalidade de ajustar o desenho do projeto e depois para acompanhar o seu desenvolvimento. Dentre os consultores, brilhava justamente o economista Carlos Lessa, à época com menos de 40 anos, que juntamente com Belluzzo, João Manoel Cardoso de Mello, Maria da Conceição Tavares, Frederico Mazzucchelli, Liana Aureliano, compunha o Depto de Economia da UNICAMP, que tivera importante papel na criação da FUNDAP. 

As participações de Lessa como consultor da equipe traziam uma lufada de bom humor, energia e esperança para tod@s nós, pois nele não havia nenhum resquício de tecnocratismo e/ou de uma visão burocrática sobre o estado e sobre o trabalho a ser realizado. Suas intervenções, além de tratarem dos desafios próprios da pesquisa, do Estado, da economia, da Administração Pública, falavam da vida, da literatura, da cultura brasileira e universal. Eram recorrentes suas citações de  Sartre e Hemingway, sempre exercitando a ironia, a verve crítica e a imaginação criadora, e sempre nos desafiando a pensar para além dos escaninhos burocráticos. Assim como eram recorrentes suas colocações acerca da necessidade de um projeto nacional e democrático de desenvolvimento para o Brasil. 

Nesse sentido, Lessa, além de nos inspirar a pesquisar, estimulou em cada um de nós a necessidade de se pensar não só como profissional, como técnico, mas principalmente como intelectual. Naquele projeto, sua presença foi fundamental não só para que a equipe se constituísse com organicidade e a pesquisa pudesse ser concluída e publicada como livro, "Perfil da Administração Pública Paulista", mas, principalmente, para que aquel@s jovens estagiári@s, que participavam do empreendimento, pudessem apurar o rigor intelectual e o compromisso público com a democracia e com o desenvolvimento. Para mim, particularmente, conviver com ele nesse período foi decisivo também para definir o meu perfil intelectual e para me dar a certeza de que, contrariando meu pai, eu não estava "andando pra trás!".


* Foto de Victor Vogel. Disponível em: https://www.vitorvogel.com.br/retratos?lightbox=imagepbm, acesso em 06 de abril de 2022.

** Texto publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Milton Lahuerta (https://www.facebook.com/milton.lahuerta). Reproduzimos aqui com a autorização do autor. O professor Lahuerta compartilhou essa memória "(...) quando do passamento de Carlos Lessa em 2020".


*** Milton Lahuerta é professor de Teoria Política na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara. É autor de inúmeros artigos, capítulos de livros e coletâneas nas áreas de pensamento social brasileiro, sociologia dos intelectuais e teoria política. Publicou, em 2014, o seu "Elitismo, autonomia, populismo - Os intelectuais na transição dos anos 1940" pela editora Andreato.

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

FLORESTAN FERNANDES: TRAJETÓRIA, MEMÓRIAS E DILEMAS DO BRASIL

 Mesa-Redonda sobre o livro "FLORESTAN FERNANDES: TRAJETÓRIA, MEMÓRIAS E DILEMAS DO BRASIL"

Data: 13/12/2021 –  Horário: 14 hs

Inscrições: https://forms.gle/eV72UaZeoCpeyH9T8

Com @s autor@s/organizador@s:

Eliane Veras - UFPE

Diogo Valença - UFRB

Aristeu Portela Jr. - UFRPE

Lucas Trindade – UFRN

Mediação: George Coutinho – UFF/ Debatedora: Adelia Miglievich – UFES

 

Organização:

Sociedade Brasileira Contemporânea: Cultura, Democracia e Pensamento Social – UFPE

NETIR - Núcleo de Estudos em Transculturação, Identidade e Reconhecimento – UFES

IMAGINA-SUL - Grupo de Estudos e Pesquisas da Imaginação e do Pensamento Político- Social no Sul do Mundo – UFF-Campos

Download gratuito no portal Marxismo 21 do livro "FLORESTAN FERNANDES: TRAJETÓRIA, MEMÓRIAS E DILEMAS DO BRASIL": https://marxismo21.org/florestan-fernandes-trajetoria-memorias-e-dilemas-no-brasil/




terça-feira, 30 de junho de 2020

lançamento de "O Brasil-Nação como Ideologia" de Fabrício Maciel

As Coordenações dos cursos de Ciências Sociais da UFF-Campos e o blog Autopoiese e Virtu convidam para o bate-papo de lançamento do livro:

"O Brasil-Nação como Ideologia"

Expositor:prof. Fabrício Maciel (UFF-Campos / PPGSP-UENF)
Mediação: prof. George Coutinho (UFF-Campos)

09/07/2020 - quinta-feira
15 horas




sábado, 9 de maio de 2020

Lançamento: O Brasil-Nação como ideologia - Fabrício Maciel


* O autor Fabrício Maciel lança a segunda edição de “O Brasil-Nação como ideologia: a construção retórica e sociopolítica da identidade nacional”, obra que analisa a identidade nacional brasileira. Fabrício, professor de Teoria Sociológica da UFF-Campos, mestre em Políticas Sociais, doutor em Ciências Sociais e pós-doutor em Sociologia, trata na obra sobre o mito da brasilidade e a percepção de que este foi construído através da articulação ideológica de elementos de nosso imaginário, como Deus, a política, o povo e a natureza.
Em entrevista ao Blog Autografia, o autor conta sobre sua longa trajetória acadêmica, sempre atrelada aos temas políticos: “Fiz a graduação em Ciências Sociais na UENF, em Campos dos Goytacazes, minha terra natal. Minha pesquisa de monografia, orientada pelo Prof. Jessé Souza, foi sobre a identidade nacional brasileira. Este livro que agora republicamos é uma versão bastante modificada e atualizada deste trabalho, com prefácio de Jessé e também de Edson Farias, da UnB”.


Fabrício conta também que o tema do livro, a brasilidade, nunca perde sua relevância e atualidade, sendo sempre necessário o seu debate: “É dividido em cinco capítulos cronologicamente estruturados, nos quais procuro reconstruir criticamente o pensamento de alguns dos principais intérpretes e críticos do mito brasileiro. Nesta edição, como complemento, apresento um posfácio no qual analiso, a partir da discussão do livro, como e por que recentemente nós substituímos um cenário político definido pelo slogan ‘Brasil, um país de todos’ para o slogan ‘O Brasil acima de tudo e Deus acima de todos’”.  


O autor explica que a obra procura, também, ser uma alternativa ao público que deseja compreender o Brasil através de uma outra perspectiva, além dos clichês das discussões políticas polarizadas: “Fico muito contente e otimista com a reedição do livro e com a qualidade do trabalho de vocês na Autografia. Acho que o livro tem tudo para ter uma recepção pelo público ainda melhor do que a da primeira edição, especialmente por conta do contexto político atual”.


“Este livro se apresenta como um convite para uma leitura agradável e ao mesmo tempo crítica sobre o Brasil. É um livro que procura reconstruir claramente a trajetória das ideias sobre o significado da identidade nacional de maneira didática e compreensível para qualquer pessoa que deseje ler. Além disso, o mais importante é que o livro é um convite para uma reflexão que procure ir além da conjuntura atual”, finaliza. 


* Retirado de http://blog.autografia.com.br/professor-de-teoria-sociologica-lanca-obra-sobre-identidade-nacional-brasileira/


segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Lançamento: "Antônio Cândido: Intérprete do Brasil" - 28/08/2019

Prezadxs,

Na próxima quarta-feira, dia 28 de agosto, teremos o lançamento do novo livro do cientista político Márcio Malta, mais conhecido nas quebradas de quadrinhos e cartoons simplesmente como "Nico".

O opúsculo se chama "Antônio Cândido: Intérprete do Brasil". Trata-se, em última instância, de uma introdução ao pensamento do insubstituível Antônio Cândido de Mello e Souza. Contudo, não é uma introdução na direção em que estamos mais acostumados no caso do autor em destaque, onde Cândido usualmente é sintetizado como um dos maiores críticos literários de todos os tempos em terra brasilis (o que não é pouca coisa evidentemente). 

O Cândido de Malta é interpretado por um singular duplo viés: Cândido pensador do Brasil e intérprete maiúsculo da política nativa. Para além disso, os dotes artísticos do cartunista Nico, o alter ego do cientista político, brindam o leitor com uma bela efígie de Cândido e com sutilezas gráficas por todo livro. Trata-se de um produto de artesanato intelectual avant la lettre.

O livro terá seu primeiro lançamento aqui na cidade no auditório da UFF-Campos na próxima quarta-feira, 18 horas.

A mesa de lançamento contará com o próprio autor, Claudio Araújo e este que vos escreve. Todos somos professores de Política do Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos.

Esperamos vocês lá para mais essa balbúrdia. Abaixo segue o convite




sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Querelas e acertos sobre o pensamento político brasileiro (parte 2)

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Considerando que o objeto da ciência social "fala" e assim o faz de maneira contingente, a incorporação de elementos do pensamento político-social formulado originariamente na Europa ocidental e na América do Norte no trabalho de pesquisadores do Sul não é em si problema se o estatuto de cientificidade da pesquisa social não depender, exclusivamente, de “citar a literatura da Metrópole e tornar-se parte do discurso lá produzido”, como lembra-nos Raewyn Connell[1]. 

Para a socióloga australiana, um turning point no velho questionamento ao imperialismo cultural nas ciências humanas é assinalável atualmente por meio de quatro proposições: a) afirmar as diferenças entre os estilos de trabalho intelectual em correspondência com a história das sociologias nacionais; b) buscar “sistemas indígenas de pensamento” [2] cuja origem externa ao sistema de pensamento eurocêntrico faculte uma base para a produção autônoma de conhecimento; c) desconstruir o pensamento europeu mediante a crítica pós-colonial; d) vislumbrar um “universalismo alternativo” [3] fora das tradições europeia e norte-americana. Sintonizado particularmente com a primeira proposição de R. Connell, Gildo Marçal Brandão também sinaliza em muitos estudos do pensamento político brasileiro uma inclinação à pobreza analítica dimensionada por Fábio Wanderley Reis como um entrave à formulação de um pensamento teórico em bases universais sem, digamos, perder de vista um sotaque e ideias próprios. 

O diagnóstico de G. M. Brandão, tal como o de F. W. Reis (parte 1), não dá margem alguma à auto-condescendência. Na maioria dos estudos pensamento político brasileiro, pontua Brandão, ainda impera a tentação de resolver o “problema da qualidade e da capacidade cognitiva e propositiva de uma teoria pela enésima remissão ao grau de institucionalidade da disciplina ou província acadêmica na qual ela surge”; de reiterar as “tradicionais ‘explicações’ de uma obra pela origem social do autor”; e de operar as “reduções de conteúdo e da forma de produção intelectual às estratégias institucionais ou de ascensão profissional ou social das coteries” [4]. Desse ângulo, seria razoável que a abordagem de G. M. Brandão confluísse com o programa mertoniano de pesquisa, ao admitir que a pesquisa teórica se torna inócua quando serve de incremento a uma história científica - cujo escopo se confunde com o prestígio auferido por um autor nos “colégios invisíveis” da academia em detrimento das ideias teóricas contidas na sua obra. 

Como lembra Jeffrey Alexander[5], no programa mertoniano não estaria vetado a historiadores da ciência e cientistas sociais compartilhar um referencial epistemológico através da leitura das grandes oeuvres, ainda que coubesse aos últimos convertê-la em novos pontos de partida na busca do conhecimento, pois, ao contrário de outras disciplinas cuja construção do objeto é heterônoma, as ciências sociais se revelariam pródigas ao forjar seus próprios instrumentos para se manterem cumulativas. No entanto, o consenso termina quando se põe em questão o que significa propriamente “cumulatividade”. 

É fortuito lembrar que o estudo do pensamento político é antípoda do relato da história da ciência que consagra a autoimagem das ciências naturais. Ora, as teorias e polêmicas das ciências sociais consubstanciam atos performativos que, no plano linguístico, assumem caráter multitudinário ao serem partilhados por indivíduos que, em determinada formação histórico-social, cada vez mais atribuem sentido à sua coexistência mediante os produtos acabados daquelas ciências, transformando-os, no decurso do tempo, em pré-noções acerca de uma identidade coletiva associada àquela formação. Eis o terreno acidentado no qual caminha o pesquisador instigado pela teoria social.

A “dupla hermenêutica” da pesquisa social encontra seu meio de realização numa acumulação teórica que, no caso brasileiro, é permeada por “formas de pensar extraordinariamente persistentes no tempo, modos intelectuais de se relacionar com a realidade que subsumem até mesmo os mais lídimos produtos da ciência institucionalizada”[6]. Portanto, analisar “formas de pensar” não condena o cientista social ao inventário das tradições de pensamento mortas. Ora, recorrer àquelas “formas de pensar” modula a nossa imaginação sociológica na justa medida em que usufruí-la com neutralidade axiológica implica reconhecer no ensaio sobre a formação nacional um elemento ativo na vinculação social da obra pesquisada às ideias de valor com as quais, inexoravelmente, erige-se um dissenso entre perspectivas do conhecimento:


Nessa condição, não há como não confrontar leituras distintas do pensamento político-social brasileiro, especialmente os principais modelos de interpretação formulados nas últimas décadas, ao mesmo tempo verificando em que medida há continuidade ou ruptura entre as formulações clássicas dos convencionalmente chamados “intérpretes do Brasil” e o trabalho intelectual que vem sendo produzido na universidade segundo os métodos de investigação especializada (BRANDÃO, 2010, p.32).

           
A aplicação desses métodos tem levado a bom termo as mediações entre “continuidade” e “ruptura” nas ciências sociais brasileiras? G. M. Brandão acolhe o tratamento dado à questão por Gabriel Cohn, o qual salienta a polêmica entre Guerreiros Ramos e Florestan Fernandes no início dos anos 1960 como a inflexão mais desafiadora que tivemos até hoje no debate sobre a episteme das ciências sociais[7]. Passado meio século desse debate, a teoria social ainda é empreendimento de poucos ou, como ironiza Cohn, um problema “a ser deixado para outros em melhores condições” [8].

Os parâmetros avaliativos pelos quais G. M. Brandão esmiúça essa questão inconclusa – a elaboração de teoria social no trabalho científico aqui produzido – suscitam o balanço das perdas e ganhos da institucionalização de nossa pós-graduação em ciências sociais, um processo que atingiu seu ponto de maturação sob o crivo da agenda “americana” de pesquisa entre os anos 1990 e 2000. Por um lado, G. M. Brandão e F. W. Reis concordam que a delegação do problema a “outros” simplesmente ratifica desvantagens cumulativas das ciências sociais brasileiras em sua circulação internacional; por outro, se Reis indaga por que os “ganhos” da institucionalização são ainda exíguos, Brandão assevera que suas “perdas” tendem a se acentuar com a adesão acrítica àquela agenda de pesquisa, na medida em que ela nada mais faz do que obscurecer a cumulatividade do pensamento político brasileiro.

Seria dispendioso prolongar esse contraponto. Conservemos dele que G. M. Brandão não é indiferente ao aperfeiçoamento de procedimentos metodológicos logrado na pós-graduação em ciências sociais no Brasil. Bastaria dizer que tal aperfeiçoamento qualificou a crítica às diversas formas de determinismo que há pouco tempo faziam pressupor as variáveis políticas como “subprodutos de tendências macrossociais e macroeconômicas” [9]. Todavia, o formalismo instrumental nas ciências sociais pode assumir um viés minimalista ao situar a “vocação nos limites da profissão” [10]. Tais limites corporificam os ardis da especialização, notadamente quando omitem que a aplicação do método em cada disciplina é uma condição necessária, mas não suficiente para a elaboração teórica do objeto dessas ciências:


[...] se não é possível eliminar a especialização por ato de vontade, não é também válido supor que qualquer disciplina, ou qualquer campo interno a uma disciplina, que tenha obtido cidadania acadêmica corresponda necessariamente a mudanças e a individualizações no ser social (BRANDÃO, 2010, p.193-194).
           

Redefinindo o pensamento político como uma área de fronteira do conhecimento, G. M. Brandão lança mão de um prognóstico: por um lado, é possível responder com originalidade à “crise das grandes teorias” [11] a partir da situação brasileira ou, precisamente, do exame das formas de pensar rotinizadas nos e pelos ensaios de interpretação da formação social brasileira com as quais, queiramos ou não, colocamos à prova o campo discursivo das ciências sociais que exercemos na divisão internacional do trabalho intelectual. 


Por outro, seria contraproducente apartar o esforço endógeno em teoria social da pesquisa sobre as obras deixadas pelos nossos ensaístas, pois as cautelas diante do anacronismo histórico podem, paradoxalmente, estabelecer um corte arbitrário entre seus momentos de formulação e recepção. Com efeito, os ensaios sobre a formação social brasileira têm uma amplitude heurística irredutível ao seu contexto de origem e, logo, apropriar-se deles não precisa nos ocupar em coligir ornamentos do passado, senão em viabilizar a cooperação entre teoria social e pesquisa sobre os textos históricos para investirmos cientificamente em temas e problemas da ordem do dia.




[1] Cf. Raewyn Connell, A iminente revolução na teoria social, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 27, n.º 80, out. 2012, p.11.
[2] Ibid. ibidem.
[3] Idem.
[4] Cf. Gildo Marçal Brandão, Linhagens do pensamento político brasileiro, São Paulo, Hucitec, 2010, p.22.
[5] Cf. Jeffrey Alexander, A importância dos clássicos in: Anthony Giddens & Jonathan Turner (orgs.), Teoria Social Hoje, São Paulo, Editora Unesp, 1999, p.23-89.
[6] Brandão, op. cit., p.29.
[7] Ibid., p.184.
[8] Apud. Brandão, op. cit., p.184.
[9] Brandão, op. cit, p.191.
[10] Ibid., p.185.
[11] Ibid., p.197.

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Querelas e acertos sobre o pensamento político brasileiro (parte 1)

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Um dos aspectos mais instigantes do pensamento político brasileiro é a própria dificuldade de submetê-lo à observação quando delimitamos a ciência em sua autonomia cognitiva frente à política. O fascínio que desperta se deve ao fato de o trânsito profissional nessa área de estudos ser, quiçá, um alento para o cientista social em face da desarticulação dos discursos políticos com a crise das grandes narrativas (um então porto seguro da nossa subjetividade ante o esforço metódico de pesquisa) e, sobremaneira, com o comprometimento cada vez maior do nosso imaginário com o tempo intemporal das redes sociais virtuais. Valendo-me das últimas, creio que uma maneira de tatear o relevo do pensamento político sem fazer dele perfumaria é enquadrá-lo a partir da sistematização que Gildo Marçal Brandão lhe conferiu enquanto uma área temática que, no cenário brasileiro, mobiliza diferentes campos disciplinares nas ciências humanas[1].

Admitindo a relativa incipiência desse debate sem subestimar o potencial de autoconhecimento da sociedade nele observável, G. M. Brandão oferece um enfoque construtivo às asserções científica e humanista do trabalho intelectual nas ciências sociais. Com o intuito de dimensionar o escopo da dicotomia “ciência” versus “humanismo”, descrevo, também, a avaliação do estado de arte das ciências sociais sustentada por Fábio Wanderley Reis após décadas de institucionalização do seu ensino e pesquisa no Brasil[2]. Este breve desvio se justifica por possibilitar um contraponto exemplar do programa de pesquisa proposto por G. M. Brandão ao diagnóstico feito por F. W. Reis e, assim, evidenciar algumas nuances de suas escolhas epistemológicas. 

Comecemos pelo diagnóstico. Apesar da demonstração do vigor das ciências sociais brasileiras nas últimas décadas, verificável na diversificação do seu campo de atuação profissional e na ampliação de seu capital cultural institucionalizado em universidades e associações nacionais de pesquisa, F. W. Reis é cético quanto ao desempenho obtido no domínio teórico e metodológico, pois se cristalizou um modo de intelecção da realidade social, calcado num vezo “historicizante” dos problemas, que tanto revela quanto agrava lacunas do treinamento para a pesquisa. A indistinção de explicação sociológica e explicação histórica em muitas pesquisas empíricas desenvolvidas por cientistas sociais não lhes franqueia a expertise dos historiadores profissionais, o que leva ao cultivo de uma espécie de história do presente que nada mais seria do que um “descritivismo pobre e às vezes contente com sua pobreza”[3]. De maneira complementar, F. W. Reis aponta um quadro heterogêneo no tocante à consolidação de um padrão “científico” nesta esfera do saber especializado:


Creio que a Sociologia e a Ciência Política encontram-se claramente mais próximas do padrão “científico”, caracterizado pelo apego ao rigor, à sistematicidade, à generalização e à busca de cumulatividade, ao passo que a Antropologia e a História estariam, em geral, mais próximas do padrão “humanista” e “idiográfico” de trabalho, com a ênfase no qualitativo e no descritivo, a valorização da dimensão temporal ou histórica dos fenômenos e de suas consequentes “peculiaridades”, o relativismo, a confiança depositada na intuição e na “compreensão”(REIS, 1997).
             

A hierarquização das disciplinas subsumida naquela avaliação não consiste, necessariamente, em reduzir suas querelas metodológicas ao uso apurado de um conjunto de técnicas de pesquisa tornado unívoco pelo trabalho intelectual dito hard, mas aduz a uma perspectiva do conhecimento – referendada no mainstream da ciência política norte-americana – que propiciaria não desvirtuar as ciências sociais de sua “vocação teórica e nomológica” que, bem compreendida, subscreve uma concepção de método que não as desabona por sua proximidade com os “fundamentos lógicos da aceitação ou rejeição de hipóteses e teorias” das ciências naturais[4].

Sem dúvida, F. W. Reis vocaliza uma postulação do programa de pesquisa legado pelo sociólogo norte-americano Robert Merton: uma ciência social não é incompatível com a cumulatividade do conhecimento. Pelo contrário, pressupõe-na como meio de realização e meta precípua. O aporte teórico, requerido para construir um problema sociológico, deixa de depender do retorno ritualizado aos textos clássicos ao ceder lugar a sistemas conceituais e argumentos causais cuja validade se comprove através do encadeamento lógico-formal do processamento dos dados com os resultados alcançados. Estes últimos configurariam um conhecimento “verdadeiro”, posto que verificável pela confrontação de hipóteses e teorias, capaz de realimentar futuras pesquisas a partir de um novo patamar de inquirição da realidade nelas circunscrita. Neste sentido, a releitura de uma obra canônica tange o risco de subordinar a pesquisa a argumentos de autoridade que, no melhor dos casos, revelariam erudição suficiente para uma exegese igualmente canônica.

Tal “risco” seria elevado em nossa ambiência cultural, devido à obsessão pela questão nacional, que estimularia, por exemplo, revisões permanentes dos “clássicos” do pensamento político-social brasileiro. Quais seriam os móveis dessa obsessão? A rigor, vigora a pretensão de uma elaboração discursiva “autêntica” sobre a realidade brasileira, difundida com maior ou menor refinamento em nossas ciências sociais frente as suas congêneres europeia e anglo-americana que, não obstante, tende a gerar efeitos regressivos na elaboração teórica stricto sensu. Noutros termos, o sacrifício de nossa imaginação sociológica – decorrente da focalização de temas/obras situados localmente como critério de relevância sem rival na produção de conhecimento – traduz certo acanhamento diante do problema sociológico como problema teórico tout court. Logo, a importância secundária atribuída à teoria apenas reafirmaria os papéis intelectuais prescritos na comunidade científica internacional, que chancelam a estreiteza de nossas iniciativas na fronteira do conhecimento:


Nessa ótica [da ciência social produzida localmente], boa ciência é aquela que, com alguma reverência aos modelos e abordagens “quentes” do momento, se dirige a problemas empíricos e práticos prementes, os quais vêm a ser os problemas socialmente relevantes na sociedade em que vivemos. Omite-se, assim, a ponderação crucial de que não saberemos sequer definir com propriedade nossos problemas empíricos e práticos se não tivermos condições de refletir com sofisticação adequada a respeito deles, vale dizer, se não formos teoricamente sofisticados (REIS, 1997; colchetes meus).

F. W. Reis defende que a superação desses óbices se apóia numa reversão de expectativas quanto à noção de “singularidade” da formação social brasileira. Assimilá-la criticamente nos obrigaria a não confundir o esforço endógeno em teoria social com uma ideia equívoca de precedência do “Brasil” no preenchimento de nossa curiosidade intelectual. Esta, a seu ver, somente se converterá num recurso manejável para a participação paritária na produção de conhecimento em escala mundial se o caso brasileiro for um caso entre outros para os cientistas sociais nativos. Para tanto, o repertório aquilatável em nossa socialização científica prescinde de uma postura “cosmopolita e aberta” [5] e, não menos, de uma reconfiguração de nossas áreas temáticas segundo proposições generalizantes que, por um lado, não limitem seus respectivos trabalhos a “descrever” o Brasil e, por outro, liberem seus autores do encargo de fornecer insumos (casos concretos) para a teoria social cujos empreendimentos mais ousados continuam restritos a poucos nichos acadêmicos fora do país.  


Obviamente, o diagnóstico de F. W. Reis tem a anuência de parte da comunidade científica brasileira afeita ao postulado de objetividade com o qual, diga-se, o politólogo mineiro projeta uma via de aprimoramento para pesquisa social sem recuar diante das clivagens metodológicas entre as ciências humanas e as demais áreas de conhecimento. Entretanto, F. W. Reis baliza seu diagnóstico numa crítica que, embora incisiva, não nos motiva para além de uma espera (resignada?) pela efetividade do seu desiderato: “fortalecer a qualidade do treinamento teórico-metodológico, em termos que valorizem o modelo analítico e sistemático do trabalho científico” [6]. Doravante, seus apontamentos críticos a respeito dos déficits qualitativos das ciências sociais brasileiras permitem, curiosamente, introduzir o programa de Gildo Marçal Brandão (a parte final desse texto, que reservo para outra publicação), mesmo que a analogia com a limpeza de terreno feita pelo filósofo alagoano nessa área temática não obscureça sua divergência com o modelo de ciência social preconizado por seu colega mineiro.



[1] Cf. Gildo Marçal Brandão, Linhagens do pensamento político brasileiro, São Paulo, Hucitec, 2010.
[2] O diálogo com Fábio Wanderley Reis e Gildo Marçal Brandão deve-se à filiação de ambos à Ciência Política, disciplina pela qual tecem um panorama das ciências sociais brasileiras segundo pontos de vista alternativos e, por vezes, antagônicos. Todavia, não menos relevante é o cotejo das perspectivas de Elisa Pereira Reis e de Gilberto Velho na entrevista que concederam com Fábio Wanderley Reis há duas décadas sobre a situação das ciências sociais no país e que se revela flagrantemente atual. Cf. Elisa Pereira Reis; Fábio Wanderley Reis; Gilberto Velho, As ciências sociais nos últimos 20 anos: três perspectivas, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 12, n.º 35, out. 1997.
[3] Op. cit.
[4] Ibid.
[5] Ibid.
[6] Ibid.

sábado, 4 de novembro de 2017

Aviõezinhos da República

Aviõezinhos da República*

George Gomes Coutinho **

Neste ano o sociólogo potiguar Jessé Souza (1960) lançou pela editora Leya o seu “A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato”. O livro retoma e atualiza o conjunto de interpretações ousadas e originais elaboradas por Souza nos últimos 20 anos de sua produção sociológica, onde o exercício da crítica avassaladora dos fundamentos de justificação de nossa sociedade é o motor que guia o exercício intelectual. Para além disso, como se já não fosse pouco, “A Elite do Atraso” prossegue no exercício de intervenção pública em consonância com obras anteriores do autor: tanto em “A Tolice da Inteligência”, de 2015, quanto no ano seguinte em “A Radiografia do Golpe”, ambos os livros  lançados também pela Leya, Souza traduz para o leitor situado além dos muros da academia questões que conferem sentido ao Brasil enquanto Estado-Nação. Conferem sentido e mantém o status quo de uma das sociedades mais desiguais do planeta.

Na busca pela comunicação honesta e eficiente com o leitor não especializado, nosso autor envereda num esforço lingüístico quase olímpico. Metáforas e figuras de linguagem em geral são utilizadas tendo por meta a diminuição da distância entre a sociologia contemporânea avançada e o público alvo do livro. Destacarei uma delas. A do político como “aviãozinho”.

Souza, no seu esforço em desnudar as relações de poder do Brasil contemporâneo, faz uma analogia absolutamente didática entre elites/classe política e grandes traficantes/aviõezinhos do tráfico. Ora, os “aviõezinhos”, os que levam as drogas para os usuários, não são nem de longe os maiores beneficiários do esquema. São apenas a face mais visível e operacional de uma relação econômica onde o “dono da boca” retira seus dividendos. Justamente por sua visibilidade, não por caso, os “aviõezinhos” são os primeiros a serem mortos, presos ou humilhados.

A relação entre a classe política e a fatia dos 1% mais ricos brasileiros é análoga. A classe política “integrada” e precificada viabiliza os mecanismos institucionais e legais que mantém ou aprimora para os reais privilegiados o atual estado de coisas. A atuação política espalhafatosa é absolutamente funcional: oculta a face silenciosa e invisível de quem realmente dá as cartas.

* Texto publicado em 04 de novembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

sexta-feira, 29 de julho de 2016

UM CIENTISTA POLÍTICO NA PERIFERIA DO CAPITALISMO: TEORIA E CIÊNCIA POLÍTICA EM GILDO MARÇAL BRANDÃO

Prezad@s,

Venho divulgar paper, elaborado em co-autoria com Carlos Henrique Aguiar Serra, que será apresentado no próximo encontro da ABCP (Associação Brasileira de Ciência Política).

Deixo abaixo o resumo do trabalho e o link para download no site da própria ABCP:

Título: UM CIENTISTA POLÍTICO NA PERIFERIA DO CAPITALISMO: TEORIA E CIÊNCIA POLÍTICA EM GILDO MARÇAL BRANDÃO

Resumo: Destacaremos neste trabalho uma proposta sobre “o pensar” e “o fazer” ciência política declaradamente outsider, a do cientista político alagoano Gildo Marçal Brandão (1949-2010). Embora nosso autor seja mais conhecido contemporaneamente por suas últimas produções sobre o pensamento político-social brasileiro, consideramos as “Linhagens do pensamento político brasileiro” o coroamento das opções intelectuais e políticas adotadas por Brandão desde sua juventude. Utilizando o fio condutor possível de ser encontrado na produção deste intelectual desde o final da década de 1970, propomos um trabalho de restauração teórica apta, dentre outros objetivos, a fornecer novos elementos interpretativos tanto sobre o profícuo e interrompido programa de pesquisa das “Linhagens” quanto sobre o conjunto da obra do próprio autor. 

Palavras-chave: teoria política; ciência política; pensamento político-social brasileiro; história das ideias; Gildo Marçal Brandão 

Link para download: http://www.encontroabcp2016.cienciapolitica.org.br/resources/anais/5/1469053574_ARQUIVO_paperGildoabcp2016.pdf


quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Paulo Freire e o Google Scholar – Um diálogo com Paul Spicker - Parte III

Como última parte do diálogo com Paul Spicker sobre Paulo Freire e sua popularidade no Google Scholar, apresento neste post a tradução livre para o português que elaborei dos comentários originalmente publicados aqui em língua inglesa. Como se trata de uma primeira versão, podem ocorrer correções que eu mesmo identificarei ou que serão sugeridas pelos(as) leitores(as). Boa leitura!

As pessoas que estudam Políticas Sociais podem esperar encontrar uma grande quantidade de trabalhos em Ciências Sociais. Todavia, em virtude dos pesquisadores virem para o campo de diferentes disciplinas, o escopo inclui uma seleção bastante eclética de material proveniente da sociologia, economia, ciência política e outros campos de conhecimento. Meu website pessoal (www.spicker.uk) oferta uma introdução às Políticas Sociais e, como parte do meu trabalho, sugiro por lá leituras e aponto para as fontes bibliográficas. Em virtude disto, eu estava interessado em descobrir quais trabalhos eram os mais freqüentemente citados em Políticas Sociais e, então, apliquei um teste simples: qual o quantitativo de citações seriam encontradas no Google Scholar?
Este é um indicador  um tanto tosco e há algumas precauções óbvias ao se fazer uso do mesmo. A primeira é que os trabalhos “internacionais” serão citados em maior profusão do que textos importantes de alcance nacional – o relatório Beveridge, o qual legitimamente pode ser visto como a inspiração para diversos Estados de Bem Estar Social, não é tão freqüentemente citado ao ponto de ser incluído na lista. Em segundo lugar, a contagem é tendenciosa em favor dos países dotados das maiores indústrias acadêmicas – o material publicado nos EUA obtém maior atenção do que os textos publicizados na Europa. Por fim, textos que atraem as pessoas em disciplinas mais largamente difundidas tendem a ser sempre mais citados do que a produção de campos mais especializados: há mais pessoas estudando sociologia do que administração pública por exemplo.
No topo da lista, com mais de 51.000 citações acadêmicas, encontra-se o livro de Paulo Freire, A pedagogia do oprimido. O livro de Freire é internacional em termos de alcance, sendo lido principalmente por traduções. É largamente citado na educação e no trabalho comunitário. Isto posto, sua proeminência e popularidade continuam impressionantes – seu alcance e influência deixam os outros trabalhos  comendo poeira.  Já ouvi referências ao trabalho vindas de trabalhadores comunitários, educadores e funcionários de autarquias locais na Escócia e na Inglaterra. Em suma, o livro é parte da paisagem intelectual – um trabalho clássico onde se espera que as pessoas tenham que se ver com ele em um dado momento.
A obra Pedagogia do Oprimido combina teoria e prática, e esta combinação é central para os estudos em Políticas Sociais. Ele é aberto ao desafio em ambos aspectos (teoria e prática)[1]. Enquanto teoria, a argumentação de Freire sobre opressão e liberdade por vezes o leva a subestimar a evidente, porém implícita, ênfase na solidariedade e na ação coletiva. Realmente não é suficiente dizer para as pessoas que elas se libertarão simplesmente se elas rejeitarem a opressão:  “A Pedagogia do oprimido... faz da opressão e suas causas objeto de reflexão do oprimido e, a partir desta reflexão, torna necessário seu engajamento na luta por sua libertação[2].

Enquanto prática, Freire parece por vezes mais preocupado com o ambiente político do que com a obtenção de resultados. A minha própria formação é em direitos de Bem Estar e, por vezes, eu fico desesperado com meus colegas que estão mais preocupados com o alargamento das experiências de aprendizagem dos pobres do que em fazer algo com a sua pobreza propriamente dita. Nos Estados Unidos, o trabalho comunitário – tal como implementado pelos ex-agentes comunitários Barack Obama ou Hillary Clinton – é mais afeito a se utilizar da obra maliciosamente pragmática de Saul Alinsky do que das posições abertas por Freire.

Eu prefiro pensar que o mundo se transformou desde Freire. Pelo mundo as técnicas que costumavam ter um uso extra-cotidiano tornaram-se parte da rotina da governança democrática. Organizações internacionais são profundamente engajadas em empoderar  a deliberação coletiva e a capacidade de desenvolvimento das comunidades. Porém, precisamente por conta destas abordagens serem agora tão difundidas,  o trabalho que as apresentou é mais citado do que nunca.






[1] Inserção minha. Os parênteses não constam na versão original dos comentários de Spicker.
[2] Spicker não explicitou em seu comentário de onde foi retirada esta citação. Talvez em uma segunda versão desta tradução eu consiga do próprio autor a referência... Por ora esta lacuna não impede a compreensão geral do comentário elaborado por ele.