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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

De máscara no queixo*

 

Janeiro de 2021 se encerra e nada indica que teremos um retorno à normalidade. Novas cepas do vírus já foram identificadas e uma delas, aparentemente oriunda de Manaus, parece querer nos mostrar os efeitos imediatos de ignorar o vírus e adotar um comportamento de normalidade. Não bastaram as mortes e as histórias trágicas derivadas do colapso do sistema de saúde manauara, ainda tivemos como efeito do descaso uma nova variante do coronavírus. Em função disso, diversos países fecharam suas fronteiras para viajantes brasileiros - e o governo brasileiro parece não se preocupar muito com isso.

As vacinas continuam a representar a única esperança de um lento retorno à normalidade, mas, dada a confusão promovida pelo Ministério da Saúde e por nossa diplomacia conflituosa, mesmo elas navegam em um oceano de incertezas. O que deveria ser uma vacinação em massa, anunciada pelo ministro da saúde como “a maior campanha de vacinação do mundo”, parece se arrastar na lentidão de um conta gotas. Todavia, a vacina existe e isso parece ser o suficiente para manter a esperança e negligenciar que o problema continua o mesmo – ou pior.

            Enquanto não voltamos ao normal, fingimos que tudo está normal – só que de máscara no queixo. A necessidade de preservar o funcionamento econômico associada ao desejo de negar a pandemia parece ter gerado efeitos deletérios. Em Campos, o vice-prefeito declarou que o sistema de saúde quase entrou em colapso. A informação não foi divulgada no calor do momento, mas serviu para fundamentar o fechamento do comércio da cidade por uma semana. Na sexta-feira daquela semana, um médico da Santa Casa de Misericórdia gravou um vídeo, que circulou por diferentes mídias sociais, em que ressaltava a sobrecarga de trabalho de sua equipe e a saturação do sistema e dos profissionais da saúde em Campos. Nada disso freou o ímpeto da Câmara dos Dirigentes Lojistas - que ignorou a OMS, o médico da Santa Casa, o sistema de transporte em vans da cidade, a arquitetura destituída de ventilação de inúmeras lojas e muitas outras coisas mais – para pressionar pela reabertura do comércio. Aquilo que deveria ser um intervalo de 7 dias, passou a ser um intervalo de 6 dias e explicitou a dificuldade na adoção de medidas de contenção da epidemia. É preciso frisar que, nesse ínterim, Campos passou a contar com mais 10 leitos de UTI, cedidos pela prefeitura de Duque de Caxias, e isso reduziu a porcentagem de ocupação dos leitos. Todavia, fica a pergunta: até quando isso será suficiente?

            Na escalada da crise pandêmica, notamos um discurso de negação dos fatos que chega a ser chocante. O efeito das notícias falsas propagadas por aplicativos de mensagem é sentido na contabilidade diária das vítimas de covid-19 e no desprezo pelas orientações de caráter científico. O presidente do Brasil já desprezou inúmeras vezes a capacidade destrutiva do vírus e até mesmo a eficácia da vacina. E diante disso é preciso simplificar a questão: quem é o presidente nessa fila do pão? Eu mesmo posso responder: um ex-militar mal sucedido na carreira, expulso por indisciplina e outras coisas mais; fez um curso de manutenção de máquinas de lavar roupas, mas ninguém nunca teve uma máquina consertada por ele – e mesmo assim ainda chegou a dizer que se trabalhasse com isso ganharia mais de dez mil reais mensais -; atuou por quase 30 anos como deputado, mas só aprovou dois projetos de leis. Resumidamente: nosso presidente é o tipo de pessoa que nunca bateu um prego em uma barra de sabão e que pode até ter ouvido o galo cantar, mas não sabe onde! É justamente esse sujeito, desprovido de conhecimento, de experiência e de qualquer tipo de formação técnica/científica que desqualifica o conhecimento científico e incentiva que as pessoas não adotem o distanciamento social.  E há quem ainda o chame de mito, mesmo depois de tudo que já se sabe, de tudo que ele já disse enquanto presidente, tudo que fez e tudo o que não fez.

            Vale lembrar que, em caso de contágio e internação, as pessoas não serão tratadas pelo “mito”. Ele não virá de Brasília ou da Barra da Tijuca para tratar alguém – ele não apenas não sabe fazer isso como também não se importa com tal tarefa. Caso o cidadão campista se contamine no comércio, ele não será atendido por ninguém da Câmara dos Dirigentes Lojistas, nem pelo Prefeito, muito menos pelo “mito”. Há grande chance de que ele seja atendido e tratado pelo médico cansado, de jaleco verde, que há uma semana gravava um vídeo pedindo para que a população permanecesse em casa, praticando o isolamento social. Não apenas aquele médico, mas muitos outros, assim como as diversas equipes de enfermagem. E a pior parte é que, enquanto essas pessoas exercem seu ofício no tratamento da saúde da população, elas podem se contaminar, adoecer e morrer; ou levar a doença para seus familiares ou amigos.

Todavia, pedir qualquer grau de solidariedade que demande algum nível de sacrifício, no Brasil, é coisa de esquerdista, não é mesmo? Aqui, o nacionalismo é para inglês ver, pois basta a primeira demanda para que ele se desmanche no ar. Temos mais de 220 mil pessoas mortas e continuamos a negar os efeitos da pandemia. Não procuramos soluções novas para enfrentar o problema, agimos como se ele não existisse, aceitamos as notícias que distorcem a realidade para justificar a manutenção de nossas rotinas e ambições. Seguimos. Seguimos sabe-se lá para onde, desdenhando a Ciência, ignorando o médico da Santa Casa, adiando o colapso da saúde com o empréstimo de 10 leitos e fazendo de conta que está tudo normal.

            Não se trata de ignorar as necessidades das pessoas ou de fazer alarde sobre um problema que não é tão grande assim. O que estou defendendo é que não sejamos cínicos e que não aceitemos discursos hipócritas. Nós enfrentamos a pior crise humanitária em mais de um século e, ao invés de pensarmos em alternativas, em soluções ou inovações, estamos aceitando a farsa do retorno à normalidade, ignorando que isso não resolverá o problema e que poderá, mais cedo ou mais tarde, atingir, direta ou indiretamente, cada um de nós.

 

           

 

Carlos Valpassos

Antropólogo – Universidade Federal Fluminense

 

* Publicado originalmente no Jornal Folha da Manhã, de Campos dos Goytacazes, em 30 de Janeiro de 2021.

 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

2021: EUA, Brasil e Campos*

 

Processos sociais e fenômenos biológicos, como o coronavírus, podem até ser influenciados pelos calendários definidos pelos humanos, mas certamente a virada de um ano para outro não representa o arquivamento do que estava em andamento. Assim que o novo ano se apresentou, os desdobramentos de 2020 não tardaram a se manifestar. Nos Estados Unidos, em menos de uma semana em 2021, tivemos o evento que ficou conhecido como “Invasão do Capitólio” - quando apoiadores de Donald Trump entraram no Congresso estadunidense para contestar a derrota de seu líder nas eleições presidenciais. Cabe recordar que um discurso de Trump incitou o ato e que, além das cenas de balbúrdia em pleno templo da democracia, 5 pessoas morreram. Os desdobramentos disso ainda estão em curso, com a possibilidade de impeachment de Trump e de novos tumultos antes da posse do presidente eleito Joe Biden, marcada para o próximo dia 20. Todavia, já é certo afirmar que os eventos de 06 de janeiro entraram para História como uma mácula para o sistema democrático dos Estados Unidos e que os discursos e as posturas de Trump ali manifestaram um pouco de seu potencial destrutivo – poderia ter sido ainda mais grave.

            Enquanto a loucura vivenciada nos Estados Unidos era observada com pavor por quase todo o mundo, no Brasil tudo caminhava como em 2020, de tal modo que os eventos do Capitólio, se fossem aqui, poderiam ser confundidos com mais uma das aglomerações causadas por nosso presidente Bolsonaro – que, não por acaso, já foi chamado de “Trump dos trópicos”. Sem manifestar repúdio aos acontecimentos, o presidente limitou-se a declarar que, em 2022, algo ainda pior pode acontecer no Brasil caso não seja implementado um sistema de votos impressos. Obviamente que, tal como em 2020, o presidente continuou flutuando a 5 metros do solo da realidade e desconsiderou que as suspeitas de fraude nos EUA ocorreram justamente em um sistema eleitoral que faz uso de votos impressos.

            O recrudescimento do contágio pelo coronavírus, previsto e anunciado por inúmeros profissionais de epidemiologia como efeito das festas de final de ano, se confirmou. A cidade de Manaus, um dos locais mais intensamente atingidos durante a primeira onda, que chegou a ser considerada como um exemplo da suposta imunidade de rebanho, voltou a sofrer drasticamente com os efeitos da combinação entre pandemia e incompetência governamental. E nos últimos dias não faltaram relatos sobre hospitais superlotados, falta de leitos de UTI e, por fim, falta de cilindros de oxigênio. Enquanto isso, o presidente continua a insistir na cloroquina e a questionar as vacinas, afastando-se de qualquer responsabilidade.

            Em Campos, 2021 trouxe Wladimir Garotinho como prefeito. Depois de afirmar em campanha que os problemas da cidade eram decorrentes da falta de gestão de Rafael Diniz, pois havia dinheiro, Wladimir não demorou para declarar estado de calamidade pública, confirmando o que Rafael Diniz passou quatro anos repetindo. Em um ato prático e repleto de simbolismo, a gestão de Wladimir começou por realizar mutirões de limpeza, retirando toneladas de entulho da cidade. E se podemos dizer que Rafael Diniz passou parte substantiva de seu mandato tentando, sem êxito, resolver o problema do transporte público, podemos afirmar que ao menos as lotadas ilegais estavam controladas. Com Wladimir, em menos de 15 dias de governo, o problema do transporte público ainda não apresenta respostas e as lotadas voltaram como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, o Prefeito repete a fórmula de Rafael Diniz: culpa a antiga gestão por todos os problemas. A diferença é que, agora, a tomada de empréstimos está no horizonte. E mesmo que a sabedoria popular ensine que “ninguém tem uma segunda chance de causar uma primeira boa impressão”, ainda estamos em meados de janeiro e pode ser cedo para afirmar que “de onde menos se espera, daí é que não sai nada”.

 

 

Carlos Valpassos

Antropólogo – Universidade Federal Fluminense. 

 

* Texto originalmente Publicado no Jornal Folha da Manhã em 16 de Janeiro de 2021. Também publicado no Blog Opiniões do Jornal Folha da Manhã: https://opinioes.folha1.com.br/2021/01/17/abraao-eua-de-trump-brasil-de-bolsonaro-e-campos-de-wladimir/