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domingo, 29 de setembro de 2019

Daqui até 2020 em Campos


Daqui até 2020 em Campos

George Gomes Coutinho

O cenário eleitoral em Campos para 2020, a maior cidade da mesorregião do Norte Fluminense, é neste setembro de 2019, algo ainda bastante indefinido em minha perspectiva.

Seja por particularidades da política local ou por tendências do sistema político que transcendem questões locais, eu diria que a cidade se depara com um cenário prenhe de contingências que podem trazer indefinições diversas até o último minuto. Portanto, estamos falando de um pleito eivado de incertezas e complexidades.

Creio que o primeiro ponto é a interconexão entre sistema político e sistema judiciário, onde o último ainda mantém uma relação de projeção sobre a sociedade brasileira que não parece arrefecer no curtíssimo prazo. Sendo a política muitas vezes uma prática em tudo distanciada da moralidade idealizada, não é improvável que atores políticos possam ser afastados judicialmente do processo de concorrência eleitoral, seja por motivos corretos ou não. O quanto isso afetará a disputa dependerá do timing das ações.

Ainda temos a questão royalties que se encontra na berlinda. Sendo recurso vital para a sobrevivência orçamentária da prefeitura, a possibilidade de sua pulverização, mesmo que hipotética neste momento, é também um ingrediente que pode atrair ou afastar atores políticos em um cenário de terra arrasada indesejável.

Finalizando, embora aparentemente seja disputa com alta complexidade, antevejo a possibilidade de ser um pleito com menos energia e entusiasmo que o anterior. As últimas eleições municipais em Campos foram demarcadas por um alto grau de expectativas onde parte do eleitorado não as viu tornarem-se concretas. Por esta chave de análise, talvez a sociedade campista vá para as urnas vivenciando um misto de melancolia, pragmatismo e resignação.

sábado, 29 de setembro de 2018

esclarecimento sobre o dia 13/09, a UFF-Campos e a ação truculenta do TRE-RJ

Prezad@s,


Em virtude do Manifesto do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional, a UFF-Campos, creio que é útil contextualizar o clima de terror político que vivenciamos na atual conjuntura em Campos dos Goytacazes, RJ. O dia 13 de setembro do ano corrente foi especialmente marcante para nossa comunidade. Irei narrar os relatos que recebi "no calor da hora". Explico: embora eu cuide de uma disciplina na graduação nas quintas-feiras deste semestre, eu cheguei pouco após os fatos. Contudo, tentarei ser o mais preciso possível a partir do que me chegou por colegas e estudantes.

No último dia 13 quatro fiscais do TRE-RJ foram no campus da UFF-Campos procurando pelo diretor do Instituto, prof. Roberto Rosendo. Este ministrava uma disciplina no mestrado de Geografia por volta das 16 horas. O prof. Rosendo foi interrompido em pleno exercício docente pelos agentes do TRE que reivindicaram a abertura do Diretório Acadêmico dos estudantes. O motivo seria uma denúncia anônima que alegava ser a UFF-Campos espaço de "propaganda eleitoral irregular". 

O prof. Rosendo perguntou, corretamente, sobre um mandado. Os agentes do TRE-RJ responderam que não detinham o documento. Diante da ausência de um mandado de busca e apreensão, o prof. Rosendo se recusou a abrir o Diretório dos estudantes.

Não contentes os agentes do TRE-RJ saíram para logo após retornar com o próprio juiz eleitoral. Este ameaçou dar voz de prisão ao prof. Roberto Rosendo caso este não abrisse o Diretório. Mais uma vez interrompido em suas atividades e visivelmente coagido, mesmo sem a apresentação do mandado, o professor conseguiu uma chave para abrir o Diretório dos estudantes.

Nesse ínterim o arbítrio, a truculência e o autoritarismo saíram do controle. Outro de nossos colegas interpelou o juiz, até por ser advogado em exercício, perguntando ao meritíssimo sobre os motivos que o levaram a executar tal operação. A resposta foi mais uma ameaça de prisão dado que o professor, um dos mais antigos da UFF-Campos, estaria "obstruindo o trabalho da justiça". 

Entre os estudantes, estes com adesivos de candidatos e partidos de sua preferência em suas camisas, são ameaçados pelos agentes do TRE-RJ, tem os adesivos arrancados, etc..

Os oficiais, o diretor do Instituto, o juiz, todos chegam ao Diretório. Embora de posse das chaves a porta do Diretório é arrombada de forma desnecessária. Os pertences de estudantes e armários são revirados. Mas, ali havia o poderoso material ilegal: 470 panfletos e 4 adesivos. Sim, todo este aparato e violência para apreender o material descrito que estava guardado inerte dentro de um armário dos estudantes no Diretório Acadêmico.

Após o dia 13 de setembro ouço relatos, por colegas docentes e estudantes, da presença de oficiais à paisana circulando pelo campus. No dia 19/09, em Assembléia realizada entre docentes, estudantes e representantes da ADUFF (Associação de Docentes da Universidade Federal Fluminense), mais uma vez houve a presença do TRE-RJ provocada por denúncia de "reunião político-partidária", embora na prática a pauta da referida Assembléia fosse discutir a ação do próprio TRE-RJ ocorrida na semana anterior. 

Nesta semana, no dia 26/09, o diretor do Instituto recebe intimação para comparecer em reunião com representantes do TRE-RJ. Neste caso o objetivo foi abarcar além da UFF-Campos. Todos os dirigentes de Instituições de Ensino Superior públicas e privadas de Campos dos Goytacazes foram "intimados" a comparecer em reunião presidida pelo juiz Ralph Manhães, o mesmo cuja presença substituiu o mandado de busca e apreensão no dia 13/09. Da reunião o produto publicizado foi uma ata onde o juiz proíbe, o termo utilizado foi exatamente este, servidores de realizarem atividades de cunho político-partidário em "horário de expediente".

Creio que todos que conhecem o regime de trabalho de Dedicação Exclusiva compreendem os embaraços desta determinação. Embora o regime de Dedicação Exclusiva inviabilize acertadamente outros vínculos empregatícios, o que deriva em ônus e bônus, quem irá fiscalizar e/ou determinar se a prática política inerente ao exercício da cidadania está sendo realizada em "horário de expediente", não desconsiderando as obviedades do trabalho em sala de aula ou de atendimento ao público?

Há muito mais a ser dito. Inclusive sobre a instrumentalização da justiça por grupos, estes incapazes de exercer o debate democrático, com o fito de enfrentarem adversários políticos. Todavia, neste momento, cabe a descrição dos fatos.

Fraternalmente neste sábado onde parte do país se posicionou de forma veemente contra o autoritarismo nas ruas me despeço disponível para todo e qualquer esclarecimento que se faça necessário,

George Gomes Coutinho
Prof. Adjunto de Ciência Política na UFF Campos
Dr. em Ciência Política pelo PPGCP/UFF

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Manifesto do Colegiado de Unidade do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da UFF em Campos dos Goytacazes a favor da autonomia universitária.

Prezad@s,

Há fatos graves transcorrendo na Universidade Federal Fluminense, Pólo Universitário de Campos dos Goytacazes, que causam perplexidade mesmo que estejamos em um Estado Democrático de Direito absolutamente frágil após o golpe parlamentar de 2016.

Em virtude disso reproduzo abaixo o "Manifesto do Colegiado de Unidade do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da UFF em Campos dos Goytacazes a favor da autonomia universitária.". Há uma descrição dos fatos e um posicionamento político que, em última instância, não diz respeito somente ao público universitário. O Manifesto explicita o Brasil que desejamos: democrático, diverso e sem arroubos autoritários.

Fiquemos com o Manifesto:




Manifesto do Colegiado de Unidade do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da UFF em Campos dos Goytacazes a favor da autonomia universitária.


O Colegiado de Unidade do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes decidiu manifestar seu posicionamento sobre os acontecimentos ocorridos após o último dia 13/09/2018, por ocasião da apuração, por parte do Tribunal Regional Eleitoral, de denúncia sobre supostas irregularidades no cumprimento da Lei Eleitoral n.9504/97. Compreendemos que a forma autoritária através da qual se desempenhou sua atuação exibe, infelizmente, um padrão de tratamento conferido às instituições de ensino, pesquisa e extensão, no atual momento, que parecem estranhas à democracia, à legalidade, às garantias de liberdades previstas oficialmente, bem como a autonomia universitária como um todo.

A história da Universidade Federal Fluminense na cidade de Campos dos Goytacazes já dura 56 anos, figurando, em sua gênese, a reconhecida Escola de Serviço Social. A partir do ano de 2009, com o Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades Federais, o Reuni, foram abertos novos cursos e departamentos, possibilitando que hoje a UFF, em Campos, atenda mais de 3.000 discentes de todo o Brasil. Atualmente, totalizamos sete departamentos de ensino, seis cursos de graduação (três deles com a modalidade bacharelado e licenciatura) duas pós-graduações acadêmicas stritu senso, um conjunto de pós-graduações lato sensu, programas como a Universidade da Terceira Idade (UNIT) e o SPA (Serviço de Psicologia Aplicada) que atendem à sociedade campista. Todos os cursos são gratuitos e de qualidade reconhecida, tanto pelo alto nível técnico dos professores, (90% do quadro atual formado por doutores de reconhecido mérito acadêmico), funcionários técnico-administrativos bem formados e qualificados, e estudantes que têm obtido sucesso profissional mesmo na etapa de formação na graduação, como no ingresso no mercado de trabalho dentro e fora da cidade, além daqueles que optam pelo ingresso na pós-graduação nos melhores Programas do país, alguns deles, inclusive, fora do Rio de Janeiro. Dessa forma, os mais de 130 docentes e 60 técnico-administrativos são comprometidos seriamente com o pleno desenvolvimento de seus trabalhos, bem como com o retorno da produção de conhecimento de alto nível para a sociedade campista e do norte-fluminense como um todo, região de atuação precípua desta comunidade universitária.

A universidade pública, embora tenha sido criada tardiamente em nosso país – o que certamente explica parte de nossas contradições e de nossas características enquanto sociedade – se consolidou, ao longo de sua história, como um lugar especial de formação de quadros técnicos, como um espaço para o exercício de atividades científicas refinadas e necessárias para nossa própria compreensão e de transformações sociais e como um espaço plural no qual a diversidade de pontos de vistas, perspectivas e expressões do pensamento encontraram aderência. Na história recente, como sabemos, durantes os anos que estivemos regidos pela Ditadura Militar, cujos direitos civis e as liberdades individuais estiveram sob ameaça, esta multi-vocação, que caracteriza a vida universitária, ficou intimidada, mas, o empenho, a resistência e a luta de profissionais e estudantes ao longo de décadas, foram significativos para sua continuidade, sua expansão e sua excelência. A espinha dorsal deste processo foi e sempre será a autonomia, conceito este que, sublinhamos, não significa aversão às normas oficiais ou descumprimentos, mas, indica, semanticamente, uma gramática que preza pela possibilidade de realização plena do trabalho acadêmico e extensivo, bem como ao exercício de nossas liberdades de pensamento que estimulam nossa produção de conhecimento e o debate aberto e plural de ideias.

Este Colegiado, no mínimo, estranha a forma de atuação Tribunal Regional Eleitoral, tal como relatado, observado, por membros da comunidade universitária, o ocorrido no último dia 13/09, e seus desdobramentos, uma vez que a UFF, na sua presença em 56 anos na cidade de Campos, nunca esteve “fechada” para a sociedade, nem para os órgãos oficiais de gestão e fiscalização. Ao contrário, sempre que recebeu notificações, pedidos de esclarecimentos, ou mesmo denúncias através dos canais legais sob os assuntos mais diversos, seus gestores e seus setores administrativos nunca deixaram de colaborar e auxiliar na condução razoável dos processos, independente de posicionamentos políticos ou controvérsias procedimentais.

Infelizmente, a referida e desastrosa atuação pareceu longe de uma etiqueta justa e condizente com a função e importância de órgãos ligados à fiscalização por parte do Poder Público – estes, sem dúvida, considerados instituições fundamentais para o exercício pleno da democracia e da garantia de direitos. Tal ação, até onde nos chegam as notícias, parece estar encontrando reverberações em outras Instituições de Ensino Superior de Campos e região, o que nos faz pensar que não se trata, apenas, de uma controvérsia local e sim de um processo maior e mais amplo, que está colocando em xeque a autonomia universitária no país como um todo.

Por fim, conclamamos não apenas a comunidade acadêmica da UFF-Campos, mas a UFF como um todo, juntamente com todas as Instituições de Ensino Superior, como também, é claro, a sociedade campista e do norte-fluminense, para unirmos forças e resistirmos juntos neste momento tão sensível pelo qual passa a Universidade Pública. Depende de nós mantermos este espaço de excelência, autonomia, pluralidade e legalidade.

sábado, 27 de janeiro de 2018

Weltanschauung e o judiciário

Weltanschauung e o judiciário*

George Gomes Coutinho **

 Os movimentos de reflexão após a condenação unânime de Luis Inácio Lula da Silva pela 8º Turma do TRF-4, o famoso “3 X 0 de Porto Alegre”, iniciaram logo após o término do julgamento em 2ª instância. O volume de informações e análises é assombroso. Desde o Mensalão, a gênese desta conjuntura em que vivemos, há contribuições disponíveis que atendem o gosto do freguês que tem o direito de buscar o que lhe apetece. Pode tanto se contentar com notinhas e memes quanto também se encontram disponíveis artigos de fôlego, teses, livros, seminários, etc.. Estamos diante de fauna diversificada.

A um olhar que se pretenda “objetivo” neste momento cabem algumas tarefas: 1) o exercício de tentar mirar para além dos interesses imediatos, paixões, preferências e maniqueísmos; 2) a tentativa de “organizar” mentalmente toda essa poeira que resiste em repousar.

Voltando para a última quarta-feira, irei me concentrar em somente um dos muitos ângulos possíveis de análise: o discurso de defesa/ataque de parte do judiciário federal brasileiro. Não desconsiderando a importância de se discutir as inconsistências diversas e “inovações” jurídicas adotadas do Mensalão para cá, há uma visão de mundo compartilhada entre parte dos membros do judiciário brasileiro. Irei me utilizar da proposição de Sigmund Freud (1856-1939) ao explicar a Weltanschauung ou simplesmente “visão de mundo”, opção do tradutor Paulo César de Souza na versão publicada pela Companhia das Letras em 2010 das “Obras Completas”.

Citando Freud: “Entendo que uma visão de mundo é uma construção intelectual que, a partir de uma hipótese geral, soluciona de forma unitária todos os problemas de nossa existência, na qual, portanto, nenhuma questão fica aberta, e tudo que nos concerne tem seu lugar definido.”.

Há o sutil, o “não dito” além das tecnalidades no discurso de desembargadores. Parte do discurso referendando a condenação apresentou um judiciário que crê que faz “direito positivo” (desprezando materialidade) e opera em nome do “Estado de Direito” (de forma seletiva). Em nome desta visão de mundo, que expressa mais uma fé do que fatos incontestáveis, se apresentam cruzados pós-modernos contra os infiéis. Coeteris paribus, o futuro é sombrio.

* Texto publicado em 27 de janeiro no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

sábado, 20 de janeiro de 2018

Lula e o TRF-4

Lula e o TRF-4 *

George Gomes Coutinho **

A proximidade do dia 24 de janeiro tem provocado comichão no cenário político. Trata-se do julgamento de Luis Inácio Lula da Silva, o primeiro em segunda instância. Também a primeira sentença condenatória do juiz Sérgio Moro, onde Lula é réu, será confirmada ou não.

Evidente que não será uma ocasião ordinária. Seguindo a inspiração analítica aberta pelo antropólogo Victor Turner (1920-1983), pode ser o ápice do drama social iniciado pela ação penal 470 (O Mensalão), o alpha da conexão entre política e judiciário espetacularizado. Caso o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirme Moro, sob a ótica do sistema político teremos uma intervenção de grandes proporções do judiciário no rito democrático. Há a possibilidade real de uma decisão judicial contribuir para retirar do páreo o candidato para presidente com percentual relevante de intenções de voto nas vindouras eleições de outubro. Isto implica dizer que está posta dentre as alternativas, tal como já tem sido uma praxe, a retirada da autonomia do sistema político para que ele mesmo faça seus arranjos, punições, premiações etc.. Porém, na minha perspectiva isto não significa somente desprestígio da política.

Em verdade, a narrativa onde um judiciário salvacionista se apresenta é um dos maiores sintomas de uma sociedade ainda imatura diante das possibilidades de processar e corrigir seus próprios conflitos. E isto em um momento onde já não se discute estritamente o fenômeno da judicialização da política. O conceito co-irmão complementar, que seria a politização do judiciário, opera em nossa realidade onde juízes figuram como o “pai” tradicional, severo e punitivo. Porém, ainda precisa provar que não é seletivo, tendo seus preferidos e seus odiados. Afinal, nesse contexto, a premissa da imparcialidade não deveria ser esquecida jamais.

Mirando para o TRF-4, há dúvidas justamente sobre a imparcialidade no contexto de politização do judiciário. Até mesmo a rapidez como o processo caminhou desperta desconfiança e sugere seletividade, o que fere de morte a legitimidade do judiciário, no caso em tela. Em um cenário inegavelmente dramático, um julgamento como esse não deve apenas ser imparcial. Deveria também parecer imparcial. Contudo, não é isto que está posto até o presente momento.  

* Texto publicado em 20 de janeiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 1 de outubro de 2017

Populismo judicial

Populismo judicial *

George Gomes Coutinho **

Desde 2016 ouvimos do Governo Temer e dos setores mais integrados da grande mídia que as instituições estão “funcionando”. Além disso estariam “fortes”. É quase um mantra. De fato, no que tange funcionários trabalhando e rotinas burocráticas, as instituições estão operando no cotidiano. O que devemos nos perguntar é se estão funcionando bem. E para quem?

Dizer pura e simplesmente que as instituições estão “funcionando”, nos moldes do que descrevi no parágrafo anterior, tem algo de cinismo ou auto-engano. Olhemos para o nosso judiciário. Ao vermos a conexão estabelecida entre ministros, juízes, procuradores e a grande mídia, algo que se avoluma pelo menos desde a Ação Penal 470, o famoso “Mensalão” de 2005, centenas ou talvez milhares de arbitrariedades foram praticadas para todos os gostos. Este modus operandi, que prossegue até o presente, envolve vazamentos seletivos de informações para a grande mídia, atropelamentos do processo legal, contorcionismos constitucionais, negação de princípios e garantias fundamentais e o uso espetacularizado do aparato de segurança pública. Por vezes até mesmo em nossa Suprema Corte, o STF, os posicionamentos individuais e coletivos “jogam com a galera”. Ou seja, a opinião pública, nem sempre qualificada, em determinadas ocasiões guia aqueles que deveriam se pautar pelo rigor em suas decisões. Ao mesmo tempo há a perniciosa legitimação fornecida pelas multidões a cada um dos arbítrios.

A tudo isso o ministro Gilmar Mendes chamou há alguns anos atrás de “populismo judicial” e recentemente atualizou na variante “populismo constitucional”. Justo ele que se utiliza de uma atuação fortemente midiática sempre que julga conveniente.

Compreendo o quadro de hipertrofia conjuntural do judiciário em duas vertentes. A primeira delas envolve o ineditismo da atuação arbitrária e ilegal subindo os degraus da hierarquia social. Afinal, as classes populares há muito conhecem a “mão pesada do Estado” e o arbítrio, algo que só agora parte das elites vivenciam. O outro ponto é o estado terminal em que se encontra a nossa democracia representativa. No esvaziamento de legitimidade da classe política o judiciário entra no jogo fazendo o que jamais deveria fazer: política.

* Texto publicado em 30 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ. 


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 16 de julho de 2017

Duas ou três coisas que eu sei sobre a conjuntura

Duas ou três coisas que eu sei sobre a conjuntura *

George Gomes Coutinho **

A semana foi especialmente movimentada para todo analista, profissional ou não, do cenário político brasileiro. Por isso irei no máximo tatear a conjuntura apontando duas ou três coisas.

Em termos de maior impacto para a população trabalhadora brasileira tivemos a aprovação no Senado Federal das modificações em nossa legislação trabalhista. Creio que este elemento seja dos mais elucidativos para entendermos o momento brasileiro. Há um projeto bastante claro a despeito das questões político-partidárias formais, pirotecnias e reações histriônicas da grande imprensa. Na verdade tem se reiterado uma opção, já inscrita em outros momentos históricos, onde os agrupamentos dotados de menor poder de barganha na negociação política são penalizados. Foi assim, a título de exemplo, ao não optarmos em enfrentar a questão agrária nas décadas de 1950 e 1960. Houve crescimento econômico no modelo da grande propriedade? Houve. Esse crescimento teve impacto positivo na redistribuição de renda nacional? Não. Tal como Delfim Netto preconizava no regime civil-militar: é preciso “fazer o bolo crescer”, justificativa entoada como mantra até hoje. Só esqueceram de dividir o tal bolo.

No nosso caso trabalhista o espelho é a reforma espanhola de 2012. Cinco anos após as modificações das leis trabalhistas por lá há o desencanto, diminuição da massa salarial e aumento da precarização das relações de trabalho. A Espanha cresceu o seu PIB? Cresceu. Isto gerou bem-estar dos trabalhadores? Não. Houve maior concentração de renda? Sim. Tudo isso em meio ao estabelecimento de relações de trabalho nos moldes chineses.

Agora olhemos dois antagonistas recentes, outrora aliados de ocasião há bem pouco. Lula sofreu a primeira condenação por Sérgio Moro. Cabe recurso. Em meio a diversas dúvidas jurídicas e fragilidade de provas, onde imperou o “direito dedutivo” como avaliou Leonardo Avritzer, prof. de Ciência Política da UFMG, ainda restam mais cinco ações penais[1]. Cinco balas no tambor mirando em 2018. E Michel Temer? A Comissão de Constituição e Justiça votou pelo arquivamento da denúncia apresentada por Rodrigo Janot da PGR, a despeito de qualquer elemento factual.  Aos amigos tudo. Aos inimigos a lei.

* Texto originalmente publicado na edição impressa do jornal Folha da Manhã em 15 de julho de 2017 com o título “Duas ou três coisas sobre a conjuntura”.

*Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes





[1] Na primeira versão deste texto, publicada na edição impressa do jornal Folha da Manhã, o autor aponta que seriam quatro ações penais. Todavia, segundo a matéria “A saga de Lula contra 32 juízes em busca de salvação”, de autoria de Daniel Haidar e publicada no jornal El Pais em 14/07/2017, seriam na verdade cinco ações. Citando literalmente Haidar no texto supracitado: “Depois da primeira sentença, Lula ainda responde a duas ações penais tocadas pelo juiz Moro, no Paraná, e a três processos sob a responsabilidade dos juízes Ricardo Leite e Vallisney de Oliveira, do Distrito Federal.”. Feita a modificação o autor espera corrigir o erro, não sem esquecer de pedir desculpas aos leitores da edição impressa da Folha.

sábado, 1 de julho de 2017

Temer, Janot e a razão

Temer, Janot e a razão*

George Gomes Coutinho**

Nesta semana mais uma vez tivemos um noticiário político tumultuado. Dentre os embates e acusações, que se tornaram rotina nos últimos anos, um me chamou a atenção: a troca de acusações entre Michel Temer, o presidente não eleito, e Rodrigo Janot, atual Procurador-Geral da República. Como conseqüência mais óbvia e rápida deste estranhamento entre presidência e Procuradoria-Geral da República, justamente no momento em que ocorreram as eleições para o cargo de Procurador-Geral, Temer quebra a tradição iniciada pelos governos petistas em 2003 e nomeia o segundo lugar mais votado dentre os Procuradores da República. O silêncio ensurdecedor de boa parte da grande mídia corporativa constrange o observador atento da conjuntura. Fico a me perguntar se não causaria estardalhaço, protestos e congêneres se algum dos mandatários petistas tivesse feito esta opção.

Cabe lembrar que na Era FHC em lugar de um Procurador-Geral da República tivemos, na prática, o que ficou conhecido como “Engavetador Geral da República”, onde os processos eram solenemente ignorados sempre que fosse conveniente. Não falamos de pouca coisa afinal.

Retomando as atuações de Temer e Janot, acredito que em momentos de ânimos inflamados certos conteúdos são apresentados de forma muito elucidativa.

Temer foi bastante duro em suas críticas. Apontou falhas jurídicas na peça de acusação que tem se tornado praxe em parte das ações do Ministério Público Federal. Esta crítica não é feita solitariamente por Temer. Em mais de uma ocasião foram apontados abusos que apenas tornam nosso Estado Democrático de Direito cada vez mais esquálido. Para além disso questionou a legitimidade do que considerou serem “ilações”. Nesta questão Temer também não está sozinho. É uma opção demasiado arriscada pautar acusações sem a devida materialidade de provas. Ainda mais chocante são condenações apriori pautadas por “indícios” e narrativas. Assim voltaremos para as rotinas inquisitoriais da Idade das Trevas.

Contudo, Temer não desconstruiu em nada o núcleo do argumento de Janot: as ligações intestinas entre empresariado e presidência. No final talvez Janot e Temer estejam corretos.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 1º de julho de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 14 de maio de 2017

Moro, Lula e Freud

Moro, Lula e Freud *

George Gomes Coutinho **

Na última quarta-feira ocorreu, enfim, o encontro físico entre o juiz Sérgio Moro e Luis Inácio Lula da Silva.

Podemos observar algumas recorrências no espaço público. A primeira delas e mais óbvia é o fenômeno da “futebolização da política”. Já discutimos em diversos momentos o empobrecimento propositivo causado pela polarização desmesurada e os danos causados para a própria democracia neste cenário. Na última quarta as “torcidas” se organizaram efetivamente com bandeiras, expectativas e um certo ar de “final de campeonato”.

De novidade em Curitiba, pelo menos durante o “evento”, tivemos a notória desidratação dos movimentos assumidamente mais voltados para propostas estritamente moralizantes da sociedade. Atribuo este efeito a três causas: 1) a própria solicitação de Moro para que os grupos alinhados com a postura de parte do Ministério Público Federal não comparecessem. Foram espantosamente obedientes!; 2) Como em outros momentos da História, a pauta moralizante, justamente por sua fragilidade em apontar para um projeto de sociedade, é insuficiente para manter mobilizados os grupos; 3) Os movimentos “moralizantes” demonstraram em diversas ocasiões seus pés de barro ao terem dentre seus membros e simpatizantes inúmeros casos de corrupção e congêneres, algo que abala a coerência da pauta.

Outro fato recorrente e menos óbvio é a infantilização da esfera pública brasileira que busca, de forma incessante, uma figura paterna para se apoiar. A sacralização de Moro ou Lula produz distorções severas e o olhar amoroso e afetivamente carente de seus seguidores impede que se compreendam as contradições intrínsecas de ambos.  Ou seja, a criticidade, elemento fundamental para os dias que correm, é jogada na lata de lixo. Só que sem crítica não há o “bom combate” e tampouco a História avança.

Penso em um conselho psicanalítico para esta conjuntura. Para a tradição de pensamento criada por Sigmund Freud (1856-1939), o indivíduo que não toma para si seus desejos e projetos de vida e segue cegamente “papai” não amadurece. Isso vale também para a política.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 13 de maio de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 11 de dezembro de 2016

Judicialização e crise institucional

Judicialização e crise institucional*

George Gomes Coutinho **

Nesta semana a imprensa decidiu massificar os termos “crise institucional”.  A motivação foi a liminar que objetivou provocar o afastamento de Renan Calheiros (PMDB/AL) da presidência do Senado Federal a partir da decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello do STF.

O que me causa espécie é que só agora, com este fato, a imprensa fale em uma crise institucional. Na verdade, o imbróglio do momento entre legislativo e judiciário é mais um acontecimento grave dentre outros  no Brasil já há algum tempo. O último evento não é pouca coisa. Contudo, não foi a primeira ocorrência e nem será a derradeira a nos arrepiar.

A reverberação objetiva da decisão de Marco Aurélio Mello é a da interferência de um poder formal e constituído sobre outro. A separação entre poderes não é mero adorno teórico proposto pela filosofia política.  Em última instância, mantém o objetivo prático de evitar que os poderes canibalizem uns aos outros. Nesta tese, a não interferência de um sobre o outro permite o que seria o horizonte mais eficiente de atuação dos agentes: a fiscalização das ações do vizinho. Ainda, é a separação formal e prática entre poderes que permite no processo de tomada de decisões os legítimos checks and balances, os pesos e contrapesos, onde um poder pode até reconsiderar tomadas de posição ocorridas no outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas, é vedada a interferência direta nos ritos e no funcionamento cotidiano de X sobre Y.  

A crise institucional em que vivemos deriva também de uma profunda e lenta judicialização da sociedade brasileira que não foi criada agora. No Brasil pós-Constituição de 1988 houve considerável empoderamento do judiciário como agente político que não é submetido ao controle democrático, sendo este agente o mediador preferencial das relações sociais em uma série de escalas. Sem dúvida há avanços civilizatórios inegáveis produzidos pelo judiciário. Contudo, da forma como estamos caminhando, tanto poder colocado no colo de juízes ou promotores sem controle social produzirá mais danos do que benefícios ao Estado Democrático de Direito. Não precisamos de um Leviatã jurídico nesta altura do campeonato. Precisamos, em verdade, é do restabelecimento das relações entre sociedade civil e o sistema político.

*  Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 10 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes