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segunda-feira, 24 de junho de 2019
quinta-feira, 6 de junho de 2019
Restaurante Popular: qual política está posta na mesa? (parte 2)
Por Bruna Machel e Paulo Sérgio Ribeiro
1.
Um breve balanço
Meses se passaram desde que iniciamos este texto (aqui) e, vale dizer, as motivações para concluí-lo incorporam as vozes
das mulheres e homens que tornaram possível o Movimento em Defesa do Restaurante Popular.
De lá para cá, quais avanços e resistências constatamos no debate
acerca da reabertura do Restaurante Popular?
Um primeiro avanço, sem dúvida, dá-se no controle social e mobilização dos usuários da
assistência social, movimentos sociais, intelectuais e segmentos de esquerda na
defesa do caráter universal e acessível dessa política de segurança alimentar e
nutricional, em contraponto ao modelo original CESAN, apresentado pela
Prefeitura Municipal de Campos. Seja em plenárias no Conselho Municipal de
Assistência Social (CMAS), seja em atos de protesto tais como o almoço a R$
1,00 que nós, Movimento em Defesa do
Restaurante Popular, promovemos em frente ao Restaurante
Popular Romilton Bárbara em 28/03/2019, dentre outras. Consolidamos não
somente uma concepção de projeto consonante com a dinâmica real da cidade de
Campos, levando em conta os direitos sociais dos trabalhadores e trabalhadoras,
como também impulsionamos participação direta desses setores nas decisões de
interesse público.
Um segundo avanço concreto foi a reabertura
das discussões junto a Prefeitura de Campos, que reconheceu, em plenária
extraordinária do dia 05 de Abril no CMAS, haver a necessidade de reduzir os
valores estimados no preço das refeições. Reconhecimento este que, no entanto,
não garante alteração em pontos do projeto que nos parecem fundamentais.
As resistências, a serem detalhadas adiante, concentram-se nos
seguintes aspectos: a) os critérios de focalização no Restaurante Popular; b) a
efetividade ou não deste serviço em sua correlação com outras políticas
setoriais.
Os referidos aspectos se complementam, haja vista o que está
verdadeiramente em jogo: uma cidade que inclua todos(as) os(as)
trabalhadores(as) à vida urbana. Noutros termos, tratar das condições de
retomada do Restaurante Popular diz respeito, fundamentalmente, às lutas
populares contra a lógica da acumulação capitalista que mercantiliza o espaço
urbano, bem como perpetua o acesso desigual aos serviços e benfeitorias nele
existentes.
Seguindo a concepção original de Henry Lefebvre (2008) acerca do
“direito à cidade”, avaliar em que medida se realiza a gestão pública de um
restaurante que faça jus à alcunha de “popular” é pensar a área central de
Campos dos Goytacazes não como mero lugar de consumo, mas, sobretudo, como o
direito a uma “centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos
ritmos de vida e empregos de tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses
momentos e locais etc.”[1]
Desse modo, apresentamos uma crítica propositiva do serviço
público a ser executado no Restaurante Popular, defendendo-o como a
concretização de um espaço de encontro e de convívio de diferentes classes e grupos
sociais no que tange ao direito universal à alimentação saudável.
2.
O foco da política
Neste blog, já revisamos as mediações analíticas entre duas orientações da política social - focalização e universalização -, demonstrando como elas podem se interpenetrar na realidade a depender da concepção de justiça social adotada em face dos conflitos distributivos (aqui).
Tomando por referência aquela discussão teórica e, sobretudo, a validação da mesma no diálogo com diferentes segmentos dos(as) trabalhadores(as), esclarecemos aqui nossa divergência quanto aos critérios de focalização para o Restaurante Popular estabelecidos pela gestão Rafael Diniz.
Relembremos: no “projeto” do Centro de Segurança Alimentar e
Nutricional (CESAN), nomenclatura com a qual será rebatizado o Restaurante
Popular, delimita-se o público-alvo conforme critérios de renda que justifiquem
ou não a gratuidade das refeições.
Quais critérios? Pessoas com renda mensal familiar per capita
de até R$ 178,00 inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico)
terão gratuidade nas refeições; também por meio do CadÚnico, pessoas cuja renda
mensal familiar per capita seja de até três salários mínimos ou
com renda superior a três salários mínimos, desde que vinculadas a programas
sociais em quaisquer esferas de governo mediante inscrição no CadÚnico, terão
acesso às refeições pagando a metade do valor a ser licitado.
No sítio oficial da Prefeitura Municipal de Campos dos Goytacazes
(aqui), lança-se mão de uma estimativa do preço das refeições conforme
o valor licitado no último contrato administrativo concernente ao Restaurante
Popular:
Ainda segundo o órgão responsável - a Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Humano e Social (SMDHS) -, demais usuários que não
se enquadrem em nenhum dos critérios de renda mencionados, pagarão o valor
“normal” das refeições, o que põe em xeque a cobertura do serviço em face de
inúmeras situações de vulnerabilidade de pessoas cuja renda é depreciada no
mercado informal de trabalho.
Ademais, outra proposição se mostra problemática
por derivar de um provável erro do diagnóstico que, em tese, justificaria o
discurso oficial em torno do CESAN: a priorização dada a pessoas em situação de
vulnerabilidade social e à população em situação de rua a partir de sua
inscrição obrigatória no CadÚnico.
Ora, alguém indagaria, por que ser contrário à
gratuidade de refeições ofertadas pelo poder público a quem se encontra em
estado de pobreza ou de extrema pobreza? Não seria autoevidente a justificativa
para tal? Será que apontar possíveis equívocos quanto a isso não é recair numa
visão elitista da relação entre Estado e sociedade?
Sem ilusões: há muitos ardis nesta discussão e
negá-los nada mais é do que subestimar a complexidade da pobreza estrutural em nosso
município.
Não discordamos de que pessoas empobrecidas devam
ter acesso facilitado aos serviços públicos. Há relativo consenso quanto àquela
premissa. Porém, há objeções factuais ao desenho da política de segurança
alimentar e nutricional esboçado pela gestão Rafael Diniz. São elas:
1) Uma quantidade
nada desprezível de pessoas muito pobres e/ou em situação de rua não dispõe de
documentos pessoais ou, pior, sequer da própria identidade pessoal (algumas são
acometidas de doenças mentais inclusive), tendo em vista a precariedade à qual
estão submetidas em suas existências. Assim sendo, a obrigatoriedade de
inscrição do CadÚnico, que de automática nada tem, implicaria, na prática, uma
barreira de acesso ao pretenso público-alvo do Restaurante Popular.
O Centro de Referência Especializado para
Pessoas em Situação de Rua - Centro POP, por exemplo, que tem como função
social oferecer mínimas condições de dignidade e sociabilização das pessoas que
se encontram em situação de rua, ainda não conseguiu solucionar o enorme
problema de sub-cadastramento desta população no Cadastro Único de Programas
Sociais. Segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
(IPEA), apenas 47,1% da população em situação de rua está devidamente
cadastradas no Cadastro Único (dados de 2015) [2].
2) Objetivando a
segurança alimentar das pessoas extremamente pobres, os restaurantes públicos
não devem servir de substituto de políticas de focalização. Nesse sentido, é
indispensável reativar o programa municipal de complementação de renda, possibilitando
autonomia às famílias na aquisição dos alimentos necessários à sua
subsistência. A focalização da assistência social, nestes casos, ataca o
problema da fome considerando a forma espacialmente difusa em que ela se
manifesta.
3)
A seleção do público-alvo do Restaurante Popular mediante critérios de
renda subjacentes ao CadÚnico, além de acarretar entraves burocráticos, jogaria
uma pá de cal na perspectiva da alimentação saudável enquanto direito
universal. Não menos, um agravo: a anulação daquela perspectiva ocorreria sob o
custo de estigmatizar seus usuários ditos “prioritários”.
Avaliar riscos de estigmatização não é uma perfumaria, se pesarmos o histórico de instrumentalização política da pobreza que empresta uma fisionomia à institucionalidade local, um verdadeiro caldo de cultura no e pelo qual os aprendizes neoliberais de hoje e os carcomidos “garotistas” de ontem têm, digamos, muito a confraternizar no que aparentemente os opõem na arena partidária.
Em contraponto às vicissitudes daquela arena
partidária, o que constatamos no almoço/protesto que realizamos em 28/03/2019?
Pessoas socialmente vulneráveis, que na fila se dispuseram para almoçar,
compravam uma, duas, três (e, em alguns casos, mais do que três) refeições por
nós vendidas a R$ 1,00. Mais do que aproveitar o preço módico que definimos,
confirmávamos ali que o ato de alimentar-se é inerente a um bem primário:
autorrespeito.
Dito de outro modo: absolutamente ninguém
solicitou a gratuidade da refeição. Nós mesmos, organizadores(as) do almoço,
revezamo-nos nas tarefas para nos juntarmos aos(às) concidadãos(as) para
aguardar a vez de almoçar pagando também R$ 1,00.
Autorrespeito (e autoestima) é um bem primário
e, a princípio, impossível de ser distribuído diretamente por uma gestão
municipal. Contudo, a percepção de si como a afirmação de sua pertença à uma
comunidade de iguais – uma promessa irrecusável da Modernidade –, é um padrão
moral de reconhecimento afetado pelo modo como outros bens igualmente primários
são distribuídos, tais como renda, riqueza, acesso a oportunidades educacionais
e ocupacionais e provisão de serviços.
Sendo assim, adotar um preço único para as
refeições seguindo a média nacional dos preços praticados em restaurantes
populares (algo entre R$ 2,00 e R$ 3,00) é não só viável, mas necessário para
restituir (ou, ao menos, aproximarmo-nos de) um igual status de cidadania das pessoas em nossa urbanidade. Noutros
termos, não há como projetar a efetividade do serviço “Restaurante Popular” sem
pensá-lo enquanto uma política redistributiva que torne realmente a área
central da cidade um patrimônio do povo campista; do contrário, confirmaremos
aquilo que ele sempre foi: um escalonamento social em que cada um(a) sabe qual
é o “seu” lugar.
No entanto, em uma das “sugestões de
operacionalização do CESAN”, chama-nos atenção a notória ausência de uma
perspectiva de urbanidade que sedimente a igualdade democrática entre
nossos(as) trabalhadores(as):
Considerando as dimensões territoriais
do município e a localização do CESAN diante dos custos do transporte, as
pessoas em situação de rua e em extrema pobreza e pobreza terão gratuidade em
todas as refeições [3].
No discurso oficial do CESAN, a crise do transporte
coletivo seria facilmente contornável se tomássemos o Restaurante Popular por
uma espécie de política “tampão” para serviços de utilidade pública
disfuncionais ou, quiçá, inexistentes em certas localidades do município. Ora,
segurança alimentar e nutricional mantém uma interface com a política de
assistência social sem, contudo, confundir-se com a mesma, uma vez que é
fundamentalmente uma ação intersetorial.
Para não recairmos em falácias, indaguemos: o
que viria a ser uma ação intersetorial?
3.
Ação intersetorial
A intersetorialidade, antes de ser um conceito, é
uma contingência na administração pública dos dias atuais. Atingir graus
satisfatórios de eficiência e eficácia nas ações e programas de quaisquer
esferas de governo envolve, cada vez mais, incorporá-la na implementação das
políticas setoriais.
Conceber e executar uma política pública assumindo
de modo consciente a dimensão da intersetorialidade implica, pois, que exista
pelo menos algum ensaio de agenda pública em que diferentes setores possam
compartilhar objetivos comuns e, consequentemente, articular saberes técnicos
na construção de um Estado social em determinado território.
Dito isto, o que vemos no processo de reativação do
Restaurante Popular?
Uma sobreposição da Assistência Social (com os
discutíveis critérios de focalização já mencionados) às demais políticas
públicas sem qualquer arremedo de uma metodologia que lhes proveja articulação
tendo por lastro um diagnóstico local sobre a insegurança alimentar e nutricional.
É sintomático a ausência de uma abordagem
intersetorial do Restaurante Popular quando observamos a relação espúria que
seus gestores estabelecem entre a gratuidade das refeições, a localização
daquele serviço e o custo do transporte coletivo.
Ora, a resolução de um problema se insinua na
maneira como o formulamos.
Desatemos os nós: desde a promulgação da Lei
da Terra (1850), que formalizou a propriedade privado do solo no Brasil, a terra
se tornou mercadoria. Não diferente de outras cidade de médio e grande porte,
em Campos dos Goytacazes a urbanização se deu de forma desigual, sobretudo e de
forma mais acentuada após o processo de falência das usinas de cana-de-açúcar
na década de 1980, que promoveria enorme êxodo rural, reservando a essas
trabalhadoras e trabalhadores as periferias. A área central de Campos dos
Goytacazes confirma, pois, a lógica da segregação socioespacial, que sobrepõe
interesses privados ao interesse comum, na medida em que o direito à
propriedade passou a ser ditado por uma política liberal, tornando opaca,
assim, a substância daquele direito constitucional: a função social da
propriedade[4].
Trocando em miúdos: a pouca (nenhuma?) intervenção
do Estado no mercado de terras subordina o planejamento urbano à especulação
imobiliária, a qual nada mais faz do que reduzir terras e imóveis à sua função
econômica, isto é, à sua valorização futura, concentrando-os, desse modo, nas
mãos das frações da classe média que tenham inserção privilegiada no mercado de
trabalho para adquiri-los segundo seu valor de uso e/ou nas mãos da elite do
dinheiro que se volta aos mesmos, sobretudo, pelo seu valor de troca.
O reverso desta moeda chamada urbanização
capitalista é o rebaixamento das condições de vida dos(as) trabalhadores(as)
com menores rendimentos econômicos, relegando-os(as) às áreas de infraestrutura
precária e distantes das melhores localizações quanto a serviços e ocupações
devido à sua impossibilidade de participar do mercado formal de habitação e/ou
a políticas de remoção arbitrárias e inconsequentes. Um bom exemplo é o
programa municipal de habitação Morar Feliz (em Tapera, Eldorado, Aldeia, etc.)
que, a fim de oferecer moradia para pessoas que viviam em "áreas
de risco", empurrou-as para regiões ainda distantes do centro, desprovidas
de serviços públicos mínimos, ou seja, insuficiente transporte público,
ausência de creches, escolas, postos de saúde e segurança pública, o que
redesenhou a favelização do município [5].
Expostos os parâmetros analíticos, poderíamos
devolver os “comos” e porquês” aos seus devidos lugares: não é o custo do transporte
coletivo que justificaria a gratuidade de refeições para segmentos mais pobres
da população campista[6]. O divórcio entre o
direito à moradia dos(as) mais pobres – que só podem usufruí-lo em determinadas
áreas urbanas, a saber, as piores sob quaisquer quesitos – e o direito à
cidade, enquanto acesso pleno aos serviços e oportunidades, é que os(as) impede
de participar da vida social sob os mesmos patamares civilizatórios.
O mínimo social que prenunciasse uma “Cidade
para os(as) Trabalhadores(as)” compreenderia aqui a universalidade de cobertura
do serviço “Restaurante Popular” mediante o subsídio público de um razoável
preço único das refeições.
Afinal de contas, por que um serviço tão
essencial como o pertinente à política de segurança alimentar e nutricional é interrompido e ninguém se escandaliza? Responder a essa
pergunta revela o quão ocioso é estabelecer a burocratização do acesso da
parcela hipossuficiente da população campista a um serviço público que, em
verdade, jamais deveria ter fechado as portas.
As descontinuidades administrativas com a sucessão
de governos e seus reflexos em áreas sensíveis como segurança alimentar e
nutricional são de tal monta em Campos dos Goytacazes, que chegamos até a
suspeitar que nossa “elite do atraso”[7] não precisa mesmo de
maiores esforços para legitimar sua vida e visão de mundo.
Ora, o Estado mínimo não é um dado conjuntural na
paisagem campista, mas um projeto de poder radicado na pobreza estrutural de
uma classe trabalhadora cada vez mais entregue à própria sorte nesta era de
regressão dos direitos civis e sociais que, tragédia anunciada, desagua em uma
cidade que jamais assumiu o passivo social que a escravidão nos
deixou.
[1] Cf. LEFEBVRE, Henry. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2008, p. 139.
[3]
Ver o slide nº 13 do documento “Centro de Segurança Alimentar”. Disponível em: https://www.campos.rj.gov.br/newdocs/1545073876projeto-cesan.pdf.
Acesso em 28/04/2019, às 18h59min.
[6] Transporte coletivo é uma competência
municipal, assim reza a Constituição Federal (art. 30, V). Se a concessão deste
serviço público essencial a empresas privadas não supre as reais necessidades
dos(as) trabalhadores(as), não cabe à gestão municipal tomar tal regime por um
dado da natureza, mas como um ato político passível de revisão com vistas ao
interesse local.
[7]
A expressão é uma óbvia alusão ao provocante livro do sociólogo Jessé Souza.
Cf. SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da
escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
quarta-feira, 27 de março de 2019
Agende-se: Ato em defesa do Restaurante Popular, quinta-feira, às 11h.
Por que lutamos?
Somos contrários ao projeto da Prefeitura que pretende criar critérios de acesso ao RP, aumentando o valor das refeições e exigindo comprovação de renda para a população. Não podemos aceitar que a refeição em um restaurante público custe até R$ 8,00 para uma mãe e um pai de família, aposentados e estudantes.
Quem somos?
Somos dezenas de entidades e trabalhadores(as) da sociedade civil organizada, em Campos/RJ, que constroem o Movimento em Defesa do Restaurante Popular.
UNIDOS SOMOS FORTES!!!
PARTICIPE!!!
sexta-feira, 15 de março de 2019
Agende-se: debate sobre o Restaurante Popular.
Em meio a torrente das novas tecnologias de comunicação e de informação ocasionada na passagem do séculos XX e XXI, as transmissões radiofônicas ainda têm o seu lugar na construção da esfera pública.
Desse modo, é oportuno acompanhar uma discussão que diz respeito a interesses primários da população campista - segurança alimentar e nutricional -, sobretudo, pelas questões em aberto que o processo de reativação do "Restaurante Popular" têm apresentado aos seus munícipes.
Já abordamos esse tema no blog (aqui) e, em nome do saudável pluralismo de ideias e opiniões, divulgamos o debate que ocorrerá na próxima terça-feira na Rádio Aurora. Dele participarão Bruna Machel, membro do Conselho Municipal de Assistência Social, e Maria Goretti, advogada, tendo a mediação do âncora Germando Santos.
Para aqueles(as) que, por ventura, tenham interesse em acompanhar a transmissão ao vivo pela Internet, segue abaixo o endereço:
Pelo habitual rádio, basta sintonizar em FM 104.1.
domingo, 24 de fevereiro de 2019
O experimento "CESAN": (neo)liberalismo posto à prova?
O experimento "CESAN": (neo)liberalismo posto à prova?
Por Paulo Sérgio Ribeiro
Para não sermos engolidos de vez pelo desânimo que este momento de regressão histórica nos provoca, entendo que trabalhar conceitos é importante para
avaliar qual política estará posta na mesa, por assim dizer, através do Centro
de Segurança Alimentar e Nutricional (CESAN), que entrará em funcionamento na cidade de Campos dos Goytacazes-RJ. Esforço inútil? A meu ver, não,
pois ideias e valores estão presentes no comportamento efetivo das pessoas em
geral (e dos gestores públicos em particular) e guardam sua eficácia social
justamente quando deixam de ser submetidos a um exame consciente. Conceitos
então podem ser vistos como os “pedais” do conhecimento e este, por sua vez,
como uma construção coletiva da qual participamos conforme visões de mundo que
também são objeto de reflexão.
Para definir esse “objeto”, dialogo com a abordagem
de Célia Lessa Kerstenetzky sobre políticas sociais[1], chamando atenção para as confusões sobre
o que venham a ser focalização e universalização. Para tanto, exponho o quadro conceitual com o qual Kerstenetzky busca superá-las, já que elas atravancam o debate sobre a retomada do “Restaurante Popular”. Interessa discutir possíveis enquadramentos do estilo de
política social que tende a prevalecer no seu substituto, o CESAN.
Justiça de mercado e Justiça redistributiva
Segundo Kerstenetzky, no debate público brasileiro há uma
tendência a correlacionar automaticamente o princípio da universalização com a
garantia de direitos sociais e o da focalização com uma noção
"residualista" de justiça. Estaríamos aqui diante de modelos de
política social que seriam, aparentemente, impassíveis de se complementarem.
Porém, tal visão bipartida das políticas sociais se mostra limitada diante dos
arranjos institucionais com os quais lidamos.
Tais arranjos dizem respeito à maneira como se legitimam
noções de justiça na distribuição da riqueza com referência às duas
instituições mais importantes do mundo contemporâneo: Estado e Mercado. Em
torno delas, temos variadas linhagens do pensamento político e econômico
encabeçadas por duas orientações-chave: a justiça de mercado e a justiça
redistributiva.
Na primeira - justiça de mercado -, navegaríamos no velho
leito do liberalismo econômico. De acordo com esse princípio de justiça social,
a distribuição de vantagens econômicas seria decorrente das livres transações do
mercado sem maiores questionamentos quanto à desigualdade material entre homens
e mulheres. Estes(as), na qualidade de pessoas adultas que foram educadas para
o exercício da livre escolha, teriam a seu dispor a “mão visível” do
Estado para garantir o direito à propriedade privada e o cumprimento legal dos
contratos, facultando-lhes a segurança jurídica necessária para se colocarem
à prova em uma economia de mercado que, assim reza a lenda, premiariam os mais
“responsáveis” em suas iniciativas pessoais.
Para os crentes de ontem e de hoje na ideia de mercados
autorregulados, sendo os indivíduos dotados de autonomia civil, a persistência
das desigualdades de renda poderia ser vista até mesmo como uma virtualidade do
capitalismo, na medida em que encontraríamos uma espécie de “auto-cura” para um
modo de produção sempre propenso a crises: remunerações desiguais serviriam de
estímulo ao trabalho e à poupança e, por consequência, elevariam a eficiência
econômica; alcançando-se maior eficiência econômica, obteríamos o crescimento
econômico, implicando assim em maior taxa de emprego e renda e, potencialmente,
em mais benefícios para os menos favorecidos. Soa familiar com a estorinha do
peixe e da vara de pescar, caro(a) leitor(a)?
Ironicamente, apostar que a civilização burguesa propicie
uma racionalização dos modos de vida capaz de conduzir mesmo quem esteja na pior situação de classe aos melhores resultados
econômicos é, no mínimo, frustrante
diante das não poucas ineficiências das operações do mercado, o que,
lembra Kerstenetzky, leva-nos a admitir que o “progresso material convive com
(e talvez mesmo parasite) a incerteza”[2] e que “não há como assegurar que
esforços serão recompensados e negligências punidas”[3].
Se estamos submetidos a um sistema econômico cuja
vitalidade advém da mudança incessante (“tudo que é sólido desmancha no ar”, já
dizia o velho Marx), o mal-estar social daqueles(as) que nunca tiveram escolha alguma
será mais cedo ou mais tarde objeto de responsabilidade pública. Na justiça de
mercado, essa responsabilização assume a forma de uma rede subsidiária de
proteção (renda mínima, seguro-desemprego entre outros) que dê conta da
“pobreza imerecida”. Nada mais nos restaria senão a perspectiva de focalização
como "resíduo".
Contudo, a política social pode ser entendida como algo
além da provisão de um seguro contra riscos sociais imprevisíveis. Para
Kerstenetzky, podemos seguir uma orientação alternativa – a justiça
redistributiva – que nos permita pensar a focalização tanto “como
condicionalidade” quanto “ação reparatória”.
No âmbito da justiça redistributiva, a focalização “como
condicionalidade” se traduz em um problema de tecnologia social: encontrar o
foco correto para a solução de um problema específico, promovendo assim
eficiência à ação governamental. Apesar da aparente simplicidade dessa
perspectiva, Kerstenetzky adverte que aplicá-la requer aprimorar o diagnóstico local
sobre o estado de privação que se quer superar. Se, por um lado, priorizar a
eficiência do gasto social “ajustando” o foco favorece com o tempo a provisão
de recursos para outras demandas sociais urgentes, por outro, em certas
circunstâncias, a melhor maneira de realizar o interesse público é subverter o
sentido mesmo da focalização:
Às vezes, a busca do foco correto pode resultar no formato
contra-intuitivo de incondicionalidade, como quando se atinge melhor os mais
necessitados estendendo-se um benefício a todos dentro de um determinado
território, supostamente razoavelmente homogêneo, e não apenas aos mais
necessitados (em que se poupam, por exemplo, os custos de monitoramento). Neste
caso específico, a melhor forma de encontrar o foco é “universalizar”[4].
Já na focalização como “ação reparatória”, teríamos uma
torção de sentido quanto à perspectiva da focalização como “resíduo” que
discutimos no âmbito da justiça de mercado. Homens e mulheres sem trabalho e
renda não seriam aqui produto de eventuais ineficiências de uma
economia de mercado, mas a confirmação de que nela uma desigual oportunidade de
realização nas gerações passadas é transmitida à geração atual, tornando
direitos universais formalmente iguais uma ilusão facilmente desmentida pelos
fatos. Tornar então efetiva a igualdade de oportunidades requereria um
conjunto de ações que, destinado a grupos com demandas específicas, realizasse
uma contínua equalização da riqueza, aproximando dessa forma o “ideal
de direitos universais a algum nível decente de realização”[5].
Em sociedades marcadas por desigualdades abissais como a
brasileira, é pouco provável que políticas universais tenham êxito dissociadas
da focalização na política social, ratifica Kerstenetzky. Se tais políticas
redistributivas podem ter caráter compensatório ou estrutural, não há resposta
pronta. O que fazer então? Testar as noções de justiça de mercado e
de justiça redistributiva em cada cenário concreto. Desse modo, tais
categorias de análise auxiliam na tentativa de compreender o estilo de
política social que está se desenhando para o “Restaurante Popular” em Campos
dos Goytacazes-RJ.
Uma hipótese: considerando que os critérios
de renda para a gratuidade das refeições que estão delimitados,
até o momento, pelo crivo do CadÚnico e, por outro, que os
preços com ou sem subsídio podem vir a superar (e muito) o preço da refeição cobrado até 2017 no então Restaurante Popular, prevalece uma política calcada na justiça de
mercado. Diante da
"pobreza imerecida" - resultado das falhas do mercado em entregar
aquilo que promete aos crédulos no próprio esforço ou "mérito" ou
àqueles que, desalentados, já não acreditam em mais nada porque simplesmente
"não há vagas" -, atrela-se um restaurante popular a uma rede (incompleta) de proteção sem maiores preocupações quanto ao condicionantes locais de uma pobreza que é estrutural.
Se tal hipótese se confirmar no decorrer do serviço
prestado no CESAN, é razoável que se discuta a possibilidade de conjugar tal
serviço com outras modalidades de focalização mais afeitas à justiça
redistributiva. Ora, a julgar pela regressão dos indicadores sociais com a agenda ultraliberal à qual foi submetida o país com Michel Temer e agora Jair Bolsonaro [6] - Reforma Trabalhista,
Emenda Constituição nº 95 -, o tamanho do "resíduo" deixado para trás por um mercado
deixado sem freios à sua própria lógica é muito maior do que a Prefeitura supõe
e, desse modo, pensar a focalização como
"condicionalidade" ampliaria o escopo dessa política de segurança
alimentar e nutricional para segmentos da população cujo direito ao trabalho e
à renda lhes é negado pela crônica falta de transporte coletivo, pela pouca integração da área urbana de Campos dos Goytacazes com
a sua imensa área rural, entre outros gargalos já conhecidos.
Segurança alimentar e nutricional é uma ação intersetorial
e, como tal, não se deixa aprisionar por uma visão minimalista das políticas
sociais; logo, há muito o que investigar sobre a questão social em Campos dos
Goytacazes-RJ a partir de um diagnóstico local que, parafraseando Albert
Hirschman, evite confirmar que "políticas para pobres sejam sempre
políticas pobres". Cautela necessária ante uma cultura política que ainda
não produziu em nossa cidade uma via programática que supere a insegurança
econômica das camadas baixas da população como moeda de troca sempre à mão na
sucessão de governos.
[1]
KERSTENETZKY, Celia Lessa. Políticas Sociais:
focalização ou universalização?. Rev. Econ. Polit., São
Paulo, v. 26, n. 4, p. 564-574, dez. 2006. Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31572006000400006&lng=pt&nrm=iso>.
acessos em 03 jan. 2019. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31572006000400006.
[2] Op. cit., idem., p.565.
[3] Idem.
[4] Op. cit., idem., p.570.
[5] Op. cit., idem., p.571.
segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019
Restaurante Popular: qual política está posta na mesa? (parte 1)
Restaurante Popular: qual política está posta na mesa? (parte 1)
Democracia serve para todos ou não serve para nada. (Betinho)
Por Bruna Machel, Juliana Tavares
e Paulo Sérgio Ribeiro
É difícil
precisar como e quando nasce o projeto dos Restaurantes Populares
(RPs) no Brasil. Alguns dirão que sua origem data de 1940 pela iniciativa de
Getúlio Vargas, que instituiu o chamado Serviço de Alimentação da
Previdência Social (SAPS)[1], o
modelo de restaurantes públicos que ofereciam alimentação às populações
pobres, posteriormente destruído pelo golpe
civil-militar, precisamente em 1968[2];
outros dirão que os RPs foram iniciativa inédita do Governo do Estado do Rio de
Janeiro, em 2000, quando Garotinho implementou o Restaurante Cidadão na Central
do Brasil, ofertando alimentos a R$ 1,00 com subsídio estatal[3].
Porém, é absolutamente indiscutível que os RPs foram sistematicamente
implementados, enquanto estratégia de promoção da segurança alimentar em
grande escala, somente em 2003 como parte integrante do programa Fome Zero
do Governo Federal sob comando do então Presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. Tal programa tinha por objetivo superar o problema da fome no Brasil
através de uma série de ações articuladas que envolviam desde a participação de
setores sociais na formulação destas políticas (tendo como principal
consequência positiva a então reorganização do Conselho Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional - CONSEA), como também o fomento à criação de
RPs nas cidades com mais de 100 mil habitantes em todo território nacional.
Os
princípios que regem o restaurante popular e a importância dessa política
pública
Segundo o Manual dos Restaurantes Populares de 2004 do Governo Federal[4], Restaurantes Populares consistem em:
[...] estabelecimentos administrados pelo poder
público que se caracterizam pela comercialização de refeições prontas,
nutricionalmente balanceadas (...) a preços acessíveis, servidas em
locais apropriados e confortáveis, de forma a garantir a dignidade ao ato de se
alimentar. São destinados a oferecer à população que se alimenta fora de casa,
prioritariamente aos extratos sociais mais vulneráveis, refeições variadas,
mantendo o equilíbrio entre os nutrientes...
Nota-se
no manual dos RPs a preocupação em caracterizar esses estabelecimentos como
pontos de apoio para pessoas extremamente pobres que vivem em situação de
vulnerabilidade social, mas também voltados para as classes
trabalhadoras nos centros urbanos. Tais segmentos, submetidos à precarização das
condições de vida sob o sistema capitalista, sem poder se
alimentar de forma saudável no cotidiano das médias e grandes cidades, acabam
lançando mão de alimentações inapropriadas do ponto de vista nutricional,
sofrendo, por consequência, muitas vezes com a subnutrição ou a obesidade.
E como bem diz a resolução do CONSEA de 2009[5]:
O direito humano a alimentação adequada e saudável
e a soberania e segurança alimentar e nutricional não se limita a aqueles(as)
que passam fome ou que são pobres ou socialmente excluídos(as), mas diz
respeito a qualquer cidadão ou cidadã que não se alimenta adequadamente, seja
porque tem renda insuficiente ou não tem acesso aos recursos produtivos (terra
e outros), seja por ser portador(a) de necessidades alimentares especiais que
não são respeitadas, mas, principalmente, porque a disponibilidade e o acesso
aos alimentos condicionam de forma significativa suas práticas alimentares.
A partir
desses debates e resoluções nacionais, os RPs foram implementados de formas
distintas pelos Estados, porém mantendo como forma predominante o princípio
universalizante orientado pelo CONSEA. As filas de acesso ao restaurante se
tornaram o crivo natural entre aqueles que precisam e aqueles que "não
precisam" de alimento a baixo custo, sem que houvesse a necessidade de
qualquer medida restritiva por parte do Poder Público. Tal política melhorou a
vida de milhões de aposentados, sem-tetos, estudantes pobres e trabalhadores
precarizados do Brasil, tornando os centros urbanos mais humanizados.
No entanto, com o agravamento da crise, especialmente a partir de 2014, a
realidade dos RPs foi modificada radicalmente. Alguns governos
decretaram então o fechamento destes equipamentos ou a criação de
critérios de acesso que visavam a reduzir o número de usuários, vide a cidade
do Rio de Janeiro[6].
Como diz o ditado popular: "A corda sempre arrebenta do lado mais
fraco"... E o lado mais fraco na luta de classes, por óbvio, tende a
ser o lado do trabalhador, da mãe de família, do jovem desempregado.
É
didático recordar, por exemplo, que mesmo em meio à crise nacional, o
então Governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, não abriu
mão de dar isenção fiscal para empresas "amigas", sem que elas
aumentassem sua contrapartida do ponto de vista do interesse público[7];
tão pouco deixou de realizar licitações fraudulentas, que comprometeram
drasticamente a arrecadação estadual, como aponta recentemente a operação Boca
de Lobo[8].
Tais práticas antirrepublicanas, corriqueiras em todo o Brasil, garantem o
beneficiamento econômico de meia dúzia de empresas privadas e acabam por gerar
prejuízos incalculáveis para a manutenção dos serviços públicos. É nesse
contexto que programas como o Restaurante Popular são interrompidos ou
descaracterizados.
A
situação em Campos dos Goytacazes
O debate
sobre a reativação do Restaurante Popular (RP) em Campos dos Goytacazes-RJ, que
será rebatizado de Centro de Segurança Alimentar e Nutricional (CESAN) pela
atual gestão municipal, está longe de chegar ao consenso. Se há questões pendentes
em sua formulação, deparamos agora com um fator agravante: o fim do CONSEA, uma
das primeiras canetadas do presidente recém-empossado Jair Bolsonaro. Esse
conselho reunia o melhor da inteligência nacional sobre a temática, tendo sido
um referencial para diferentes programas de governo.
Decretado o fim do CONSEA, aumenta-se a margem de experimentação dos governos municipais no terreno da segurança alimentar e nutricional e, não menos, a necessidade de fortalecer a participação popular nessa política em um momento de tantas incertezas quanto à cooperação entre União, estados e municípios para assegurar o abastecimento alimentar, o combate às causas da pobreza e dos fatores de marginalização, entre outras competências comuns dos entes da federação.
Segundo a
apresentação da Prefeitura durante plenária do Conselho Municipal de
Assistência Social (CMAS), em 09 de Novembro de 2018, para se alimentar no
CESAN, as pessoas passarão por uma triagem, onde serão divididas em 3
categorias de renda, que definirá quem pode ou não contar com o subsídio
público.
Terão direito à gratuidade pessoas cuja renda familiar seja de até R$ 178,00 per capita, comprovada pelo Cadastro
Único do Governo Federal (CadÚnico). À primeira vista, parece uma iniciativa
cuja justificativa é auto-evidente. No entanto, esbarramos no problema da
dimensão de seu impacto real na vida destas pessoas, já que elas, em sua
maioria, vivem em bairros periféricos e têm um acesso dificultado ao
centro da cidade em face das não poucas insuficiências que temos em mobilidade
urbana. Não seria exagero dizer que, com o fim das passagens a preços
populares, o impacto da gratuidade do RP no cotidiano das populações
extremamente pobres será, provavelmente, menor do que se desejaria.
Já famílias com renda mensal de até três salários mínimos per capita receberão subsídio de 50% do
valor licitado. Tal valor ainda não foi definido. Porém, é plausível
estimar, com base no contrato anterior, que vigorou até o fechamento
do restaurante em 2017, que o preço final para o usuário nessa faixa de renda
deva variar em torno de R$ 4,00. Estamos diante de uma possibilidade que, caso
se confirme, será um tanto contraditória: pessoas em variadas situações de
privação e de vulnerabilidade terão de pagar 300% mais caro por uma alimentação
que custava, até 2017, R$ 1,00. Tudo isto em um momento de
desvalorização do salário mínimo, altíssimos índices de desemprego e desmonte
de programas sociais como o Cheque Cidadão.
Também é
preocupante o fato de a Prefeitura de Campos anunciar o fim do subsídio para
todos aqueles que, por alguma razão, não estejam inscritos no CadÚnico do
Governo Federal ou que, simplesmente, não se enquadrem nos critérios de renda
delimitados. Para esse trabalhador e trabalhadora, restará pagar o valor
integral do contrato entre a Prefeitura e a empresa privada concessionária do
serviço público? Valor este onde se incluem o
custo real e o lucro do empresário, pagando, desse modo, o mesmo que se
pagaria em qualquer estabelecimento comercial no Centro de Campos dos
Goytacazes?
Após a
breve abordagem feita na seção inicial sobre os princípios que regem a política
dos RPs, é possível afirmar que sua função social vai muito além de uma noção
minimalista de “focalização” na assistência social, pois envolve uma visão
democrática de cidade voltada para as classes populares, não se caracterizando,
portanto, pela seletividade, mas pelo conceito ampliado de Cidade para os
Trabalhadores. Na segunda parte deste texto, discutiremos com mais detalhes
o que venha a ser focalização nas políticas sociais e algumas polêmicas que
julgamos desnecessárias em torno da mesma quando contraposta ao princípio da
universalização.
Longe
estamos de viver em uma cidade cujos trabalhadores compartilhem os mesmos
lugares de cidadania. Dividimo-nos em classes sociais na cidade do capital, que
nada mais é do que a cidade da segregação, da especulação imobiliária, do
exército de reserva de trabalhadores desempregados ou subempregados, da
reprodução da miséria em “escala industrial”. Ações que tornam a cidade
mais conectada com a demanda dos trabalhadores, no sentido de efetivação de
direitos, entram em confronto com o interesse daquela entidade que paira
fantasmagoricamente acima dos governos, o dito mercado.
Sigamos o
exemplo de cidades como Teresina[9]
(que curiosamente possui um PIB per capita menor do que Campos
dos Goytacazes), ou o exemplo das mais de 30 cidades do Rio Grande do
Norte[10],
ou mesmo de Belo Horizonte[11],
que mantém os RPs em pleno funcionamento. Ademais, não negamos o fato
de que existe uma população em situação de rua crescente, localizada no área
central da cidade. Essas pessoas, que devem ser assistidas pelo Centro de
Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro POP), contam
hoje com a solidariedade de grupos religiosos que distribuem alimentos em porta
de igrejas e nas praças públicas, além de projetos sociais como o Café
Solidário.
De fato,
a reabertura do restaurante popular deverá amenizar um pouco a dor destas
pessoas e isso é inegavelmente importante do ponto de vista da dignidade da
pessoa humana. Sem subestimarmos essa virtualidade, o que propomos debater aqui
é o estilo de política social a ser implantado e, por conseguinte, a
clareza e a efetividade dos critérios de focalização que serão adotados em uma
política cuja razão de ser é conjugar segurança alimentar e nutricional com
outras demandas não menos essenciais para redistribuir a riqueza produzida
socialmente.
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