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quarta-feira, 28 de junho de 2023

Medo à liberdade – Fabrício Maciel

 

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Medo à liberdade**



Fabrício Maciel***

Especialmente após a crise global de 2008, o mundo foi tomado de assalto por um espírito autoritário, que encontra conformações específicas em cada país, o que precisa considerar as desigualdades históricas nacionais. Donald Trump e Jair Bolsonaro são, neste sentido, excelentes exemplos advindos de realidades históricas bem distintas.

Ao observar as razões que levaram à ascensão e a queda e que podem levar à reascensão de tais líderes, podemos notar diversos fatores em comum. Dentre eles, as dificuldades na vida econômica da nação, o que significa especialmente o aumento da precariedade e do espectro da indignidade nas classes populares, serão sempre o primeiro aspecto a ser observado. Não foi outra coisa o que fez Erich Fromm em seu tempo, ao buscar compreender as razões profundas do fascismo.

Entretanto, para ele, as razões psicológicas se apresentaram como de maior importância, o que também é fundamental para compreendermos as novas formas de autoritarismo atuais. Isso não significa cair em um psicologismo, o que Erich Fromm deixa muito claro em sua leitura de Freud e sua ruptura com o mestre. Para Fromm, a natureza humana é dinâmica, sendo modificada ao longo do processo histórico, ao mesmo tempo em que o modifica.

Tal percepção pode ser encontrada em seu belo livro O medo à liberdade (Fromm, 1974). Nele, o autor procura compreender as dificuldades humanas na modernidade em sua relação com a liberdade. Liberto das amarras anteriores, o indivíduo agora não sabe o que fazer com sua nova condição, encontrando-se angustiado e com medo. Teríamos assim a condição perfeita para uma entrega à influência de líderes autoritários.

Isto foi fundamental para entender o fascismo clássico. Entretanto, na atualidade, precisamos atentar para alguns aspectos específicos. Fromm não presenciou, por exemplo, o que a máquina tecnológica atual é capaz de fazer com a produção de fake news e a mudança de consciência nas pessoas. Sem este mecanismo de poder Donald Trump e Jair Bolsonaro simplesmente não existiriam. Faço menção a estes dois casos específicos por considerar as semelhanças da ação do neofascismo em sociedades de massa gigantescas como o Brasil e os Estados Unidos, marcadas por fortes desigualdades estruturais. Encontraremos outros aspectos específicos na Europa e no mundo asiático.

Pensando especialmente no caso brasileiro, Jair Bolsonaro foi uma resposta um tanto quanto imprevista ao fracasso de um certo sistema político, econômico, moral e simbólico em promover justiça social e atender aos anseios existenciais mais profundos da sociedade brasileira e especialmente das classes populares. Refiro-me a um sistema que se esboça na década de 2000 e que normalmente definimos como “progressista”.

Naquele momento, a eleição de Lula incorporou e simbolizou este movimento, em consonância com o cenário global. Esta será uma década que vai presenciar grande esforço por parte dos governos do PT em promover justiça e inclusão social, o que foi, entretanto, muito menor do que o discurso do governo. Este esbarrou na desigualdade estrutural brasileira e no poder ilimitado de sua elite.

Com isso, a grande discrepância entre as promessas do sistema progressista e as possibilidades efetivas de mudança social foram gerando uma série de dificuldades no campo político e, em contrapartida, uma série de frustrações no seio da sociedade. Neste sentido, a perspectiva teórica de Fromm cai como uma luva. Esboçando uma interpretação, podemos dizer que os esforços do sistema progressista geraram expectativas fora da realidade, buscando provocar um caráter social igualmente progressista, tolerante e inclusivo. Em boa medida, não podemos negar o surgimento de um caráter social com boas expectativas de justiça e igualdade, considerando que várias ações do governo de fato promoveram alguma inclusão e justiça social nas camadas populares.

Entretanto, a discrepância entre a “grande promessa” progressista e a realidade estrutural do Brasil se colocou como o grande empecilho. Neste ponto, não podemos ignorar a realidade global promovida pelo capitalismo “flexível”, que eu prefiro definir como “indigno”. Com isso, precisamos ir além do nacionalismo metodológico e romper com a interpretação equivocada de que o Brasil e a América Latina possuem culturas autoritárias arraigadas em sua história, o que explicaria os fenômenos autoritários atuais. Com efeito, um olhar atento no cenário atual pode perceber a existência de uma cultura autoritária em escala global, inclusive aqui na Europa, o que pode ser visto com toda a nitidez no grau de intolerância crescente diante dos imigrantes.

Compreendo este fenômeno como um resultado tardio da ascensão de um capitalismo indigno e autoritário, em escala global, desde a década de 1970. Este resultado é tardio no sentido de que, em grande medida, ficou ‘debaixo do tapete’ da grande promessa progressista neoliberal das últimas décadas. Incondizente com a realidade, esta promessa apenas omitiu a ação real do capitalismo indigno, cuja verdadeira face é autoritária, promovendo desigualdade e injustiça social como nunca, agora em escala global. Neste sentido, a falência do Welfare State em países como Alemanha, França e Inglaterra é uma das principais provas empíricas da existência deste novo tipo de capitalismo e de sua lógica intrínseca de ação.

É claro que, se compararmos países como a Alemanha e o Brasil, veremos que, na primeira, o Estado ainda possui volumosos recursos para defender o país do “grande fracasso” do sistema progressista. Veja-se, por exemplo, a crise do gás promovida pelo contexto da guerra na Ucrânia. Por outro lado, todo o empenho progressista dos governos de esquerda no Brasil não foi suficiente para enfrentar nossa desigualdade estrutural. Como resultado, na década de 2010 começaremos a ver os efeitos deste fracasso e suas especificidades no caso brasileiro.

As manifestações de 2013, que agora completam dez anos, demonstraram uma certa revolta contida nas camadas populares, o que foi rapidamente manipulado por grupos de poder, criando uma crise profunda nos governos de Dilma Rousseff e levando ao seu impeachment em 2016. Rousseff quase não se reelege em 2014, o que revela tanto a crise de seu partido quanto a falência maior do sistema progressista global.

Novamente, a teoria de Erich Fromm se apresenta como muito propícia. Para ele, o caráter social significa o tipo ou perfil de humanidade predominante em uma época ou contexto histórico específico. Em termos simples, é preciso entender o caráter social do brasileiro mediano que votou e acreditou nos governos progressistas do partido dos trabalhadores de Lula e Rousseff. Um dado extremamente importante aqui é que um grande número de pessoas votou duas vezes em Lula, duas vezes em Dilma e então em Jair Bolsonaro. Isso não é casual e se explica em grande medida pela frustração generalizada diante da grande promessa que se transformará em descrença, apatia, animosidade e intolerância em grande parte da população, além de ódio e agressividade em escala preocupante. 

Temos assim um prato cheio para o discurso neofascista, que vai compreender e instrumentalizar esta frustração e insatisfação coletiva, traduzida em grande parte em ressentimento generalizado diante das instituições e sentimento de não reconhecimento pelas mesmas. Daí se explica o sucesso do discurso antissistema de Jair Bolsonaro, semelhante ao de Trump e adaptado ao cenário brasileiro. Vale ressaltar que este discurso possui uma tonalidade ultra meritocrática, manipulando os sentimentos e o ideal de liberdade individual para justificar e legitimar a campanha e posteriormente as ações do governo de Jair Bolsonaro.

Aqui, o discurso abstrato da liberdade vai ser bem-sucedido ao se contrapor ao discurso e a consequente falência do sistema progressista, que prometeu inclusão e justiça vindos de cima. Com isso, a extrema direita se aproveita do fracasso progressista com o discurso de que a justiça e a inclusão só podem vir debaixo, da própria sociedade, através da defesa da liberdade individual de ação no mercado, o que dependeria de um governo igualmente ultraliberal. A fala emblemática de Jair Bolsonaro, no auge da pandemia, de que o “povo precisa trabalhar”, é bastante esclarecedora neste sentido. Ao mesmo tempo, o governo da extrema direita vai manter políticas sociais da esquerda como um recurso populista eficaz.

Com isso, retornando a Erich Fromm, o que presenciamos é uma mudança gradual no caráter social brasileiro recente. Tal mudança, como percebia Fromm, é dinâmica, típica da cultura capitalista que ao mesmo tempo molda e é moldada pelo caráter social. Diferente da interpretação dominante e equivocada de que o brasileiro é essencialmente autoritário, o que presenciamos durante os governos da esquerda foi a construção gradual de um contexto de mais tolerância, aceitação e crença nas propostas progressistas de justiça e inclusão, que começa a ser modificado diante do fracasso de tais promessas. Com isso, o sistema político ao mesmo tempo modifica e é modificado pelas formas de pensar, agir e sentir da sociedade como um todo.

Agora, Jair Bolsonaro perdeu a última eleição e Lula retorna ao poder, em uma situação muito atípica e de difícil interpretação. Aqui, valem algumas considerações parciais. Em um primeiro momento, Jair Bolsonaro tentou um golpe, no fatídico 8 de janeiro, o que pode ser entendido a partir de outra parte da obra de Erich Fromm. Como foi bastante divulgado na mídia, os principais símbolos do poder em Brasília foram depredados em um ato de vandalismo de dimensões inéditas em nossa história.

Ali pudemos ver os impulsos de agressividade e destrutividade individuais canalizados contra um suposto opressor externo que, depois de amado, no auge da promessa progressista, agora é odiado. A ambiguidade intrínseca, que expressa o teor instrumental da manipulação realizada sobre boa parte dos indivíduos no ato, reside no fato de se empunhar a bandeira do brasil e ao mesmo tempo destruir seus símbolos de poder. Ou seja, se expressa aqui uma relação mal resolvida de amor e ódio em relação a autoridade externa do sistema político.

Na prática, sabemos que boa parte das pessoas envolvidas no ato agiram de maneira puramente instrumental, sendo inclusive financiadas para tanto. Ou seja, uma milícia da extrema direita. Por outro lado, muitos indivíduos ali presentes, o que também pudemos ver em toda a ação da militância de extrema direita ao longo do governo Bolsonaro, representando seu eleitorado, foram movidos por crenças e ideais que se infiltraram ou maximizaram no caráter brasileiro recente nos últimos tempos.

Aqui, como conclusão, podemos buscar um diálogo com a leitura de Erich Fromm sobre a fuga da liberdade e suas dificuldades. Se estivesse vivo, Erich Fromm certamente não ignoraria os imperativos morais impostos pelo capitalismo flexível, que promete sucesso e felicidade, ao mesmo tempo em que oferece, no plano material, instabilidade e precariedade, além de angústia, instabilidade e sofrimento, no plano existencial.

Com isso, precisamos de uma nova teoria da alienação e de novas buscas para sua superação. Em boa medida, Erich Fromm psicologizou a teoria da alienação de Karl Marx, a partir de sua influência de Sigmund Freud, indo além também deste, ao mostrar que o indivíduo, em sua natureza humana dinâmica, pode ser vetor tanto da reprodução quando da superação da alienação.

Para Erich Fromm, a superação da alienação dependeria da construção altruísta de relações sadias com o outro, diferentes daquelas predominantes na sociedade insana de seu tempo, muito semelhante ao que vivemos hoje. Neste sentido, a busca por um humanismo transformador e até mesmo por um socialismo humanista pode ser um projeto sério a ser construído socialmente. Se Erich Fromm estiver correto, a sociedade e o caráter social se transformam de maneira dinâmica, o que nos permite margem para esperança e não para a simples entrega ao conformismo, pessimismo ou melancolia. Entretanto, esta mudança depende também da ação do sistema político-econômico, que precisa se reconstruir criativamente.

Em seu terceiro mandato, Lula encontra novas dificuldades, mais obtusas e complexas do que as anteriores. Em certo sentido, a presença de Jair Bolsonaro no poder deixou claro quem era o inimigo a ser deposto. Ainda que Jair Bolsonaro tenha sido, como indivíduo, apenas um instrumento de um contra-sistema conservador, considerando que sua carreira agora parece fadada ao fracasso, ele explicitou, assim como Donald Trump, os ideais mais obscuros da modernidade, negados pelo sistema progressista.

Agora, a ação conservadora migrou para mecanismos mais complexos, como aqueles capitaneados pelo atual presidente da câmara dos deputados, Arthur Lira, que tem conseguido impedir ações progressivas do governo, assassinando o mesmo ainda no berço. Com isso, as perspectivas para os próximos anos não são muito promissoras. Por outro lado, com a eleição de Lula o caráter social brasileiro parece ter amenizado um pouco os seus ânimos e retomado algum fôlego. Com isso, podemos talvez ainda ter alguma esperança.


* The Night Wanderer, Edvard Munch. Disponível em: https://www.nytimes.com/2016/02/19/arts/design/review-the-darkness-and-light-of-edvard-munchs-work.html, acesso em 28 de junho de 2023.

** Versão modificada de apresentação na 3ª Conferência de Pesquisa Internacional sobre Erich Fromm, realizada na International Psychoanalytic University em Berlim. Utilizamos aqui, com a devida autorização do autor, a versão publicada em A Terra é Redonda disponível em https://aterraeredonda.com.br/o-medo-a-liberdade/?fbclid=IwAR0dWi4FmvDPAyNjD_qnsACFUVbjjaJHLutC8D1AJsKgNqFz4I5vH_uVsPs, acesso em 28 de junho de 2023.

*** Fabrício Maciel é professor de teoria sociológica na Universidade Federal Fluminense (UFF). Autor, entre outros livros, de O Brasil-nação como ideologia. A construção retórica e sociopolítica da identidade nacional (Ed. Autografia).

segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Eleições norte-americanas 2020 – Parte II – Pós-lançamento da campanha republicana

 Eleições norte-americanas 2020 – Parte II – Pós-lançamento da campanha republicana
 


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Aluysio Abreu Barbosa[1]
 
Acabou nesta madrugada brasileira[2] o longo discurso em que Donald Trump aceitou a indicação do Partido Republicano para tentar a reeleição a presidente dos EUA nas urnas de 3 de novembro. Foi o primeiro em que a Casa Branca foi utilizada como palco de campanha, o que jamais tinha sido feito por nenhum presidente candidato à reeleição, desde que a sede do Poder Executivo estadunidense foi construída em 1800.

Atrás nas pesquisas e nas casas de apostas, Trump, como era esperado, radicalizou seu discurso. Discurso este que foi várias vezes dirigido nominalmente contra o seu adversário Joe Biden a quem chamou de “cavalo de Tróia do socialismo”, mesmo que Biden seja um político moderado que derrotou o socialista Bernie Sanders nas primárias democratas, e de “fraco”.

Trump atacou também governadores democratas por adotarem a quarentena contra a Covid, que já tirou mais de 180 mil vidas humanas nos EUA. Número que o líder do país campeão mundial de mortes pela pandemia não citou. Mas, sem usar máscara, disse que seu governo é “aliado da ciência” diante da aglomeração de 2 mil entusiasmados militantes que gritavam “four more years” (“mais quatro anos”), a grande maioria também sem máscaras.

Além dos governadores democratas, o presidente dos EUA atacou os prefeitos do partido de oposição que, segundo ele, não pedem ajuda federal contra os protestos gerados pelo assassinato de George Floyd, negro sufocado até a morte por um policial branco em 25 de maio. E que foram reacendidos depois que o também negro Jacob Blake levou sete tiros pelas costas no último domingo (23), diante dos seus três filhos pequenos, disparados por outro policial branco.

Trump classificou os manifestantes, jovens em sua maioria, de “anarquistas”, tentando ligá-los a Biden e aos democratas. Mas não citou outro jovem, Kyle Rittenhouse, de 17 anos, que matou dois manifestantes na terça (25) a tiros de fuzil, e tinha postado um vídeo em que aparecia na primeira fila de um comício do presidente. Este reforçou o tempo inteiro o discurso da “lei e da ordem”, que teve êxito em 1972, quando os EUA também estavam tomados por protestos pelos direitos civis, e outro presidente republicano, Richard Nixon, foi reeleito ainda que tenha sido obrigado a renunciar em 1974, para não sofrer o impeachment, pelas complicações do caso Watergate, em que espiões a mando da Casa Branca foram presos enquanto plantavam escutas no comitê democrata. Tanto o vídeo trumpista do jovem assassino de hoje, quanto o Watergate dos anos 1970, foram revelados pelo jornal Washington Post.

Além dos jovens que levaram os protestos do “Black Lives Matter” (“Vidas Negras Importam”) dos EUA ao mundo, outro alvo preferencial de Trump em supostas ligações com Biden foi a China de Xi Jinping com quem prometeu endurecer ainda mais a guerra comercial. Ele voltou a chamar o Sars-Cov-2 de “vírus chinês”, posição xenófoba que adotou antes da pandemia chegar aos EUA. A associação da China com o presidenciável democrata foi feita várias vezes: “A agenda de Joe Biden é ‘made in China’. A minha é ‘made in the USA’”. Já sobre a Rússia de Vladimir Putin, que Biden atacou pela interferência na campanha presidencial de 2016 com produção e difusão de fake news, o republicano favorecido por elas não disse uma palavra.

Trump também fez muitas promessas. Prometeu diminuir os impostos, que Biden prometeu cobrar das grandes fortunas para garantir seguridade social à população, e o preço dos remédios. Prometeu também uma vacina “segura e eficaz” contra a Covid ainda este ano, após sua campanha da cloroquina ter nos EUA o mesmo efeito inócuo que no Brasil de Bolsonaro. Não prometeu o sol, mas prometeu literalmente a Lua, garantindo que colocará a primeira mulher para pisar no satélite terrestre em um eventual próximo mandato. E prometeu até fincar a bandeira do seu país no solo de Marte. Além de prometer concluir na Terra seu controvertido muro na fronteira com o México: “O muro vai logo ser concluído, e está andando acima de nossas expectativas mais selvagens”. Mas não citou que seu estrategista da campanha vitoriosa de 2016, Steve Bannon, mentor internacional do clã Bolsonaro, foi preso no último dia 20 por desvio de recursos para a polêmica obra.

Trump também homenageou duas famílias de negros mortos, presentes no seu discurso. E chegou a afirmar: “Fiz mais pela comunidade negra em três anos do que Joe Biden fez em 47 anos (de carreira política), e, quando eu for reeleito, o melhor ainda estará por vir". Em 2016, o presidente teve apenas 6% dos votos dos negros. E as promessas de conclusão do muro com o México e de endurecer ainda mais as regras de imigração não devem ajudá-lo com outra minoria crescente do eleitorado dos EUA: os hispano-americanos. Em contrapartida, fez várias menções religiosas e pró-Israel, para assegurar o voto dos evangélicos, maioria religiosa de lá. O dos judeus, nos EUA, sempre foi majoritariamente democrata.

Ao insistir em um comício com a presença física dos seus apoiadores, Trump pode ter contrariado as orientações sanitárias do seu próprio governo. Mas deu calor à sua campanha. E isso pode dar um contraste favorável ao presidente, em comparação com o distanciamento — politicamente correto, mas politicamente arriscado — da campanha democrata. O republicano mentiu várias vezes em seu discurso, como sempre faz. Ao que seus entusiastas parecem indiferentes. Mas talvez precise ir além deles. Em um país politicamente tão polarizado quanto o Brasil, mas sem voto obrigatório, é na busca do eleitor não trumpista, mas também não democrata, que o pleito deve ser decidido.

Trump e Biden parecem ter razão em um raro ponto comum dos seus discursos: será uma eleição histórica. Pelo uso da Casa Branca como palco de comício, pela primeira vez em seus 220 anos de existência, a campanha já é.
 
* "Republican Party Flag”. Disponível em: https://www.reddit.com/r/vexillology/comments/d2g8ep/republican_party_flag/, acesso em 31 de ago. 2020.


[1] Jornalista, poeta e diretor de redação do jornal Folha da Manhã.

[2] Texto originalmente redigido pelo autor poucas horas após o término do anúncio da campanha de reeleição do republicano Donald Trump. O texto original, que aqui estamos republicando, pode ser conferido aqui: https://www.facebook.com/aluysio.abreubarbosa.3/posts/1389300037925436

domingo, 13 de novembro de 2016

A globalização e a crítica conservadora

A globalização e a crítica conservadora*

George Gomes Coutinho **

O mundo ficou atônito com as notícias de 09 de novembro. Parte não escondia a euforia com a eleição de Trump. Outro grupo, este mais numeroso na opinião pública mundial, não disfarçava sua perplexidade com a vitória do republicano.

Cabe refletirmos. O que afinal o eleitorado norte-americano quer dizer com esse resultado?

Dentre as possíveis chaves de análise de um fenômeno complexo como esse, irei apostar em somente uma delas. Não irei esgotar a questão. Apenas concentrarei a interpretação em um ponto que pode ser articulado com outras perspectivas. A minha se centra na globalização como promessa de projeto civilizatório para este século XXI.

Retornando para a década de 1990, as promessas de um mundo conectado, horizontalizado, sem fronteiras, com alta mobilidade de pessoas, culturas, capitais e mercadorias era bastante sedutor. Era o mundo pós-Guerra Fria e o inimigo externo do capitalismo, o comunismo, já não assustava. Porém, como muitas promessas úmidas feitas ao pé do ouvido, as sussurradas pelo otimismo liberal pró-globalização no final do século passado não decantaram na realidade.

A globalização “real” produziu diversos efeitos colaterais. Citarei apenas três que aqui importam na construção de meu argumento: 1) A alta mobilidade dos postos de trabalho que produziu desemprego nos países sede das multinacionais; 2) Os  imigrantes provenientes de diversas origens e motivados por diversas razões foram um alento conveniente por aceitarem condições de trabalho subalternas. Contudo, após a adaptação até geracional, estes passam a competir junto aos nativos por vagas escassas no mercado de trabalho; 3) A desindustrialização, que se reflete na redução ou desaparecimento de setores industriais inteiros.

O voto em Donald Trump foi, sem sombra de dúvidas, um voto crítico a todo este processo. O problema é o conteúdo, o direcionamento. A retórica nacionalista, a nostalgia que quase sempre mente sobre um passado glorioso, faz deste um voto crítico conservador. Não se olha para o futuro e sim para o passado. Além de não enfrentar de fato o grande vencedor das últimas décadas: o capital financeiro, predatório e volátil. Muda-se tudo para não se modificar nada.

 * Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 12 de novembro de 2016


*Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes