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quarta-feira, 20 de outubro de 2021

O fim dos partidos militantes

 

Fonte: Justificando.

O fim dos partidos militantes*

* Publicado originalmente no Jornal GGN.

Aldo Fornazieri

A queda do muro de Berlin e o colapso da União Soviética podem ser definidos, reunidos num mesmo evento, como o marco que sacramenta o início do fim dos partidos militantes e, a rigor, dos partidos de massa. Não é a causa única, evidentemente, mas é o marco histórico. A transformação das sociedades industriais, que agregavam a aglomeração de grandes números de trabalhadores em fábricas e conformavam a existência de poderosos sindicatos, em sociedades tecnológicas que dispersam os trabalhadores em ilhas menores e em serviços, certamente é um dos fatores importantes para o declínio dos partidos militantes e de massa, principalmente os de esquerda e socialdemocratas.

Existem também fatores de ordem ideológica. Com a queda e o fim da URSS chegou-se também ao fim da luta sistêmica – o fim da luta que opunha dois sistemas de forma universal, econômica, política, social e ideologicamente: o capitalismo e o comunismo. Um sistema venceu. Nem Cuba e nem a Coréia do Norte são oposições sistêmicas ao capitalismo. A China é um modelo misto. Com isso, os partidos de esquerda, em praticamente todo o mundo, passaram a integrar e operar no sistema capitalista. Vejam-se os partidos da esquerda brasileira: o paradigma programático principal de suas lutas não é o socialismo.

No auge da sociedade industrial, que coincidiu mais ou menos com o período da Guerra Fria, os partidos precisavam ter poderosas organizações partidárias vinculadas a setores sociais definidos, a quem representavam, para serem competitivos eleitoralmente e para terem capacidade de interferir nas esferas do Estado, visando viabilizar políticas públicas e direitos em favor de seus representados. As próprias distinções ideológicas e programáticas eram mais definidas e demarcadas.

Com o novo quadro que se institui no final do século XX e nessas duas décadas do século XXI, surgem novas características: há uma maior diluição das diferenças ideológicas e programáticas, alianças mais amplas e plurais se constituem para dar apoio a governos, os partidos reduzem suas estruturas organizacionais em termos de militância organizada, há um esvaziamento da dinâmica sindicato-parido, as lutas por direitos sociais e trabalhistas (base do Estado de Bem-estar) cede espaço para pautas identitárias e políticas de moralidade.

Enfim, como nota Piter Mair, a militância, as mobilizações e os comícios perdem importância (tendência reforçada pela internet), os partidos se afastam dos cidadãos e das bases sociais e suas organizações se tornam mais enxutas e burocratizadas. A rigor, os partidos se afastam da sociedade e fluem para o Estado. Tornam-se partidos-Estado, expressões do Estado e dos governos.

Os partidos se tornam máquinas do poder, cuja relação com a sociedade não se define mais pela organização, pela representação social especifica, pela militância, mas por uma relação meramente eleitoral. Esta relação se define cada vez menos pelos preceitos de uma hegemonia estável e mais pelas circunstâncias do momento. Exemplo disso é a flutuação de votos, por exemplo, entre Lula e Bolsonaro.

A dependência dos partidos ao Estado e às estruturas do governo ocorre em várias democracias. No Brasil, essa dependência é bastante acentuada: os partidos dependem dos fundos eleitorais e partidários, do sistema de mandatos, cargos e privilégios. Os partidos, incluindo os de esquerda, fundem seus sistemas de interesses mais com os interesses do Estado e dos governos do que com os interesses da sociedade.

São poucos os parlamentares, tanto no Brasil quanto em outros países, que fazem uma crítica contundente ao sistema de privilégios agregados no setor público, ao sequestro dos recursos públicos para esse setor e à sistemática incapacidade do poder público de resolver problemas cruciais da economia, da sociedade, da perda de direitos etc.

Os eleitos, os parlamentares, seus assessores fazem parte de uma elite pública que vive de cargos e privilégios estatais. A CPI da Covid revelou não apenas uma criminosa estrutura inoperante e operante do Estado e do governo contra a sociedade, mas também uma igualmente criminosa omissão dos parlamentares que não fiscalizaram, não denunciaram, não fizeram averiguações in loco, deixando o povo no seu próprio abandono.

Os partidos estão em crise? Vários analistas optam por responder esta pergunta de forma ambígua. Por um lado, enquanto estruturas partidárias organizadas da sociedade, de fato, os partidos estão se enfraquecendo. Mas enquanto máquinas de poder insuladas no Estado, que controlam mandatos, cargos, privilégios e verbas públicas, os partidos estão se fortalecendo.

Um dos aspectos que fortalece os partidos enquanto máquinas de poder do Estado diz respeito à perda de relevância das mobilizações populares. No passado, em grande medida, essas mobilizações eram convocadas e lideradas pelos partidos. Recentemente, os partidos são coadjuvantes dessas mobilizações. Essas são convocadas a partir de eventos casuais, a exemplo do assassinato de George Floyd, ou a eventos circunstanciais, a exemplo do Fora Bolsonaro e outros tipos de lutas políticas e pautas pontuais. Mas o fato é que as mobilizações têm pouco impacto resolutivo sobre os rumos das políticas estatais e as decisões parlamentares. Isto confere um conforto aos partidos no sentido de que os seus próprios interesses são o centro de suas decisões.

O que se tem, então, é uma crise da relação dos partidos com a sociedade. E esta é a crise da democracia, o agravamento da crise da representação, a crise da democracia como democracia de partidos. As consequências dessa crise são várias. Alguns analistas chamam a atenção para uma crescente despolitização, tanto dos políticos e dos partidos, quanto da sociedade. O linguajar tecnicista e administrativista domina cada vez mais nas conversas dos políticos. Este é um largo caminho para a inoperância e a incompetência. Em política, as soluções precisam ser políticas. A técnica e a administração devem ser auxiliares da política. Mas os partidos e os políticos inverteram essa equação.

O afastamento dos partidos da sociedade produz uma inevitável despolitização, desorganização e perda de qualidade cívica da mesma. Isto abre as portas para uma crescente influência de grupos religiosos, fragmentação de pautas, fake News e pós-verdades, visões obscurantistas e anticiência, teorias conspiratórias etc.

Sempre existirão políticos oportunistas prontos para abraçar essas pautas para encurtar seus caminhos para o poder. As novas ondas de extrema-direita se aninham nesse ambiente de despolitização e desorganização social. Capturam massas amorfas, mergulhadas em sua própria solidão. Este é o maior custo a ser pago pela transformação dos partidos democráticos e de esquerda de partidos da sociedade em partidos do Estado. O risco é alto: o do definhamento das democracias.

domingo, 17 de setembro de 2017

Autocrítica, PSDB e PT

Autocrítica, PSDB e PT *

George Gomes Coutinho **

Há semanas atrás, ainda no mês de agosto, o Partido da Social Democracia Brasileira, o PSDB, apresentou uma propaganda partidária que suscitou reações acaloradas e estranhamento entre gregos, troianos e baianos. Será impossível debater aqui neste espaço todas as contradições ali presentes. Todavia causa perplexidade a crítica de FHC ao que ele anda chamando ultimamente de “presidencialismo de cooptação”, tema apresentado na propaganda partidária, sem reconhecer que parte do DNA deste tipo de relação entre legislativo e executivo é tucano.

Porém ressalto algo que considero importante para a conjuntura. Há a tentativa de realizar a autocrítica. Mesmo que o texto veiculado seja insuficiente, inegavelmente superficial e por vezes piegas, o exercício da autocrítica tenta estabelecer uma nova relação entre partido e eleitorado. Ou seja, para além de seus convertidos, os tucanos sabem que precisam abrir o diálogo com amplos setores da sociedade em virtude da desconfiança endêmica dos cidadãos com seus representantes.   

O Partido dos Trabalhadores, doravante PT, anda seguindo caminho diverso neste momento em que os partidos e a classe política são alvejados diariamente no espaço público.

O PT sem dúvida sofreu diversos reveses nos últimos anos e conta com a fadiga de material causada pelos anos sucessivos no executivo federal. Para além disso tem atuado, em termos táticos, cuidando de outras questões: 1) a denúncia das não poucas contradições do processo de impeachment de Dilma Roussef, onde apresentam a tese do golpe parlamentar; 2) o combate à “lawfare” (guerra jurídica) cujos alvos seriam Lula em particular e o PT em geral.

Não desconsiderando a seriedade destas questões, que fazem parte da guerra de narrativas em voga, o PT peca para além de seu círculo de militantes e/ou simpatizantes. Ou seja, tanto a lawfare quanto o golpe parlamentar até o momento só enternecem os integrados. O auto-elogio também não tem ajudado. Serei excessivamente redundante para fins didáticos: é como Cristo pregando a cristandade entre os cristãos. Por isso a autocrítica, para além de abrir o diálogo com grupos não petistas, pode ser uma excelente terapia em um sistema político em estado terminal.

* Texto publicado em 16 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 11 de junho de 2017

O partido mais forte do planeta

O partido mais forte do planeta *

George Gomes Coutinho  **

O Brasil mantinha até as eleições de 2014 nada menos que 32 siglas partidárias reconhecidas e legalizadas. Olhando para o sistema político norte-americano o nosso quantitativo é até modesto. Nos EUA há pouco mais de 70 siglas em funcionamento mais ou menos regular. Todavia há diferenças evidentes entre os dois sistemas políticos: os EUA mantém filtros que tornam o sistema, em termos de concorrência no mercado eleitoral, praticamente bipartidário. Ou seja, regras restritivas tornam o sistema pouco poroso para pequenas legendas alternativas, sendo que algumas destas só atuam dentro dos limites de um ou outro estado específico. Bom para o status quo binário de republicanos e democratas.

Já no Brasil nada impede que legendas menos pujantes e/ou tradicionais possam ser exitosas em eleições majoritárias dependendo de ventos favoráveis da conjuntura. O caso Collor em 1989 é o grande exemplo da Nova República até o presente momento.

Contudo, a despeito das conjunturas, eleições e alternância de poder, um partido sobrevive de forma inconteste sempre capaz de exercer o poder de veto e, evidentemente, realizar concessões. Falamos do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o PMDB. Marcos Nobre filósofo e professor da Universidade Estadual de Campinas já identificou o PMDB como “o partido mais forte do planeta” não por acaso.  Sem desconsiderar a alternância de poder bipolarizada da década de 1990 para cá, o que derivou no par PSDB/PT encabeçando as chapas vencedoras das últimas eleições presidenciais, o PMDB mimetizou o Deus judaico-cristão. Sempre esteve onipresente. Mas, o que explicaria este “caso de sucesso”?

Creio que há duas explicações. Primeiramente o caráter genérico de seu programa partidário onde a democracia se apresenta como praticamente o único grande valor a guiar a adesão de seus partícipes. Sob este valor central, que funciona tal qual um generoso abrigo, cabem todos. Disto deriva a plasticidade do PMDB, capaz de dotar feições profundamente regionalizadas e, conseqüentemente, forjar seus caciques locais. Desta dobradinha eficiente, onde o fisiologismo é parceiro estratégico, o partido sem feição ideológica clara torna-se relevante.


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 10 de junho de 2017

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes