Boa tarde!
Tive o prazer de participar do podcast “Uma conversa sobre a Religião cristofascista", na 1Conv187. Está no ar, é só clicar!
https://open.spotify.com/episode/03IotOFApq59Mo0MRaBtYM
Abraços!
Boa tarde!
Tive o prazer de participar do podcast “Uma conversa sobre a Religião cristofascista", na 1Conv187. Está no ar, é só clicar!
https://open.spotify.com/episode/03IotOFApq59Mo0MRaBtYM
Abraços!
Bolsonaro e o
cristofascismo brasileiro: relação cristianismo e política*
* Publicado originalmente na ASCOM/UENF.
Em 1970, a teóloga
alemã Dorothee Sölle criou o termo “cristofascismo” para se
referir às relações entre o partido nazi e as igrejas cristãs no
desenvolvimento do Terceiro Reich. Em 2020, ao lançar o livro “Pandemia cristofascista”
(Editora Recriar), o também teólogo Fábio Py, docente do Programa de
Pós-Graduação em Políticas Sociais da UENF, resgatou o termo, trazendo-o para o
contexto brasileiro. O cristofascismo brasileiro é, segundo Py, a
aliança entre igrejas cristãs e bolsonaristas para a implantação de
um governo autoritário, com características neofascistas e
ultraliberais.
São muitas as analogias com
o cristofascismo alemão. Assim como Hitler, Bolsonaro utiliza jargões
cristãos como parte preponderante de seus discursos, como o clássico
“Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Assim como o ditador
nazista, o presidente brasileiro também participa de eventos promovidos pelas
igrejas cristãs, relacionando-se com seus líderes. E, dentre suas estratégias
para alçar o poder e manter sua imagem em alta, se vale de seguidas conversões
ao cristianismo.
Segundo Py,
o cristofascismo bolsonarista “promove-se por meio de uma
teologia política autoritária, pautada hoje no clima apocalíptico
do coronavírus, baseada no ‘ódio à pluralidade democrática’. Esse ódio é
salpicado por técnicas governamentais de promoção da discriminação, de ódio aos
setores ‘heterodoxos’. Diante da expansão do coronavírus no Brasil,
foi somada sua característica antidemocrática ao discurso
economicista como justificativa para a explicita permissão da
‘política da morte’ eugênica cujos alvos são os pobres, os mais velhos, os
diabéticos e os hipertensos”.
“A artimanha construída pela cúpula o desenha
numa cristologia profana, apontando-o como messias, servo sofredor,
ungido e eleito da nação. Faz isso para reagrupar as forças a fim de
manter, a duras chicotadas, a implementação de medidas ultraliberais que
hoje entregam à morte os mais vulneráveis” afirma.
Em sua análise Py salienta que, em resposta ao
contexto mundial e brasileiro da pandemia de Covid-19, Bolsonaro acirrou ainda
mais a associação de seu governo ao cristianismo, evocando uma espécie de
“guerra dos deuses”, como define Michel Lowy.
“Nessa guerra pelo Deus cristão, Bolsonaro alimenta
a base de seu governo autoritário ao reforçar sua gestão do ideário
maniqueísta. Ao assumir-se como presidente dos cristãos, simplifica os
conflitos políticos, que passam a transubstanciar-se em embates entre bem
versus mal. Em tal arranjo, a guerra dos deuses se traveste na luta entre
aqueles que representam o mal, em uma alegoria caricatural dos ‘comunistas’,
dos ‘humanistas’, ou dos ‘petistas’, e entre aqueles também alegoricamente
expressos como ‘cidadãos de bem’”, diz.
Nesta entrevista à ASCOM/UENF, Fábio Py fala sobre
as causas históricas para a ascensão do cristofascismo no Brasil,
chamando a atenção para o legado da ditadura militar — cujo ideário não foi
apagado com a volta da democracia — bem como para a responsabilidade do
“petismo” para a ascensão dos evangélicos no poder. Segundo o professor, mais
difícil que vencer Bolsonaro nas próximas eleições, será desarmar
o bolsonarismo. Veja a entrevista:
ASCOM
– Segundo a narrativa do Novo Testamento, Jesus era a personificação do amor ao
próximo. O presidente Bolsonaro já deu mostras suficientes de seu caráter
racista, homofóbico, misógino, agressivo, arrogante e completamente
insensível às mortes pelo coronovarírus. Como podemos entender este
fenômeno no qual um candidato tão distanciado desse ideal cristão possa, ao mesmo
tempo, para algumas parcelas da população, ter sua imagem aproximada à de Jesus
Cristo?
FÁBIO
– Existe um ideário medieval de que Jesus é o amor encarnado, dono de
uma prática pacifista. Esta é uma tradição do catolicismo
hegemônica, contudo, alguns textos do evangelho destoam disso. Eu não
sei dizer que ser pacífico, no mundo antigo, era você sair da sua casa e
largar sua família como as narrativas indicam nos evangelhos. E tampouco falar
que não veio trazer paz, mas espada, como Jesus indica aos apóstolos. Então
esse é o primeiro elemento que tem que ser problematizado: essa imagem de um
Jesus pacífico, que dá a outra face etc. Existem vários grupos partidários do
judaísmo, da época de Jesus, nos quais, vez ou outra ele se enquadra.
Eu não acho que Jesus foi alguém tão pacifico em relação às
instituições religiosas e instituições do estado romano na Palestina. Na
verdade, ele foi contra as duas instituições de domínio sobre
os judeus na época. Na superfície, o cristianismo não tem muito
a ver com Bolsonaro. Mas temos que considerar que o cristianismo é um elemento
importante da civilização ocidental. E ele é absolutamente violento no seu
lado interno, dos mecanismos religiosos, como Xavier Pikaza indica,
pois renomeia as outras religiões, chamando alguns deles de satânicos,
demoníacos. Então essa própria agenda monoteísta interna do sistema
teológico do cristianismo é um problema, pois acumula praticas violentas
das demais tradições religiosas.
Estrategicamente, desde 2016, Bolsonaro vem tentando
cada vez mais se afirmar como um bom católico e evangélico. E aí vemos uma
série de conversões públicas dele, nas quais ele afirma: agora eu aceitei
Jesus. Estrategicamente, ele afirma isso nos eventos cristãos,
para poder sensibilizar de uma forma muito direta o público. Então, a via
do diálogo dele com o cristianismo não é de acordo com o seu caráter reflexivo
enquanto sujeito, que luta contra a homofobia, contra a discriminação, mas a
via dele de diálogo com o setor é a de tentativas ou indicações de
conversões. Foram diversas conversões ao catolicismo e,
principalmente, mais recentemente, ao público evangélico. Nos últimos
tempos, ele tem ido a várias celebrações religiosas na Assembleia de Deus, na
Igreja Universal, na Igreja Mundial do Poder de Deus. Ele vem frequentando
essas igrejas de forma muito direta e, com isso, tentando amplificar o seu
diálogo com a base. Portanto, Bolsonaro vem tentando se afirmar como
um convertido, e ao mesmo tempo, frequentar uma série de celebrações com o
setor evangélico. Essa é a forma com que ele vem tentando dialogar,
passando inclusive por cima dessa tônica dele misógina, a favor de armas etc.
Aliás, isso é interessante, pois o setor evangélico no Brasil é contrário ao
uso de armas e, mesmo assim, ele vem conseguindo suplantar essa dificuldade.
ASCOM
– O envolvimento de evangélicos na política, apoiando candidatos e mesmo
adentrando a arena política, vem se dando já há algum tempo no Brasil. Em que
difere o momento atual do que ocorreu nos últimos governos de esquerda?
FÁBIO
PY – A questão dos evangélicos na política já vem acontecendo há algum
tempo, antes mesmo da construção da bancada evangélica. Na verdade, isso vem
desde 1930, quando o governo varguista incentivou a criação de algumas
representações, organizações religiosas. Por exemplo, nós temos a
Liga Católica, formada em 1932, e a Confederação Evangélica Brasileira,
formada em 1934. Essas agências vão lutar também pela representação eleitoral
desses setores. A Confederação Evangélica consegue eleger, em 1936, o pastor
metodista Guaraci Siqueira, que depois vai ser eleito deputado federal. O
interessante é que ele tinha uma posição política de esquerda, era um
‘socialista cristão’. Também se mobiliza o catolicismo. Na ditadura
militar, há um apoio indireto das igrejas evangélicas, como a Assembleia de
Deus, a Batista, a Presbiteriana. Elas apoiam em silêncio a ditadura militar.
Em 1986, acontece um novo tipo de entrada do setor evangélico no meio político,
por conta de alguns grupos discipulados por evangelistas americanos que vão
começar a incentivar a participação política das igrejas. Então, a configuração
evangélica brasileira se redimensiona a partir de 1986, buscando uma
representação oficial de evangélicos no meio da política partidária. Já neste
ano, eles conseguem a eleição de alguns quadros, que vão começar a formar o
esboço do início da bancada evangélica. Isso vai ganhando cada vez mais
proporção e, a partir da década de 2010, eles conseguem criar a
Frente Parlamentar Evangélica.
O que acontece é que no governo PT o grupo
evangélico participou da governança petista. Vale à pena lembrar que a
área de direitos humanos ficou durante um tempo nas mãos dos setores
evangélicos chamados progressistas. Logo depois
Marcos Feliciano assume esse setor, e se distancia do governo
PT com intrigas públicas, como com Arolde de
Oliveira. Mas se amplificou, culminando no impedimento de
Dilma Rousseff, que foi amplamente convocado pela Frente Parlamentar
Evangélica.
Assim, o impeachment de Dilma
Rousseff foi levado na ponta do lápis por Marcos Feliciano,
Silas Malafaia e diferentes setores evangélicos
hegemônicos. Nesse contexto, surge a vontade de construção de um
governo cristão. Aí que entra o Jair Bolsonaro, que se batiza no âmbito do
próprio impedimento de Dilma Rousseff, percebendo o vácuo e a
necessidade da Frente Parlamentar Evangélica de ter um cristão como
futuro presidente. Nos últimos anos, o que se diferencia é isso: o governo
do PT ajudou a Frente Parlamentar Evangélica a ganhar força. Mas essa aliança
se desfez e eles ajudaram no impedimento de Dilma. Em seguida, passaram
a compor o quadro do governo Temer e, posteriormente, ajudaram
na construção do que chamamos hoje de bolsonarismo.
ASCOM
– O PT então pode ser culpado do surgimento do bolsonarismo por ter
contribuído para a ascensão dos evangélicos ao poder?
FÁBIO
PY – Eu diria que sim. Vários grupos atuaram na
construção do bolsonarismo, como o PT, o PSOL. As esquerdas
tradicionais, mesmo de forma indireta, ajudaram nisso. Ajudaram no
processo de construção de um “espantalho da esquerda”, um sujeito odioso,
que fala tudo que não é correto, justo e que tem posições contrárias
à democracia. Certamente, um dos responsáveis por isso é o setor de esquerda.
Ao longo desse processo, ocorreram algumas questões. Quero salientar que,
antes da eleição de Lula, quando se começava a pensar e mobilizar a
campanha eleitoral que daria a vitória a ele, em 2001, um
grupo evangélico progressista participou de uma reunião e assumiu que
vale a pena abrir o diálogo com instituições religiosas grandes, como eu
costumo chamar, com as grandes corporações religiosas evangélicas. A Universal
e todas essas igrejas foram chamadas para o diálogo e, a partir daí, o PT
passou a se relacionar com essas instituições representadas na Bancada
Evangélica. Então, há um grupo, um núcleo dentro do petismo que defende o
diálogo com grandes evangelistas, pastores como Silas Malafaia, Edir
Macedo, etc. Esses evangélicos progressistas que são os responsáveis
por esse diálogo. Isso foi até um passo importante, mas depois, ao longo
do tempo, foi causando uma série de rusgas e problemas. Novamente,
vale à pena lembrar que Marcos Feliciano assumiu, como liderança da Frente
Parlamentar Evangélica, a comissão de direitos humanos, causando uma série de
tensões, falando contra o setor LGBTQIA+, a favor da ‘família tradicional
brasileira’, e isso ajudou a dar mais força ainda para a Frente Parlamentar
Evangélica. Ao mesmo tempo, foi a partir do crescimento dessa Frente que
aconteceu a união bolsonarista. Então não há uma ligação direta entre
o lulismo e bolsonarismo, mas pode-se dizer que certas
instituições, grupos, tendências do setor evangélico já participavam do governo
petista e depois ajudaram a organizar e construíram muito fortemente o governo
que agora a gente se está vendo, que é o bolsonarismo, e que eu chamo
de cristofascismo brasileiro.
ASCOM
– Qual foi o motivo do rompimento dos evangélicos com o PT?
Fábio
Py – Eu diria que o motivo do rompimento
dos evangélicos com o governo Dilma foi essa questão de
que começou a ficar muito estridente que o governo não era tão favorável
à dita “familia tradicional brasileira”. Começou-se a falar
muito em ideologia de gênero, por exemplo, e essas terminologias começaram a
cada vez mais afastar o governo de Dilma Rousseff das pautas tão
importantes para o setor conservador evangélico. Mas eu queria também adentrar
um detalhe: a Igreja Universal do Reino de Deus, mesmo sendo favorável à
‘familia tradicional brasileira’, foi uma das últimas instituições a
romper com Dilma. Isso também tem que ser colocado na ponta do lápis: a Igreja
Universal do Reino de Deus, historicamente, desde Collor, é uma
instituição religiosa extremamente pragmática, preocupada com o poder. Ela
está sempre junto de quem ocupa o poder. Nesse momento, por exemplo,
já estão acontecendo várias negociações dos agentes da
Universal com os principais candidatos que começam a disputar a
Presidência, no caso Lula e Bolsonaro.
ASCOM
– Como podemos compreender historicamente o surgimento do
“Cristofascismo” no Brasil e no mundo? Quais seriam as causas desse fenômeno de
domínio das massas através da religião? Especificamente no Brasil, o que
contribui para isso?
FÁBIO
PY – O cristofacismo é um termo que eu utilizo a partir de uma
teóloga luterana chamada Dorothee Sölle. Ela usa o termo pela
primeira vez para fazer referência à vivência dela no nazismo. Doutora em
Teologia, foi professora em um seminário de Nova York, onde
teve acesso a grupos supremacistas brancos, percebendo o vínculo
desses grupos com o fundamentalismo e a luta deles contra os direitos humanos,
as mulheres, os negros etc. Dorothee afirma que há uma
conexão entre o nazismo e esses setores. E é essa conexão que ela vai
chamar de cristofascismo. Esses sujeitos supremacistas brancos
americanos, em nome de Cristo, discriminam e constroem um maquinário de ódio
contra os setores heterodoxos: mulheres, negros, LGBTQIA+ e, no
caso dos EUA, os latinos. Então o cristofascismo surge
assim. E aí eu faço uma diferenciação com a terminologia da Dorothee. Eu
reconheço a importância do fundamentalismo para a construção do governo
Bolsonaro, principalmente das grandes corporações evangélicas e católicas
conservadoras. O cristofascismo brasileiro, a que eu estou me
referindo, é a conexão destas grandes corporações evangélicas e católicas com o
governo cerceador de Bolsonaro. Elas ajudaram a construção dele, e agora
dão as mãos e ajudam a composição, a manutenção dele no poder, construindo uma
indústria muito pesada de signos cristãos de ódio a diferentes
pessoas, como os professores, os setores LGBTQIA+, negros indígenas e
quilombolas. Então, cristofascismo é uma larga composição hoje entre
as grandes corporações religiosas cristãs e o bolsonarismo. Eles fazem
isso a partir de uma linguagem comum: a linguagem do movimento dito
fundamentalista. Bolsonaro chega a utilizar desde jargões e até textos bíblicos
nas suas falas políticas.
ASCOM
-Temos visto a perda da popularidade do presidente Bolsonaro à medida em que
aumentam as mortes pela pandemia e que a CPI da Covid-19 avança em suas
investigações. Podemos vislumbrar o fim do cristofascismo a partir da
queda de Bolsonaro ou este movimento tende a continuar com outros atores
políticos?
FÁBIO
PY – Estamos vendo cada vez mais fritar o governo Bolsonaro, mas o que
acontece é que, embora o presidente esteja perdendo apoio popular,
o bolsonarismo vai ser um movimento difícil de ser desarticulado. Como
ocorreu nos EUA, onde, mesmo com a derrota de Trump,
o trumpismo ainda é um elemento forte. Quer dizer, existem parcelas
dessa comunidade, da comunidade americana e da comunidade brasileira que atuam
junto a práticas preconceituosas, racistas, e tudo o mais. Então, acho que
temos pela frente um amplo desafio, ainda maior que sua derrota nas eleições,
que é desarmar o bolsonarismo, que está absolutamente ligado em suas
raízes as antigas elites da ditadura civil-empresarial-militar
brasileira.
Nós não desarmamos esta construção hegemônica do
militarismo na sociedade brasileira, não prendemos os militares que se
utilizaram do governo para poder cassar, matar, praticar crimes contra a
humanidade no Brasil. Bolsonaro foi criado na ditadura militar. Ele era
militar à época, foi criado por ela e agora segue dissipando, a partir do
cristianismo, o seu ódio em direção a diferentes setores sociais e a classes
sociais distintas da dele. Então, o maior desafio é desarmar
o bolsonarismo, uma vez que nós não conseguimos desarmar o legado da
ditadura militar na sociedade brasileira e isso, evidentemente, ajudou a
construir o que nós chamamos hoje de bolsonarismo.
ASCOM
– Caso o presidente seja considerado culpado, sofra um impeachment e
eventualmente seja condenado na esfera criminal, que consequências isto poderá
trazer para as instituições religiosas que ajudaram a elegê-lo e ainda mantêm o
seu apoio?
FÁBIO
PY – Se o bolsonarismo não está desarmado,
o cristofascismo não será desarmado tão facilmente. As agências
religiosas seguem junto ao bolsonarismo. E seguem dando tons religiosos,
ensinando, agindo como ‘intelectuais orgânicos’ (Gramsci) no governo
e posteriormente também devem seguir. Então a gente tem um duplo desafio:
primeiro vencer Bolsonaro nas eleições, de forma pragmática. Segundo, é tentar,
ao longo do tempo, com um trabalho denso de formação crítica, educativa,
de formação social, tentar desarmar tanto a ditadura militar quanto
o bolsonarismo.
Caso haja impedimento e criminalização, espera-se
que as grandes corporações religiosas evangélicas e católicas sofram medidas
judiciais. O que eles vêm fazendo merece ser criminalizado, porque fecham os
olhos para as mortes das pessoas e para a ciência, em detrimento do ganho
financeiro, do ganho político. Essas instituições religiosas que abarcam esses
pastores que mobilizam o bolsonarismo merecem pelo menos servir de
exemplo sendo criminalizadas, pois estão cometendo crime contra a humanidade.
Meio milhão de pessoas não morrem à toa, morrem porque não há uma política
ampla do governo e também não houve uma conscientização religiosa e política
junto à população, isso tem que ser deixado bem claro.
ASCOM
– Estamos então vivendo o resultado de um duplo descaso: 1- a não punição dos
militares envolvidos em crimes durante a ditadura e 2- a “vista grossa” para a
proliferação de igrejas cujo único popósito é arrecadar dinheiro e
aumentar seu poder?
FÁBIO
PY – Na verdade, figuras como Bolsonaro só
estão no poder porque os militares não foram criminalizados. Não todos,
mas os militares que estavam no poder. Um dos responsáveis pelo que está
acontecendo é, sim, essa linha de pensamento militar brasileira. E também não
posso deixar de mencionar as instâncias religiosas que ajudaram de forma direta
a eleger o Bolsonaro. Não posso deixar de destacar o descaso das instâncias
religiosas cristãs às 500 mil mortes de Covid-19, inclusive protestantes
tradicionais, que tanto são considerados como intelectualizados e tudo
mais. Eles também desprezam a ciência hegemônica que constrói tratamentos e
vacinas contra a Covid e fizeram uma aposta em vários momentos por
remédios ineficazes como a cloroquina.
ASCOM – Como as milícias se encaixam no cristofascismo brasileiro?
FÁBIO
PY – Já se vem falando que a milícia é o estado. Posso
dizer de uma forma direta que Bolsonaro tem seu público fiel junto às milícias
do estado do Rio de Janeiro. É só olhar a própria moradia dele e quem são as
figuras que habitam aquela região, ou os próprios suspeitos do assassinato
de Marielle, vereadora do Rio de Janeiro.
Há muita discussão sobre a vinculação de Bolsonaro
com as milícias do RJ, mas, de forma mais conclusiva, a gente pode dizer que é
um quadro do militarismo que ajudou a nutrir as milícias, mas que está ligado
com todas essas práticas que já são clássicas desde a ditadura militar
brasileira, de rachadinha, esse tipo de coisa, que vem sendo levantado
agora, na própria CPI. Bolsonaro e seus filhos estão absolutamente vinculados a
essas práticas como vêm demonstrando as investigações.
Se a milícia se apodera cada vez mais dos espaços
públicos, das geografias e das agências do estado brasileiro, cada vez mais se
tem uma pragmática dentro do cristofascismo. Porque se há uma
conexão entre igrejas evangélicas e católicas com a linguagem do estado
cerceador brasileiro atual, as milícias são quem opera a prática disso, a
prática de violência contra diferentes setores. De forma não oficial, mas às
vezes oficial.
ASCOM
– Você vê algum risco concreto para a democracia brasileira neste momento ou se
o bolsonarismo não for desarmado? Podemos voltar a uma ditadura?
Fábio
Py – Primeiro temos que pensar que a ditadura militar não
foi descrita como ditadura nos seus cinco, seis primeiros anos. Foi a partir de
1970 que começou a se configurar uma ditadura civil-empresarial-militar. No
momento, é muito difícil se fazer uma análise mais detalhada sobre isso. Agora,
alguns elementos têm que ser considerados. Para o professor Michael Lowy,
não é possível mais falar de fascismo tal como era na década de 1940, 1950. Pra
ele, o que se tem a partir de 1960 são novas versões, quando não se faz
mais um governo totalitário, dissolvendo parlamento, construindo de forma
direta práticas violentas, de estado ou, no caso do Hitler, imperial mesmo, do
império do terceiro Reich. Para esse autor, virou uma pragmática dos governos
nacionais certos traços fascistas. Eu acho que é isso um pouco que a gente
passa com o bolsonarismo. Não tem aquela antiga configuração. Então não
temos mais as condições de antes de 1960, novas versões. São governos
pretensamente democráticos, mas com práticas de ódio internas intrínsecas a
esses estados. Bolsonarismo, para Michel Lowy, é um caso
desse tipo, trata-se de um neofascismo, por isso que utilizo
o termo cristofascismo. Pois nunca um governo (autoritário)
traçou tanta conexão com o cristianismo hegemônico no Brasil. Essa é
uma equação sinuosa. Agora, deve-se considerar outro dado: na atual gestão
se tem aproximadamente 7 mil militares trabalhando no governo. O que eu
quero dizer com isso é que, mesmo acontecendo a vitória de outro projeto que
não seja Bolsonaro em 2022, vai ser muito difícil desarmar esse governo cristão
militar. Desde o processo interno da eleição ao pós-eleição, tal como aconteceu
com Trump. O Bolsonaro já vem avisando, como o Trump fez também,
que não vai aceitar facilmente uma pretensa derrota nas urnas. Tudo isso tem
que ser colocado na ponta do lápis. Não é apenas derrotar nas
eleições, tem que tentar depois desarticular essa mobilização antiga
pró-militar, que existe desde 1964 no Brasil, destruir esse imaginário que
existe do militar como sendo uma possibilidade de construção governamental no
Brasil, com a possibilidade de golpes militares. Então eu diria que temos muito
trabalho pela frente. Primeiro, tentar de alguma forma derrotar o projeto
Bolsonaro em 2022. Eu preferia que fosse impeachment, mas…
nem mesmo a cúpula do PT deseja o impeachment, preferem
uma disputa eleitoral pois é mais rápida e menos desgastante.
E também pelo risco de ocorrer uma outra virada de mesa caso o impeachment aconteça
e o vice Mourão venha a ganhar novas cores. Então tudo isso tem de ser
pensado diretamente. Após a saída de Bolsonaro, seja por impeachment ou
eleição, é preciso depois seguir no processo de construção de diálogos e de
educação, de repensar essa brasilidade. Repensar e negar, lutar contra, de
forma direta, a composição que indica que os militares possam de alguma forma
serem os salvadores da pátria no Brasil. Existe uma ala dentro do militarismo,
um grupo, que admite condições políticas para isso. Desde o tenentismo da
década de 1922, acham que têm que lutar politicamente pela construção de um
Brasil, embora o tenentismo tivesse outra ideia, mas isso é um pensamento muito
comum, no século 20, entre os militares brasileiros. Eu não acho que há um
risco de uma nova ditadura civil militar, acho que existe risco é de o governo
Bolsonaro seguir e aprofundar seu delírio que diz ser
democrático. Isso é um risco muito claro: ele continuar e seguir a
tônica do desprezo pela vida das pessoas.
Indicação
de Leituras:
LOWY, M. O neofascista Bolsonaro diante da
pandemia. Blog da Boitempo, 2020. Disponível em: https://blogdaboitempo.com.br/2020/04/28/michael-lowy-o-neofascista-bolsonaro-diante-da-pandemia/
PY, Fábio. Pandemia cristofascista.
São Paulo: Recriar, 2020a.
PY,
Fábio. Bolsonaro’s Brazilian Christofascism during the Easter period plagued by Covid-19. International Journal of Latin American Religions,
v. 4, p.318-334, 2020b.
SCHMITT, C. Théologie politique.
Paris: Gallimard, 1988.
SOLLE, Dorothee. Beyond Mere Obedience: Reflections on a
Christian Ethic for the Future, Minneapolis:
Augsburg Publishing House, 1970.
Tive o prazer
de participar da reportagem da BBC da ótima Juliana Gragnani, “O que pode estar
por trás da indicação do ex-prefeito Marcelo Crivella para a embaixada da
África do Sul”. Quando a gestão Bolsonaro busca agradar a cúpula da IURD, com
quem se desgasta oficialmente desde o fim de 2020, com a nomeação de Crivella
para embaixada da África do Sul, onde teve papel de destaque na década de 1990.
Indico a leitura da reportagem.
Abraços,
Fábio Py.
⌂
O que pode estar por trás da indicação do
ex-prefeito Crivella para embaixada na África do Sul*
* Publicado originalmente em BBC News Brasil.
"A dor de ontem / Não vai vencer / Quem vive aqui / Sabe esquecer / África / África / África", canta o bispo Marcelo Crivella na canção "África", lançada no fim dos anos 1990.
Fazer esquecer "a dor de ontem" talvez
seja a principal missão de Crivella em sua possível volta à África, onde a
Igreja Universal do Reino de Deus que ele ajudou a fincar vive uma gigantesca
crise.
O ex-prefeito do Rio de Janeiro foi preso
preventivamente e afastado do cargo no ano passado acusado de chefiar um
esquema de propina. Agora, foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para a
embaixada do Brasil na África do Sul.
A indicação ainda depende de uma resposta positiva
do país e da aprovação do Senado brasileiro.
A tensão da Universal nos últimos meses se deu em
Angola. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Serviço de
Investigação Criminal do país disseram à BBC News Brasil, há provas fartas e
contundentes contra quatro integrantes da igreja, denunciados sob acusação de
crimes como lavagem de dinheiro, evasão de divisas e associação criminosa.
A igreja refutou todas as acusações, as classificou
de "fake news" e disse que os quatro membros acusados ainda não
conseguiram acesso à investigação formal. "Nem a Universal, nem seus
bispos e pastores praticaram crimes em Angola", disse à BBC News Brasil.
Crivella, que morou na África do Sul com a família
nos anos 1990, foi fundamental para a ampliação da Universal, ou IURD (Igreja
Universal do Reino de Deus), no país e nos países vizinhos.
Na opinião especialistas entrevistados pela BBC
News Brasil, o movimento de Bolsonaro visa a controlar duas crises: a da
Universal no continente africano e, especialmente, a do presidente com a
Universal.
A indicação do governo tem uma "dupla
função", diz a antropóloga Jacqueline Moraes Teixeira, professora no
Programa de Pós Graduação em Educação da USP e pesquisadora do Cebrap. A
primeira, é ter Crivella para "tentar de alguma maneira apaziguar
possíveis levantes de outros países no continente africano" no contexto da
Universal.
A segunda está relacionada à aliança do próprio
governo com a Universal. "Mantê-la como apoio é fundamental para o governo
Bolsonaro batalhar a sua estabilização e seu crescimento na disputa pelo voto
evangélico nas eleições em 2022", afirma Teixeira.
Crise 1
Alguns anos depois da fundação da Universal em
1977, o bispo Edir Macedo começou um projeto de expansão internacional da
igreja. No continente africano, essa ampliação começou em Angola, por volta de
1991. Na África do Sul, por volta de 1993.
Crivella, sobrinho de Macedo, foi enviado ao país como
missionário para tocar a expansão, que se dava por meio da compra de espaços em
lugares onde há maior movimentação de pessoas, abertura de templos e
investimento em mídia.
"Era super importante ter alguém de confiança
que realmente investisse nesse projeto de transnacionalização. Foi Crivella
quem produziu esse primeiro processo de organização, elaboração e gestão do
crescimento institucional da IURD pelos outros países da África e dentro da
África do Sul", diz Teixeira.
"Em 1994, cheguei com minha esposa e três
filhos na cidade de Durban. Saíamos pelas ruas dando folhetos, convidando as
pessoas para a reunião na igreja", diz Crivella em um vídeo publicado em
seu canal do YouTube em 2009. Ele está ao lado da esposa, mostrando o templo da
Universal na cidade que fica no leste da África do Sul. "E logo ela [a
igreja] começou a encher. Era uma lojinha pequena dentro do mercado indiano.
Deus abençoou e se transformou numa grande catedral."
A data de chegada de Crivella no país coincide com
o fim do Apartheid, o regime de segregação racial na África do Sul. A ideia
inicial da Universal, diz lana van Wyk, professora de antropologia da
Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, era atingir os falantes de
português, pessoas vindas de países lusófonos vizinhos - tanto que os primeiros
cultos em Joanesburgo, maior cidade do país, eram nessa língua. Wyk é autora do
livro The Universal Church of the Kingdom of God in South Africa (A Igreja
Universal do Reino de Deus na África do Sul).
"Mas, de forma inesperada, atraiu um grupo
grande de pessoas negras. A igreja saiu, então, de um bairro predominantemente
branco e se imiscuiu em regiões com população negra", afirma Wyk.
Ela lembra da presença de Crivella no país.
"Grandes multidões de pessoas compareciam a seus sermões. Ele tinha uma
reputação de homem forte de Deus, com histórico de milagres."
Para ela, a Universal se aproveitou do momento
pós-Apartheid, em que havia sentimento de esperança no país, para angariar
membros. Com seu discurso de prosperidade, deslumbrou os sul africanos
desejosos de mobilidade social e integração racial. "O momento em que a
igreja entrou na África do Sul foi bem escolhido. Foi num tempo de muita
esperança de mudança política e econômica", diz Wyk.
"Quando a Universal chegou, as pessoas
pensavam que finalmente poderiam 'usar' o poder de Deus para mudar suas vidas
de maneira prática. O Deus da igreja poderia os tornar ricos e saudáveis."
Hoje, segundo o site da Universal da África do Sul,
há 309 igrejas no país - menos que as 320 contabilizadas por Wyk na época em
que publicou seu livro, em 2014. Segundo ela, a igreja vem perdendo força na região,
com membros migrando para outras denominações pentecostais ligadas à figura de
profetas.
Ao lado das movimentações em Angola, essa
hemorragia de membros forma um cenário preocupante para a Universal no
continente. Bispos e pastores angolanos divulgaram há dois anos um manifesto
com acusações públicas contra os brasileiros da igreja, iniciando um processo
de "reforma" em Angola.
Para Teixeira, a presença de Crivella, "como
toda a experiência que teve na África do Sul, seria uma forma de ajudar na mediação
dos conflitos e pensar na contenção de danos dessa crise gravíssima" no
continente.
Voltar à África também deve cumprir um desejo
antigo de Crivella, segundo ele próprio já expressou. Em junho de 2014, em
entrevista ao jornal da Universal, a Folha Universal (n° 1.160, ano 22),
Crivella disse não ter sido "fácil viver na África em um tempo de guerra
política no fim do apartheid". "Mas agradeço muito a Deus por ter me
dado a honra de ter passado por aquelas dificuldades, que apenas nos fizeram
mais fortes."
Quando questionado se tinha vontade de se tornar
político, Crivella responde: "Confesso que não queria. Não queria mesmo. O
que eu sonhava era voltar para a África ou qualquer que fosse o país."
O sonho virou também conveniência: com a nomeação,
o ex-prefeito do Rio passa a ter foro privilegiado, e o processo a que responde
é transferido para o Supremo Tribunal Federal.
Crise 2
O envio de Crivella para a África do Sul também cai
como uma luva para Bolsonaro, que foi cobrado por lideranças da Universal pela
omissão do Itamaraty diante da crise em Angola.
Para o teólogo evangélico Fábio Py, professor do
programa de pós-graduação em políticas sociais da Universidade Estadual do
Norte Fluminense, a "jogada" de Bolsonaro é uma maneira de afagar a
crise entre ele e a igreja, que já cobrou diversas vezes posicionamento do
presidente em relação às tensões no continente africano.
"Bolsonaro percebe que não consegue resolver a
questão de Angola porque entra em questão nacional do país. Para dar outro
caminho, ele abre possibilidade de Crivella assumir a relação Brasil-África do
Sul", afirma. "É uma jogada para não perder o apoio do Macedo."
Para ele, com a indicação, Bolsonaro age para não
"desamarrar a igreja Universal" de si. "Até porque está
começando a pintar 2022. Bolsonaro começa a se armar por conta de Lula",
diz. O presidente não quer "perder a Universal, sua estrutura e o processo
de propaganda da Universal" visando às eleições.
A igreja é representada no Congresso pelo partido
Republicanos, aliado do governo.
Além disso, o eleitorado evangélico tem um peso
significativo para o presidente - e uma pesquisa Datafolha divulgada no dia 12
de maio apontou o ex-presidente Lula (PT) e Bolsonaro empatados no primeiro e
segundo turnos entre o eleitorado evangélico. Indica que o atual presidente
precisa se mexer para não perder votos com essa parcela de eleitores.
Para Teixeira, o discurso ostensivo por parte de lideranças da Universal sobre a falta "de apoio e resguardo" do Itamaraty é o que fez o governo se mexer. "É como se o governo Bolsonaro não estivesse correspondendo ao apoio da igreja, o que pode fazer com que ela repense o apoio eleitoral", diz. "A aliança estaria em risco."
Nova configuração cristofascista de Bolsonaro: evangélicos começam a se desprender do Bolsonarismo*.
“Nem só de Deus há mudez.
Nem Deus é só três,
nem se usa a mesma luz mais de uma vez”.
Arnaldo Antunes
Fábio Py
*
Publicado originalmente pelo Instituto
Humanitas Unisinos.
Neste
texto, indico que com avanço da pandemia do Covid em 2021 ocorre
certo desvencilhar de algumas lideranças cristãs do projeto bolsonarista. Isso por conta do número de
mortos nas camadas populares, e também pelo desapego governamental às
medidas de isolamento social. A menor adesão de lideranças
eclesiásticas às comemorações da Páscoa deste ano sugerem o
enfraquecimento da articulação da base religiosa do governo.
Assim,
a Páscoa de 2021 foi mais uma festividade cristã
vivida sob o impacto do Covid-19 e sob as amarras do governo
Bolsonaro. Nada mais taxativo sobre isso do que a perspectiva de que
em junho de 2021 deve-se bater o número catastrófico de meio
milhão de mortos no Brasil. Não se pode deixar de destacar que a atual
gestão é culpada desse número horripilante, pelo desprezo à população e à falta
de logística na crise. Ao mesmo tempo, o genocídio diário que
estamos expostos também suja as mãos de sangue dos líderes dos
cristianismos hegemônicos que a apoiam desde 2018.
Pontuo
que ocorre em 2021 uma nova configuração governamental com os cristianismos,
não tão intensa como em 2019 e 2020, contudo, ainda relevante. Tal como argumentei no ano passado, a Páscoa de
2020 foi símbolo monumental da construção da imagem de Bolsonaro como
messias político no início da pandemia. Agora, para melhor desenhar esse
momento de avanço denso da pandemia gostaria de separar cenas
midiáticas da Páscoa de 2021 e compará-las com as de 2020. Para assim
se reconhecer as artimanhas da cúpula bolsonarista para manter
certa conexão da persona pública do presidente com a figura do “bom cristão”.
A
Páscoa: ritual central do cristianismo bolsonarista midiático
Para a
análise da semana a Páscoa de 2021, a proposta e observá-la de
forma comparativa, destacando elementos que não são tão claros, e indicar novas
configurações/relações com o cristianismo hegemônico. Abaixo, as cinco “cenas
midiáticas” expostas pela comunicação de Bolsonaro na semana
pascoal.
Primeira
cena
A
primeira cena das redes sociais foi postada no Domingo
de Ramos, que marca a semana que antecede a Páscoa, dia em que
se celebra a chegada de Jesus na cidade de Jerusalém. Na peça divulgada,
aparece Bolsonaro levantando um quadro de Jesus, cercado por
apoiadores. Ora, na Páscoa de 2020, o domingo de Ramos foi
diferente. Um dia de jejum e oração. Contudo, neste ano, a data foi utilizada
para ser o dia da convocação, perdendo força de dia simbólico de início
da Semana Santa. Até porque, no universo evangélico, o Domingo de
Ramos não tem valor celebrativo.
Agora,
a imagem expõe Bolsonaro como defensor do cristianismo, o presidente
carrega Jesus entre os seguidores no parlamento. A icônica foto parece ser uma
exemplificação do que afirma: “O Brasil é laico, mas (o presidente) é cristão”.
Assim, a imagem sugestiona que carrega cristo no Congresso, com um texto abaixo
convocando para o jejum do dia 29, escrito: “teremos um dia de jejum e oração
pelo bem e liberdade da nação”. Porque, na lógica presidencial, a liberdade
religiosa vem sendo desrespeitada pelos governadores ao adotarem
medidas restritivas impossibilitando a população de trabalhar. Na sequência,
arremata essa ideia ao escrever: “seguiremos lutando contra o vírus e o
desemprego, pela vida, mas sem perder a dignidade”. Com a cena, indica que
o dia do jejum foi convocado para que lutem pelas duas coisas:
pela “saúde da nação e contra o desemprego”. Voltando a usar a tese econômica
típica de seu cristofascismo pandêmico ao usar o cristianismo
para entregar a população ao vírus e à morte.
Segunda cena
Na
segunda cena, do dia 29, o dia do jejum, o presidente publica um material sobre
a data. Sobre a celebração, é importante destacar que vários líderes
evangélicos não estiveram na atividade no Planalto, como Silas
Malafaia e outros. Assim, se em 2020 uma dezena deles participaram, em
2021, não. No vídeo de 2020 apareceram 36 lideranças, agora, apenas três das
grandes igrejas evangélicas, ou seja, uma ampla diminuição no apoio. Agora, de
fato, seus três participantes foram escolhidos meticulosamente.
Além
de serem personas das grandes corporações cristãs, eles simbolizam as regiões
do país: Rene Terra Nova do Norte,
Manaus-Norte/Nordeste; Estevam Hernandes do Sudeste, São
Paulo-Sul/Sudeste; e Cesar Augusto do Centro, Goiânia-Centro.
Salientando que apóstolo é a maior estratificação religiosa encontrada
nas Igrejas cristãs. A maioria dos participantes carrega título de
apóstolos. Na Bíblia, os apóstolos tiveram a responsabilidade
de após a morte de Cristo carregarem a mensagem de Jesus. Não existiria o cristianismo sem
seu testemunho. Logo, são os fundadores e mantenedores da religião. Nas igrejas
brasileiras, o título de "apóstolo" carrega tanto esse legado
histórico, como também, indica domínio territorial, tal como os bispos.
Assim,
somados, os três líderes simbolizam toda geografia brasileira representada no
evento/jejum de finalidade de “abençoar a nação”. Eles dizem no vídeo que
"oraram e jejuaram para abençoar a nação brasileira”. Já, o apóstolo César
Augusto afirma “estamos aqui representando todas as igrejas evangélicas,
povo católico que crê no nosso Senhor Jesus Cristo. Cremos que foi um divisor
de águas, o Brasil não será o mesmo depois desse jejum que
fizemos”. Como era de se esperar, o vídeo apela à fé do povo, colocando Bolsonaro no
centro das atenções, levando as orações como escolhido por Deus.
No
seu fim, o presidente diz uma pequena frase, de quem é muito pouco acostumado a
ambiência das Igrejas: “Jejum pelo Brasil, orações que mudam o destino de uma
nação”. Na frase o valor do jejum, do apego religioso na luta contra a peste
do Covid-19. Ao mesmo tempo, se coloca como líder cristão
do Brasil no qual proclama o ato profético junto três representantes
da mais alta casta evangélica para corroborar na peleja religiosa
por novos tempos sobre o país. O que se conecta direto com a convocação do dia
anterior, destacando-o como servo de cristo e junto aos poderes sacerdotais da
nação.
Terceira
cena
Após
o jejum, a rede social permanece três dias sem qualquer mensagem
religiosa. Na verdade, essa é uma diferença brutal da Páscoa de 2020 para a de
2021. A de 2021 casou com as comemorações do golpe Militar de 1964, ditadura tão
importante para os traços fascistas de Bolsonaro. Ao mesmo tempo,
nesse hiato de mensagens cristãs, seu foco se tonifica na defesa do governo
diante da escalada de mortes na pandemia. Assim, logo após o
silêncio sobre temas religiosos nas redes sociais, posta sobre a Sexta-Feira
Santa, justamente no dia que é lembrado o martírio final e morte de Jesus.
Ora, um governo que se proclama tão cristão, não poderia esquecer desse dia. E,
a cena construída tem uma curiosidade. Ela traz Jesus na cruz morto em
penumbra. Contudo, o versículo bíblico citado na Sexta-Feira Santa de 2020 e de
2021 é o mesmo. Ora, nas duas Páscoas nas suas Sextas-Feiras
Santas posta-se 1Pedro 2,24: “Ele mesmo levou em seu corpo os nossos pecados
sobre o madeiro, a fim de que morremos para os pecados e vivêssemos para a
justiça, por suas feridas vocês foram curados”.
Claro
que 1Pedro 2,24 é um versículo famoso sobre cristologia, quando resume o significado da mensagem da
salvação em cristo para os cristãos. Embora seja muito utilizado no rol das
igrejas, existem muitos outros que dizem o mesmo. Assim, ou os intelectuais
teológicos de Bolsonaro perderam a criatividade, ou, vem
diminuindo o apoio teológico ao presidente. Já que a cúpula governamental sabe
pouco do vocabulário cristão-evangélico. Um último detalhe da
imagem: ela é mais obscura do que a de 2020, o que sugere o sofrimento diante
do platô de 3 mil mortes diárias no Brasil.
Quarta
cena
No sábado
de Aleluia de 2020, Bolsonaro postou um vídeo falando da
facada que sofreu, de sua quase morte e do milagre que Deus fez para levá-lo a
chefe da nação. Mas, em 2021, a equipe de Bolsonaro não
indicou nada tão teológico no Sábado de Aleluia. Nesse dia tão especial
para cristianismo, de lembrança do sofrimento dos discípulos e
discípulas de não ter Jesus por perto, não há referência alguma. É um dia de
alta carga teológica e o único comunicado vai na direção da “liberdade
religiosa”. Postou-se sobre as “Celebrações religiosas presenciais” indicando que o Ministro Nunes Marques assinou uma medida cautelar
para “Estados, DF, Municípios se abstenham de editar ou de exigir o cumprimento
de decretos ou atos administrativos locais que proíbam a reavaliação de
celebrações religiosas presenciais”. Logo, Bolsonaro queria
garantir as celebrações nas igrejas no domingo de Páscoa,
defendendo a pauta dos líderes das grandes igrejas. Contudo, ao mesmo tempo, a
indicação de abertura dos templos permite aglomerações, logo a maior
circulação do Covid e o aumento das mortes.
Quinta
cena
Por
fim, a quinta cena postada ocorreu no dia da Páscoa. Ela foi a
única mensagem religiosa do dia ápice do cristianismo, já, no
domingo de 2020, postou duas cenas. Com a única postagem do dia mostra uma
perda do fôlego das interlocuções cristãs em relação a 2020, contudo, segue
afirmando presidente cristão. Alimentando a imagem dele ser bom conhecedor
do cristianismo ao mostrar a imagem do túmulo vazio, sem
Jesus. Nela há uma luz entrando e escrito em garrafais “Ele vive” - referência
a Jesus ter ressuscitado. Ora, se em 2020 estampou o versículo seguinte de
demonstração pública da fé, de João 3,16, neste ano, de 2021, o
versículo utilizado é outro de João “Eu sou a ressurreição e a
vida. Aquele que crê em mim, ainda que morra, viverá”.
Com
esse jogo midiático mostra que é um cristão e conhecedor do
tema dá ressurreição de Cristo por meio da comprovação do túmulo vazio e a
vitória de Jesus sobre a morte. Agora, se em 2020 utilizou um versículo
clássico da cristologia pontuando sobre Deus/Jesus e a
salvação, agora, o destaque recai sobre a questão da vida após a
morte, da vitória sobre a morte. O que se relaciona com o genocídio que se vive. Com ele, busca como presidente
cristão, consolar o país indicando a esperança de uma vida após o megaton que
abate o Brasil.
Assim,
mesmo que em menor quantidade e com diferentes rearranjos em relação à 2020,
o ritual da Páscoa de 2021 é substancial, pois tenta
estampar Bolsonaro como um cristão vigoroso, servo fiel a
deus, mesmo em tons mais diminutos que no ano passado. Esse novo arranjo da
cúpula governamental de 2021 busca consolar a população apontando a figura de Bolsonaro como
um presidente escolhido por deus. Visa reafirmar diante da
carnificina, que vive como religioso e conhecedor dos ensinamentos bíblicos.
A
Páscoa de 2021 e o novo momento do cristofascismo de Bolsonaro
A
equação vivida no Brasil em 2021 indica
o alastramento da pandemia e de largo impacto social
causado pelo aumento exponencial no número de mortos pela
doença. Por isso, o corpo de intelectuais teológicos de Bolsonaro,
espalham na semana simbólica cristã uma série de cenas que conectam à persona
presidencial com temas e emblemas do cristianismo hegemônico. Eles fazem isso o
desenhando como cristão verdadeiro que defende o Brasil. Mesmo assim, não podem
negar que se vive um novo momento na gestão Bolsonaro, foi isso que
se percebeu na análise comparativa dos rituais das Páscoas.
Antes,
mesmo a Páscoa de 2021 não seguindo o mesmo ritmo de
atividades da anterior, é possível perceber a fórmula do cristofascismo
unindo Bolsonaro aos líderes religiosos, acionando uma ampla campanha de
apoio, sendo o presidente destacado como líder escolhido por deus para liderar
a nação no momento.
Assim
observa-se no novo arranjo do discurso cristofascista de 2021 (autoritário
e ancorado no cristianismo hegemônico) a preocupação de indicá-lo como líder e
alguém apto para comandar a mudança de sentido para nação brasileira diante da
cólera do Covid. Como se vem dizendo, compreende-se que essa reconfiguração
do tom religioso nas suas mídias sociais não é um mero detalhe. Isso,
porque desde o início do ano de 2021 (com o aprofundamento das mortes pelo
Covid) às partes mais periféricas vem sendo mais maciçamente castigadas pela
doença, são 70% dos mortos. E, logo, se periferias brasileiras foram
tomadas pelas igrejas evangélicas, aos poucos vem ocorrendo
um descolamento
das igrejas do bolsonarismo.
O
que se relaciona com certo deslocamento de importantes lideranças evangélicas
da base do governo, como, por exemplo, o magnata pastor-presidente da Assembleia
de Deus de Belém, Samuel Câmara, que é também
presidente nacional da Convenção das Assembleia de Deus do Brasil e
proprietário da Rede Boas Novas. Câmara em 2020
foi figura constante nas atividades da Páscoa, contudo em 2021 não
participou. Pois, admite que “têm restrições ao comportamento de Bolsonaro nesse momento”,
não podendo se ter “líder da nação que não defende o uso da máscara e a
vacinação”.
Assim,
o que se vê é um novo momento do projeto político que une
lideranças das grandes corporações cristãs e os arroubos
fascistas de implementação do ultraliberalismo no Brasil.
A boa notícia é que nem tantos pastores e padres estão colados a Bolsonaro,
contudo, ele segue seu trajeto da “teologia do poder autoritário”, só
que está cada vez mais ligado aos artífices do bloco político do centrão,
lutando junto a eles para espalhar suas políticas de confisco econômico, das
liberdades científico-cultural e de caça aos heterodoxos. Esta nova fase em que
o governo Bolsonaro se divide mais entre os grupos cristãos
hegemônicos e o centrão é parte de sua nova sensibilidade política e que segue
mantendo a tônica do discurso “terrivelmente cristão” até pelo embate
que se avista para 2022.
Referências
bibliográficas:
CARDOSO,
C. F.; PÉREZ BRIGNOLI, H. O método comparativo na História. Em: Os métodos da
História. Rio de Janeiro: Graal, 1983, p. 409-419.
PEIRANO,
Mariza. Rituais ontem e hoje, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
PY, Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020.
Boa noite a todxs! Amanhã, terei o prazer de estar na mesa “Templo e Mercado: a ameaça dos fundamentalismos confluentes”, às 10h, junto com Magali Cunha e Sônia Mota, no evento sobre a “Tragédia Brasileira: risco para a Casa Comum?”, articulado pelo CONIC e instituições parceiras. Quem quiser assistir, segue o link: https://www.even3.com.br/tragediabrasileira/.
Fonte: Agência O Globo (aqui).
Derrotar Crivella para destronar o falso messias*
Fabio Py
* Publicado originalmente em Mídia Nínja (aqui).
Crivella, a face política Universal
Estamos no período eleitoral e, no Rio de Janeiro, um personagem se vinculou diretamente ao presidente Jair Messias Bolsonaro durante a campanha: o candidato à reeleição e “bispo licenciado” da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella (Republicanos). Crivella é sobrinho do dono da Universal e do Sistema Record de Comunicação, o bispo Macedo. Mesmo que por momentos negue, sua figura política está diretamente relacionada ao título “bispo” da Universal. Para se livrar um pouco do tom religioso, nos últimos anos ele passou a fazer uso do termo “bispo licenciado”. Com ele, sinaliza que está afastado das atribuições integrais do bispado, não recebendo o salário, nem tão pouco exercendo liderança de templo ou cuidando de região eclesiástica.
Contra ele, no meio teológico, existe um chavão: “pastor sempre será pastor onde quer que esteja”. Logo, se segue o mesmo raciocínio: se ele é bispo onde quer que esteja, sempre será bispo – mesmo licenciado das funções oficiais. Mesmo na condição de licenciado, não deixa de ter aura sacerdotal seja quando pisa em um espaço sagrado, seja quando faz orações, seja num lugar comum. Leonardo Boff escreve sobre o bispado na Igreja Católica, que de alguma forma se relaciona às estruturas evangélicas: “o bispado é o acúmulo de bens materiais (ornamentos, veste, acesso às pessoas e à estrutura) e bens imateriais (devoção, emoções, carismas e amores) próximo ao ápice na direção de Pedro, monarca cristão”. Também, nas estruturas evangélicas, é uma função maior, de organização de pastores, missionários, evangelistas, pregadores, obreiros. Por isso, se diz que na hierarquia da Universal, Crivella está no topo. Ele está a um passo do papa… Nesse caso, o bispo e tio Edir Macedo.
O que se está dizendo é que o cargo de bispo oferece grande peso simbólico/afetivo sobre qualquer pessoa. Na Universal, “o pastorado é ocupado por alguém separado por Deus para uma comunidade e o missionário por alguém que atina em Deus alguma missão em locais distantes ou desafiadores”, o bispado tem seu “carisma relacionado ao cuidado de pastores e pastoras e conjunto de igrejas da região”. E, tal como na Igreja Católica, o bispado é uma função institucional. Por isso, quando Crivella se designa (ou é designado) “bispo” na arena política demonstra que a estrutura da Universal o apoia.
Ai está o perigo!
A simbiose Crivella-Universal
Antes, gostaria de sinalizar que a questão não é tanto a de ser evangélico, católico, espírita ou qualquer tradição religiosa a ocupar cargo político. Não é essa a questão. Mas o perigo se coloca quando algum religioso se mobiliza politicamente junto a uma grande corporação. Nisso, Crivella, o bispo Universal, sempre foi exemplo de conexão. Sua figura pública é a mais pura simbiose grandes igrejas cristãs e o pior da política partidária.
O preço “cobrado” pelas instituições religiosas (como a Universal) do apoio político sempre foi muito alto. Crivella sempre pagou o preço, defendendo o setor evangélico fundamentalista e, mais ainda, defendendo como suas as causas da Universal. Por exemplo, em 2007, quando era senador e deu entrada no Dia Nacional da Marcha pra Jesus (projeto de Lei n.376). Assim, permitiu-se verba pública para a maior celebração evangélica do país, sendo a Universal uma das suas propositoras. Em julho de 2018, realçando seu compromisso contra o diálogo inter-religioso e contra as tradições afro-diaspóricas, vetou o projeto de lei 346, que declarava o Quilombo da Pedro do Sal, no centro do Rio de Janeiro, como Patrimônio Cultural e Imaterial do Munícipio. Mais recentemente, em julho de 2020, em plena pandemia do Covid-19 no Brasil, sua gestão designou os tomógrafos para a Igreja Universal da Rocinha. A ação foi um escândalo, pois a comunidade tem uma UPA. A ação ocasionou uma série de mobilizações dos moradores. Eles questionavam se os tomógrafos iam atender os moradores ou apenas os fiéis da Universal.
A Universal e a mobilização política dos candidatos
Crivella não tem apenas um apoio simbólico com nome de “bispo”. Ao contrário, a Igreja Universal sempre mobilizou ações na direção de seus projetos eleitorais. Primeiro, promovendo nos últimos anos uma série de orações, jejuns, vigílias e unções no meio das liturgias de seus principais templos. Assim, publicamente reveste suas candidaturas com a aura religiosa, uma santidade política. Segundo, a instituição disponibiliza em cada região um número de adeptos para ajudar nas campanhas trabalhando na distribuição de panfletos políticos. Por exemplo, em cidades de 500 mil habitantes, como Campos dos Goytacazes, colocam mais ou menos 100 pessoas diariamente na distribuição de santinhos políticos. E, em cidades como Rio de Janeiro, estrategicamente dividem em 5 áreas, conseguindo mobilizar até 1000 pessoas atuando no corpo a corpo eleitoral com a população.
Mobilizam mais pessoas que qualquer partido político!
O laboratório das eleições de 2020 e o sonho com 2022
Portanto, o que foi estruturado pela Universal, nos últimos anos, é um grande maquinário eleitoral-religioso. Algo tão denso que nenhum partido político consegue mobilizar. Essa máquina, em 2016, conseguiu eleger o próprio Crivella, e, dois anos depois, consagrou a eleição de Bolsonaro, Witzel, Flavio Bolsonaro, Arolde de Oliveira e os demais políticos de extrema direita no Rio de Janeiro.
Assim, o desafio que está posto é de como derrotar uma estrutura eleitoral tão densa e que é a base de Crivella. Esse desafio é urgente: barrar a conexão tão direta das grandes corporações cristãs com o poder estatal. É imprescindível, em nome da democracia, que desarme a relação umbilical das grandes igrejas e as políticas de estado que as beneficiam. É fundamental que se supere essa densa fracção fundamentalista evangélica transformada em Estado, beneficiando cristãos em detrimento das demais camadas religiosas do município.
Eles são uma pedra no caminho da democracia. Quando uma tradição religiosa toma conta da arena pública, há o risco da construção de um sistema de ódio e desprezo contra as demais tradições religiosas. Essa política de morte em nome de deus tem um nome: teocracia – o regime máximo totalitário-religioso. Assim, espera-se que a mobilização na disputa eleitoral contra o fundamentalismo das grandes corporações evangélicas implicadas na arena pública (identificadas na figura de Crivella) seja um grande laboratório das lutas político-eleitorais em prol da amplificação da democracia, das lutas pela defesa das pluralidades e das liberdades religiosas.
Que elas nos ajudem a organizar as forças para derrotar futuramente o mal do bolsonarismo fascista, que tem na cidade do Rio de Janeiro a face do bispo Crivella, negacionista, anti-ciência, genocida e autoritário.
Assim, o primeiro desafio está posto: derrotar Crivella. Para depois destronar o eugenista-mor, pai da mentira fingido de messias.
Referências bibliográficas:
ALMEIDA, Jhenifer. Política e compromisso religioso: notas sobre a IURD e a atuação de cabos eleitorais a partir do PRB. Nelson Lellis e Fabio Py. (Org.). Religião e política à brasileira: ensaios, interpretações e resistência no país da política e da religião. São Paulo: Terceira Via, 2019.
BOFF, Leonardo. Igreja carisma e poder. São Paulo: Record, 1999.
EZENDE, Gabriel S. Religião, Voto e Participação Política: a vitória de Marcelo Crivella na disputa eleito-ral carioca de 2016. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política do IU-PERJ/UCAM. Rio de Janeiro: IUPERJ/UCAM, 2018.
GRACINO Jr, Paulo & REZENDE, Gabriel. A vez dos eleitos: religião e conservadorismo nas eleições municipais do Rio de Janeiro, RBHR, v.13, n.38, 2020.
MARIANO, Ricardo; SCHEMBIDA, Rômulo Estevan de Oliveira. O Senador e o Bispo: Marcelo Crivella e seu Dilema Shakespeariano. Interações: Cultura e Comunidade (Faculdade Católica de Uberlândia), v. 4, 2009.
MATA, Sergio. Teologia de Bolsonaro. História e historiografia, v.34, n.51, 2020.
ORO, Ari Pedro. A Igreja Universal e a política. In: BURITY, Joanildo ; MACHADO, Maria das Dores Campos (Org.). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Massangana, 2006.
VITAL DA CUNHA, Christina; LOPES, Paulo Victor Leite; LUI, Janayna. Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll: Instituto de Estudos da Religião, 2017.