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domingo, 21 de maio de 2023

A burguesia não curte a democracia - Luis Felipe Miguel

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A burguesia não curte a democracia**


 Luis Felipe Miguel***

A história é que Bolsonaro, no começo do ano passado, pediu a Guedes para diminuir o preço do gás - para ver se ganhava uns votos. Guedes disse que interferir na Petrobrás afetaria a empresa, o governo e traria um efeito cascata. E explicou: "Não dá para agradar pobre toda hora. Se você agrada pobre, desagrada o rico e quem manda no país é o rico". Bolsonaro concordou.

Agora, Lula cumpriu sua promessa de campanha e baixou o preço do gás - sem nenhum dos efeitos negativos que Guedes anunciara. Bolsonaro ficou puto e chamou seu ex-"posto Ipiranga" às falas.

Parece que a conversa, via zap, foi áspera. Cobrado por Bolsonaro, Guedes teria reagido: "Desapega". Daí trocaram alguns palavrões e, no final, Guedes bloqueou o número do seu ex-chefe.

O mais interessante é que Guedes disse, para Bolsonaro, algo que é bem sincero. Para os ultraliberais, a democracia é um problema. Ela obriga a levar em consideração os interesses dos dominados: a classes trabalhadora, os pobres, as periferias, as mulheres, a população negra. Afinal, foi por pressão destes grupos que a democracia se estabeleceu - ela sempre foi um projeto popular.

Isto já está nos gregos antigos, que definiam a democracia como "o governo dos pobres". Não é exatamente isso, claro - os ricos e poderosos sabem usar muito bem seus recursos para garantir uma influência desproporcional nas decisões públicas. Mas a pressão dos dominados gerou um sistema em que sua voz tem como ser ouvida.

A classe dominante tenta fazer com que essa voz perca relevância. São mil pressões, manipulações ou mesmo manobras como dotar de "independência" alguns órgãos cruciais do governo, como o Banco Central (uma "independência" em relação à vontade popular).

Os regimes que eles preferem são como a Itália de Mussolini ou o Chile de Pinochet (ao qual, aliás, o jovem Paulo Guedes serviu). Autores como Hayek, Friedman, Mises ou Nozick manifestavam abertamente sua repulsa à democracia e defendiam a necessidade de limitá-la. Hayek chegou a propor uma constituição em que o direito de voto vem aos 40 anos e é exercido uma única vez...

Mesmo com seus vieses e limitações, a democracia dá ao povo a chance de desorganizar o jogo das elites. Obriga que os políticos ao menos finjam interesse pelas maiorias. E permite que o povo premie quem atende melhor às suas necessidades.

Por isso, a democracia é uma bandeira central para a esquerda.

A democracia que temos é muito inferior àquela com que sonhamos. A submissão ao capitalismo, o peso do dinheiro, a manipulação da informação, tudo isso enviesa seus resultados. Ainda assim, ela é um avanço - e cabe a nós lutar para aprimorá-la.

* "Paulo Guedes na Idade da Pedra Lascada", charge do sempre genial Aroeira. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/charge-paulo-guedes-na-idade-da-pedra-lascada-por-aroeira/, acesso em 21 de maio de 2023.

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 20 de maio de 2023. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre de 2022 o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.

terça-feira, 1 de junho de 2021

Sobre polarização e doisladismo no Brasil de Bozoasno

 
Créditos: Fabiano Rangel.

Sobre polarização e doisladismo no Brasil de Bozoasno.

 

Márcia Cristina Mérida Aguiar*

 

Tive contato com o conceito em moda hoje, “polarização”, faz tempo. Muitas vezes, vem sendo usado sem qualquer referência à sua construção histórica mais recente e, por vezes, para se dizer sabe-se lá o quê.

Conheci, usei, estudei “polarização” referindo-se às duas potências da Guerra Fria, EUA X URSS, que num confronto de décadas, se destacavam como polos.

A palavra "polo" diz sobre poder, capacidade, potência de lados opostos, se não iguais, pelo menos com alguma equivalência ou correspondência.

Não há uma só vez que eu escute ou leia a palavra polarização sobre o Brasil contemporâneo, que não me lembre destes elementos: dois polos se confrontam por possuírem poderes equivalentes.

Nunca tinha ouvido a expressão referindo-se às situações desiguais. No entanto, no Brasil do Bozoasno, esta palavra abriu mão da equivalência, princípio básico da polarização e passou a substituir tudo que até então era tratado por lados em oposição, lados assimétricos, lados desiguais, lados que não se enfrentam em iguais condições.

De repente, estamos nadando contra o afogamento neste mar de doisladismos.

Parece até que nos foi furtada a possibilidade de pensar e agir, afinal, este discurso não reflete a desigual relação de forças, os instrumentos de afirmação e as formas de (luta pela) existência.

Em meio a esta bruma confusa que surge no novo léxico, passamos à exposição digladiadora sendo tratada como debate, sem chance de entendimentos ou de divergências civilizadas, por exemplo, entre pressupostos científicos e formulações que chegam pelo tio do zap.

Parece que abandonamos a premissa primordial do debate: é preciso que se fale a mesma língua, ou que se tenha alguma possibilidade de tradução (não que tenham as mesmas ideias a serem defendidas), mas algum chão comum é o basal na elaboração de um debate.

Nas braçadas dadas entre os doisladismos, muito se defende o direito de opinião. É esquisito observar como parece que tudo que resulta da conexão cérebro - boca seja tratado como opinião. Sou do tempo em que a opinião concorria e se diferenciava do delírio, da mentira deslavada, da pós-verdade, do blefe, da retórica etc. e, note, todas as formas discursivas fazem este caminho entre o cérebro e a boca e isto não é suficiente para tornar todo texto que venha deste percurso seja considerada opinião.

São muitas as confusões de fundo que resultam em tornar o que vivi no 29M em mais um evento da polarização, em experiência de equivalências.

Eu bem sei que a História não ensina nada a ninguém. Entretanto, nesta história, há a figura do estudante, do estudioso, do curioso, do produtor e também do aprendiz do conhecimento histórico.

O que o doisladismo me aponta, do ponto de vista histórico, são os desperdícios de conquistas históricas. Tem história, mas carece de aprendiz. Um exemplo: em todas as sociedades, o homicídio passou por algum grau de reprovabilidade. Entretanto, foi na modernidade que se consagrou o direito à legítima defesa, situação que o indesejável homicídio é permitido.

O princípio da legítima defesa, estudado em vários povos não modernos, estendido do individual ao coletivo, esteve presente na consagração do direito de resistência à opressão. Exatamente este direito, o de resistir. Sem ele, não seríamos modernos, pois foi ele que garantiu a “evolução” das formas de organização das sociedades.

Legitimamente, para superar os paradoxos da opressão dos povos, foi a luta, a resistência que desinstalou o absolutismo francês, a descolonização da América do Norte e, só para ficar bem no começo de uma longa história moderna de lutas legítimas contra o arbítrio, contra o Estado que se coloca contra seus próprios governados.

Sem esta referência histórica básica, a gente vem se perdendo, se afogando neste mar de doisladismo.

É muito estranho ouvir: estamos polarizados! "Temos dois lados iguais, a oposição não pode aglomerar porque lutou contra isto até agora e se assim fizer está repetindo o outro polo".

Quanta desconsideração histórica! Em 29 de maio, eu fui para rua ao encontro dos meus iguais. Aglomerei? Prefiro primeiro dizer o que não foi feito: o espírito da praça São Salvador não era de deboche com o vírus. Todos de máscara e álcool para higiene (quem estava sem máscara recebia gentilmente uma, acompanhada de álcool). As pessoas que se mantiveram distantes até agora não se tocavam, não se abraçavam, e todos se beneficiando da brisa do Rio Paraíba, a céu aberto. Não vi ninguém com escárnio com a pandemia, nem com os mortos, nem debochando da falta de ar que a covid produz. Muito menos cultuamos bonecos infláveis de caixa de remédio já demonstrado ser sem qualquer eficácia.

O que fizemos na praça? Demos um primeiro passo público, coletivo, contra quem nos oprime.

Eu não queria ter quebrado a quarentena, nem nestes parâmetros de cuidado que tive na 29M. Sigo sendo contra aglomerações. E não contradigo nenhuma recomendação dos cientistas em relação à pandemia. Não mudei de opinião em relação à necessidade dos cuidados adotados nestes tantos meses de terror. Simplesmente assumi o risco.

A aceitação do risco surgiu da pergunta: qual seria o momento de começar a manifestar, externalizar que não darei margem para o prosseguimento do crime contra a humanidade que assola nosso país?

Temos um Estado que age (não só se omite) para nos matar. Que não se importa com nossas vidas, que deseja mesmo, malthusianamente, um controle populacional demográfico, para tornar o ideal da pasta da Economia uma realidade. É um Estado que guarda uma granada para colocar nos nossos bolsos, que lamenta que estejamos vivendo mais e melhor, que culpa a vida pelo “rombo da previdência”, que quer salvar os grandes e que quer que os pequenos e médios se fodam (não posso colocar entre aspas, pois não estou transcrevendo, mas estas são falas ou do "asno" ou do “gênio” da economia – “gênio” que participou da construção de um Chile que neste momento está em superação, exatamente porque houve o exercício do direito de resistir à opressão).

Fui à manifestação do 29M com muito orgulho e esperança. É luta, é direito de resistência, é busca para diminuir as desigualdades. Não tem nada a ver com polarização, já que um dos lados, este que estou, está sendo massacrado. Não tem nada a ver com dois lados diferentes e igualmente legítimos.

Tenho sincero respeito por quem, neste momento, optou por não passar por este risco, porém, não compartilho de mesmo reconhecimento com quem supõe que diante de um Estado genocida, só devemos ir à rua quando não houver risco, pois isto não acontecerá. Quando não houver o risco de um vírus, haverá o risco de milícias ou de policiais mandados, o risco dos fundamentalistas, o risco de deixar crescer a tragédia que estamos vivendo etc. Esqueçam o tempo em que fazer uma manifestação era estar todos de boas com a cara pintada na rua. De agora em diante, os riscos se multiplicarão, basta que observemos o que aconteceu em Recife.

Na luta contra a opressão, o que se quer é a queda do lado opressor, ilegítimo, arbitrário, absurdo e bárbaro. Não me peçam o reconhecimento do outro lado, pois eu fui às ruas em legítima defesa.

29 de Maio,

Márcia Mérida

* Professora de História, Advogada, Mestra em Políticas Sociais.

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Divulgação - "Comunicação, democracia e religião no Brasil".



NO DIA DO TRABALHADOR: DIÁLOGOS SOBRE “COMUNICAÇÃO, DEMOCRACIA E RELIGIÃO 

No próximo sábado, 1° de maio,  Dia do Trabalhador, haverá um debate articulado pela Agência Tambor e pelo programa Papo de Crente, com o tema: Comunicação, Democracia e Religião no Brasil 


Quem participa?
 
- Dom Valdeci - Bispo da Igreja Católica. Atua na diocese de Brejo, no Maranhão. É o atual presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Ação Social Transformadora da CNBB.

- Claudia Santiago - Jornalista, históriadora, editora e educadora. Dirige o Núcleo Piratininga de Comunicação (NPC) do Rio de Janeiro, referência na comunicação sindical e popular no Brasil.

- Fábio Py - Teólogo protestante-evagélico e professor do Programa de Pós Graduação em Política Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF). É autor do livro Pandemia Cristofascista.

segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Democracia e Marxismo: a perspectiva de Ellen Wood

 As Coordenações dos Cursos de Ciências Sociais da UFF-Campos e o Blog Autopoiese e Virtu convidam para a Live:


“Democracia e Marxismo: a perspectiva de Ellen Wood”


Convidado: Prof. Jefferson F. do Nascimento – IFSP/Sertãozinho-SP

 – PPGPol/UFScar


Mediação: Prof. George Coutinho – UFF/Campos, RJ


25/08/2020 – 16 horas – Terça-Feira


Inscrições gratuitas em: https://www.even3.com.br/ellenwood/


Evento de lançamento do livro “Ellen Wood: o resgate da classe e a

 luta pela democracia” de Jefferson Ferreira do Nascimento.



terça-feira, 5 de maio de 2020

Lançamento: Ellen Wood: O resgate da Classe e a Luta pela Democracia

Lançamento de "Ellen Wood: O Resgate da Classe e a Luta Pela Democracia" 



Eis que o camarada Jefferson F do Nascimento, que já colaborou com este blog aqui, nos brinda em plena pandemia lançando seu livro sobre a grande teórica marxista Ellen Wood!



Se sua questão é dúvida sobre o que ler nesses tempos bicudos, certamente abaixo há um release detalhado e praticamente irresistível convidando a conhecer este trabalho importante do Jefferson.

Boa leitura! Prestigie! 




Trabalhadores, Política de Classe e Democracia: os limites da conciliação de classes e as armadilhas da representatividade


O livro Ellen Wood: O resgate da Classe e a Luta pela Democracia, do sociólogo e cientista político Jefferson Ferreira do Nascimento, pretende esclarecer a proposição de uma Democracia Substantiva elaborada pela historiadora Ellen Meiksins Wood, que não pode ser confundida com a tese da “democracia como valor universal” que ganhou precedência no Brasil no ocaso da Ditadura Militar, a partir de intelectuais como Carlos Nelson Coutinho. Ellen Wood, socialista radical, marxista declarada e crítica à socialdemocracia, concebe como arma para enfrentar a dominação capitalista por meio de uma democracia de facto, que garantiria a liberdade de livre associação, a isegoria e a autodeterminação dos produtores sobre a produção. O que Wood propõe é o poder para o demos, o poder efetivo para o povo, o que depende de uma organização consciente de classe.
Diferente, portanto, de uma defesa incondicional de um governo representativo como ideal de regime político e de sociabilidade, Ellen Wood propõe uma análise que identifica historicamente como o Liberalismo operou de modo a identificar democracia e governo representativo ao mesmo tempo em que o capitalismo promove a separação entre o econômico e o político. Isto é, do mesmo modo em que o capitalismo separa os produtores dos meios de produção, os poderes políticos intocados na propriedade privada dos meios de produção não estão submetidos à deliberação da democracia liberal-representativa.


Como marxista e proponente do Marxismo Político, junto a Robert Brenner, a autora defende que a saída para o falseamento provocado pela identificação liberal entre democracia e governo representativo é o conteúdo de classe na luta política. A luta de classes, dissimulada ou aberta, é uma constante em toda e qualquer forma de sociedade em que os produtores estão apartados dos meios de produção. Logo, qualquer proposição política que ignore que as relações de produções dispõem os indivíduos em situação de classe, favorece a continuidade e o aprofundamento da exploração do homem pelo homem.


O desafio para tal é que formações conscientes de classes não acontecem, para Ellen Wood, como resultado de uma diretriz partidária ou de intelectuais. A classe social, para Ellen Wood, é explicada de modo mais coerente pelo historiador marxista Edward Palmer Thompson. O que significa que a formação consciente de classe é um processo que depende da experiência para a identificação consciente dos indivíduos como membros de uma classe e não um mero reflexo da situação de classe, que é determinada pelas relações de produção. Eis, o desafio!


O livro, portanto, não apresenta uma inovação teórica e nem uma proposição original sobre a política nos dias atuais. Ao contrário, convida o leitor para conhecer uma das principais vozes a enfrentar o que Eric Hobsbawm chamou de “recessão do marxismo”. Ellen Wood se destacou ao resistir a essa recessão, criticando o pós-marxismo e enfrentando academicamente as tendências pós-modernas. Com a “recessão marxista”, as teorias fragmentárias de análise da realidade social ganharam precedência. Ellen Wood foi voz dissonante a esse processo e reagiu. Elaborou críticas a certas apropriações dos textos marxianos e argumenta porque a teoria de Karl Marx tem muito a nos dizer sobre a luta política atual. Não sem reconhecer os desafios a serem enfrentados para tal empreendimento. Assim, o livro discute o conceito de classe no marxismo e a proposta de E.P. Thompson, defendida por Ellen Wood. Apresenta dados biográficos e contextuais da autora, bem como apresenta limites e avanços teóricos na obra de Ellen Meiksins Wood.


Ellen Meiksins nasceu em Nova York, no ano de 1942. Filha de Gregory e Bella, imigrantes letões e militantes do Bund – partido socialista judeu na Letônia –, que saíram da Letônia em um período conturbado: o país passou pela ditadura liderada por Karlis Ulmanis, pela invasão soviética e pela invasão nazista. Processos políticos conturbados, sobretudo para a população judaica que assistiu a ascensão do fascismo neste período.

A família Meiksins mudou de Nova York para a Califórnia, onde Ellen realizou sua formação acadêmica em unidades da Universidade da Califórnia (UCLA). Ellen Meiksins concluiu o Bacharelado em Línguas Eslavas, no ano de 1962, em Berkeley. Em 1970, concluiu o PhD em Ciência Política, em Los Angeles.


A partir de 1967, Ellen e seu cônjuge e coautor em algumas publicações, Neal Wood, também cientista político, foram lecionar na Universidade de York, em Toronto, no Canadá.


Ellen Meiksins Wood, além de docente na Universidade de York, foi editora da revista marxista britânica, New Left Review, e da revista marxista estadunidense, Monthly Review, bem como participou do conselho editorial da Socialist Register e da Against the Current. A historiadora e cientista política, autora de vários livros e artigos, ganhou maior notoriedade a partir do lançamento do livro The Retreat from Class (cuja tradução para o espanhol foi intitulada ¿Una Política sin Clases?), em 1986, que lhe rendeu o Prêmio Memorial Isaac Deutscher, em 1988. Anos depois, foi convidada para a Sociedade Real do Canadá, o que reafirma a sua relevância acadêmica.


Ellen Wood ficou mais conhecida no Brasil a partir do lançamento de seu livro A Democracia Contra o Capitalismo. Neste livro, Wood apresenta de modo sistematizado sua agenda de pesquisa até ali, esclarecendo o conceito de democracia substantiva e o necessário conteúdo de classe para a política.Vítima de um câncer, Ellen Meiksins Wood morreu em 2016. Seu adoecimento interrompeu uma obra ainda em produção. Muitos dos limites apresentados no livro apresentado neste release podem ser decorrentes dessa interrupção, pois sabemos que, ao menos, um projeto não foi concluído. A autora desejava elaborar uma trilogia sobre a história do pensamento político. No entanto, apenas dois livros desse projeto foram publicados: Citizens to Lord e Liberty and Property.

Ellen Wood: O resgate da Classe e a Luta pela Democracia foi escrito por Jefferson Ferreira do Nascimento, professor do Instituto Federal de São Paulo (IFSP), doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e membro do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA). Como parte do processo constitutivo do livro, foi apresentado no 41.° Encontro Anual da ANPOCS (2017) o paper A redefinição do conceito e do papel político da Classe Social e a questão da Democracia em Ellen M. Wood”, onde as primeiras reflexões sobre o tema foram divulgadas. Além desse paper, o artigo “’É preciso dar um passo atrás, para avançar dois’: Ellen Wood e o retorno à teoria política contra a armadilha das análises fragmentárias” compôs o dossiê “Estado e Política no Capitalismo Moderno”, da Revista Debates (UFRGS). E, por fim, o artigo “O contexto social da obra de Ellen Meiksins Wood e a busca por sistematizar uma teoria de classes” compôs o dossiê “Contextualismo Social”, da Revista Tempo da Ciência (UNIOESTE).


Sobre o autor:


Jefferson Ferreira do Nascimento é professor no Instituto Federal de São Paulo – Campus Sertãozinho. Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGPol) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). É pesquisador no Núcleo de Estudos de Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA), coordenado pela Dra. Maria do Socorro Sousa Braga. Possui Mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Especialização em História, Cultura e Sociedade pelo Centro Universitário Barão de Mauá e Graduação em Ciências Sociais (com as seguintes habilitações: Licenciado em Ciências Sociais, Bacharel em Sociologia e Ciência Política) pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente, se dedica a estudos sobre teoria política, sistema partidário e política comparada.


quarta-feira, 22 de abril de 2020

O que sugerir numa hora dessas? – dicas em quarentena



Prólogo


Esta é uma carta com sugestões para a quarentena que fiz para meus alunxs de Ciências Sociais na UFF-Campos dos Goytacazes. A demanda me chegou pela galera do Centro Acadêmico Gisele Reis, o CAGIR para os mais íntimos.


O texto foi publicado originalmente no perfil do Centro Acadêmico no Instagram: @cagir_cs. Podem seguir lá! O pessoal vai gostar :)


Quanto aos textos, os mesmos encontram-se disponíveis no seguinte link: https://drive.google.com/open?id=13nsb35L6n8csTYG9nBjc12OnTgU7cd-f 



O que sugerir numa hora dessas? – dicas em quarentena


George Gomes Coutinho





Caríssimxs estudantes,


Como estão vocês? Suas famílias? Seus queridxs? Amores? Amigxs? Pets? (use a ordem que melhor se encaixar para você e ignore quando for o caso).


Por aqui tudo sob controle.  Como devem saber muitos de nós prosseguimos em nossas rotinas no trabalho em home office. Inclusive o home office não é exatamente uma novidade dada a inexistência de gabinetes de trabalho na UFF-Campos.


Posso afirmar que o trabalho dxs docentes do Departamento, o que envolve pareceres, artigos, preparação de aulas, estudos, etc.., invariavelmente é feito em casa mesmo onde dividimos nossa atenção com família, queridxs, amores, amigxs, pets (não nesta ordem de atenção em todos os momentos).


Este trabalho de bastidor, aquele que não é visível, persiste turbinado pela conjuntura.


Mas, há a ausência inegável e sentida dos encontros dos grupos de pesquisa, das reuniões, das aulas... De tudo aquilo que constitui o nosso habitat concreto que todxs compartilhamos e onde criamos afinidades, desavenças, disputas, solidariedade... Enfim, na rua José do Patrocínio 71, entre paredes de alvenaria ou de contêineres, que nos esbarramos e nos co-influenciamos (uns com os outros, uns contra os outros). Torço sinceramente que possamos todxs compartilhar esses espaços em breve. Para ontem.


Até porque o momento em que forem permitidas as aulas presenciais será o sinal evidente do término da travessia do deserto que todxs nós estamos fazendo por agora.


Sem mais delongas... Vou para as minhas dicas.




Começo em algo para ouvir: o podcast Xadrez Verbal. Eu o recomendo para quem tem interesse em política internacional. Até porque, vamos e convenhamos, parte da cobertura de política internacional da grande imprensa é muito pobre (vocês entenderão ouvindo o podcast). Para além disso, Átila Iamarino, epidemiologista que se tornou figurinha fácil em tempos de pandemia na mídia, tem se colocado como comentarista residente no Xadrez. Então, aqui temos epidemiologia séria em perspectiva comparada e vocês poderão compreender bastante, em termos factuais, como se pode construir uma análise verdadeiramente abrangente sobre um problema sério de caráter transnacional. E sem o caráter transnacional não entendemos a conjuntura Covid-19.


No campo das leituras eu irei me concentrar em 4 pontos: sociologia do risco, Estado de Exceção, crise das democracias e Bolsonarismo.


- Sociedade de Risco: é o Ulrich Beck mesmo. O alemão falecido no ano de 2015 deixou uma abordagem que alertava sobre o quanto os Estados-Nacionais teriam dificuldades concretas para produzirem a regulação de seus próprios territórios e relações no processo de radicalização da modernidade. Questões ambientais, riscos com energia atômica, financeirização, são faces concretas das demandas colocadas por nossos tempos. Podemos acrescentar também aí as pandemias....


- Estado de Exceção: texto que é velho conhecido de quem fez Política IV comigo. Descortina já no pós-11 de setembro a fragilização dos direitos civis e explicita os mecanismos de exceção inseridos na arquitetura das constituições liberais (por exemplo o Estado de Sítio). Texto fundamental para lembrar que nas democracias representativas deve-se dormir com um olho aberto e outro fechado. Neste momento, aqui e alhures, os direitos civis encontram-se sob mira a partir da utilização justamente destes mecanismos constitucionais;


- Crise das democracias: inseri aqui Castells, Mounk, Runciman, Levistsky, Ziblatt... Diferentes perspectivas sobre a democracia representativa liberal contemporânea, sua crise e aquela sensação de que “tudo que é sólido continua se desmanchando no ar”. São descrições que explicam a fisionomia do sistema político que encontrou o Covid-19;


- Bolsonarismo é um fenômeno social e político com profundo impacto nos processos de tomada de decisão de indivíduos, gestores públicos, agentes de mercado, etc.. As ações no contexto da pandemia em solo brasileiro se colocam neste pano-de-fundo: ou adesão acrítica ou adesão parcial ou enfrentamento. Para entender o fenômeno penso que textos da Isabela Kalil e da Rosana Pinheiro Machado podem ajudar a entender esta “ambiência” onde decisões políticas são tomadas, desditas, gritadas.. e nos fazem arrancar cuecas e calcinhas pela cabeça quase que diariamente nesta república dos tweets.


Até breve e cuidem-se bem!


Referências Bibliográficas:

                                       

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade; São Paulo: Editora 34, 2010.
CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2018.
LEVISKY, Steven & ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2018.
KALIL, Isabela Oliveira. Quem são e no que acreditam os eleitores de Jair Bolsonaro. (Relatório de Pesquisa).
KALIL, Isabela Oliveira, MORETTO, Márcio & ORTELLADO, Pablo. Pesquisa no ato “PT nunca mais”. (Relatório de Pesquisa).
RUNCIMAN, David. Como a democracia chega ao fim. São Paulo: Todavia, 2018.
MACHADO, Rosana Pinheiro & SCALCO, Lucia Mury. Da esperança ao ódio: juventude, política e pobreza do lulismo ao bolsonarismo. In: Cadernos IHUideais. São Leopoldo, Unisinos, Ano 16, n.278, vol.16, 2018.
MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.





quarta-feira, 18 de março de 2020

Democracia como fraude e possibilidade


Democracia como fraude e possibilidade

Paulo Sérgio Ribeiro

Passado o 15 de março, data para a qual fora anunciado um ato de “protesto” contra instituições basilares do nosso ordenamento jurídico-político – Supremo Tribunal Federal, Câmara dos Deputados e Senado Federal – por grupos de extrema-direita que compõem o núcleo duro do bolsonarismo, chama-me atenção certa ironia do posicionamento do Presidente da República. De início, Bolsonaro negou ter convocado aquela provocação facistóide para, em seguida, nela confraternizar com sua claque à revelia das recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do próprio Ministério da Saúde diante do estado de emergência ocasionado pela epidemia do Covid-19, vulgo Coronavírus.

Que a manifestação de irracionalidade da persona Bolsonaro seja atributo de um padrão de comportamento com o qual seus “seguidores” estabeleçam uma relação de simbiose, isto já é mais do que sabido. Mas há algo no enredo dessa ópera bufa que não deveria passar despercebido: ao acusar as eleições presidenciais de 2018 de fraudulentas como mote para a afronta do dia 15, Bolsonaro atira no que vê e acerta no que lhe é impossível enxergar e, não menos, no que a autocracia burguesa que o tomou como a bola da vez de sua agenda seria capaz de admitir.

Caso levemos a sério a etimologia de “democracia”, havemos de concordar que os regimes democráticos ao leste e ao oeste de Berlim são experiências um tanto adulteradas do modus vivendi contido naquela expressão. Donde vem a coisa que atende por tal nome e por que haveria um hiato entre o seu contexto de origem e o mundo contemporâneo?

Da Antiguidade à era moderna, por democracia não se concebia de maneira estanque um regime político caracterizado pela escolha periódica de governantes, justamente porque em seu nascedouro – a Atenas do século V e IV a.C. – ser cidadão correspondia a ser membro de uma comunidade de iguais que seria tanto causa como consequência de uma decisão coletiva. Logo, se todos tinham igual potencial de influir nos processos decisórios, a única forma coerente de escolher um governante seria o sorteio e não uma eleição.

Antes de prosseguirmos, algumas advertências: o “governo do povo” surgido da experiência ateniense era demasiado restrito por excluir de antemão mulheres, escravos e estrangeiros (“metecos”); a democracia direta praticada no aludido cenário encontra limitações estruturais em sociedades cujo território e população tenham a magnitude que conhecemos hoje; por mais igualitário que fosse o processo decisório no seio da assembleia popular, sempre haveria alguma distorção na formação da vontade coletiva se, por exemplo, uma liderança revelasse competência política superior aos demais para conduzir os assuntos públicos sem, necessariamente, qualificá-los do ponto de vista fático. Neste sentido, a Ágora talvez fora o palco de uma luta de vida e morte entre os predispostos à busca da verdade no âmbito filosófico e os sofistas que a confinavam a habilidades retóricas manipuláveis segundo visões parciais e interesses momentâneos.  

Contudo, salienta Luís Felipe Miguel[1], malgrado seus pecados de origem, a democracia na Grécia antiga, por intermédio da assembleia popular e do preenchimento de cargos por sorteio, possibilitava ao homem comum uma presença permanente nos processos decisórios, obrigando eventuais líderes a serem assim reconhecidos se, e somente se, seguissem de perto seus vigilantes liderados, tendo em vista a rotatividade do exercício do poder assegurada por tais instituições.

Aterrissando no século XXI, confirmamos experiências democráticas diametralmente opostas ao ethos grego: a escolha de governantes mediante um processo eleitoral no qual uma minoria dirigente está indelevelmente separada dos governados no espaço social, na medida em que exerce uma representação política sedimentada na desigualdade de recursos de toda ordem; desigualdade esta que, por sua vez, reproduz-se pelo uso do poder econômico e pela partidarização da mídia e (de modo perturbador atualmente) do poder judiciário, condenando a maioria à negação de sua pluralidade de valores ao reservar-lhe um papel meramente passivo na construção dos programas e projetos em disputa.

Até aqui, o exposto é um tanto consensual, seja na literatura especializada, seja no senso comum.

Onde mora o busílis? Diante da crise de representatividade vivida nas democracias liberais, agravada no Brasil por um processo inconcluso de transição democrática chancelado pela lei de anistia, um político tradicional, advindo dos porões da ditadura civil-militar, após sete mandatos consecutivos como deputado federal, ascende ao cargo de maior autoridade do país através de uma verdadeira engenharia social que, operada nas redes virtuais, transfigura-o em um político “anti-sistema” capaz de catalisar os sentimentos morais de uma parcela majoritária dos(as) brasileiros(as) que, por razões inegáveis, veem-se impotentes no sistema político.  

Manejando uma linguagem popular facilmente assimilável pelo conservadorismo moral que permeia diferentes classes sociais, Bolsonaro figura como um improvável campeão de votos saído diretamente do demos ao vocalizar sem qualquer moderação um discurso incriminador da política profissional, autorizando, assim, expressões públicas de ódio de classe travestidas de “isenção” de quem enxerga-se contra tudo e contra todos.

Ora, diante da horrenda criatura, caberia a nós não nos assumirmos seu criador? Ao seu modo e circunstância, Bolsonaro se fez um “igual” dentre seus seguidores sem, todavia, desmentir que aquilo que supostamente critica – o elitismo do nosso sistema político – é, ironicamente, o que lhe faculta a condução de um governo natimorto do ponto de vista da participação popular. Sim, Bolsonaro é um boçal e quem nele votou pode muito bem estar à altura de sua miséria. No entanto – e sem recuar um milímetro na necessária crítica ao governo autoritário que se impôs, pasme, pelo voto popular – é construtivo (no âmbito da análise política) e consequente (no terreno da luta política) enxergar no povo brasileiro tal como ele é a fonte de todas as vicissitudes de nossa experiência democrática? Estaríamos condenados ao eterno retorno de uma democracia sem povo?

Sucumbir à crença antidemocrática de que o povo é um estado bruto da natureza e não um construto histórico, quem sabe, não implique adiarmos a tarefa de reconstruir um regime político em que o poder esteja outra vez nas mãos do homem e mulher comuns. Do contrário, continuaremos confortados pelo ponto de vista da superioridade moral próprio ao elitismo que Bolsonaro et caterva tão bem souberam “denunciar”, inaugurando, pois, uma era de ressentimento que depõe contra interesses coletivos da (ainda?) nação brasileira. 

Ao diálogo, pois.


[1] MIGUEL, Luís Felipe. A democracia domesticada: bases antidemocráticas do pensamento democrático contemporâneo. Dados - Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro: IUPERJ, vol. 45, nº 3, 2002, p. 484.

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Da Planície Goytacá ao Planalto Central: Sobre poderes, instituições e teorias políticas implícitas

Da Planície Goytacá ao Planalto Central: Sobre poderes, instituições e teorias políticas implícitas

George Gomes Coutinho

Não podemos dizer que está tudo bem em nossa conjuntura. Da Planície Goytacá ao Planalto Central os legislativos ganharam a atenção da opinião pública ao desafiar seus executivos dentro da ordem constitucional, com maior ou menor impacto e guardadas as devidas proporções. Até então essa não deveria ser questão a nos preocupar dado que momentos de atrito entre poderes estão previstos na arquitetura das instituições políticas modernas. O maior problema são as reações dos seus respectivos executivos.

Em Campos vimos a não aprovação da Lei Orçamentária Anual em rodada ordinária de votações, fazendo com que a LOA só fosse aprovada no início deste ano.

No âmbito federal temos instalado o que alguns chamam com bom humor de Maiamentarismo. Outros chamam simplesmente de “parlamentarismo branco”. Neste caso em particular muitas vezes as proposições vindas do executivo são repaginadas, rediscutidas, algumas rechaçadas e outras acatadas.

As reações dos executivos foram dramáticas nos dois casos. Em Campos o prefeito Rafael Diniz foi acusado de pressionar o legislativo[1] e naquele momento certo alarde foi feito na opinião pública nesta cidade onde parte da economia depende dramaticamente de recursos públicos. Embora a não aprovação da LOA não atingisse as despesas obrigatórias, vide salários de servidores e dívida pública, uma narrativa de crítica pesada ao legislativo local circulou. Contudo as críticas, inclusive as perpetradas por Diniz, se indicavam certo pendor autoritário, onde o legislativo por vezes é visto como uma espécie de correia de transmissão do executivo, estas não flertaram perigosamente com a ruptura institucional. Eram críticas duras onde a população “comprou” a interpretação de que o legislativo seria uma espécie de inimigo a ser combatido e refletem antes um sentimento autoritário endêmico que é um traço de nossa cultura política.

Esta desconfiança ante o legislativo não é uma novidade. Cabe lembrar Luiz Inácio Lula da Silva e a acusação de uma Câmara Federal formada por “300 picaretas com anel de doutor”.

O problema é onde esta narrativa pode nos levar. A satanização de um dos poderes, ou mais de um, ignora as recomendações da filosofia política moderna que encontramos em Montesquieu ou nos Federalist Papers. Não precisamos entrar aqui nos detalhes das obras desta tradição filosófica liberal. Basta lembrarmos que dividirmos a responsabilidade dos processos de tomada de decisão é uma possível prevenção contra arroubos tirânicos. Sim, estamos falando de tirania.

A história humana nos mostra que, contrariando Platão e seu Rei-Filósofo, Faróis da Alexandria tem pés de barro quando decantam na realidade. Sob a égide do “correto”, do “mais justo”, “do mais sábio”, etc., plenos poderes concentrados não costumam produzir bom resultado justamente quando reconhecemos a política enquanto é: humana, demasiado humana, escrava de paixões, caprichos e muitas vezes impenitente em seus erros.

Retomando a nossa linha argumentativa factual, sim, legislativos contrariarem os seus respectivos executivos faz parte das regras do jogo na Democracia Representativa Liberal, nome completo disto que simplesmente chamamos de democracia. Diniz quando utilizou de retórica em disputa com seu legislativo rebelde, embora tenha carregado nas tintas e flertado com certo pendor autoritário, não atravessou o Rubicão. Apenas surfou a onda do traço autoritário subjacente que também é parte de nossa cultura política onde os legislativos são mais vilões do que mocinhos.

Outra coisa muito diferente e grave é o chefe do executivo divulgar vídeos de apoio a protestos em março próximo que afrontam as bases institucionais brasileiras vigentes.

Cabe notarmos que a convocatória dos protestos de 15 de março tiveram por estopim a fala do General Augusto Heleno onde o Congresso é acusado de chantagear o executivo. O General recomendou o “foda-se”. O 15 de março talvez seja uma forma de plasmar o “foda-se” clamado pelo General.

Não nos cabe discutir aqui crimes de responsabilidade, problema já debatido muitíssimo por juristas diversos na grande mídia. Mas, neste momento é fundamental assinalarmos que quando um membro importante do executivo sugere um “foda-se” em público a um dos poderes e este agente é demasiado próximo do presidente, a segurança e o respeito pelas instituições encontram-se no volume morto. Para além disso, denuncia que a teoria política subjacente ao que temos no poder no executivo federal é qualquer coisa... Mas, não merece de forma alguma o termo “liberal”. O alerta vermelho prossegue aceso e não dá sinais de que irá apagar tão cedo.




terça-feira, 27 de novembro de 2018

Samba, resistência e democracia - quarta, 28/11/2018 - 18 horas

Prezad@s,

Repassando convite do prof. Paulo Gajanigo do  Departamento de Ciências Sociais da UFF:

"(...) gostaria de divulgar evento que estou organizando em parceria com Giovane Nascimento, da UENF. Exibiremos o documentário 'Kizomba: 30 anos de um grito negro na Sapucaí', produzido pelo Departamento Cultural da Vila Isabel. Após a exibição ocorrerá uma roda de conversa com a presença da Velha Guarda da GRBS Os Psicodélicos e de Vinícius Natal (diretor do Dep. Cultural da Vila Isabel)."


O evento irá acontecer na próxima quarta-feira, dia 28/11, 18 horas, na quadra dos Psicodélicos aqui em Campos. 

domingo, 4 de novembro de 2018

Dos perigos na esquina


Há perigo na esquina. O verso do músico Belchior está mais atual do que nunca. No caso específico do Brasil não se trata de uma esquina literal, mas sim de uma dobra histórica em que o país irá entrar e que representa uma guinada à direita conservantista e reacionária da maneira mais bruta.
A opção feita através das urna pela maioria do eleitorado ao eleger o capitão da reserva do Exército Jair Bolsonaro para o posto máximo de Presidente da República significa que no próximo governo teremos uma série de retrocessos dos mais variados. Para além dos impactos institucionais que se avizinham, como privatização das estatais e o desmonte do Estado, o que está em jogo também são conquistas sociais, civis e políticas. Antes mesmo da posse do referido já é possível perceber o empoderamento dos agentes públicos da segurança, que agem ao seu próprio talante nas ruas, assim como já observamos, por exemplo, perseguição às religiões de matrizes africanas nas semanas seguintes ao pleito.
Um conjunto de conquistas identitárias dos movimentos sociais está em risco. O medo toma conta dos Lgbtis e negros, que sabem o que representam uma pauta conservadora e de perseguição às suas existências.
No plano da educação o cenário que se avizinha é também desalentador haja vista que existe a promessa de transferir o Ensino Superior do Ministério da Educação para o Ministério da Ciência e Tecnologia a vir ser comandado por um astronauta, também militar da reserva. Para além disso, a retomada da discussão do projeto de lei Escola sem Partido também entrou em curso de maneira veloz, sendo que até mesmo uma aprovação açodada em tempo recorde no Congresso está em jogo. Contando com ameaças aos educadores através do incentivo a que jovens alunos filmem seus professores em sala de aula, constituindo uma grave afronta ao direito de cátedra dos mestres. A sinalização de que nenhum novo aporte de investimentos será feito é catastrófica. Afinal temos de lição episódios recentes, tal como o incêndio do Museu Nacional no Rio de Janeiro por conta justamente da falta de repasses para o setor.
Em termos econômicos o modelo neoliberal capitaneado pelo especulador financeiro Paulo Guedes aponta para uma grave crise de recessão. Pois historicamente os países que optaram por esse arcabouço já demonstraram que o receituário do Banco Mundial de enxugamento estatal não contribui em nada para a retomada do crescimento mas sim o contrário.
O exercício da Democracia exige o respeito às liberdades de oposição e contestação. As ameaças de “varrer” os vermelhos, ou os candidatos opositores derrotados não contribuem em nada para a saúde de uma já combalida democracia. Para além das urnas, a resistência deve ser feita nas ruas, priorizando uma cultura de conscientização e denúncia do quão lesivos são os movimentos que estão em debate no cenário político do momento.