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quinta-feira, 6 de abril de 2023

Sobre o morticínio em Blumenau - Luis Felipe Miguel

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Sobre o morticínio em Blumenau**


Luis Felipe Miguel***


O morticínio na creche em Blumenau nos encheu de horror e tristeza, mas não necessariamente de espanto. 

Infelizmente, o Brasil está se tornando um país em que esse tipo de atentado é quase corriqueiro.

Não é possível nem imaginar a dor das famílias que perderam aquelas crianças. E, sobretudo, não é possível aceitar uma situação em que um pai ou uma mãe manda seu filho para a escola sem ter certeza de que ele voltará para casa.

A direita já anuncia as "soluções" de sempre. Uns falam em aumentar as penas - como se o perpetrador de um crime desses se guiasse por um cálculo racional. 

Ou em armar os professores - perpetuando um clima de paranoia e fazendo do país um bangue-bangue, com uma escalada ainda maior de violência como resultado previsível.

Não faltou nem quem propusesse ampliar a vigilância sobre as escolas - com efeito negligenciável na segurança, mas grande sobre a autonomia dos docentes.

Nada disso é solução, é claro. Penso que são necessárias medidas urgentes, mas também de prazo mais longo.  Algumas - as de curto prazo - com caráter mais repressivo. Outras visando as origens do problema.

No curtíssimo prazo, é preciso reforçar o policiamento próximo às escolas e implantar dispositivos de alarme para situações de risco.

(O governo federal anunciou a liberação de R$ 150 milhões para reforçar a ronda escolar em todo o Brasil. O valor será repassado para estados e municípios.)

É preciso também ampliar o monitoramento da internet, onde as ações são gestadas e incentivadas.

(O governo federal também anunciou a criação de uma força tarefa emergencial com este objetivo.)

Uma vez que estes discursos têm migrado da deep web para espaços como TikTok, é importante responsabilizar as plataformas.

São negócios bilionários que se eximem de qualquer regulação pela sociedade. Mas precisamos definir o que queremos delas. E, talvez, tomar coletivamente a decisão de refrear seu domínio sobre nossa sociabilidade.

Alguns órgãos de imprensa têm tomado a decisão correta de não divulgar nome e foto do assassino - afinal, o desejo depravado por fama é um componente essencial neste tipo de ataque. Mas não é toda a imprensa. Valeria legislar sobre o tema.

(A busca de notoriedade como motivo para o crime foi turbinada pelas redes sociais, mas não surgiu com elas. Como exemplo: em 1972, Arthur Bremer deixou de balear Nixon, como queria, porque quis trocar de roupa para a ocasião e perdeu a chance; teve que se contentar em atingir George Wallace, o governador segregacionista do Alabama. Anotou em seu diário que estava decepcionado, pois não teria repercussão na Europa e na Rússia.)

Medidas de curto prazo são importantes, mas é preciso também pensar sobre as raízes mais profundas dos ataques. O que faz alguém chegar a esse ponto?

Há todo um caldo de cultura de apologia da violência - do culto às armas à ideia de que o desprezo pela vida é algo "transgressor".

(Estudos apontam que são meninos recém-chegados à adolescência os  capturados por esse tipo discurso. É preciso enfatizar o vínculo entre a construção de uma "masculinidade" hoje fragilizada e a epidemia de violência, para adotar políticas efetivas de saúde mental.)

Como se o desprezo à vida não fosse, no final das contas, definidor do sistema capitalista em que vivemos.

Esta glorificação da violência é central na extrema-direita. O que vemos nas escolas anda junto com o avanço dos  discursos de ódio, neonazismo etc. Nem é preciso dizer em quem votou o assassino de Blumenau.

Um deputado indicou um torturador notório como seu herói pessoal - e não só não foi punido como se elegeu presidente. Creio que isso resume muito da história.

Agora, todos fazem seus lamentos hipócritas nas redes sociais.

Não adianta. Cada um que contribuiu para a degradação do debate político no Brasil; cada um que aderiu, por estupidez, convicção ou oportunismo, ao avanço de um extremismo perverso; cada um que reforçou os estereótipos mais vulgares do machismo - são todos, em menor ou maior medida, culpados pela espiral de uma violência gratuita, aberrante, própria de uma sociedade muito doente.


* Van Gogh, "Prisoners round", 1889. Disponível em: https://www.mutualart.com/Article/The-Sadness-Will-Last-Forever--Van-Goghs/A713E9002A6E4245, acesso em 06 de abril de 2023.

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 06 de abril de 2023. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre de 2022 o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Documentário "Auto de Resistência" - terça, 04/12/2018 - 18 horas


Um documentário sobre os homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em casos conhecidos como "autos de resistência".

O filme acompanha a trajetória de personagens que lidam com essas mortes em seus cotidianos, mostrando o tratamento dado pelo Estado a esses casos, desde o momento em que um indivíduo é morto, passando pela investigação da polícia, até as fases de arquivamento ou julgamento por um tribunal do júri.

Após a exibição do documentário, será realizado um debate com a participação da diretora do filme, Natasha Neri, o defensor público Tiago Abud e Dona Ivanir Mendes, mãe de vítima do Estado e ativista da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.

Local: Auditório da UFF de Campos dos Goytacazes

Rua José do Patrocínio, 71

Fonte: Facebook.

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Meu bunker, minha vida

Meu bunker, minha vida *
George Gomes Coutinho **
Na última semana, entre quinta e sexta-feira, ocorreu um fenômeno preocupante para se acompanhar enquanto sociólogo na sociedade de massas: uma onda coletiva irracional de pânico. A onda foi absolutamente fiel aos meios e modismos de comunicação e informação dos dias que correm e houve a utilização plena do cardápio digital em Campos dos Goytacazes. Áudios de whatsapp onde supostamente uma magistrada, que certamente não se identificou, aconselhava a todos(as) os(as) cidadãos(as) e ficarem em suas casas. Fotos de eventos ocorridos em outros momentos históricos igualmente circulavam apresentadas como prova inconteste e tal como se estivessem ocorrendo em tempo real. Em termos práticos comerciantes esvaziaram vitrines, escolas particulares cancelaram um dia letivo e a população foi para supermercados e farmácias comprar alimentos, remédios, produtos de higiene e afins. Um cenário distópico digno de séries e filmes apocalípticos.
Pensei que um lema adequado para o evento seria “meu bunker, minha vida”. Diante de um cenário de caos a reação imediata foi a individualização radical da proteção, mesmo que inócua. Se o temor seria do movimento da horda fico a pensar se meramente se trancar em casa produziria bom resultado. O medo se traduziu em uma reação digna dos personagens do cineasta de terror George Romero em seus filmes de zumbis. Haveria o “nós” e “os outros” sem qualquer possibilidade de diálogo. Fujam para as colinas! No dia seguinte, tudo sob controle.
Entre o trágico e o cômico pensei se não haveriam lições a serem tiradas deste episódio. Irei apresentar uma que é urgente. Em uma sociedade onde todos(as) produzem informação, nunca foi tão vital a checagem dos fatos, o confronto com outras fontes, etc.. Práticas simples incentivadas pelo pensamento crítico e pelo bom senso que mantém a sanidade mental.
Por outro lado uma reflexão grave. A onda de pânico motivada pelo boato da paralisação das atividades da Política Militar do RJ revela algo seríssimo. Aparentemente atingimos uma débâcle civilizatória onde o aparato de violência estatal se apresenta como o único garantidor do tecido social na conjuntura. Péssimo sinal.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 18 de fevereiro de 2017
** Professor Adjunto de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes