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quinta-feira, 30 de abril de 2020

Divulgação - Ação solidária


A fome é URGENTE!

O nosso povo não tem o que comer nestes difíceis tempos, ainda prejudicados pela morosidade no pagamento do auxílio emergencial.

Por isso é muito importante que AJUDEMOS UMA FAMÍLIA HOJE!

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A Associação Resista Campos luta pelo direito à cidade desde sua criação. Neste sentido, com o período de isolamento social a classe trabalhadora tem sofrido muito para efetivar a quarentena pois muitas pessoas perderam sua fonte de renda. Como, por exemplo, os catadores de materiais recicláveis da cidade, por isso estes serão os primeiros a receber as cestas básicas montadas pela nossa Frente de Ação Solidária!
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sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Tudo novo de novo? - Breves reflexões sobre a ação coletiva

Tudo novo de novo?* - Breves reflexões sobre a ação coletiva**

George Gomes Coutinho ***

Quando eu elaborava meu primeiro trabalho acadêmico dotado de algum fôlego, no caso minha primeira monografia na UFF/Campos no início deste século, tive a afortunada experiência de ser orientado pelo professor José Luiz Vianna da Cruz, uma das rochas fundamentais da sociologia e dos estudos sobre desenvolvimento regional entre nós. Muita água correu no Paraíba do Sul desde então. O professor José Luiz, daquela relação formal entre orientador e orientando de graduação, se tornou posteriormente meu amigo, colega de Departamento de Ciências Sociais e prossegue sendo um interlocutor/conselheiro. Tanto é que hoje em dia ouso chamá-lo simplesmente de “Zé” em uma demonstração singular de respeito e carinho que tenho por ele.

Voltando ao início deste século, minha monografia tinha por tema os movimentos sociais na universidade pública. O Zé, do alto de sua experiência, me apresentou uma questão logo no início de nossos trabalhos formulada de maneira simples e objetiva. Afinal, se estávamos falando de movimentos sociais, o que os move? Se a pergunta era sintética e elegante, a resposta (ou as respostas) me levou a trafegar pelas águas turvas das noites em claro. A pergunta do Zé tocava realmente no que era fundamental. Quais seriam os “móveis” da ação coletiva? Arrisco dizer que de lá pra cá parte de meus trabalhos foram tentativas de responder a essa pergunta de forma direta ou indireta e certamente parcela do conhecimento sistemático sobre a política enquanto fenômeno se estrutura nos arredores dos dilemas da ação coletiva.

Na conjuntura atabalhoada em que vivemos Aluysio Abreu Barbosa em uma conversa telefônica amistosa decidiu reencarnar a pergunta do Zé trazendo para o nosso contexto. Senti na pele que de fato as grandes questões não desaparecem. Elas se atualizam de acordo com as especificidades de cada momento histórico. Aluysio inclusive não me colocou “pouca coisa”. Ele nota, de forma correta, que os grandes movimentos coletivos brasileiros ocorridos desde o arrefecimento da ditadura civil-militar até 2015, perpassando o Fora Collor de 1992 e o junho de 2013 nas regiões metropolitanas do país, não são tudo farinha do mesmo saco. De fato não são. Todavia, vamos tentar ver o mínimo estrutural que os aproxima e o muito que diferencia estes grandes movimentos que tem a rua por cenário. Causando estranheza ao leitor, justamente o que os assemelha e os distancia envolve responder a pergunta do Zé: quais os móveis?

Teoricamente, de Karl Marx (1818-1883) a Mancur Olson (1932-1988), o que move grupos e classes que engendram ação coletiva, o “grande móvel”, é o interesse. É justamente o que aglutina e torna possível a ação coletiva e associativa dos sindicatos, movimentos sociais tradicionais, grupos de pressão, movimentos de massa, etc.. Seja a Associação Nacional de Rifles da América, o Greenpeace, O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo ou o pessoal da Tradição, Família e Propriedade. Coloquei exemplos tão discrepantes não tanto para causar desconforto ao leitor. Apenas quis demonstrar que estes grupos, a despeito do seu posicionamento no espectro político, se são de esquerda ou direita, progressistas ou conservadores, todos se agrupam em prol de algum interesse comum e compartilhado. A associação “reduz custos” que seriam simplesmente impossíveis para um indivíduo isolado e a ação coletiva visa permitir que se alcance um objetivo ou um conjunto de objetivos.

Antes de prosseguir, venho declarar minha discordância sobre a morte da política ou o que seria um processo de despolitização no Brasil contemporâneo. Eu concordo que exista um arrefecimento da política tradicional sem dúvida, algo que está na raiz da crise da democracia representativa no mundo. Não por acaso partidos, seja aqui ou na Europa, apresentam um déficit de legitimidade considerável entre seus eleitores. Porém, a política envolve tomar decisões dotadas de caráter vinculante como diria o alemão Niklas Luhmann (1927-1998). Portanto, se a morte é inevitável para tudo o que é vivo, a política é inescapável para todos(as) que vivem em sociedade. Decisões que tem impacto coletivo, seja sobre os parâmetros curriculares do Ensino Médio ou regras de tributação, são da natureza da política. Porém, há a mudança de agendas, novos temas emergentes e das formas de se fazer política, algo que retomarei adiante.

Prosseguindo, se os interesses demarcam a ação coletiva para gregos, troianos e baianos, não podemos ignorar a modulação fornecida pelos valores, visões-de-mundo, ideologias, elementos simbólicos, etc.. Neste ponto TFP e MST tem obviamente posicionamentos inconciliáveis sobre a questão agrária por exemplo. As agendas dos movimentos, a maneira pela qual os interesses se particularizam e dão robustez para a operacionalização da ação, são obviamente distintos. Contudo, temos momentos em que estes movimentos, de natureza mais particularizada, transcendem seu público de adeptos e simpatizantes atingindo a sociedade como um todo. A pauta originária de um grupo torna-se uma pauta consensual entre diversos grupos e classes. Olhemos para o movimento “Diretas Já” na longínqua década de 1980.

Nas “Diretas” o contexto explica. Se a ditadura civil-militar jamais foi um consenso total na sociedade brasileira, o que redundou nos movimentos de resistência insurrecionais (luta armada) e civilistas (atuação nas instituições), é impossível não reconhecer que um regime que durou 21 anos não tenha gozado de legitimidade entre amplos setores da população. Todavia a ressaca produzida pelo “Milagre”, o cenário de hiperinflação galopante e pauperização, tornou o descontentamento incontrolável. Inclusive a atuação da grande mídia oligopolista, até então entusiasta de primeira hora ao golpe de 1964, deu sua contribuição e reverberou o processo de perda de legitimidade dos militares no poder.  Neste ponto da história o que era um movimento perene em prol do retorno dos ritos democráticos de uma contra-elite minoritária (partidos de esquerda, intelectuais e artistas), se tornou um movimento de massa que transcendeu classes e grupos. Só o amplo consenso formado explica em um mesmo palanque gente como Ulisses Guimarães, Fernando Henrique Cardoso e Luis Inácio Lula da Silva.

O movimento da “Diretas” foi um movimento de massa cujo interesse era o de reinstituir a normalidade democrática. Considero equivocado considerar a “Diretas” um movimento de esquerda, embora que atores tradicionais deste espectro político, o que inclui sindicatos, partidos e movimentos sociais, tenham dado suporte inegável ao que vimos no Brasil na década de 1980. Os atores tradicionais auxiliaram na fisionomia do movimento de massas inclusive pelo acúmulo de expertise em se manterem organizados, a despeito de terem atuado durante boa parte do século XX na ilegalidade ou semi-legalidade. Igualmente forneceram um discurso, muitas vezes contundente, expresso em palavras de ordem onde a crítica da situação econômica era absolutamente oportuna para o momento.

Também o “Fora Collor” na década de 1990 mantém alguns dos aspectos que citei acima:1) transcende a crítica de uma contra-elite minoritária; 2) encontra apoio e reverberação da mídia oligopolista; 3) é dotado de uma fisionomia de esquerda pelo protagonismo de certos atores tradicionais, embora que o consenso naquele momento quanto ao impeachment tenha abarcado diversos grupos sociais para além do espectro político mencionado. 

A questão é que o mundo mudou muitíssimo de lá para cá. A chamada “revolução informacional”, que se potencializa a partir do final da década de 1990, já inclui novas formas de comunicação e interação na sociedade. Ao mesmo tempo tivemos os anos do lulismo neste século XXI, onde os atores tradicionais da esquerda ingressaram nas instituições e tanto passaram a ser “vidraça” quanto tiveram sua atuação contestatória consideravelmente diminuída. Afinal, movimentos e partidos tornaram-se governo. Nesse ínterim novas pautas ganharam ainda mais corpo e possibilitaram o protagonismo de atores que não se sentiam plenamente contemplados pelos movimentos tradicionais de esquerda. Esse diagnóstico não é meu, boa parte da literatura sobre movimentos sociais aponta para esta questão. Aqui, dentre as novidades, falo do movimento ambiental, feminista, movimento negro, grupos LGBTT, etc.. A natureza, este agente difuso, ganha porta-vozes humanos. Jessé Souza (1960), sociólogo brasileiro, ironicamente chama este grupo de “classe média de Oslo”, brasileiros que adotam uma agenda ambiental e de sustentabilidade digna dos nórdicos.  E os afetos e a expressividade adquirem uma enorme relevância onde o clássico problema das diferenças materiais entre as classes sociais passa a ser secundário. Não por acaso o filósofo francês Luc Ferry (1951) aposta que a intimidade, as relações afetivas, é um tema amplamente mobilizador neste século XXI.

Um outro ponto, ao qual não canso de lembrar, é o da fadiga das democracias representativas liberais no mundo todo na nossa conjuntura. Devo este diagnóstico ao sociólogo polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). A alta financeirização das economias nacionais, processo que se inicia na década de 1970, torna os governos reféns diretos da pauta fornecida pelas grandes instituições financeiras. Em suma: o que prometem nas campanhas eleitorais não é efetivamente realizado inclusive por constrangimentos e acordos que moldam os orçamentos governamentais. Parte da crise de legitimidade da social democracia européia é explicada por este fator. Na esteira da fragilização dos partidos social democratas, os partidos tradicionais moderados sofrem por inércia. Portanto, a crise da democracia representativa liberal é seguramente também uma crise dos partidos e lideranças tradicionais, um problema que não é só brasileiro.

O junho de 2013 no Brasil se insere neste macro contexto absolutamente complexo. Não foram os atores tradicionais de esquerda que organizaram os movimentos. Pelo contrário. Em várias cidades brasileiras estes atores foram até mesmo hostilizados. Naquele momento muitos analistas ficaram atônitos. O que houve?

Junho de 2013 foi um dos maiores testes da capacidade de aglutinação coletiva das novas formas de comunicação e interação. Como vimos, é inegável o barulho causado. Naquele momento o slogan “Vem Pra Rua” ou o Movimento Passe Livre sintetizam uma pauta reivindicatória que envolveu desde o seu estopim, no caso a revogação do aumento do preço das passagens urbanas, até a crítica ao uso de dinheiro público para as grandes obras que seriam necessárias para a realização dos mega-eventos vindouros. Tanto a Copa do Mundo quanto as Olimpíadas do Rio estavam na lista de prioridades do Estado brasileiro.

Notem que por mais que tenham se apresentado como “movimentos pulverizados”, haviam pautas reivindicatórias que apontavam tanto para o direito de mobilidade urbana quanto implicavam, mesmo que de forma um tanto inábil, na tentativa de influir no processo de tomada de decisão sobre os orçamentos governamentais. Em contraposição ao investimento nos mega-eventos os manifestantes clamavam, mesmo que sem muita precisão, por mais investimentos em saúde e educação. Neste ínterim, até pelo caráter inovador, os grupos políticos tradicionais não conseguiram interlocução ou mesmo captar as demandas apresentadas, dotá-las de objetividade política.

Ali abriu-se uma caixa de Pandora. Os métodos de mobilização, até então jamais vistos no cenário tupiniquim, foram depois largamente utilizados. Inclusive há semelhanças de métodos com o que ocorreu aqui e na Primavera Árabe: redes sociais, novas formas dinâmicas de interação, etc..

Cabe notar que os movimentos da chamada “nova direita” no Brasil se utilizaram depois fartamente tanto da estética de mobilização dos grupos de junho de 2013 quanto até mesmo de nomenclaturas e slogans. Afinal, o “Movimento Passe Livre”, o MPL, de alguma inspirou o “Movimento Brasil Livre”, não por acaso MBL. O slogan “Vem Pra Rua” tornou-se um movimento homônimo.

Nesse ínterim uma pletora de questões aflorou. Trata-se de uma constelação de fatores. Aqui a frustração econômica causada pelo término da era das commodities implicou uma enorme dificuldade de manutenção das políticas econômicas e sociais do lulismo continuadas por Dilma Rousseff. Este é um ponto crucial para entendermos a insatisfação que gerou os movimentos de massa pós-2013. Para além disso os movimentos da “nova direita” passam a vocalizar demandas e perspectivas de grupos da sociedade que até então não encontravam representantes dotados da capacidade de síntese necessária e com enorme habilidade em utilizar as redes sociais. Não quer dizer que não existissem as visões-de-mundo mais conservadoras. Apenas não haviam encontrado grupos que vocalizassem esses sentimentos difusos.

Nesse ínterim, já desde ação penal 470, o “mensalão”, a grande mídia monopolista engrossou de forma sistemática a narrativa que associou o Partido dos Trabalhadores de forma inequívoca, por vezes quase exclusiva, ao fenômeno da corrupção. Por outro lado, no âmbito da política tradicional, Dilma lidou diretamente com um governo dotado de capacidade decisória limitada e um Congresso Nacional rebelde liderado por Eduardo Cunha.

O que tornou os movimentos de massa diferenciados não foi tanto o uso das táticas de comunicação novas já experimentadas em 2013. O que há de novo é o conteúdo apresentado e pela primeira vez desde a redemocratização a ausência de atores ou pautas usualmente apresentadas pela esquerda tradicional. Até 2013 encontrávamos pautas de reivindicação inclusivas, de ampliação direitos. De 2013 em diante não houve sequer a fisionomia de esquerda. Neste ponto do diagnóstico concordo plenamente com Aluysio que me chamou a atenção para este fato.

Contudo é difícil dizer, conforme afirmei anteriormente, que a “política morreu”. Outros grupos, dotados de alta capacidade de negociação jamais arrefeceram. As mudanças que vivenciamos de 2016 para cá na legislação social são obra de grupos que se não redundam em grandes movimentos de massa, até pela natureza silenciosa com que atuam, são tão ou mais eficientes no diálogo com o sistema político tradicional. São grupos de pressão dotados de alto poder de fogo oriundos das 6 mil famílias que concentram boa parte da riqueza nacional. Promovem uma ação coletiva menos visível dado o convencimento promovido pelo dinheiro. Neste sentido na atual conjuntura é desnecessário inflar grandes movimentos da nova direita nas ruas e lidamos com uma contra-elite, pelo flanco esquerdo, profundamente fragilizada e carente de legitimidade.

O que ficará disso tudo? Como já disse Wanderley Guilherme dos Santos (1935), um dos decanos da ciência política brasileira, “o futuro não é materialmente verificável”. O que temos certeza é que a revolução informacional das últimas décadas, se modificou o cotidiano das nossas sociedades, não poderia ter efeito muito diferente nas mobilizações coletivas. Estas, tal como outrora, permanecem guiadas por interesses sendo este o móvel aglutinador. Todo o restante sobre o amanhã ainda “não decantou”. Aguardemos.  Porém, os “móveis” da questão do Zé prosseguem.

* Uma confissão tardia, sincera e necessária neste 03 de dezembro de 2017. Tomei de empréstimo o título do "cantautor" brasileiro Paulinho Moska. Moska lançou em 2003 o disco e a canção "Tudo novo de novo" que inspirou diretamente a forma como batizei esse texto. Se todos somos um pouco ladrões, e creio que somos, espero que a minha condição de réu confesso pelo menos amenize a pena vindoura.

** Texto publicado originalmente  em 24 de novembro de 2017 no blog "Opiniões" do jornalista Aluysio Abreu Barbosa. O blog "Opiniões" é parte do grupo Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ. Disponível em: http://opinioes.folha1.com.br/2017/11/24/origem-da-serie-ruas-do-brasil-resumida-por-george-gomes-coutinho/


*** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Pós-Junho de 2013

Pós-Junho de 2013 *

George Gomes Coutinho **

As grandes mobilizações no Brasil do século XXI tem uma data para seu nascimento: junho de 2013. Naquele momento pautas difusas foram apresentadas, o que incluiu o protesto contra o aumento das passagens urbanas nas regiões metropolitanas e o questionamento dos investimentos em mega-eventos (Copa do Mundo e Olimpíadas). Este momento da história recente brasileira é tão sintomático que sem fazermos esta referência não entenderemos plenamente as manifestações posteriores, o que inclui os protestos na Avenida Paulista contra o Governo Dilma Roussef no ano passado ou mesmo a Greve Geral do último 28 de abril.

Junho de 2013 abriu uma Caixa de Pandora e suas reverberações ainda não se esgotaram.

O que há em comum em todas essas manifestações? Assinalo duas questões neste momento. A primeira delas é o uso ostensivo das redes sociais como ferramenta de mobilização. A segunda é a desidratação da política tradicional.

No que diz respeito ao uso das redes sociais enquanto ferramenta de aglutinação da ação coletiva eu observo problemas severos.  O caráter efêmero das formulações e, não raro, a característica individualista, narcísica e egóica das redes produz distorções no que tange a proposição de pautas de alcance societário. Inclusive as redes sociais tem amplificado a polarização e dificultam o diálogo que seria desejável em um ambiente democrático. Há apenas a desqualificação a priori do adversário onde os infelizes termos “coxinha” ou “mortadela” são suficientes para desconsiderar a totalidade dos argumentos do outro.

Neste ínterim, como segundo elemento preocupante, temos o esvaziamento da política tradicional. Não há um projeto de sociedade claro apresentado nem os mecanismos para construirmos uma melhor versão do Brasil são postos. De junho de 2013 para cá vimos o abandono dos partidos como agentes legítimos de representação, isso em uma realidade que se pretende pautada pela democracia representativa! Em prol da “voz das ruas”, uma polifonia ainda fragmentada, se crê que da espontaneidade das massas virá alguma solução. Até o momento, pelo conjunto da obra, não me autorizo a tamanho otimismo.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 06 de maio de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

segunda-feira, 16 de março de 2015

Sobre as manifestações de 13 e 15 de março de 2015 e suas demandas: uma outra perspectiva

Sobre as manifestações de 13 e 15 de março de 2015 e suas demandas: uma outra perspectiva

Como apontaria Hegel em sua Filosofia do Direito, a coruja de Minerva só levanta voo ao anoitecer. Esta imagem, a um só tempo poética e dotada de forte caráter metodológico, funciona como um alerta à ansiedade de elaborar análises no calor do momento. Nas ciências sociais, e também com a historiografia, aprendi a tentar conter o ímpeto da análise apressada onde serve-se prato cru, frio e por vezes indigesto da informação replicada de forma impulsiva. Inclusive, é fora deste afã ansioso que as análises de conjuntura, sempre um exercício arriscado, podem trazer insights produtivos.

Também, por outro lado, uma análise de Day after certamente não conseguirá esgotar as consequências históricas das manifestações ocorridas no Brasil de sexta-feira para cá. Somente os próximos meses, quem sabe até anos, irão digerir em sua plenitude as demonstrações das ações coletivas que assisti em um mix de perplexidade, algo de preocupação e pitadas de admiração.  Contudo, um breve esforço de análise pode ser um exercício interessante de tentativa de organização ante as partículas que ainda estão em suspensão na arena pública nacional neste momento.

Primeiramente, uma constatação que tem sido partilhada por analistas como Bresser-Pereira (aqui), Marcos Nobre (aqui) e Vladimir Safatle[i] (aqui). O Brasil não é o mesmo de poucas décadas atrás. As mudanças de impacto macro e microeconômico ensejaram modificações profundas na estrutura da sociedade brasileira. Um mercado de consumo pujante, algo que teve suas bases construídas ainda no estabelecimento do plano real e aprofundada nas gestões Lula e Dilma, a entrada de milhões de pessoas neste mesmo mercado, ação fomentada pelo Partido dos Trabalhadores com medidas de enfrentamento estrutural da pobreza, a preferência relativamente estável pela democracia representativa liberal como método de seleção de governantes após diversos momentos históricos de interrupção violenta da trajetória institucional em curso... Em suma, nestas poucas décadas após a ditadura civil-militar, seja porque o mundo não é o mesmo (variáveis exógenas), seja pelas decisões dotadas de caráter vinculante no âmbito da política nacional (variáveis endógenas), não é exagero falarmos em “um fim de uma era”. Não por acaso os termos “social-desenvolvimentismo” ou “social-rentismo” tem sido aplicados como substitutos do modelo anterior de nação chamado “nacional-desenvolvimentismo”.

Porém, este novo modelo de autocompreensão da sociedade e que, portanto, deriva de um conjunto de opções valorativas e normativas que direciona os processos de tomada de decisão, encontra-se em uma situação delicada. As estratégias de inclusão de grandes parcelas da população no mercado de consumo vivem hoje um dilema periclitante, dado que ironicamente padecem de seu próprio sucesso. A entrada desses agrupamentos sociais no âmbito do consumo se deu majoritariamente em decorrência de conjunturas específicas, dentre elas: a) a alta demanda de commodities atrelada a preços comparativamente vantajosos no mercado internacional; b) o aquecimento de alta voltagem do mercado de consumo interno, algo que auxiliou de forma inegável a manutenção do crescimento interno da economia. Estes dois elementos combinados tornaram sustentável a legitimidade do PT, especialmente o governo Lula, perante o cenário político nacional. Mesmo sendo acompanhado de análises francamente negativas de boa parte da grande mídia, a economia e a “novidade” apresentada pela democratização do mercado tornou a gestão Lula blindável. Evidentemente, o mesmo cenário não está sendo experimentado pela gestão Dilma da segunda metade de seu primeiro mandato para cá.

Ora, é lugar comum na análise política o reconhecimento de que conjunturas econômicas adversas produzem impacto substantivo na força de todo e qualquer projeto de legitimação. Penso que é sob este olhar mais “terra-terra” que deve ser compreendida a razão pelo qual tem ecoado uma profunda insatisfação neste início de segundo mandato de Dilma Rousseff. Até porque, o cenário de uma mídia “oposicionista” é presente desde o início do primeiro governo Lula.

Prosseguindo, em virtude disto, discordo profundamente da perspectiva que deposita na grande mídia a orquestração das ações coletivas de 15 de março. Se esta seletivamente pretende “surfar” este movimento de massas e, evidentemente, fornece boa parte dos elementos discursivos que estão presentes nas passeatas e cartazes, a aposta de que esta teria sido a grande responsável me parece insustentável. Houve a adesão e tentativa de direcionamento sim. Contudo, esta análise despreza de forma surreal a constelação de interesses que estavam representados nas manifestações....Os interesses dos grandes grupos de comunicação de massa são só uma fração, importante decerto, mas não conseguem esgotar o fenômeno.  Inclusive a porosidade dos discursos que penetram em parte da sociedade civil insatisfeita se realiza, em minha leitura, por conta da ausência de aprendizados democráticos e são fruto do empobrecimento da imaginação política que é derivada diretamente da asfixia da diversidade comunicativa operada por 21 anos de repressão política implacável na ditadura civil-militar.

Ainda, pensando no que mobiliza os agentes, arrisco dizer que os interesses também devem ser mobilizados nos esforços interpretativos das manifestações de 13 de março... Mas, não menos no caso de 15 de março...

Retomando o ponto onde abordo as profundas modificações ocorridas no Brasil nos últimos anos, temos um novo cenário cognitivo também entre os cidadãos: diversos estratos sociais obtiveram ganhos significativos em termos concretos e destes ganhos, produto de um movimento de mobilidade social extraordinária, não há quem deseje abrir mão. Sobretudo ao que chamam de “nova classe média”, os mais realistas alcunham de “nova classe trabalhadora”, que adentrou ao consumo de bens, mas questiona duramente a qualidade dos serviços ofertados. Em suma, estas modificações são oriundas do sucesso de medidas inclusivas e ampliação de direitos. Contudo, neste horizonte, seria natural que a velocidade lenta dos investimentos em infra, logística e etc, produziriam no mínimo mau humor. Em anexo, o cenário de desaceleração econômica atrelada ao cadáver insepulto inflacionário, imaginário ou não, torna a questão ainda mais explosiva. Afinal, dentre as questões inegociáveis deste “novo Brasil”, alta inflacionária simplesmente não é uma opção.

Concluindo, acredito que debates como “a reforma política”, a genérica bandeira do “enfrentamento da corrupção” e a “democratização da mídia” são tímidos. Justamente por desconsiderar questões muito mais concretas e, assim penso, urgentes na continuidade do enfrentamento da desigualdade social ainda estrutural no Brasil. Para que o “social-rentismo” torne-se verdadeiramente um “social-desenvolvimentismo” uma revolução tributária urge e é a grande ausente nas últimas manifestações. As medidas de ajuste fiscal, repetidas como um mantra, são insuficientes para o financiamento de um projeto de inclusão estrutural onde o Estado é o principal agente econômico. Sem o enfrentamento lúcido do gargalo tributário brasileiro pouco teremos de avanços concretos e profundos nos próximos tempos. De outro modo, não desconsiderando que qualquer outro conjunto de mudanças produza avanços, compreendo que estes não são decisivos enquanto se ignora o projeto de sociedade que tenha enquanto valor inegociável princípios de justiça tributária e eficiência de manejo e arrecadação fiscal.

George Gomes Coutinho




[i] Certamente há outras análises de diferentes matizes. Porém, irei me ater a estes nomes citados pela simples razão de ainda não ter feito um balanço da bibliografia produzida a respeito. Por fim, para a construção do argumento neste pequeno texto, a menção aos três citados é funcional ao conjunto de argumentos que apresento.