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segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A 8ª Rodada do projeto Voyeur Político

No dia 31 de outubro encerramos o ciclo de discussões das eleições de 2022 na primeira temporada do projeto Voyeur Político. Foram oito rodadas e diferentes convidad@s analisando especificamente aspectos da conjuntura eleitoral durante um ano.

Agradeço demais minhas convidadas da 8ª Rodada, as queridas Fernanda Alcântara (UFJF) e Tábata Berg (GPMT/Unicamp). Com brilhantismo e competência habituais fecharam com chave de ouro este experimento de discussão pública. O resultado pode ser conferido aqui:




Evidentemente igualmente agradeço também a Fábio Py (PPGH/UERJ), Fábio Siqueira (IFF), Fabrício Maciel (Friedrich-Schiller-Universität/UFF), Jefferson Nascimento (IFSP), Luciane Silva (UENF), Márcio Malta (INEST/UFF), Mariele Troiano (COC/UFF), Ricardo Ferreira (COC/UFF) Ricardo Vasconcelos, Roberto Dutra (UENF), Valdemar Figueredo (Instituto Mosaico) e Vitor Peixoto (UENF). Cada qual deu sua contribuição nos quase 1000 minutos de discussão que fizemos de outubro de 2021 pra cá.

Por fim agradeço demais a todo mundo que participou das discussões síncronas ou nos acompanhou no YouTube. O projeto é justamente pensado para vocês. 

Voltaremos em 2023, até segunda ordem, com uma nova temporada mirando outros aspectos da conjuntura política (embora eu esteja com a estranha sensação de que falaremos por um bom tempo ainda destas eleições de 2022).

O projeto Voyeur Político é projeto de extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos coordenado por mim, o prof. George Coutinho (georgec@id.uff.br).

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Daqui até 30 de outubro - George Coutinho

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Daqui até 30 de outubro

George Gomes Coutinho **

Nestes últimos 6 dias até o segundo turno @s democratas brasileir@s lidam com uma tarefa verdadeiramente difícil. Se trata de eleição que demonstra intenção de votos apertada entre Lula e Bolsonaro. Há sim empate técnico. Na conjuntura também nos deparamos com o descontrole do mercado paralelo de produção/circulação/consumo de informações. Este mercado me lembra a “robauto”, aquela feira de peças de automóveis que ocorria na baixada fluminense. Era tudo roubado. Mas, isso não impedia que “cidadãos de bem” fossem comprar seu toca-fitas por lá.

Neste cenário TUDO é importante. Ações de impacto macro são absolutamente relevantes. O corpo a corpo, o diálogo amistoso, este espaço micro é também igualmente relevante. Eleição disputada é decidida voto a voto. Não cabe negligenciar nenhuma oportunidade.

Usar adesivo conta? Muito. Na camiseta, no caderno, na moto, na bicicleta, na porta do apartamento. Ajudar nas mobilizações de rua ajuda? Pra caramba! Cada qual dentro de suas possibilidades. Contudo, a mobilização de rua, pessoas com bandeiras, bonés, camisetas, sorrisos, tudo isso provoca uma sensação de acolhimento para o eleitor. Faz com que ele se sinta parte daquele movimento coletivo. Pertencimento e política de massas andam como mão e luva.

Tá, e a mobilização virtual? É super importante. Aderir a hashtags, postar material pró-Lula e pró-democracia, fazer circular memes. Assistir e divulgar lives da frente ampla democrática. É tudo absolutamente relevante. Lembre-se do seguinte: estamos na eleição do voto de cabresto. Muita gente está sendo coagida por seus patrões (e por políticos no interior) a votarem em Bolsonaro. Se você pode expressar sua preferência sem risco de sanções, oras, deixe de bundamolismo e vá pra luta!

De todo modo, doe em prol da causa. Pode ser tempo. Pode ser dinheiro também (procure os canais aptos para doar para a campanha de Lula).

“Ain... eu quero pautar todos os apoiadores.. ain... livrinho em L é coisa de menina moça...”... Porra, se trata de uma frente ampla plural e descentralizada. Os grupos vão expressar seu apoio de diferentes maneiras. Vai ter gente fazendo a discussão pró-economia (crescimento, salário mínimo, aposentadorias, etc.) e é maravilhoso. É o lado mais robusto do legado de Lula. Vai ter gente fazendo L com livro? Vai! Isso fideliza as classes médias cosmopolitas que estão nauseadas com a barbárie. Vai ter cristão progressista lembrando que o bolsonarismo é anti-cristão? Também!

O que devemos tomar cuidado é com as pautas de costumes e intervenções públicas desastrosas. O sarrafo abaixou muito em termos de discussão pública, o moralismo corre solto e a serpente chocou faz tempo. Então, excetuando performances que choquem o público conservador, de resto tá valendo. Há “Lulas” para consumo no mercado político. O Lula vovô e bisavô, o Lula metalúrgico, o Lula do churrasco, o Lula descolado com o boné da CPX, o Lula que adora criar universidades, O Lula sindicalista, o Lula tiozão divertido, o Lula do Obama, o Lula estadista. Lula e suas mil faces, o que permite plasticidade do uso de sua imagem. Por isso conta muito a sensibilidade. Lula é versátil o suficiente para diferentes tipos de público. Então, no diálogo com grupos e indivíduos não fanatizados, procure falar do Lula adequado ao contexto do interlocutor.

Por fim, não gaste saliva com os que demonstram ser parte do Exército de Jair. Muitos destes não são mais aqueles que estavam zangados com o PT e deram um voto de protesto em Jair. Hoje estes são adeptos de um cristianismo pró-violência e de múltiplas expressões de autoritarismo. Há o estranho nacionalismo cristão.. consideram que há a necessidade de efetuarem uma limpeza da sociedade (eliminando esquerda, LGBT´s, negros, moradores das favelas, indígenas, movimentos sociais, etc..). Defendem a lei do mais forte, Golpe de Estado, fechamento da Suprema Corte, fim de direitos (consideram estes últimos privilégios). Abraçaram a extrema direita com o fervor de um Taleban. Inclusive lembra aquela vovó bonitinha que “jamais poderia ser fascista”? Então, essa vovozinha hoje quer comprar uma pistola e defende estripar seus inimigos em praça pública. Não perca tempo. Mire nos indecisos. Mire nos eleitores do Ciro que fazem defesa do voto nulo se estes permitirem conversa (até porque o cirismo acabou se apresentado em parte, talvez metade dos seus eleitores, em apenas uma linha auxiliar do antipetismo. Acho que a galera do PND já aderiu ao trabalho da Frente Ampla).

Tudo isso em prol da democracia. O Brasil é estratégico na luta contra a extrema direita no sistema internacional. Fora isso, um país periférico como o nosso não tem as salvaguardas necessárias para proteger sua própria população em mais 4 anos de bolsonarismo. Vamos lutar com gana pela vitória! Não será fácil, ninguém disse que seria, mas é por nós e pelas futuras gerações. FORA BOLSONARO!

* Boxing Painting Round 2 - Joe Zucker. Disponível em: https://www.brooklynmuseum.org/opencollection/objects/148761, acesso em 24 de outubro de 2010.

** Professor da área de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos dos Goytacazes, RJ. E-mail para contato: georgec@id.uff.br.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

O segundo turno não vai ser fácil - Luis Felipe Miguel

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O segundo turno não vai ser fácil**


Luis Felipe Miguel***


O que as pesquisas - vamos nos referenciando nelas, apesar do pesares - mostram, com o crescimento lento mas sólido do pedófilo, é o resultado do esforço final do bolsonarismo para permanecer no poder. E, permanecendo, acelerar e concluir o processo de destruição do Brasil.

É o uso da máquina e do dinheiro públicos, a pressão desavergonhada feita nas igrejas, a intimidação dos oponentes, o abuso contra os trabalhadores nas empresas, o esgoto das mentiras no zap.

E ainda teremos que enfrentar as manobras para aumentar a abstenção dos mais pobres, no dia da eleição.

Faltam 10 dias para o segundo turno. Lula ainda é o favorito. Mas a batalha está longe de ser ganha.

A bolsosfera está indignada com o TSE, que concedeu direitos de resposta a Lula. Com isso, de hoje até dia 28, último dia da campanha em rádio e TV, Lula terá 395 inserções, contra apenas 55 de Bolsonaro.

Espero que a campanha de Lula saiba usá-las com sabedoria.

Além disso, o esforço de todos nós continua sendo necessário. São 10 dias que vão definir o nosso futuro.

Se Lula ganhar, teremos quatro anos árduos, enfrentando uma extrema-direita empoderada, para reconstruir o mínimo da democracia e da civilidade política no Brasil. Quatro anos de luta, mas uma luta que podemos ganhar.

Se Lula perder, nosso destino está selado. Vamos mergulhar na barbárie. Um segundo mandato de Bolsonaro será ainda mais destrutivo e autoritário que o primeiro.

São 10 dias para conversar, para expor argumentos, para fazer campanha.

Com os que já são a favor de Lula, o esforço é para mobilizar mais, engajar mais na campanha.

Com os indecisos, para votar pela democracia e pelo povo brasileiro.

Com os bolsonaristas relutantes, para torná-los indecisos.

Com os bolsonaristas convictos, o ideal seria torná-los, ao menos, envergonhados de sua escolha, mas a gente sabe que isso é difícil.

Sempre há um argumento para justificar o apoio a Lula e a oposição a Bolsonaro: o poder de compra dos salários, a luta contra a fome, o respeito às mulheres, a busca por uma sociedade menos violenta, a preservação ambiental, a compostura nos templos religiosos, a proteção das crianças, o cumprimento da Constituição...

É preciso usar toda a nossa energia para falar com as pessoas, ao vivo ou pelas redes, mostrar as evidências, firmar e virar votos.

* Paul Klee, "Swamp Legend", 1919. Disponível em: https://www.wikiart.org/en/paul-klee/swamp-legend-1919, acesso em 20 de outubro de 2022.

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 20 de outubro de 2022. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre deste ano o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

8ª Rodada do projeto Voyeur Político - 31/10/2022 - 15:30

 




Poucos dias nos separam daqui para o segundo turno das eleições presidenciais (há o segundo turno em 12 estados brasileiros também*). E cá estamos, firmes e fortes, convidando para mais uma rodada do Voyeur Político. Esta será a oitava rodada “ordinária” do projeto.

Estaremos um bagaço? Sim, de forma ou de outra. Mas, urge vermos como estará o país no dia seguinte a este conturbado processo eleitoral. Nosso encontro será em 31/10, 15:30. As pré-inscrições podem ser feitas aqui: https://forms.gle/RMKv8zaMBfWM4RBC9

Como recebemos os resultados das urnas? E o balanço final? A população terá decidido pela civilização? Ou tragicamente a maioria dos votos válidos foi pela via da barbárie?

Fica a letra de um velho samba que conheci pela voz de Simone: “Como será amanhã? (Como será?)/ Responda quem puder”.

Será uma rodada de discussão realmente de alta complexidade. Para isso chamei uma dupla que assobia, faz malabares e ainda quebra coco. Tudo ao mesmo tempo. Minhas convidadas nesta 8ª Rodada são Fernanda Alcântara (UFJF) e Tábata Berg (GPMT/Unicamp).

Fernanda é professora de sociologia na Universidade Federal de Juiz Fora, campus de Governador Valadares, MG. Tradutora, pesquisadora, engajada em diferentes lutas sociais.. por vezes acho que ela simplesmente não dorme. Também é a maior divulgadora da obra da socióloga inglesa Harriet Martineu (1807-1876) no Cone Sul. Este ano ela lançou sua caprichosa tradução de “Sociedade na América – Vol 1 – Política” de Martineau. Neste link vocês podem ter informações sobre como adquirir este livro e outros da lavra de Fernanda: https://fernandahcalcantara.blogspot.com/2021/06/livros-publicados-e-formas-de-aquisicao.html.

Tábata Berg não é menos versátil e talentosa. Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas, integra o Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, o GPMT, também na Unicamp. Seus investimentos envolvem gênero, trabalho e desigualdades..e, com tudo isso, ela tem se demonstrado também uma arguta observadora da conjuntura política! Neste longo 2022 Tábata organiza e lança, junto de Flávio Lima e Murilo van der Laan, a obra “Trabalho e Marxismo: questões contemporâneas” (mais informações aqui: https://lutasanticapital.com.br/products/o-livro-trabalho-e-marxismo-questoes-contemporaneas).

Esperamos vcs lá para essa conversa na segunda-feira pós-eleitoral!

O projeto Voyeur Político é projeto de extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos e  coordenado por mim, prof. George Coutinho (georgec@id.uff.br).

* Estados onde teremos segundo turno: Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rondônia, Sergipe, Bahia, Alagoas, Paraíba e Amazonas.

sábado, 8 de outubro de 2022

Religião e política: o assunto que não vai calar - Esther Alferino

 

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Religião e política: o assunto que não vai calar **


Esther Alferino ***

 

Entrei no mestrado em 2018, ano de eleição, até então a mais triste eleição da minha vida.

Eu pesquisei a trajetória do pastor Silas Malafaia no mestrado.

Eu vivi a História sendo feita nos próximos anos enquanto analisava tudo sociológica e politicamente. Eu quase sucumbi.Ter que analisar o bolsonarismo (não apenas, mas também) foi muito difícil pra mim enquanto indivíduo.

Antes disso eu já estava debruçada sobre os pentecostais e a política, não apenas eleitoral, mas também.

Posso falar sobre algumas coisas que aprendi com isso, enquanto mulher de esquerda do interior de família crente e também enquanto cientista social.

Não teve uma só vez que eu fosse falar sobre minha pesquisa que alguém não tenha me perguntado como consigo entrar nesse meio de pessoas tão "bitoladas".

Nós do campo progressista, em particular nós, os altamente escolarizados, infantilizamos, chamamos de burros e bitolados pessoas que não temos a menor habilidade para dialogar.

Nossa incapacidade de dialogar com o povo ridiculariza o outro. Estou falando no plural, me incluindo, apesar de ter sido criada crente pobre no interior e conhecendo de dentro a realidade dos protestantes brasileiros.

As pessoas da igreja são sujeitos de desejos, ambições e sonhos, como eu, você e seu tiozão do ZAP que nunca pisou em uma igreja crente mas repete as mesmas fake news sobre bebê não binário e igreja luciferina.

Ri de quem é dizimista enquanto paga por uma consulta xamânica com um branco fantasiado.

O padre fake não é o único absurdo de religiosidade diante de nós.

Nossa incapacidade de dialogar com o povo, com nossa síndrome de superioridade diante dos que vão ao culto, dão ofertas, é tão sintomática e problemática como o senso de superioridade de quem não gosta de futebol no país do futebol. Não entendeu nada.

Não conseguir compreender as razões práticas e subjetivas dos evangélicos pode nos custar outra eleição.

Não tem nada a ver com "a igreja chegar onde o Estado não chega", tem a ver com o nosso descolamento da realidade do povo. As pautas morais e as fake news vão vencer de novo e não se trata de virar crente nem católico da renovação carismática.

Educação política também é sobre isso.

Pelos idos de 2014 a pastora Ana Paula Valadão fez profecias sobre ter chegado o tempo dos evangélicos entrarem na política. Ela foi chamada de "muito louca" por determinado blogueiro progressista.

Há um plano de poder para o país, um plano que inclui todas as esferas, e até agora esse plano tem sido muito bem sucedido em sua empreitada.

Bancada evangélica, muitos legisladores católicos alinhados às mesmas pautas morais, a demanda por um ministro do STF "terrivelmente evangélico". Nada disso começou ontem.

Durante os governos do PT as igrejas cresceram e muito. Em particular as pentecostais alinhadas à Teologia da Prosperidade. Edir Macedo já fez campanha pro Lula.

Um governo que garantisse liberdade religiosa e a tão sonhada prosperidade material não são suficientes para o plano de poder de grandes lideranças religiosas.

Silas Malafaia afirma com todas as letras que crente é cidadão, e que portanto não apenas pode, como deve, exercer um papel ativo na vida pública. Tomar os espaços. Disputar as consciências. Ocupar cargos.

As pautas morais, ainda que nascidas e firmadas em fake news, foram o caminho da disputa de consciências. E eles estão vencendo. Eles já consolidaram parte importantíssima do plano de poder. Veja bem o Congresso, o Senado e as casas legislativas estaduais.

O fiel e a fiel comum, que estão de joelho no chão clamando pra que os filhos voltem vivos para casa, estão atravessados e afetados por quem os ampara. Não é fruto de bitolamento, nós somos parte do que nos cerca também.

Existe um "terrorismo gospel" (com licença da expressão exagerada), e as pautas sobre Deus, pátria e família são o grande apelo.

Distinguir o fiel genuíno de um líder poderoso é necessário pra não cairmos no maniqueísmo raso de "bons e maus".

Não penso em dar diagnóstico, mas penso que a reflexão sobre por que na disputa pelas consciências quem afeta é o líder espiritual e não a vida material (que só piorou nos últimos 4 anos) é urgente.

*  Expulsion of the Money-changers from the Temple, pintura de Giotto Di Bondone, circa 1304. Disponível emhttps://www.wga.hu/html_m/g/giotto/padova/3christ/chris111.html, acesso em 08 de out. de 2022.

** Publicado originalmente nas redes sociais da autora em duas partes. Reproduzimos aqui com a autorização de Esther.

*** Cientista Social pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual do Norte do Fluminense e Doutoranda pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

7ª Rodada do projeto Voyeur Político no YouTube

 


Eis a 7ª Rodada do projeto Voyeur Político!

Este encontro ocorreu no dia 03/10, segunda-feira, 19 horas. Justamente o dia seguinte ao primeiro turno!          

Desta vez recebemos Jefferson Nascimento, professor do IFSP, campus Sertãozinho, e o jornalista/advogado Ricardo André Vasconcelos radicado em Campos dos Goytacazes, RJ.

Jefferson é prata da casa e atua conosco no projeto Autopoiese e Virtu (http://autopoiesevirtu.blogspot.com/ ). Também já esteve na estreia do projeto Voyeur no ano passado (https://youtu.be/jaGfm4vvHKc ). Desta vez esse moço reaparece diferente: agora ele vem com o título de doutorado debaixo do braço após defesa de um grande trabalho no PPGCP da UFScar. Aproveitando o ensejo já divulgamos aqui em primeira mão um dos produtos dessa tese em formato de artigo: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/mt7Q7JQgZmDBMJKXtzpssTJ/?lang=pt# (título do artigo - O futebol como meio campo para a política: o jogo além das quatro linhas).

Ricardo André Vasconcelos dispensa maiores apresentações aos leitores do jornalismo político no Norte e Noroeste Fluminense. Vasconcelos é experiente operário da comunicação, com currículo que vai desde a editoria da Folha da Manhã, além de outros jornais e TV´s no Norte Fluminense, até a carreira de “blogueiro sujo”. Ricardo acresceu ao currículo sua formação em direito.

O papo discutiu resultados, apontou vencedores, perdedores e imaginou futuros possíveis.

Voyeur Político é Projeto de Extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos coordenado pelo prof. George Coutinho (COC/UFF). Contato: georgec@id.uff.br

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A indispensável Política da Dignidade - Fabrício Maciel

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A indispensável Política da Dignidade **


Fabrício Maciel***


Mais um ano eleitoral está em curso e este é sem dúvida um dos momentos mais complicados da história recente do Brasil. Todas as pesquisas apontam para a polarização definida entre Lula e Bolsonaro, o que já deixa claro que um segundo turno sangrento nos espera. A despeito de alguns posicionamentos otimistas de setores da esquerda, há muitos motivos para preocupação e o primeiro deles é que Bolsonaro vem crescendo nas pesquisas. Em tempos de política líquida, adaptando aqui o conhecido conceito de modernidade líquida do grande Zygmunt Bauman, nos quais tudo se decide quase em tempo real, podemos aguardar grandes novidades até as vésperas da eleição. O vale-tudo está apenas começando.


Entretanto, se não quisermos ficar presos ao que costumo chamar de ilusões da conjuntura, provocadas pela dinâmica da política líquida, precisamos reconstruir os cenários estruturais de ordem maior que nos trouxeram até aqui – até para projetar algum futuro menos desesperador. Para tanto, temos que escapar da novelização da política, tarefa para a qual a grande mídia se especializou nos últimos tempos. É claro que a compreensão dos fatos atuais no campo político é relevante para a tentativa de projeção de algum futuro. Entretanto, não podemos ficar presos à romantização dos atores políticos, que esconde sistematicamente a ação do campo econômico e seus efeitos na vida real como um todo.


Com isso, o desafio consiste em saber como chegamos até aqui e para onde podemos ir. Para tanto, precisamos resgatar o que eu gostaria de definir aqui como uma política da dignidade para o Brasil contemporâneo. Tal política necessita da construção de um projeto real de transformação social, que seja encampado pela esquerda e levado a sério até a eleição e principalmente depois dela. O início deste esforço teórico e político precisa necessariamente reconstruir e compreender o que seria o seu oposto, ou seja, o que chamarei aqui de política da indignidade, aquela que vigora no Brasil atual, levada a cabo e aperfeiçoada pelo governo Bolsonaro, chancelada pela moralidade bolsonarista que o mesmo representa.


A política da indignidade tem sido facilmente descrita, mas nem sempre compreendida em sua profundidade. A noção de dignidade, que consta na Constituição brasileira e em outras várias ao redor do mundo, nos remete ao mínimo que uma pessoa precisa para garantir sua integridade física e moral. Ao longo de minhas pesquisas acadêmicas, procurei desenvolver a ideia de trabalho indigno, com o intuito de tematizar aquele tipo de trabalho que, mais do que precário, nos remete a condições humilhantes para a sua realização. Trata-se do trabalho realizado pela ralé brasileira, que vaga entre o desemprego completo e as ocupações humilhantes. Este tipo de trabalho não garante o mínimo de proteção ao corpo e ao espírito, exigido de todas as pessoas na vida moderna.


A política da indignidade no Brasil atual inicia-se com o golpe de 2016 e a chegada ilegítima e imoral de Michel Temer ao poder. Não por acaso, uma das principais marcas de seu governo é a implantação da reforma trabalhista. Essencialmente, ela desarma totalmente os trabalhadores diante dos empregadores, ou seja, trata-se da institucionalização da política da indignidade. Precisamos definir dessa maneira, pois é exatamente o que ela faz, ou seja, a indignidade passa a ser um horizonte real para um número cada vez maior de brasileiras e brasileiros. A indignidade aqui significa o risco efetivo de, a qualquer momento, cair na situação de não se ter o mínimo material e consequentemente moral para a existência de uma pessoa.


A política da indignidade, neste sentido, é um resultado imediato da maximização dos princípios do mercado e da atualização da moralidade meritocrática. Não por acaso, Jair Bolsonaro é o representante ideal dessa moralidade, basta observar atentamente seu discurso de posse e vários outros ao longo de seu governo. Ele é o advogado do novo capitalismo digital e de seu novo espírito, no qual o elogio da livre iniciativa, direcionado especialmente para as classes populares, se torna uma das grandes novidades. Para a constatação dessa afirmativa, basta observar a forma como seu governo se apropria da pauta trabalhista ao longo da pandemia, deixando a esquerda atônita diante do roubo de sua principal bandeira do passado, que atualmente ainda precisa disputar ofegante e cambaleante com a pauta identitária o seu lugar ao sol.


Diante deste trágico cenário, é preciso reconstruir a pauta trabalhista, considerando a nova realidade das classes populares, imposta pelo novo capitalismo de plataformas e sua moralidade ultra-meritocrática. Esta é a principal tarefa de uma política da dignidade, urgente para o Brasil atual.


A tentativa de construção de uma política da dignidade foi um dos maiores esforços da política progressista, não necessariamente de esquerda, ao longo do século XX, em vários países do mundo. Aqui, temos um grande aprendizado a por em prática. No período da Grande Depressão norte-americana, por exemplo, posterior à crise de 1929, entre 1933 e 1937, Franklin Roosevelt implementou o New Deal, ou seja, uma série de programas econômicos e sociais para resgatar a economia nacional e seu povo dos estragos da crise. Trata-se nada menos do que de uma política da dignidade. Não se trata aqui naturalmente de defender os países capitalistas centrais que, obviamente, tiveram condições históricas favoráveis para tanto, mas sim de reconhecer políticas eficazes contra a desigualdade, diante do fracasso do socialismo real do outro lado.


No período posterior à II Guerra mundial, algumas das principais economias do Atlântico Norte como Alemanha, Inglaterra e França vão presenciar os seus Trinta anos gloriosos, entre 1945 e 1975. Trata-se da fase áurea do capitalismo moderno, na qual o Welfare state quase vai nos convencer de que o capitalismo seria a melhor forma de economia e de vida que a humanidade poderia ter. Mais uma vez, diante do fracasso do socialismo real nas mãos do stalinismo, é o que tivemos no momento. O grande aprendizado é que a intervenção consciente e orientada do Estado na vida econômica de toda a nação pode impor regras ao mercado e garantir minimamente a dignidade para a maioria da população. Não é outra a constatação que será feita por grandes pensadores do capitalismo como Karl Polanyi, que hoje influencia com justiça toda uma geração de estudiosos sobre o tema.


Na definição de Robert Castel, um dos principais analistas deste período, que ele define com sociedade salarial, o Estado de bem estar significou a garantia do quase pleno emprego, segurança e seguridade social, o que por consequência assegura a quase cidadania plena para estes países. Não se trata aqui de idealizar os países centrais e ignorar o histórico de imperialismo e colonialismo que possibilitou seu acúmulo de riquezas. Trata-se, mais uma vez, de buscar o aprendizado histórico diante de experiências concretas que possam construir, senão um socialismo utópico ainda distante, apenas um capitalismo social minimamente digno.


Na história moderna do Brasil, que começa com Vargas, nunca conseguimos implantar uma política da dignidade semelhante aos Estados Unidos ou à Europa, por razões históricas de nossa desigualdade estrutural. A dimensão do problema é grande e nada simples. Entretanto, tivermos esforços realistas, dentro do possível, que começam com o próprio Vargas, no sentido de buscar uma política da dignidade. Com efeito, a sociedade do trabalho no Brasil inicia-se com Vargas, quando este tenta equalizar as exigências do capitalismo industrial que chegava ao Brasil, com nossa força produtiva interna. Sem a garantia de um patamar mínimo de dignidade para a classe trabalhadora, que ao mesmo tempo será produtora e consumidora do novo sistema, essa tarefa seria impossível. Aqui, o mínimo de direitos trabalhistas e de respeito – leia-se reconhecimento – foi necessário, como se sabe. Em outros termos, é inviável, indesejável e imoral a permissão de um capitalismo totalmente selvagem e sem regras, sem nenhum respeito ao valor básico da vida humana. O Estado pode e deve agir com eficácia e legitimidade em defesa da dignidade de sua população.


Em nossa história recente, após a reabertura democrática, a experiência do PT na presidência pode dividir opiniões, mas não pode ser ignorada em sua tentativa de implantar sistematicamente uma política da dignidade. Aqui, não se trata simplesmente da defesa de um partido ou grupo político, mas sim de uma análise serena que considere os esforços possíveis do campo político diante dos imperativos econômicos e morais de um capitalismo global que eu caracterizo como indigno. Trata-se, em termos simples, de um sistema perverso que tem como principal marca a naturalização do desvalor humano, ou seja, a naturalização da indignidade de milhões de pessoas.


Como já ficou claro com a experiência histórica de inúmeros países, a única maneira de frear esta máquina global de produção da indignidade é uma política da dignidade por parte do Estado, o que exige uma condução consciente e planejada por parte de grupos progressistas e bem orientados. O governo negacionista de extrema direita de Jair Bolsonaro é exatamente o contrário disso e, diante da compreensão deste fato, a esquerda precisa urgentemente de um projeto de dignidade nacional.


Neste sentido, precisamos vencer um último inimigo teórico e político. Trata-se do antipetismo e de tudo o que ele criou. Desde as primeiras críticas ao primeiro governo Lula, a única linguagem política desenvolvida no Brasil foi o antipetismo, derivada do incômodo de nossas classes dominantes diante da pequena, porém significativa, mudança em nossa desigualdade estrutural encaminhada pela política da dignidade implementada pelo PT. Neste sentido, nós não desenvolvemos uma terceira via progressista de fato, que não se resuma à confusão e dificuldade de articulação de seus protagonistas. Também não desenvolvemos uma direita liberal lúcida e civilizada, que tivesse algum projeto de nação. Presenciamos apenas o germe do bolsonarismo, resultado imediato do antipetismo. Nada mais.


Diante desta nossa grave dificuldade recente, a política da dignidade, pautada por um projeto de dignidade nacional para os mais necessitados, se faz urgente. O caminho pode ficar claro, se olharmos com atenção para a experiência histórica, tanto interna quanto externa ao Brasil. Um Estado nacional que tenha a dignidade como política central é o primeiro passo. Depois, a tarefa consiste na restauração do direito ao trabalho digno e do direito ao mínimo necessário para a garantia da integridade física e moral de todos. Para tanto, é preciso convencer a população, neste exato momento, de que a realização deste projeto é plenamente possível através de um Estado democrático de direito, e não pela via da barbárie do mercado, sustentada pelo bolsonarismo. Se esta for a nossa pauta do dia nos próximos meses, teremos alguma chance de construir um futuro melhor.


* Suffering, quadro de Paula Heffel. Disponível em: https://fineartamerica.com/featured/suffering-paula-smith-heffel.html, acesso em 28 de set. de 2022.


** Texto publicado originalmente no sítio Outras Palavras em 13 de abril de 2022. Disponível em: https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/a-indispensavel-politica-da-dignidade/, acesso em 28 de set. de 2022. Reproduzido aqui com a autorização do autor.


*** Fabrício Maciel é Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos e do PPG em Sociologia Política da UENF. Atualmente, professor visitante na Universidade de Jena, Alemanha. Bolsista de produtividade do CNPq e Jovem Cientista do Nosso Estado, FAPERJ.

Convite - 7ª Rodada do projeto Voyeur Político - 03/10, 19 hs


 


Vamos nós pessoal! 7ª Rodada do projeto Voyeur Político! A saga continua tentando entender as eleições de 2022.

Nosso próximo encontro será no dia 03/10, segunda-feira, 19 horas. Justamente o dia seguinte ao primeiro turno!    

Não tenho dúvida de que muita gente gostaria de fechar os olhos hoje e abrir na próxima segunda no horário de nosso papo....

Estaremos lá no futuro com dois grandes convidados: Jefferson Nascimento, professor do IFSP, campus Sertãozinho, e o jornalista/advogado Ricardo André Vasconcelos.

Jefferson é prata da casa e atua comigo e com outros amigos no projeto Autopoiese e Virtu. Também já esteve na estreia do projeto Voyeur no ano passado. Desta vez esse moço reaparece diferente: agora ele vem com o título de doutorado debaixo do braço após defesa de um grande trabalho no PPGCP da UFScar.

Ricardo André Vasconcelos dispensa apresentações aos leitores do jornalismo político regional. Vasconcelos é experiente operário da comunicação, com currículo que vai desde a editoria da Folha da Manhã, além de outros jornais e TV´s no Norte Fluminense, até a carreira de “blogueiro sujo”, sendo este que vos escreve companheiro de trincheiras na imundície. Ricardo acresceu ao currículo sua formação em direito.

O papo de segunda vai discutir os resultados, apontar vencedores, perdedores e imaginar futuros possíveis.

A pré-inscrição para o papo pode ser feita aqui: https://forms.gle/16b8eay4TtcU2cXw5.

Voyeur Político é Projeto de Extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos coordenado por mim, George Coutinho (COC/UFF).

sexta-feira, 16 de setembro de 2022

Lula tem chance de ganhar no primeiro turno? - Luis Felipe Miguel

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Lula tem chance de ganhar no primeiro turno?**


Luis Felipe Miguel***

As pesquisas mostram cenário indefinido.

O DataFolha dá 48% dos votos válidos para Lula. O IPEC (antigo Ibope) dá 51%. As duas principais empresas da área, portanto, colocam o segundo turno na faixa do "empate técnico".

Resultados diferentes existem para todos os gostos. Notórios caça-níqueis fabricam resultados com Bolsonaro bem à frente. Empresas com menos experiência, como PoderData ou Quaest, dão Lula com dianteira menor.

DataFolha e IPEC, porém, continuam sendo, na média, os mais confiáveis.

É preciso levar em conta, porém, que as sondagens de opinião (ou, ainda mais, de intenção de voto) não vivem um bom momento.

Mudanças nos fluxos de comunicação, com as novas mídias, tornaram menos confiável a construção de amostras estratificadas baseadas nas clivagens sociais tradicionais.

As redes de fake news, usando instrumentos de comunicação instantânea, permitem viradas de última hora.

Em suma, surpresas nunca estão descartadas.

Por outro lado, o voto da maior parte dos eleitores já parece cristalizado.

Fatos que teriam potencial para mexer na votação - Auxílio Brasil, comícios do 7 de setembro, escândalo dos 51 imóveis - mostraram impacto quase nulo.

O fanatismo cego da base bolsonarista, de um lado, e a consciência da necessidade de retirá-lo do poder, do outro, definem a grande maioria dos votos.

Quase não há indecisos. As pesquisas mostram pouca evolução de uma semana a outra. Mesmo os candidatos nanicos (Ciro, Tebet) se movem só na margem de erro.

Nisso, Lula decidiu jogar parado.

A campanha petista é morna e despolitizada. Evita confrontos e tem como principais objetivos reduzir resistências em alguns bolsões do eleitorado (evangélicos) e reforçar apoio de outros (mulheres).

É difícil imaginar que isso possa mudar agora na reta final.

Uma vitória no primeiro turno depende da mobilização da militância em favor do voto útil.

Vencer já em 2 de outubro dá força ao futuro governo Lula, interrompe a escalada da violência política e desidrata o golpismo de Bolsonaro.

* Arte digital "Lula Livre" de Lucas Vieira. Disponível em: https://www.artmajeur.com/pt/lucasdeo-vieira/artworks/10993456/lula-livre. Acesso em 16 de setembro de 2022. 

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 16 de setembro de 2022. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre deste ano o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.

quinta-feira, 8 de setembro de 2022

Precisamos falar sobre Simone Tebet

Fonte: Metrópoles.

Precisamos falar sobre Simone Tebet

Paulo Sérgio Ribeiro

Simone Tebet, senadora federal (MDB-MS) e candidata a Presidente da República, ganhou projeção nacional por sua atuação na CPI da Pandemia (2021) e, recentemente, no debate dos presidenciáveis transmitido pela TV Bandeirantes. Sua assertividade na interlocução com Bolsonaro (sem, claro, abrir mão do roteiro lavajatista contra Lula) a sagrou como a “vitoriosa” do dia tanto para observadores especializados do processo eleitoral quanto para pessoas comuns que, estoicamente, se dispuseram a assistir àquele telecatch com réplicas e tréplicas cronometradas e tempo algum para expor proposições racionais sobre assuntos de interesse nacional.

Parte do êxito da sua performance foi atribuído à sua postura altiva no primeiro embate da corrida presidencial na tevê aberta. No Brasil de Bolsonaro, mais do que nunca, eleições majoritárias e proporcionais reservam às mulheres candidatas testes sucessivos de resiliência ao compeli-las, em algum momento, a assumir o custo de agirem (ou, pior, de enxergarem a si mesmas) como “homens do sexo feminino” para terem vez e voz diante dos padrões de representação coletiva em sua intersecção com o machismo.

Se assim o é, o entusiasmo de alguns(mas) com a prócer da “terceira via” deve ser avaliado como sintoma de um mal-estar produzido pela sub-representação da população feminina nos poderes executivo e legislativo. Ora, não seria para menos: em 133 anos de história republicana, tivemos apenas uma mulher eleita Presidente da República, Dilma Rousseff, cujo segundo mandato fora interrompido por um golpe parlamentar em 2016. No Congresso Nacional, por sua vez, a representatividade feminina apresenta um quadro não menos desfavorável: das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados, apenas 77 são ocupadas por mulheres (15%) e das 81 cadeiras do Senado Federal, apenas 12 mulheres a preenchem (14%)[1]. Aliás, nunca é demais lembrar que a proporção da população feminina (51,8%) se mantém superior à masculina (48,2%) no país, conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua)[2].

Igualdade de gênero e representação política, pois, vieram à baila neste início da campanha e não há por que ignorarmos as virtualidades de sua tematização para uma sociedade civil fraturada pelo bolsonarismo, esse conjunto de valores e práticas autoritários que encontra na masculinidade hegemônica seu elemento catalizador. Contudo, para quem vislumbre um dia viver numa democracia substantiva, explorar a chave analítica da igualdade impõe cautela diante dos pretensos ares feministas bafejados por Tebet. Duas frases ditas por ela no debate da Bandeirantes[3] são relevadoras de uma inflexão que, à primeira vista, soaria familiar na boca de qualquer mulher progressista:

“Por que tanta raiva das mulheres? (pergunta para Bolsonaro)”

e

“O candidato Bolsonaro defendeu um assassino de mulheres (Cecy Cunha). Ameaça jornalistas. Comete misoginia.”

Se perscrutarmos nossa democracia parlamentar assim estabelecida sem tomar, em absoluto, por critério de verdade que Tebet sabe, como qualquer outra mulher, as agruras de sua condição humana em um mundo sexista, poderemos considerar que os vínculos de solidariedade entre aquela notável da política tradicional e suas congêneres – não proprietárias de terras em território indígena e não herdeiras de um capital político passado de pai para filha[4] – carecem de uma adesão coerente a uma pauta que possamos identificar como própria ao campo democrático e popular. Em seu lugar, deparamos tão somente com o artifício do purplewashing: uma estratégia discursiva, tão bem descrita por pensadoras feministas, que nada mais é do que tomar de empréstimo a questão da igualdade de gênero para defender as hierarquias sociais perante qualquer avanço igualitário na partilha do poder e na distribuição de riquezas.  

Ora, bastaria uma simples consulta ao sítio oficial do Senado Federal, mais precisamente ao perfil da ilustre senadora, para confirmarmos que, em 11 de julho de 2017, ela disse “sim” à Reforma Trabalhista do governo ilegítimo de Michel Temer. Essa reforma, entre outros retrocessos, instituiu um afrouxamento das garantias de proteção às trabalhadoras gestantes em locais insalubres. Para quem tiver tempo e curiosidade, recomendamos ler as notas taquigráficas do Senado Federal, especialmente a justificativa de Tebet para o seu voto favorável a uma medida tão danosa para a saúde das mulheres sob uma legislação trabalhista eminentemente patronal. Outro exemplo não menos digno de nota foi seu voto favorável ao impeachment sem fundamento legal da Presidenta Dilma Rousseff:


Diante de tantos elementos desabonadores de quem se chegou a creditar um “fato novo” nas eleições de 2022, por que o blefe feminista de uma típica porta-voz do liberalismo conservador colou? Porque recorrer à política da identidade serve a qualquer um(a), mas comprometer-se com o universalismo enquanto valor político de uma esquerda que não teme dizer seu nome – parafraseando aqui o título de um livro provocador de Vladimir Safatle[5] – não é mesmo para todo mundo.

Afirmar, como Safatle o faz, que o igualitarismo é o horizonte de realização inegociável da esquerda a respeito da luta contra a desigualdade econômica e, não menos, da abordagem dispensada às demandas por reconhecimento social de minorias não é relegar as últimas ao segundo plano, mas admitir que uma política que tenha por eixo a afirmação da diferença como o sucedâneo dos conflitos de classe omite que o desiderato histórico de homens e mulheres dispostos à crítica do poder é reconstruir formas de vida que correspondam a uma “universalidade verdadeiramente existente na vida social”[6] sem, entretanto, confundir tal desejo emancipador com a suposição de que a sociedade seja “composta de grupos distintos muito organizados do ponto de vista identitário”[7]. Do contrário, o campo das diferenças poderá ser pautado por gente como Tebet qual fosse a voz uníssona das mulheres brasileiras e não uma ruralista cuja origem, interesse e visão de mundo são localizados na fração mais retrógrada da nossa classe dominante: o patronato representado por latifundiários, fazendeiros, pecuaristas, exploradores de indústria extrativista que, hoje, promovem uma frente neocolonial no hiterland brasileiro.



[1] Agência Brasil. Com pouca representatividade política, mulheres ainda buscam direitos. Edição de 09/03/2021. Disponível aqui.

[2] IBGE Educa. Quantidade de homens e mulheres. Disponível aqui.

[3] O Tempo. Tebet no debate da Band: cinco frases que resumem a participação da candidata. Edição de 29/08/2022. Disponível aqui.

[4] Agência Pública. Fazendeira e ruralista, Simone Tebet perde aliados no MS ao se afastar do bolsonarismo. Edição de 05/07/2022. Disponível aqui.

[5] SAFATLE, Vladimir. A esquerda que não teme dizer seu nome. São Paulo: Três Estrelas, 2012.

[6] Ibid., p.34.

[7] Ibid. p.35.

segunda-feira, 8 de agosto de 2022

Tempo, processo e escolhas


Tempo, processo e escolhas 

Milton Lahuerta*

Nesta altura do processo eleitoral, os defensores da 3ª via estão apenas adiando o momento -- dramático para eles -- de terem que se posicionar entre Lula e Bolsonaro num provável 2º turno.

A chapa Simone Tebet e Mara Gabrilli não tem nem tempo nem estofo para galvanizar a insatisfação de quem não se sente representado pelas duas candidaturas que polarizam mais de 75% dos eleitores.

Ciro Gomes, apostando num outro tipo de polarização, rompe pontes, um dia sim e o outro também, dificultando qualquer possibilidade de articular um bloco de forças que lhe permitisse crescer no eleitorado, afirmando um programa desenvolvimentista e racional de governo. Seu decisionismo hiper voluntarista tem funcionado, quase que exclusivamente, para fixar sua candidatura apenas entre aqueles que já são ou seus seguidores ou simpatizantes de uma visão mais programática sobre o futuro!

O fato é que a tese dos "dois demônios" não prosperou o suficiente para "engrossar" uma candidatura alternativa aos principais contendores! Inclusive, porque Lula caminhou para o Centro e apostou num horizonte frentista em defesa da ordem democrática e da afirmação dos direitos de cidadania, enquanto seu oponente a cada dia se fecha mais num bloco de extrema direita que atua contra as instituições democráticas e contra a ordem constitucional!

A fabulação da 3º via, nesta altura do jogo, está destinada ao fracasso, por mais simpatia que se pudesse ter por ela. Definitivamente, não estamos diante de "dois demônios", pois só um dos lados tem como meta a destruição do Estado de direito e a ruptura com a ordem democrática!

A dramaticidade do momento exige que se construa a interlocução necessária para se derrotar o (des)governo, conter a sanha golpista, restabelecer um clima de confiança nas instituições e compor um eixo programático que resgate num nível superior a dinâmica de democratização que levou à derrota da ditadura e se confirmou com a Constituição de 1988.

Não há espaço nem muito menos tempo para a vacilação! A hora é a da grande política, sem arroubos voluntaristas, com senso de responsabilidade e com muita generosidade para se centrar no que é fundamental!

 

* Milton Lahuerta é professor de Teoria Política na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara. É autor de inúmeros artigos, capítulos de livros e coletâneas nas áreas de pensamento social brasileiro, sociologia dos intelectuais e teoria política. Publicou, em 2014, o seu "Elitismo, autonomia, populismo - Os intelectuais na transição dos anos 1940" pela editora Andreato.

terça-feira, 21 de junho de 2022

A vitória da esquerda na Colômbia - Milton Lahuerta

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A vitória da esquerda na Colômbia **

Milton Lahuerta***


Gustavo Petro e Francia Marquez, o presidente e a vice-presidente, que acabaram de ser eleitos na Colômbia, realizaram um feito histórico, já que esta é a primeira vez que a esquerda conquista o governo do país. Ex-guerrilheiro do M 19, Petro, com bastante experiência na política institucional, e Francia Marquez, uma mulher negra de origem popular, que se especializou em direito ambiental, disputaram as eleições com um discurso de pacificação e de construção de consensos democráticos. De certo modo, isso que poderia soar estranho é explicável, pois a história da Colômbia, ainda que conhecida por sua extrema violência política, tem sido marcada nas últimas décadas pela busca do entendimento entre as forças políticas que atuam no país. 

Historicamente, mesmo que o país não tenha tido experiências ditatoriais, a não ser por um breve período, desde o assassinato de Gaetán na década de 1950, a sociedade colombiana vivenciou momentos de extrema dramaticidade política e policial, com grupos armados -- à esquerda e à direita -- se combatendo e com essa guerra sendo amplificada pela eclosão e pela potência do narcotráfico a partir dos anos 1970. 

Nas duas últimas décadas, a esquerda colombiana de origem guerrilheira vem dando mostras sistemáticas de sua decisão de se integrar à institucionalidade política democrática, entregando as armas, disputando eleições e se apresentando como alternativa de governo. A vitória de Petro é, portanto, o resultado de uma longa caminhada e, a despeito do terrorismo digital da extrema direita que o apresenta como um perigoso subversivo, o mais provável é que ele busque governar implementando um programa econômico moderado e sustentável, ainda que socialmente orientado. O apoio dado à chapa por economistas como José Antonio Ocampo, ex-diretor geral da CEPAL, e Rudolph Hommes, ex-Ministro da Fazenda de Gaviria, à época da Constituinte e da abertura política, é um forte indício de que isso deverá ocorrer.


* Disponível em: https://www.newframe.com/cartoon-a-bit-more-red/, acessso em 21 de jun. de 2022.


** Publicado originalmente no perfil do autor no Facebook (https://www.facebook.com/milton.lahuerta) em 19 de jun. de 2022. Reproduzimos aqui com a autorização do próprio Milton.


*** Milton Lahuerta é professor de Teoria Política na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista, Campus de Araraquara. É autor de inúmeros artigos, capítulos de livros e coletâneas nas áreas de pensamento social brasileiro, sociologia dos intelectuais e teoria política. Publicou, em 2014, o seu "Elitismo, autonomia, populismo - Os intelectuais na transição dos anos 1940" pela editora Andreato.