Mostrando postagens com marcador politização da justiça. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador politização da justiça. Mostrar todas as postagens
quinta-feira, 18 de abril de 2019
sábado, 27 de janeiro de 2018
Weltanschauung e o judiciário
Weltanschauung e o judiciário*
George
Gomes Coutinho **
Os movimentos de reflexão após a condenação
unânime de Luis Inácio Lula da Silva pela 8º Turma do TRF-4, o famoso “3 X 0 de
Porto Alegre”, iniciaram logo após o término do julgamento em 2ª instância. O
volume de informações e análises é assombroso. Desde o Mensalão, a gênese desta
conjuntura em que vivemos, há contribuições disponíveis que atendem o gosto do
freguês que tem o direito de buscar o que lhe apetece. Pode tanto se contentar
com notinhas e memes quanto também se encontram disponíveis artigos de fôlego,
teses, livros, seminários, etc.. Estamos diante de fauna diversificada.
A um
olhar que se pretenda “objetivo” neste momento cabem algumas tarefas: 1) o
exercício de tentar mirar para além dos interesses imediatos, paixões,
preferências e maniqueísmos; 2) a tentativa de “organizar” mentalmente toda
essa poeira que resiste em repousar.
Voltando
para a última quarta-feira, irei me concentrar em somente um dos muitos ângulos
possíveis de análise: o discurso de defesa/ataque de parte do judiciário
federal brasileiro. Não desconsiderando a importância de se discutir as
inconsistências diversas e “inovações” jurídicas adotadas do Mensalão para cá,
há uma visão de mundo compartilhada entre parte dos membros do judiciário
brasileiro. Irei me utilizar da proposição de Sigmund Freud (1856-1939) ao
explicar a Weltanschauung ou simplesmente “visão de mundo”, opção do
tradutor Paulo César de Souza na versão publicada pela Companhia das Letras em
2010 das “Obras Completas”.
Citando Freud: “Entendo que uma
visão de mundo é uma construção intelectual que, a partir de uma hipótese
geral, soluciona de forma unitária todos os problemas de nossa existência, na
qual, portanto, nenhuma questão fica aberta, e tudo que nos concerne tem seu
lugar definido.”.
Há o sutil, o “não dito” além das
tecnalidades no discurso de desembargadores. Parte do discurso referendando a
condenação apresentou um judiciário que crê que faz “direito positivo”
(desprezando materialidade) e opera em nome do “Estado de Direito” (de forma
seletiva). Em nome desta visão de mundo, que expressa mais uma fé do que fatos
incontestáveis, se apresentam cruzados pós-modernos contra os infiéis. Coeteris paribus, o futuro é sombrio.
* Texto publicado em 27 de janeiro no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
sábado, 20 de janeiro de 2018
Lula e o TRF-4
Lula
e o TRF-4 *
George
Gomes Coutinho **
A proximidade do dia 24 de
janeiro tem provocado comichão no cenário político. Trata-se do julgamento de
Luis Inácio Lula da Silva, o primeiro em segunda instância. Também a primeira sentença
condenatória do juiz Sérgio Moro, onde Lula é réu, será confirmada ou não.
Evidente que não será uma ocasião
ordinária. Seguindo a inspiração analítica aberta pelo antropólogo Victor
Turner (1920-1983), pode ser o ápice do drama social iniciado pela ação penal
470 (O Mensalão), o alpha da conexão entre política e judiciário
espetacularizado. Caso o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirme Moro,
sob a ótica do sistema político teremos uma intervenção de grandes proporções
do judiciário no rito democrático. Há a possibilidade real de uma decisão
judicial contribuir para retirar do páreo o candidato para presidente com percentual
relevante de intenções de voto nas vindouras eleições de outubro. Isto implica
dizer que está posta dentre as alternativas, tal como já tem sido uma praxe, a
retirada da autonomia do sistema político para que ele mesmo faça seus
arranjos, punições, premiações etc.. Porém, na minha perspectiva isto não
significa somente desprestígio da política.
Em verdade, a narrativa onde um
judiciário salvacionista se apresenta é um dos maiores sintomas de uma
sociedade ainda imatura diante das possibilidades de processar e corrigir seus
próprios conflitos. E isto em um momento onde já não se discute estritamente o
fenômeno da judicialização da política. O conceito co-irmão complementar, que
seria a politização do judiciário, opera em nossa realidade onde juízes figuram
como o “pai” tradicional, severo e punitivo. Porém, ainda precisa provar que
não é seletivo, tendo seus preferidos e seus odiados. Afinal, nesse contexto, a
premissa da imparcialidade não deveria ser esquecida jamais.
Mirando para o TRF-4, há dúvidas
justamente sobre a imparcialidade no contexto de politização do judiciário. Até
mesmo a rapidez como o processo caminhou desperta desconfiança e sugere
seletividade, o que fere de morte a legitimidade do judiciário, no caso em tela.
Em um cenário inegavelmente dramático, um julgamento como esse não deve apenas
ser imparcial. Deveria também parecer imparcial. Contudo, não é isto que está
posto até o presente momento.
* Texto publicado em 20 de janeiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
sábado, 13 de janeiro de 2018
Judiciário e instabilidade
Judiciário e instabilidade*
George
Gomes Coutinho **
Por esses dias encontrei de
maneira casual um grande amigo que atua nos arredores do judiciário federal. No
nosso papo houve um ponto de contato compartilhado: a perplexidade diante do
atual estado de coisas. Não obstante nossas formações serem diferentes, ele no
direito e eu nas ciências sociais, a inquietação envolveu uma interpretação
estrutural de onde partimos mutuamente para analisar a conjuntura. Sabemos que
em nosso país o Estado Democrático de Direito merece termos anexos tais como
“incompleto”, “insuficiente”, “distorcido”, etc.. Contudo, há algo de novidade
histórica nos dias que correm.
No papo não agendado, o que
poderia ser um “olá, como vai?” de poucos minutos redundou em um diálogo
situado entre o desencantamento e lamentações sombrias. O gatilho para essa
conversa foi provocado pela intervenção do judiciário, mais uma de trocentas, na
nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho e Emprego. Alerto
que me recuso a entrar na armadilha do argumento ad personam. O que está em jogo é mais do que a biografia da
ilustre deputada ou o ilegítimo governo Temer. A pergunta que devemos fazer é
se cabe, se é razoável, justo ou desejável que o judiciário faça intervenções
de tal monta em decisões políticas e de Estado. Afinal, um juiz de primeira
instância conseguiu, empoderado pela própria conjuntura e reafirmado em segunda
instância, produzir interferências em nada mais e nada menos do que a nomeação
de uma ministra de Estado pelo presidente da república. Isto por acaso é mera
paisagem tal como a opinião pública anda interpretando?
Ora, a arma da intervenção
política judicial, utilizada e aplaudida pela própria base atual de Temer na erosão
do segundo governo Dilma e disparada contra Lula em seu processo frustrado de
nomeação naquele momento, já indicava uma rotina. Trata-se de um modus operandi onde o judiciário abandona o papel estrito de
garantidor legal para interferir, de forma hipertrofiada e sem contra-pesos
eficientes, no sistema político. Não é exagero afirmar que o judiciário é hoje
uma das maiores fontes de instabilidade do sistema. Em um estado de direito
deficitário a atuação espetacular do judiciário nos leva para qualquer lugar.
Menos para uma República.
* Texto publicado em 13 de janeiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
**Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
domingo, 18 de junho de 2017
Gilmar, o judiciário e o salvacionismo
Gilmar, o judiciário e o
salvacionismo*
George
Gomes Coutinho **
O julgamento da chapa Dilma/Temer
no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foi prenhe de aprendizados importantes.
Desde o seu entorno até a decisão final há questões que podem ser elencadas de maneira
construtiva. Todavia, não creio que o atual momento do espaço público tenha
produzido grande reflexão para além do maniqueísmo: Gilmar Mendes foi eleito o
grande vilão e ponto final.
Retomando, vamos para as
motivações do pedido de cassação da chapa. O PSDB seguiu um cálculo arriscado.
Cabe lembrarmos que no dia seguinte após a divulgação dos resultados das
eleições de 2014 Aécio Neves, atual senador afastado, declarou “não aceitar” os
resultados. Já em 2017, após a divulgação dos constrangedores áudios de Joesley
Batista do grupo JBS, Aécio, em profunda demonstração de sinceridade e
anti-republicanismo, afirmou que uma das motivações do pedido de cassação de
Dilma era “encher o saco”. Claro que não obstante “encheções de saco”, ao
cassar a chapa vencedora a presidência poderia cair no colo do segundo lugar. Neste
caso em especial seria a chapa tucana puro-sangue Aécio Neves/Aloysio Nunes.
O pedido de cassação movido pelo
PSDB foi interpretado em 2015 como sendo frágil por Maria Thereza de Assis Moura,
ex-ministra do TSE. Gilmar Mendes conseguiu reverter o posicionamento de Maria
Moura e trouxe o processo de volta para o Tribunal. “Modéstia às favas” apropriadamente
disse o próprio Mendes na semana passada. Se não fosse o esforço do ministro
realmente o pedido de cassação não teria ido adiante. O problema é que a
conjuntura política de 2015 era diversa.
Já neste ano de 2017 o
posicionamento de Mendes foi exótico. Seu voto de minerva derivou na absolvição
da chapa julgada sendo o trâmite do processo sua própria “obra e graça”.
Mendes se apresenta como a
personificação de um judiciário profundamente politizado. Não é o único, não
foi e jamais será. A sensação de “arbítrio” incômoda, avaliação exclusivamente
moral, oculta a avaliação objetiva que joga por terra o judiciário como
entidade imaculada e depósito de virtudes a nos purgar. Espero que não tenhamos
salvacionismos daqui por diante.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 17 de junho de 2017.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
domingo, 12 de fevereiro de 2017
Temer: um Gilmar para chamar de seu?
Temer:
um Gilmar para chamar de seu? *
George
Gomes Coutinho **
A figura de Gilmar Mendes se
tornou uma espécie de ícone no Supremo Tribunal Federal. Decerto ele representa
parte da sociedade brasileira desde que foi indicado por Fernando Henrique
Cardoso em 2002. Gilmar espelha a própria manutenção do status quo em sua
carreira na mais alta corte brasileira e empunha bandeiras de uma parcela
minoritária da população que se recusa a morrer: latifundiários, empresários
dotados das “más práticas” e grande mídia monopolista. Ou seja, Gilmar simboliza
o atraso e por este é teleguiado e legitimado.
Se a judicialização da política
tem causado caos, a politização da justiça não tem sido menos inofensiva. Afinal,
como disse a insuspeita jornalista Eliane Cantanhede em uma entrevista de
alguns anos atrás, Gilmar seria “tucano demais” em sua atuação no STF. Contudo,
mesmo sabendo que o STF nos últimos anos se tornou um espaço de militância
política e deixou cair por terra a aura de mero guardião da Constituição, não
deixa de causar espécie a indicação de Alexandre Moraes por Michel Temer.
Estaria Temer em busca de um
Gilmar para chamar de seu?
Neste momento Temer conta com
pouca resistência de atores políticos decisivos. Nem a grande mídia e tampouco
o legislativo irão oferecer resistência a suas mais ousadas proposições. Temer
sabe jogar o jogo, algo que Dilma desistiu de fazer e por esta razão sofreu o
impeachment. Provavelmente Moraes será aceito. Mas, não custa pensar se a
indicação de Moraes não soa como a pá de cal na aura imaculada que se mantém de
forma incompreensível no STF.
Moraes tem apenas 49 anos. Ficará
no STF por 26 anos se não mudarem novamente de forma casuística as regras de
aposentadoria. É dotado de um perfil nada discreto, o que inclui uma carta de
clientes que vai desde a Transcooper, relacionada ao PCC, até Eduardo Cunha.
Para além disso se tornou uma espécie de garoto propaganda da chamada “guerra
às drogas”, uma metodologia de enfrentamento das drogas ilícitas que contribuiu
para o cenário de guerra civil nas grandes capitais brasileiras e pela
superlotação dos presídios. Como se não bastasse, era filiado ao PSDB até esta
semana. Por tudo isso, ganham os conservadores. Perde o Brasil.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 11 de fevereiro de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
Assinar:
Postagens (Atom)