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sábado, 9 de setembro de 2017

Personalidades Autoritárias

Personalidades Autoritárias*

George Gomes Coutinho **

Hã questões que se não forem devidamente trabalhadas, discutidas e exorcizadas retornam implacavelmente nas almas dos vivos. Eis uma inspiração marxista e também freudiana bastante útil para indivíduos e coletividades. Dentre as nossas questões que retornam de maneira constrangedora no Brasil polarizado de hoje as garras do autoritarismo arranham os porões e muitas vezes alcançam de maneira desavergonhada o espaço público.

Revisitei o clássico “Authoritarian Personality” de Theodor W. Adorno (1903-1969) et. al.. O livro, publicado originalmente em 1950 nos EUA apresenta a famosa “escala F” que pretendia mensurar, mediante a aplicação de um teste, o grau de “Fascismo” reproduzido nos valores e atitudes de um indivíduo.

Já Umberto Eco (1932-2016) em seu “Ur-Fascism”, artigo publicado na New York Review of Books em 1995, argumenta que o “Fascismo Histórico”, aquele experimentado no período em que Mussolini (1883-1945) dominou politicamente a Itália no século passado, foi um regime autoritário inegavelmente de extrema-direita. Não obstante a falência do “Fascismo Histórico”, Eco se encontra com o diagnóstico de Adorno ao indicar que há um fascismo em nossos dias. Menos como regime de Estado e mais como constelação de atitudes e discursos. Os lamentáveis episódios promovidos ultimamente pela extrema-direita nos arredores do globo confirmam de forma sinistra esta interpretação.

Contudo, o autoritarismo enquanto prática e valor político jamais foi monopólio da direita. Em verdade a esquerda igualmente flertou e flerta com soluções e posturas autoritárias aqui e alhures. Neste sentido falarmos em “personalidades autoritárias” no plural soa melhor dado que o autoritarismo se reencarna nos dois lados do espectro político. Eu diria que tanto a direita quanto a esquerda em suas aparições autoritárias neste momento caminham de mãos dadas, como em outros momentos em nosso país, no desprezo aos aprendizados lentos proporcionados pela democracia política. O que atordoa é que se juntam a estes grupos o pragmatismo amoral dos grandes agentes de mercado que igualmente nutrem asco pela democracia política.

* Texto publicado em 09 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 20 de agosto de 2017

Unite The Right e a direita

Unite The Right e a direita*

George Gomes Coutinho *

A pequena cidade de Charlottesville, situada no estado da Virgínia nos EUA, adquiriu incontestável relevância na mídia mundial de uma semana para cá. Resumidamente, uma marcha intitulada “Unite The Right” (doravante Unir a Direita) agrupou grupos como a Ku Klux Klan, supremacistas brancos em geral e neonazistas norte-americanos para protestar contra a retirada de uma estátua do general confederado Robert E. Lee. Para além da inegável comoção causada pela violência explícita e as reações de perplexidade diante do racismo expresso pelos partícipes do movimento “Unir a Direita”, o choque diante das cenas que remontam à tragédia da Alemanha hitlerista causou vertigem no imaginário político. E entre nós no Brasil politicamente polarizado muita besteira foi ventilada.

Antes, cabe advertir que “direita” e “esquerda” são conceitos classificatórios que decerto reduzem a complexidade diante do fenômeno que querem situar. Mas, nem por isso são denominações inúteis.

Voltemos com uma questão após a advertência: a direita não é um bloco coeso, tal como a esquerda também não é. Há dissensos, reinterpretações, disputas, etc.. As diferenças de posicionamentos de um determinado grupo sobre uma série de temas e problemas coletivos, o que inclui as possíveis soluções, é o que explica o posicionamento mais para a ponta “extrema” ou para o “centro” no espectro político. Contudo, o que une todos em um mesmo lado é a defesa compartilhada e consensual de uma diretriz ou valor essencial. Só assim é possível situarmos em um mesmo lado do espectro político um gigante intelectual da estatura de José Guilherme Merquior (1941-1991) e Jair Bolsonaro (1951). Ambos de direita no que tange a defesa inegociável da propriedade privada.

Todavia, liberais ortodoxos ou progressistas, fascistas, democratas cristãos, etc.,  divergem sobre todo o restante: políticas sociais, direitos humanos, respeito às minorias, porte ou não de armas. Sequer o livre mercado é uma pauta pacífica. Assim, uma direita hidrófoba, autoritária e racista é plenamente factível. Charlottesville apenas nos lembrou disso.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 19 de agosto de 2017.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 18 de dezembro de 2016

Um liberalismo miserável

Um liberalismo miserável *

George Gomes Coutinho **

“No Brasil, o marxismo adquiriu uma forma difusa, volatizada, atmosférica. É-se marxista sem estudar, sem pensar, sem ler, sem escrever, apenas respirando.”. A irritação do conservador Nelson Rodrigues citada é uma crítica contundente ao marxismo vulgar. Porém, igualmente poderíamos utilizar esse mesmo tom para demolir um liberalismo miserável.

Grandes tradições de pensamento são verdadeiros continentes. Seja o judaísmo, ou sua vertente expressa no cristianismo, o evolucionismo, o confucionismo, o platonismo, enfim, todo grande esforço de reflexão contém um conjunto de elementos articulados complexos. Afirmam o que seria a natureza humana, se esta é boa ou má e, para além disso, tentam responder: que bicho é esse, o homem? Ainda, indicam caminhos morais e éticos. Projetam uma idéia de sociedade, etc..

O liberalismo é, neste sentido, também um continente. Desde o século XVII o debate interno nesta tradição nunca cessou. Há idas e vindas, como em todo movimento de pensamento, o que inclui controvérsias e críticas internas. Mas, se trata de uma vastíssima e rica tradição que permite, inclusive, o diálogo com diversas bandeiras progressistas bastante arejadas. Talvez até mais do que as que encontramos em diversos grupos tradicionais na esquerda do espectro político.

O que espanta é a versão raquítica e adestrada deste liberalismo que circula no mainstream tupiniquim. Um liberalismo pobre, simplesmente “anti-Estado” armado de um discurso afetivo e ressentido quase edipiano. Como se não bastasse, não desconsiderando as contribuições liberais para a democracia alhures, nosso liberalismo flerta com o autoritarismo. É um oximoro. Tal como os marxistas vulgares, boa parte dos liberais de verde-amarelo se contentam em repetir palavras de ordem preguiçosamente. Finalizando, padecem de covardia intelectual ao não levarem as últimas conseqüências suas próprias premissas. Mal sabem que defendem mais o atraso do que imaginam.

Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 17 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes