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sexta-feira, 5 de abril de 2019

Lula, o nosso Dreyfus


Lula, o nosso Dreyfus

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Há quase um ano, Lula está preso. Ou, precisamente falando, sequestrado pela Justiça Federal e mantido refém na Polícia Federal com sede em Curitiba/PR. “Não força!”, dirão alguns(as) em nome de suas inclinações contrárias ao Partido dos Trabalhadores (PT) ou, quiçá, movidos por um ódio inoculado da política profissional – notadamente, quando vista à esquerda no espectro político – a ponto de se tornarem presas fáceis do punitivismo na aplicação do Direito.

Um fato: a condenação de Lula ocorrera sem provas e com flagrante cerceamento do direito de defesa. Dizê-lo, a esta altura, é mais que redundante. 

Sabemos que é sempre bom evitar argumentos de autoridade na construção do próprio argumento, mas, no que tange à dimensão técnica da “prisão” de Lula, contento-me em lembrar a exposição que o eminente professor de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Afrânio Silva Jardim, fez de suas crassas inconsistências tanto em relação ao “triplex do Garujá” (aqui) quanto ao “sítio de Atibaia”(aqui), os causos jurídicos em questão. 

Não seria para menos. 

Considerando seu didatismo para com o público leigo, tomar Afrânio por referência me livra do papel de rábula[1] e, tão logo, permite-me dialogar a partir de um ângulo pouco afeito ao código de análise dos operadores do direito: a resiliência da personagem pública “Lula” na luta simbólica mesmo depois de todo o cerco à atuação da maior liderança nacional que, gostem ou não, temos.

Neste sentido, a alusão ao "caso Dreyfus" na imagem que abre o nosso texto não é aleatória. Quanto à imagem em si, trata-se da carta aberta intitulada "Eu acuso!", escrita por Émile Zola, romancista e ativista político francês, publicada no jornal L'Aurore em 13 de janeiro de 1898.

Nessa carta, destinada ao presidente Félix Faure, Zola denuncia oficiais militares pela acusação inverídica de traição e espionagem dirigida ao capitão Alfred Dreyfus. A Dreyfus, um oficial francês de origem judaica, foi imputada a revelação de segredos estratégicos em carta supostamente remetida a Schwartzkoppen, adido militar alemão.

Dreyfus fora acusado de “alta traição” em outubro de 1894, para ser preso em novembro do mesmo ano e condenado em janeiro de 1895 ao degredo na Ilha do Diabo. Passados dez anos de trabalhos forçados ao lado de criminosos barra pesada na ilha que fazia jus ao nome, desvendou-se a trama urdida contra o capitão francês: o major Walsin-Esterhazy, por ordem do seu superior, Coronel Sandherr, forjou a letra de Dreyfus na correspondência criminosa a qual procedera.

Dreyfus fora inocentado em 1906, tendo sido reintegrado ao Exército francês com a medalha de Legião de Honra.

Qual paralelo é possível entre o caso Dreyfus e o caso Lula?

Feitos os devidos reparos contextuais, em ambos os casos vemos: a) o alcance que um erro judiciário pode ter quando a “razão de Estado” se sobrepõe à segurança jurídica, um princípio basilar do moderno Estado de direito; e b) a perda de equilíbrio da imprensa e do judiciário que faz emergir a figura do “inimigo da nação” – uma espécie de bode expiatório para crises econômicas e tensões sociais que obrigam todos(as) a posicionar-se no entrechoque de forças progressistas e reacionárias. 

Na França da virada do século XIX para XX, temos, de um lado, republicanos liberais e forças de esquerda e, de outro, uma direita reacionária amalgamada com as Forças Armadas e a Igreja que se confrontavam pela definição mesma de qual regime político a França deveria seguir (monarquia ou república?), tendo por pano de fundo o crescente antissemitismo que encontraria na condenação de Dreyfus o seu aval e que explicaria, em certa medida, o “colaboracionismo” durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial.

No Brasil dos anos 2010, somos forças progressistas de variado matiz ideológico e programático desafiadas a dialogarem entre si para disputar a hegemonia ante as fissuras do bloco de poder formado com a ascensão da extrema-direita e a integração da caserna militar no primeiro e segundo escalões do Governo Federal. O pano de fundo? A criminalização da política cuja expressão mais bem acabada é o acossamento de Lula a partir da Operação Lava-Jato e, arriscaria dizer, o “colaboracionismo” redivivo nas instituições de ensino que, embebido pelo novo "normal" jurídico que a Lava-Jato instaurou, toma vulto sob o governo de ocupação de Jair Bolsonaro.

De lá para cá: ódio aos judeus na França de Dreyfus; ódio aos pobres no Brasil de Lula; e, sobremaneira, ódio incontido a tudo o que ambos, ao seu modo e circunstância, representam para a afirmação de um destino comum.

Fonte consultada:

“Caso Dreyfus: Eu acuso!”, de Leonardo Isaac Yarochewsky. Acesso: http://www.justificando.com/2017/06/09/caso-dreyfus-eu-acuso/


[1] Uma definição de rábula é oferecida em Jusbrasil. Acesso: https://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/2089441/afinal-o-que-e-rabula

domingo, 8 de abril de 2018

Do cerco à prisão: a resiliência de um líder democrata




Por Paulo Sérgio Ribeiro

07 de abril de 2018 não cabe nas monótonas folhas do calendário, bem como não cabe neste texto uma síntese dos significados que poderíamos atribuir a ele. Nesse dia, assistimos à mobilização popular no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo/SP, iniciada com a decretação da prisão do ex-Presidente Lula, que ali se reunira com dirigentes do PT, lideranças de outros partidos do campo progressista (PSOL, PCdoB entre outros), entidades sindicais e movimentos sociais de expressão nacional, como o MST, devolvendo-nos a imagem da política como uma pulsão de vida que ainda habita em nosso agir.

A criminalização da maior liderança nacional depois de Vargas parecia chegar ao seu clímax e a narrativa que lhe servia de moldura encontrava finalmente o seu epílogo. Mas (sempre há um “mas”...) faltava combinar os detalhes desse roteiro punitivista com quem não tem outra vocação além do protagonismo na luta política: Lula. Posso imaginar a tensão que se acumulava sobre os seus ombros e o seu grupo de apoio para uma tomada de decisão cujas ponderações táticas mesclavam-se com o clamor pela resistência ao arbítrio. Ora, por que não resistir diante de uma orquestração de atores institucionais cuja competência para dizer o direito divorciou-se dos valores morais universalmente aceitos em torno da garantia de ampla defesa? Por que acatar uma prisão que se sabe ilegal?

Eu, sentado aqui no conforto do meu lar, batucando esse teclado, não me atreveria a julgar o posicionamento de Lula, pois a resposta que teve de dar àquelas questões cruciais foi o mais solitário dos atos, ainda que cercado por tantos colaboradores experientes. Provavelmente, para além do risco de invalidar tentativas futuras de recorrer da decisão, pesou-lhe o custo humano da desobediência civil em face de uma direita autorizada a tudo pelos “odiadores da política”, este poço sem fundo de ressentimentos em estado de prontidão para abater o “inimigo público” da vez.

Porém, dimensionando aquilo que confere à política o seu pão de cada dia – a luta simbólica – a prisão de Lula foi como “ele” quis. A exposição da capacidade de sacrifício de um senhor quase septuagenário foi a deixa que os seus algozes não esperavam conceder. A comunicação emotiva de Lula aliada à postura conciliatória com a qual conduziu os seus governos de inclusão ratifica a sua liderança carismática e, considerando a resistência em São Bernardo do Campo como um dos eventos mais dramáticos da república brasileira pós-1988, garante-lhe a posteridade – essa versão secularizada do sonho de imortalidade que os gregos antigos nos legaram. “Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia” – frase proferida por Lula em seu discurso antes de anunciar que iria se entregar à Polícia Federal e que resume à perfeição o alcance de sua presença no imaginário social.

Lula é um preso político. Estará o campo progressista à altura desse desafio? Haverá consensos mínimos para um debate programático que contrarie, parcialmente que seja, a sentença weberiana de que é improvável um líder carismático transferir a lealdade dos seus liderados a um sucessor? Nesse cenário de crise institucional, as esquerdas têm a chance de se reinventarem não sem antes correrem o risco de devorar a si mesmas.

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