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terça-feira, 21 de maio de 2024

Se os senadores não agirem com cuidado, a CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas poderá favorecer os bicheiros do Rio

 

Fonte: alphaspirit/Getty Images/Câmara dos Deputados

Jefferson Nascimento*

Contexto Político

Em maio de 2022, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) divulgou os resultados da Operação Calígula. Dentre eles, o MPRJ concluiu que o contraventor/”bicheiro” Rogério de Andrade possuía o monopólio das apostas esportivas desde 2017 e pagava propinas para policiais protegerem o esquema[i]. A atividade era realizada por meio de sites e explorada antes de sua legalização. Veja matéria da época:

[...] os bicheiros cariocas aceitam apostas em partidas do Brasileiro, da bilionária Liga dos Campeões e da Libertadores. [...] Nesta semana, os contraventores bancavam palpites em partidas da Copa do Brasil e de torneios na Alemanha, Rússia, Argentina, Israel e Equador, entre outros. [...] Além de partidas de futebol, as bancas também aceitam palpites em jogos de vôlei e lutas, como o UFC [...] O modelo adotado pelos bicheiros é semelhante ao de países europeus, que usam páginas na internet para receber as apostas [...] É possível dar palpites no vencedor do confronto ou apenas no time que ganha o primeiro tempo. Há também bolão com cinco partidas em cada rodada do Brasileiro. O vencedor pode receber prêmio de até R$ 15 mil nessa modalidade na rodada do próximo final de semana.[ii]

 

As apostas online foram legalizadas pela Lei n° 13.756/2018, que tratava do Fundo Nacional de Segurança Pública e incluiu a liberação das chamadas apostas de quota fixa sem a regulamentação. Com isso, os brasileiros puderam apostar legalmente nas chamadas bets que, desregulamentadas, eram sediadas no exterior, especialmente em paraísos fiscais (incluindo empresas de capital brasileiro). A referida lei fixou o prazo de dois anos (prorrogáveis por mais dois) para o Ministério da Fazenda/Economia regulamentar a atividade. Esse prazo final (com a prorrogação prevista) venceu em dezembro de 2022 - último ano do governo Bolsonaro.

Coube ao governo Lula enviar a Medida Provisória (MP) n°1.182/2023 para iniciar a regulamentação do setor. A partir daí, uma série de emendas sobre a MP fez caminhar o PL 3.623/2023, dando origem à Lei n° 14.790/2023. Nessa tramitação, cabe destacar a posição de alguns parlamentares bolsonaristas da Bancada Evangélica:

  • O senador Eduardo Girão (NOVO-CE) dizia que regulamentar “legitima um sistema que, além de sujeito a fraudes, vicia o cidadão e distorce a natureza do esporte”. Na ocasião, ele falou também dos riscos de manipulação do esporte.[iii]
  • O deputado Eli Borges (PL-TO) disse: "Estamos dando mais um avanço para envolver jovens e cidadãos brasileiros em uma jogatina sem precedentes"[iv].

Apesar da retórica, Girão e Borges ocupavam os respectivos cargos desde 2019 e compuseram a base aliada de Jair Bolsonaro, mas não atuaram para o governo anterior cumprir a determinação legal de regulamentar as apostas.  

A Operação Penalidade Máxima, liderada pelo Ministério Público de Goiás, descobriu que as manipulações realizadas em 2022 foram favorecidas justamente pela falta de regulamentação. Logo, é possível inferir que a inação do governo Bolsonaro e o silêncio do Congresso Nacional colaboraram com o ambiente propício para as manipulações denunciadas pela Operação Penalidade Máxima. 

Ainda assim, parlamentares bolsonaristas, como Girão e Borges, se engajaram quando o atual governo pautou a regulamentação que, legalmente, deveria ter sido feita pela dupla Guedes/Bolsonaro.

 

O Rio de Janeiro, a contravenção e as bets

Em 2023, no anúncio da MP pelo Governo Federal, começaram movimentos que chamam a atenção. A Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj) passou a tensionar: lançou um edital permitindo que empresas credenciadas no estado aceite clientes de todo o Brasil, contrariando a regulamentação federal proposta. A consequência foi a oposição da Caixa Econômica Federal, que administra as atividades lotéricas em âmbito nacional, resultando em contestações na justiça. 

Para ser atrativa, a Loterj ofereceu licenças mais acessíveis e o governo estadual praticava impostos mais baixos aos operadores das apostas online (5% do GGR - Gross Gaming Revenue, enquanto a MP propunha 18% e a lei fixou 12%). A posição da Loterj seguiu as normatizações do governo Cláudio Castro e foi favorecida pela atuação Procon-RJ, que notificou as empresas com base no Decreto Estadual 48.806/23 para assegurar a regularização das bets no estado do Rio de Janeiro.

Os contraventores não ficaram para trás, era preciso se adaptar aos novos tempos e manter o controle sobre a atividade. Paralelamente a estratégias empresariais para organizar a atividade, velhas e temidas práticas foram mobilizadas. Por exemplos, ameaçaram o investidor do site Apostou.com, segundo o MPRJ. O site já estava credenciado na Loterj, mas o investidor paranaense desistiu do negócio após a “intervenção da contravenção”[v]

Em fevereiro deste ano, segundo o MPRJ, o recado foi brutal e bem mais claro a qualquer investidor interessado no ramo: o advogado Rodrigo Crespo Marinho foi executado na tarde de uma segunda-feira no centro do Rio de Janeiro, em frente ao seu escritório e próximo à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e à Defensoria Pública-RJ. Marinho era um estudioso das apostas online, engajado pela legalização e, segunda consta, “se preparava para deixar o escritório de advocacia em que trabalhava para passar a atuar legalmente no mercado de sites de apostas online”.[vi]

Três participantes foram presos: o policial militar Leandro Machado da Silva providenciou o carro; Cezar Daniel Mondego de Souza, detentor de cargo comissionado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), monitorava Marinho; e Eduardo Sobreira Moraes dirigia o carro e levava Mondego para monitorar a vítima. Como parte da investigação, Adilson Oliveira Coutinho Filho, o contraventor Adilsinho, está sendo investigado junto a outras oito pessoas. Segundo a denúncia do MPRJ:

      Há informações, ainda passíveis de serem confirmadas, que os criminosos/mafiosos exploradores de jogos de azar (chamados no Rio de Janeiro somente de 'contraventores') estariam se aprofundando no conhecimento para exploração lucrativa de jogos de aposta online em processo de legalização. Trata-se de atual 'febre' no Brasil, fácil inclusive de ser utilizado para lavagem de dinheiro de atividades criminosas.[vii]

O investigado Adilsinho, patrono da Escola de Samba Salgueiro, compõe a Nova Cúpula do Jogo do Bicho do Rio de Janeiro. Ele é aliado de Rogério de Andrade, patrono da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel. Segundo o MPRJ e Polícia Civil, Adilsinho comandou a execução de bicheiros ligados a Bernardo Bello – desafeto de Rogério de Andrade e herdeiro de Waldemir Paes Garcia, o Maninho. Curiosamente, Maninho foi mandachuva na Salgueiro, hoje nas mãos de Adilsinho. Reiterando as informações iniciais: Rogério de Andrade, aliado de Adilsinho, domina o ramo de apostas online no Rio de Janeiro desde 2017 - ou dominou até pelo menos 2022, segundo o MPRJ[viii].

 

Os bicheiros, a política e a CPI: coincidências e correlações

Os contraventores também mobilizam estratégias para se aproximar de autoridades políticas. Rogério de Andrade recentemente autorizou a cessão da quadra da Escola de Samba Mocidade Independente de Padre Miguel para o lançamento de candidatos bolsonaristas às eleições do Rio de Janeiro. O evento realizado em 16 de março contou com a presença de Jair e Flávio Bolsonaro, do governador Cláudio Castro e do senador Carlos Portinho e apresentou Alexandre Ramagem como pré-candidato à prefeitura carioca.

Um mês depois, Andrade obteve por despacho sigiloso o direito de retirar a tornozeleira eletrônica por decisão monocrática de Kassio Nunes Marques, nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pelo então presidente Jair Bolsonaro. O mandado de prisão resultou da mesma Operação Calígula (2022) que, dentre outros crimes, identificou Andrade como detentor do monopólio das apostas esportivas online. Jorge Mussi[ix], ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), havia determinado a soltura de Andrade em dezembro de 2022 mediante o uso de tornozeleira eletrônica, o recolhimento noturno e o comparecimento periódico em juízo.

Além da retirada da tornozeleira, Nunes Marques já havia negado pedido de prisão contra Andrade em 2022 e esteve nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro em fevereiro deste ano.[x] Marques alega que esteve em camarotes institucionais do governo estadual do Rio de Janeiro e da prefeitura carioca sem, portanto, relação com alguma escola específica ou seus dirigentes.

Em todo caso, fica o registro da coincidência: nomeado por Bolsonaro, negou prisão ao patrono da Mocidade em 2022, esteve esse ano pela primeira vez no desfila das escolas de samba do Rio e, poucos meses depois, ordenou a retirada da tornozeleira eletrônica do patrono de uma das escolas – a mesma que cedeu a quadra para o lançamento da campanha de bolsonaristas para a eleição carioca com presença de Jair e Flávio Bolsonaro.

Outro participante do lançamento de campanha bolsonarista na Mocidade Independente, de Rogério de Andrade, foi o senador Carlos Portinho (PL-RJ). Portinho, apesar de suplente na comissão, foi um dos protagonistas na participação de John Textor na CPI da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas. A CPI foi instalada em 10 de abril e é liderada pelo presidente Jorge Kajuru (PSB-GO), o vice-presidente Eduardo Girão (NOVO-CE) e o relator Romário Faria (PL-RJ).

Essa CPI já era cogitada no final do ano passado e ganhou impulso com a publicidade das acusações de Textor em fevereiro e março, quando o salgueirense Romário liderou o requerimento e a coleta de assinaturas em um ambiente de grande atenção da opinião pública.

Não é novidade a aproximação entre bolsonaristas e setores que realizam seus ganhos de forma pouco usual e/ou questionável. 

Não ganharam voz por meio dos bolsonaristas apenas os representantes de frações da burguesia emergente do Brasil, fora dos grupos tradicionais de seus respectivos setores, como Luciano Hang, novos grupos do mercado financeiro em oposição aos bancos tradicionais, e setores emergentes do agronegócio. Também viram Bolsonaro e os bolsonaristas como representantes: grileiros, posseiros, mineradores ilegais, latifundiários que desmatam áreas de reserva, milicianos cariocas (inclusive mandantes de homicídios, como os irmãos Brasão), defensores da legalização de cassinos e outros jogos de azar e diversos outros tipos de pessoas que enriquecem às margens das leis.

Logo, o que tratamos aqui pode ser coincidência e/ou correlação; mas, de forma alguma, poderia ser tratado como exceção.

 

Um alerta para os membros da CPI

É fundamental enfatizar que ninguém sério nega que exista manipulação. Porém, há uma série de iniciativas para enfrentar a questão. Uma delas é a contratação da empresa Sportradar para fazer o monitoramento de integridade do futebol brasileiro pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF). Essa empresa é a principal no segmento, monitorando jogos da UEFA, FIFA, Conmebol, NBA, MLB e diversos outros esportes com um método validado pela Universidade de Liverpool.

Em 2022, a CBF instituiu a Unidade de Integridade chefiada por Eduardo Gussem (ex-Procurador-Geral de Justiça do Rio de Janeiro) para um tratamento especializado acerca da manipulação de resultados. Além disso, desde 2023, há uma integração entre a CBF, a Sportsradar e a Polícia Federal (PF) para que a entidade esportiva encaminhe à PF a lista de partidas suspeitas, segundo o relatório da empresa de monitoramento, para subsidiar as investigações sobre possíveis manipulações. 

Essa integração é favorecida pelo Memorando de Entendimento firmado em 2021 pela Sportradar e a Polícia Federal. Em nota à imprensa, a Coordenação-Geral de Comunicação Social da PF destacou a expertise da Sportradar e sua colaboração com autoridades em diversos países:

Diante dessa realidade, o acordo celebrado mostra-se de suma importância, uma vez que a Sportradar é reconhecida por cooperar ativamente, na atualidade, com mais de 20 agências de aplicação da lei em todo mundo, fornecendo-lhes serviços de inteligência algorítmica e relatórios de análise preditiva de fundamental importância para identificação e desarticulação de organizações criminosas envolvidas com apostas e corrupção em eventos esportivos.

Esses movimentos contribuíram para dois avanços: (1) a quantidade de partidas suspeitas caiu 30% em 2023 em comparação à 2022 (ano em que a Operação Penalidade Máxima identificou partidas, jogadores e apostadores) - o melhor resultado desde 2020; e (2) diferente de 2022, em 2023 nenhuma das partidas da Série A do Campeonato Brasileiro foi considerada suspeita.  

Como a CPI nasceu para tratar de Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas, temos que ficar atentos ao tipo de regulamentação, indiciamentos e instauração de inquéritos que constarão no relatório final. Especialmente, ao tipo de tratamento que será dado às apostas de quota fixa.

Se a CPI, defender a prerrogativa das Loterias Estaduais, não só o interesse do governo estadual/Loterj será favorecido, como a capacidade de pressão e influência dos contraventores interessados nas apostas online aumentará. Nesse caso, não é verdadeiro o argumento de descentralizar para aumentar a capacidade de fiscalização pelas Polícias Civis e Ministérios Públicos estaduais, pois só estão funcionando as loterias estaduais do Rio de Janeiro e do Paraná, enquanto a da Paraíba está em processo para iniciar em breve as atividades. As demais unidades federativas ainda precisam organizar sua atuação.

No caso do Rio de Janeiro, não é ilação afirmar a vulnerabilidade do governo estadual frente aos interesses de contraventores e milicianos. Os novos avanços do Caso Marielle, após a federalização das investigações, estão aí para quem quiser ler, assistir e ouvir. A partir dessa realidade, as pressões advindas poderiam impactar nos critérios exigidos para credenciamento e colocaria parte desses empresários interessados na mira dos contraventores.

É preciso ter em mente que o risco de manipulação aumenta em um ambiente desregulamentado e de proximidade física entre grupos de apostadores e/ou bets inidôneas em relação aos jogadores, árbitros e outros atores do futebol.

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 * Jefferson Nascimento é Doutor em Ciência Política, professor no Instituto Federal de São Paulo (IFSP), membro do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA) e autor do livro "Ellen Wood: o resgate da classe e a luta pela democracia" (Appris)



[vii] Ver link da nota anterior

[viii] Ver link da primeira nota

[ix] Mussi teve aposentadoria concedida em dezembro de 2022 pelo então presidente Bolsonaro. Antes, o ministro negou recursos da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o senador Flávio Bolsonaro no caso das “rachadinhas”: manteve a anulação da quebra de sigilo e negou ida o inquérito para o STF. Mussi também negou investigações contra Luciano Hang por doação ilegal para a campanha de Bolsonaro em 2018 e a acusação de abuso do poder econômico por disparo em massa da campanha de Bolsonaro então no Partido Social Liberal (PSL).


domingo, 22 de novembro de 2020

Derrotar Crivella para destronar o falso messias

Fonte: Agência O Globo (aqui).

Derrotar Crivella para destronar o falso messias*


Fabio Py

 

* Publicado originalmente em Mídia Nínja (aqui).

 

Crivella, a face política Universal

 

Estamos no período eleitoral e, no Rio de Janeiro, um personagem se vinculou diretamente ao presidente Jair Messias Bolsonaro durante a campanha: o candidato à reeleição e “bispo licenciado” da Igreja Universal do Reino de Deus, Marcelo Crivella (Republicanos). Crivella é sobrinho do dono da Universal e do Sistema Record de Comunicação, o bispo Macedo. Mesmo que por momentos negue, sua figura política está diretamente relacionada ao título “bispo” da Universal. Para se livrar um pouco do tom religioso, nos últimos anos ele passou a fazer uso do termo “bispo licenciado”. Com ele, sinaliza que está afastado das atribuições integrais do bispado, não recebendo o salário, nem tão pouco exercendo liderança de templo ou cuidando de região eclesiástica.

 

Contra ele, no meio teológico, existe um chavão: “pastor sempre será pastor onde quer que esteja”. Logo, se segue o mesmo raciocínio: se ele é bispo onde quer que esteja, sempre será bispo – mesmo licenciado das funções oficiais. Mesmo na condição de licenciado, não deixa de ter aura sacerdotal seja quando pisa em um espaço sagrado, seja quando faz orações, seja num lugar comum. Leonardo Boff escreve sobre o bispado na Igreja Católica, que de alguma forma se relaciona às estruturas evangélicas: “o bispado é o acúmulo de bens materiais (ornamentos, veste, acesso às pessoas e à estrutura) e bens imateriais (devoção, emoções, carismas e amores) próximo ao ápice na direção de Pedro, monarca cristão”. Também, nas estruturas evangélicas, é uma função maior, de organização de pastores, missionários, evangelistas, pregadores, obreiros. Por isso, se diz que na hierarquia da Universal, Crivella está no topo. Ele está a um passo do papa… Nesse caso, o bispo e tio Edir Macedo.

 

O que se está dizendo é que o cargo de bispo oferece grande peso simbólico/afetivo sobre qualquer pessoa. Na Universal, “o pastorado é ocupado por alguém separado por Deus para uma comunidade e o missionário por alguém que atina em Deus alguma missão em locais distantes ou desafiadores”, o bispado tem seu “carisma relacionado ao cuidado de pastores e pastoras e conjunto de igrejas da região”. E, tal como na Igreja Católica, o bispado é uma função institucional. Por isso, quando Crivella se designa (ou é designado) “bispo” na arena política demonstra que a estrutura da Universal o apoia.

 

Ai está o perigo!

 

A simbiose Crivella-Universal

 

Antes, gostaria de sinalizar que a questão não é tanto a de ser evangélico, católico, espírita ou qualquer tradição religiosa a ocupar cargo político. Não é essa a questão. Mas o perigo se coloca quando algum religioso se mobiliza politicamente junto a uma grande corporação. Nisso, Crivella, o bispo Universal, sempre foi exemplo de conexão. Sua figura pública é a mais pura simbiose grandes igrejas cristãs e o pior da política partidária.

 

O preço “cobrado” pelas instituições religiosas (como a Universal) do apoio político sempre foi muito alto. Crivella sempre pagou o preço, defendendo o setor evangélico fundamentalista e, mais ainda, defendendo como suas as causas da Universal. Por exemplo, em 2007, quando era senador e deu entrada no Dia Nacional da Marcha pra Jesus (projeto de Lei n.376). Assim, permitiu-se verba pública para a maior celebração evangélica do país, sendo a Universal uma das suas propositoras. Em julho de 2018, realçando seu compromisso contra o diálogo inter-religioso e contra as tradições afro-diaspóricas, vetou o projeto de lei 346, que declarava o Quilombo da Pedro do Sal, no centro do Rio de Janeiro, como Patrimônio Cultural e Imaterial do Munícipio. Mais recentemente, em julho de 2020, em plena pandemia do Covid-19 no Brasil, sua gestão designou os tomógrafos para a Igreja Universal da Rocinha. A ação foi um escândalo, pois a comunidade tem uma UPA. A ação ocasionou uma série de mobilizações dos moradores. Eles questionavam se os tomógrafos iam atender os moradores ou apenas os fiéis da Universal.

 

A Universal e a mobilização política dos candidatos

 

Crivella não tem apenas um apoio simbólico com nome de “bispo”. Ao contrário, a Igreja Universal sempre mobilizou ações na direção de seus projetos eleitorais. Primeiro, promovendo nos últimos anos uma série de orações, jejuns, vigílias e unções no meio das liturgias de seus principais templos. Assim, publicamente reveste suas candidaturas com a aura religiosa, uma santidade política. Segundo, a instituição disponibiliza em cada região um número de adeptos para ajudar nas campanhas trabalhando na distribuição de panfletos políticos. Por exemplo, em cidades de 500 mil habitantes, como Campos dos Goytacazes, colocam mais ou menos 100 pessoas diariamente na distribuição de santinhos políticos. E, em cidades como Rio de Janeiro, estrategicamente dividem em 5 áreas, conseguindo mobilizar até 1000 pessoas atuando no corpo a corpo eleitoral com a população.

 

Mobilizam mais pessoas que qualquer partido político!

 

O laboratório das eleições de 2020 e o sonho com 2022

 

Portanto, o que foi estruturado pela Universal, nos últimos anos, é um grande maquinário eleitoral-religioso. Algo tão denso que nenhum partido político consegue mobilizar. Essa máquina, em 2016, conseguiu eleger o próprio Crivella, e, dois anos depois, consagrou a eleição de Bolsonaro, Witzel, Flavio Bolsonaro, Arolde de Oliveira e os demais políticos de extrema direita no Rio de Janeiro.

 

Assim, o desafio que está posto é de como derrotar uma estrutura eleitoral tão densa e que é a base de Crivella. Esse desafio é urgente: barrar a conexão tão direta das grandes corporações cristãs com o poder estatal. É imprescindível, em nome da democracia, que desarme a relação umbilical das grandes igrejas e as políticas de estado que as beneficiam. É fundamental que se supere essa densa fracção fundamentalista evangélica transformada em Estado, beneficiando cristãos em detrimento das demais camadas religiosas do município.

 

Eles são uma pedra no caminho da democracia. Quando uma tradição religiosa toma conta da arena pública, há o risco da construção de um sistema de ódio e desprezo contra as demais tradições religiosas. Essa política de morte em nome de deus tem um nome: teocracia – o regime máximo totalitário-religioso. Assim, espera-se que a mobilização na disputa eleitoral contra o fundamentalismo das grandes corporações evangélicas implicadas na arena pública (identificadas na figura de Crivella) seja um grande laboratório das lutas político-eleitorais em prol da amplificação da democracia, das lutas pela defesa das pluralidades e das liberdades religiosas.

 

Que elas nos ajudem a organizar as forças para derrotar futuramente o mal do bolsonarismo fascista, que tem na cidade do Rio de Janeiro a face do bispo Crivella, negacionista, anti-ciência, genocida e autoritário.

 

Assim, o primeiro desafio está posto: derrotar Crivella. Para depois destronar o eugenista-mor, pai da mentira fingido de messias.

 

Referências bibliográficas:

 

ALMEIDA, Jhenifer.  Política e compromisso religioso: notas sobre a IURD e a atuação de cabos eleitorais a partir do PRB. Nelson Lellis e Fabio Py. (Org.). Religião e política à brasileira: ensaios, interpretações e resistência no país da política e da religião. São Paulo: Terceira Via, 2019.

 

BOFF, Leonardo. Igreja carisma e poder. São Paulo: Record, 1999.

 

EZENDE, Gabriel S. Religião, Voto e Participação Política: a vitória de Marcelo Crivella na disputa eleito-ral carioca de 2016. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política do IU-PERJ/UCAM. Rio de Janeiro: IUPERJ/UCAM, 2018.

 

GRACINO Jr, Paulo & REZENDE, Gabriel. A vez dos eleitos: religião e conservadorismo nas eleições municipais do Rio de Janeiro, RBHR, v.13, n.38, 2020.

 

MARIANO, Ricardo; SCHEMBIDA, Rômulo Estevan de Oliveira. O Senador e o Bispo: Marcelo Crivella e seu Dilema Shakespeariano. Interações: Cultura e Comunidade (Faculdade Católica de Uberlândia), v. 4, 2009.

 

MATA, Sergio. Teologia de Bolsonaro. História e historiografia, v.34, n.51, 2020.

 

ORO, Ari Pedro. A Igreja Universal e a política. In: BURITY, Joanildo ; MACHADO, Maria das Dores Campos (Org.). Os votos de Deus: evangélicos, política e eleições no Brasil. Recife: Massangana, 2006.

 

VITAL DA CUNHA, Christina; LOPES, Paulo Victor Leite; LUI, Janayna. Religião e Política: medos sociais, extremismo religioso e as eleições 2014. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll: Instituto de Estudos da Religião, 2017.

terça-feira, 9 de abril de 2019

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Documentário "Auto de Resistência" - terça, 04/12/2018 - 18 horas


Um documentário sobre os homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em casos conhecidos como "autos de resistência".

O filme acompanha a trajetória de personagens que lidam com essas mortes em seus cotidianos, mostrando o tratamento dado pelo Estado a esses casos, desde o momento em que um indivíduo é morto, passando pela investigação da polícia, até as fases de arquivamento ou julgamento por um tribunal do júri.

Após a exibição do documentário, será realizado um debate com a participação da diretora do filme, Natasha Neri, o defensor público Tiago Abud e Dona Ivanir Mendes, mãe de vítima do Estado e ativista da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.

Local: Auditório da UFF de Campos dos Goytacazes

Rua José do Patrocínio, 71

Fonte: Facebook.

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Eleições fluminenses – brevíssimas notas


Eleições fluminenses – brevíssimas notas

George Gomes Coutinho

O que explica Witzel para além do divã? Não é mais a pergunta de um milhão de dólares. Há padrões que podem ser mobilizados. Não exatamente usando o histórico de eleições anteriores. Essa eleição foi eivada de novidades. Há várias e irei apenas sintetizar algumas, sem pretensão de aprofundar cada uma delas.

Antes cabe notar o seguinte: as eleições estaduais de 2018 devem ser analisadas caso a caso.  Mesmo com todas as novidades destas eleições, as dinâmicas não foram idênticas em todos os estados da federação. Em parte dos estados brasileiros houve uma dinâmica “normal”, que encontra paralelo com eleições anteriores e atores políticos tradicionais em disputa.

Porém, no caso particular do Rio, as novidades ajudam a explicar sim. Decerto o menor tempo de campanha, conforme já disse publicamente em inúmeras oportunidades, foi uma questão importante nestas eleições. Neste sentido, o menor tempo de divulgação e contraste entre as propostas disponíveis no mercado político, em um cenário de crise generalizada, deu brecha para ações singulares como o uso intensivo de redes sociais enquanto via de propagação de “marcas políticas”. Por marcas políticas estou chamando as chapas propriamente nas eleições majoritárias. Nesse caldo as “fake news”, e a justiça eleitoral sofrendo da mais franca incompetência técnica no combate às mesmas, produziram uma deterioração pronunciada da opinião pública em proporções tão profundas que a erosão talvez só possa ser devidamente dirimida com o passar dos próximos anos.

Houve também a demanda pela novidade, pela mudança, o que permitiu que outsiders tivessem êxito. Nestes termos, Witzel, não desconsiderando seus méritos, que ainda estão para serem conhecidos na gestão da máquina pública, encontrou um cenário francamente favorável. Eduardo Paes teve sua experiência e proximidade profissional com o poder, dadas as particularidades dessas eleições, contando negativamente. O eleitorado viu em Witzel “o novo”.

Junto a isso, “o novo” dialogou ironicamente com os setores tradicionais sem qualquer pudor. Crivella foi um apoio importante, angariando o voto dos setores cristãos reacionários. Aliado a isso, a tentativa de simbiose da campanha de Witzel com a do clã Bolsonaro igualmente atraiu eleitores.

Como se não bastasse, a contundência discursiva de Witzel funcionou para o eleitor fluminense como canto de sereia. A solução de questões de segurança pública que dialogam diretamente com o senso comum do cidadão mediano, permitindo uma polícia com licença para matar, se apresentou como um mote extremamente eficiente. Cabe sempre lembrar que estamos ainda no estado que vivencia uma intervenção federal prolongada expressa na presença do exército na capital. Tudo isso a despeito das seqüelas geradas e da evidente ineficiência em solucionar a violência urbana que se propôs.

As particularidades da conjuntura do Rio explicam. Inclusive a baixa eficácia dos prefeitos do interior em angariar votos para Eduardo Paes. Este expediente era algo que faria sentido em outros momentos da história eleitoral. Mas, não nesse. Tudo foi muito sui generis.

domingo, 1 de abril de 2018

Documentário: "Nossos mortos têm voz"

'Nossos mortos Têm Voz' é um grito pela vida - Créditos: Foto: Divulgação
O documentário ‘Nossos Mortos Têm Voz’, lançado no ultimo dia 27 no Cine Odeon, no centro do Rio de Janeiro, resgata a história da chacina cometida por policiais nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na baixada fluminense. O episódio, que completa 13 anos neste mês, deixou 29 mortos.

Um dos diretores do documentário que foi produzido pela Quiprocó Filmes, Fernando Sousa, destaca a urgência do tema da violência do Estado ser amplamente debatido, principalmente após os casos envolvendo a vereadora Marielle Franco, do PSOL, as chacinas na favela da Rocinha e no município de Maricá. Sousa ressalta que a violência na Baixada Fluminense tem peculiaridades. 

"A violência de Estado na Baixada Fluminense ganha uma configuração específica, na medida em que grupos de extermínio e esquadrões da morte se articulam com as diferentes instâncias dos poderes públicos locais, como o Legislativo, Executivo e o Judiciário. A gente parte da chacina na Baixada para abordar outros casos de violência de Estado na região, como casos de desaparecimentos forçados na Baixada," afirma.

O processo de produção do filme durou cerca de um ano. O diretor relata que o documentário é um grito pela vida e teve como principal desafio a abordagem do tema da violência do Estado com as famílias atingidas.

"Ao longo do processo de produção nós realizamos contato com 6 famílias e entrevistamos 6 mães. Foi um processo duro para todas as mães envolvidas, tratar deste assunto é sempre mexer numa ferida que não cicatriza. A dor e o sofrimento ficam muito marcados para a gente, porque parece que vão permanecer para sempre nessas mães. Foi um trabalho desafiante neste sentido, de uma responsabilidade muito grande de como deveríamos abordar esses casos", conta Sousa.

O documentário ‘Nossos Mortos Têm Voz’ contou com o apoio do Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, o Fórum Grita Baixada e a Miserior. O filme não está no circuito comercial, a agenda de exibição  pode ser conferida na página do Facebook ‘Nossos Mortos Têm Voz’. Uma estreia oficial da produção acontecerá na Baixada Fluminense.

Fonte: Brasil de Fato.

Acesso: https://www.brasildefato.com.br/2018/03/29/documentario-narra-a-historia-das-vidas-interrompidas-pela-violencia-do-estado/

quinta-feira, 15 de março de 2018

Marielle Franco, presente!



Marielle Franco, presente!


Por Paulo Sérgio Ribeiro


Não há como passar incólume pelo assassinato da colega Marielle Franco e de Anderson Pedro Gomes, motorista da vereadora (PSOL-RJ), ocorrido ontem na capital fluminense. Os colaboradores deste blog manifestam pesar e prestam solidariedade às suas famílias. Emprego “colega” aqui respeitosamente, já que Marielle era socióloga, tendo se graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e, em seguida, tornado-se mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). A última credencial acadêmica fora obtida com a defesa da dissertação “UPP: a redução da favela a três letras”, título mais do que emblemático dos temas e problemas que moviam a sua militância a partir de uma realidade estruturada pela violação sistemática de direitos.

Deveras, a inevitável comoção diante do fato não deve balizar a investigação criminal. Espera-se que esta ocorra com sobriedade para a elucidação do crime. Todavia, essa moderação não se confunde com uma pretensa “isenção de ânimo” em face dessa brutalidade, pois, a despeito de quem seja a provável autoria do crime – que reúne elementos típicos de uma execução – calou-se uma voz que, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, amplificava o grito insubmisso de segmentos populares e de minorias submetidos a toda sorte de arbítrio chancelada pela promiscuidade entre o aparelho de Estado e os agentes da criminalidade violenta.

Sua agenda política movimentada e polifônica era um exercício de poder constituinte: a refundação da vida em comum pelas iniciativas de indivíduos e grupos com os quais mantinha uma interlocução permanente em sua vereança; mulheres e homens periféricos que, através do seu mandato, reabilitavam sua capacidade de ação coletiva ao invés de serem capturados pela burocracia do estado como seres anônimos e atomizados para fins de estatística. É cedo para afirmarmos que o assassinato de Marielle Franco foi ou não um crime político na acepção convencional do termo. Mas, sem dúvida, foi uma violência contra a política, se entendida como um poder radicado na liberdade do cidadão comum de praticar a desobediência civil e não no seu controle sob a forma de um cordão sanitário entre o asfalto e o morro que, de tempos em tempos, reduz as bases da convivência ao silêncio cínico diante do terror institucionalizado.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Intervenção para quem precisa

Intervenção para quem precisa*

George Gomes Coutinho **

Os dias imediatamente após as comemorações carnavalescas trouxeram para a população brasileira em geral, e a fluminense em particular, o inusitado. No dia 16/02 o anúncio intempestivo de uma Intervenção Federal pegou muita gente de calças curtas. Desconfio que até mesmo os policy makers fluminenses se viram em igual condição.

Afinal, que cazzo quer o Governo Federal na atual conjuntura? A medida foi recebida com críticas e ceticismo por uma enorme gama de pesquisadores. Cabe ressaltar o ineditismo da situação: nunca antes na História do Brasil redemocratizado assistimos algo assim. Não se trata, portanto,  de medida insignificante. É dotada de inegável excepcionalidade e implica o reconhecimento de que algo vai muito mal com as nossas instituições, a despeito da cantilena que apregoa o oposto desde 2016. Isso não desconsiderando a medida ser respaldada pela Constituição Federal de 1988. Para além disso, por qual razão seria o Rio o objeto da Intervenção? Justamente o estado da federação que não se encontra na pior situação em termos de violência urbana, não obstante a reconhecida tragicidade de sua condição estrutural.

Ainda, cabe perguntarmos se era esse o encaminhamento mais adequado, afinal a intervenção retira a autonomia decisória do estado no que tange a segurança pública. Isso é grave. Está se afirmando que o estado tornou-se incapaz de gerir este setor. Mas, seria só esse? É falta de expertise mesmo? A segurança pública é o maior e mais grave problema do Rio de Janeiro nesse momento? Oras, e as outras áreas fundamentais de atendimento da população? O problema é de gestão ou seriam opções suicidas de contigenciamento orçamentário que provocaram o atual cenário? No rastro das perguntas inconvenientes: como estabelecem um prazo, um limite temporal para a intervenção, sem terem delimitado objetivos claros?

Muitas dúvidas diante de tema tão espinhoso. E uma única certeza para o momento. A mudança de pauta na opinião pública. A segurança pública do Rio tornou-se, mais uma vez, o “assunto do momento” em ano eleitoral. Conseguiram o intento após a Reforma Previdenciária ter subido no telhado. A jogada é maquiavélica se foi para mera mudança de direcionamento dos holofotes.

* Texto publicado em 24 de fevereiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES

INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES*

José Luis Vianna da Cruz**

Fatos

O Governo Federal intervém, apoiado na Constituição, na Área de Segurança do Estado do Rio, até 31 de dezembro deste ano, por suposta perda de controle do governo estadual sobre a violência. Um General vai comandar as ações das Polícias Militar e Civil, dos presídios, da área de inteligência, dos bombeiros. Vai reportar diretamente ao Presidente da República.

Com a intervenção, fica proibido alterar a Constituição. A Reforma da Previdência, considerada “questão de honra” para o Governo, as elites, a grande mídia, o Judiciário, o MP e o Mercado, não poderá ser realizada nesse período, pois implica em mudanças na Constituição, como bem lembra a reportagem da BBC sobre o assunto (http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43088935).

Dúvidas, questões e apreensões

O Exército já está, desde o ano passado, autorizado por Decreto do Presidente, a atuar na segurança do Rio de Janeiro. Sua atuação não resolveu nada.

O Rio não é o único nem o pior estado do país na questão da violência. Segundo o 11º Anuário de Segurança Púbica, do Forum de Segurança Pública, divulgado no site da revista EXAME, em 4 de novembro de 2017, o Rio é o 10º colocado em crimes violentos do Brasil (https://exame.abril.com.br/brasil/os-estados-mais-violentos-do-brasil-3/).

A presença de tropas, somente, não resolve a questão estrutural da violência, de forma profunda e por um longo prazo. Ocupação permanente? Como bem lembrou o sociólogo Renato Lima, do Fórum de Segurança Pública, com a proibição de mexer na Constituição provocada pela Intervenção, não será possível enfrentar as questões estruturais e as mudanças que podem garantir uma melhoria profunda e de longo prazo, tais como a natureza, as estruturas e as funções das polícias, dentre outras questões de fundo. Que efetividade é possível alcançar com esta medida?

Se vai ser feito “mais do mesmo”,o que já demonstrou não ser eficaz; se isso vai ser feito no décimo estado em gravidade da violência, qual a perspectiva de solução?

A Intervenção militar não foi precedida de nenhum estudo, estratégia, proposta ou projeto de enfrentamento da questão da violência. Se ela está em níveis insuportáveis em todo o país não seria um caso de ataca-la com políticas públicas, e não com violência?

Não podendo mexer na Constituição, até o final do ano, para que serve a intervenção? Especula-se que seria para encontrar uma desculpa para o Congresso e o Governo Temer escaparem da realização da Reforma da Previdência, cuja rejeição pode ameaçar as eleições dos membros do Congresso e do Governo.


Como ficam as eleições?Analisando-se politicamente, com tanta água a rolar por debaixo da ponte após a intervenção, quem pode garantir que serão realizadas? Lembremos que o Exército vai atuar também na questão dos imigrantes venezuelanos. Será um ensaio para um projeto de um golpe civil-jurídico-político-militar? Se a conjuntura caminhar para uma reação ativa da sociedade, dos movimentos e organizações populares, contra o Governo e suas medidas antidemocráticas e antipopulares, e as pesquisas mostrarem que os candidatos dos golpistas tendem a não se eleger e os candidatos contrários a esse Estado de Exceção e a favor do retorno e ampliação dos direitos e da democracia, tendem a ser bem votados em número e representatividade, para o Congresso e o Executivo, vai haver eleições em 2018? Será isso o que explica, em última instância, a Intervenção?

* Artigo publicado originalmente no jornal Terceira Via em 18 de fevereiro de 2018. O texto foi cedido gentilmente pelo autor para ser republicado por nós aqui no Autopoiese e Virtu.

** Cientista Social, Doutor em Planejamento Urbano e Regional.