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quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Reflexão em Dia de Finados - Adelia Miglievich

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Reflexão em Dia de Finados**

Adelia Miglievich***

Há os que creem que humanos nascem, morrem, viram adubo. Nos que ficam sua história servirá de inspiração, terão com os que vieram antes muito aprendido, quem sabe o mundo não mais será o mesmo porque teve no que partiu boa razão para se transformar. No tempo de "seres vivos" terão aumentado também a espécie humana com seus descendentes e/ou terão deixado um legado para nós que nos poupa de partirmos do zero. Existiram e fizeram a diferença (não quero aqui pensar naqueles cujo legado foi a morte e destruição). Muitos deles foram justos e promoveram, aqui, outras existências.

Há os que creem que somos mais do q matéria e nossas costelas que viram pó. Algo como que todos traziam em si uma alma que nada tem a ver com o tempo de duração do corpo de forma que ela sobrevive.

Uns pensam q essa alma em virtude de sua  beleza possa se assemelhar ao Amor Absoluto (Deus) em um universo paralelo e para esse fim seguirá. Mas, que nem mil vidas teriam bastado parra tal encontro pois, no final das contas, apenas por misericórdia divina teremos sido capazes de sermos acolhidos na Luz.

Ou a alma ficará eternamente presa ao caos que criou quando ainda amalgamada à matéria, atormentada como se estivesse no "inferno".

Disso também outra crença deriva, a de que o Filho do Amor vivendo entre nós deixou um roteiro a ser seguido, mesmo contrariando a natureza humana. Ou que há outros guias espirituais.

Também há os que creem q não há condenação de almas. Elas novamente se encarnam. E, quem sabe, em um tempo improvável, aprenderão a amar de modo que, nesse caso, não terá bastado uma vida para que, depois da passagem, consigam acostumar seus olhos (da alma) a uma claridade que jamais viram com os olhos humanos. Estarão prontas para ser luz.

Há os que tentam não pensar nisso posto que é Mistério. Não dizem se creem ou descreem. O problema é se crer no encontro com Deus é requisito para isso acontecer. Mas, o q importa é que os que se foram lhes ensinaram valores básicos para ser resistência ética no mundo, agora. E eles são.

Na verdade, somos nossas escolhas.

* Foto do famoso portal do cemitério da cidade de Paraibuna, SP. O portal correu mundo por ter batizado o célebre documentário do cineasta Marcelo Masagão intitulado justamente "Nós que aqui estamos, por vós esperamos". O documentário foi premiado no festival de Gramado em 1999, ano de seu lançamento. Link da imagem original: https://www.band.uol.com.br/band-vale/noticias/frase-famosa-de-cemiterio-de-paraibuna-inspira-roteiro-turistico-16529483, acesso em 02/11/2023. 

** Publicado originalmente no perfil do Facebook da autora (https://www.facebook.com/adelia.miglievich. Reproduzimos aqui com a autorização de Adelia.

*** Adelia Maria Miglievich Ribeiro é professora associada no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo, UFES. É autora, além de dezenas de artigos publicados no Brasil e no exterior, do livro "Heloisa Alberto Torres e Marina de Vasconcelos: pioneiras na formação das ciências sociais no Rio Janeiro" lançado pela Edufrj em 2015.

sábado, 16 de dezembro de 2017

Perigos da percepção

Perigos da percepção*

George Gomes Coutinho **

Desde Adam Smith, o fundamental economista escocês do século XVIII, os liberais mais conscientes jamais tiveram uma relação religiosa e dogmática com a “mão invisível”. Sabem que a tal “mão” do mercado não funciona enquanto entidade onipresente, onisciente e onipotente substituindo o Deus judaico-cristão. Há uma série de condições para que a racionalidade dos agentes tenha a possibilidade real de fazer intervenções de qualidade e que o mercado se auto-organize. Um destes elementos fundamentais envolve as informações que o sujeito detém ou não em uma transação. De outro modo as decisões humanas poderiam se contentar com conselhos de cartomantes, leitura da borra de café e outros métodos divinatórios.

Neste espírito é muitíssimo bem-vinda a pesquisa “Perils os Perception” (Perigos da Percepção) do Instituto Ipsos Moris divulgada na última semana. A pesquisa, realizada em 38 países centrais e “em desenvolvimento”, tenta mensurar a qualidade da percepção dos cidadãos comuns ante o real. Em outras edições a pesquisa tentou construir um “índice de ignorância” e agora optou-se pelo eufemismo “percepção distorcida”. Em suma, a pesquisa averigua o quanto o sujeito sabe de fato sobre os problemas e questões do seu país. O Brasil, dentre os 38, ficou no “vice-campeonato” dos que menos detém informações de qualidade sobre a realidade em que vivem. O primeiro lugar ficou com a África do Sul.

Este é mais um dos muitos alertas amarelos para o ano eleitoral de 2018. Afinal, o sistema de competição eleitoral, que mantém funcionamento análogo aos mercados, se pauta pela escolha dos eleitores diante de um leque de opções pré-determinado de candidatos e siglas. Tal como no mercado, sem informações de qualidade o eleitor tende a fazer escolhas “subótimas”. O problema é que os responsáveis por esse quadro de desinformação generalizada são muitos. Mídia impressa e televisiva, mercado, Estado e a própria sociedade. Como não é possível reverter a posição no “ranking da ignorância” no curto prazo, as agências e profissionais de “checagem de fatos” serão fundamentais para mitigar um cenário que já será bastante perverso. Afinal, não será raro votarem no que “acham que é”, embora de fato não o seja.

* Texto publicado em 16 de dezembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes, RJ.