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sexta-feira, 22 de maio de 2020

ENTRE DOMINGOS JORGE VELHO E JOÃO FIGUEIREDO: a luta entre os conservadorismos no governo Bolsonaro


ENTRE DOMINGOS JORGE VELHO E JOÃO FIGUEIREDO: a luta entre os conservadorismos no governo Bolsonaro[1]
Christian Edward Cyril Lynch[2]

1.    A trégua ou transição do modelo fascista/reacionário de governo para o de um regime militar aguado, proposto pelos generais e pelo centrão nos últimos dias para a sua sobrevivência ("conservadorismo estatista"), não será aceito sem resistência do bolsolavismo e do gabinete do ódio, que forma a sua ala radical ("conservadorismo culturalista").

2.    As duas alas são em tese perfeitamente compatíveis, e sempre o estiveram em regimes conservadores na história brasileira, como o "saquaremismo" do começo do reinado de dom Pedro II, o Estado Novo e o Regime Militar. Mas a acomodação sempre supôs a subordinação do "culturalismo" ao "estatismo". Tristão de Ataíde não prevaleceu sobre Oliveira Vianna, nem Gustavo Corção sobre Golbery...
3.    Mas nunca houve, como hoje, um "culturalismo" tão reacionário e virulento, a ponto de ser revolucionário. Ele tem dado o tom central do Bolsonarismo, com sua utopia regressiva de volta ao século 17, pleiteando essa liberdade "colonial" ou "bandeirante" marcada pela ausência de limites sociais, pelo direito de mentir, de matar, de oprimir minorias, de depredar a natureza, de negar conquistas do Iluminismo e até do humanismo renascentista. Bolsonaro é simbolicamente um Domingos Jorge Velho no poder, ou seja, o sertanista bandeirante cujas milícias foram contratadas pelos senhores de engenho para arrasar Palmares. Com a diferença de que, na modernidade, eles se apresentam com tintas integralistas, e por isso parecem fascistas.
4.    Esse conservadorismo culturalista para quem a "liberdade americana" é o direito que o patriarca branco, hétero, tem de fazer o que bem entender contra as minorias e contra a regulação do Estado, choca-se com o conservadorismo estatista que exige a ordenação do caos socioeconômico pela agência racionalizadora de um Estado forte. O marquês do Pombal vem exatamente para acabar com o primado dos Domingos Jorge Velhos, criar uma nacionalidade ordenada em meio a uma sociedade percebida como anárquica torno do eixo do Estado. É um discurso que permeia o que vem sendo veiculado pelo comandante Pujol e pelo vice Mourão.
5.    A pacificação do governo, para os conservadores estatistas, passa por sua normalização, subordinando o espírito bandeirante/integralista (culturalista) à tradição imperial/estadonovista (estatista). Isso impõe transformar Bolsonaro numa espécie de Figueiredo, em um governo de retórica autoritária, mas desmobilizada em termos de população, ou despolitizado, em nome da "união nacional".
6.    Mas o "coração" do Bolsonarismo, porém, é o radicalismo culturalista, orientado pelo ideal colonial bandeirante de liberdade como predação e destruição, baseado na mobilização e na polarização permanente. O pessoal ligado ao Olavo sabe que a tradição no Brasil tem sido essa, de subordinação do culturalismo ao estatismo, e por isso não está disposta a entregar a rapadura tão facilmente dessa vez. Então nenhuma acomodação será possível, nos termos no passado.
Concluindo, a chance de que a corda acabe rompendo não é nada desprezível. E isso pode pesar em um eventual futuro abandono de Bolsonaro pelos militares, como um fardo demasiado grande para carregar. Afinal, o vice é o general Mourão. Por isso, os culturalistas elevam sempre os custos de ruptura, e atacam os generais com o populismo de que não dispunham nas outras ocasiões.


[1] Texto republicado com autorização do autor. Post originalmente publicado em: https://www.facebook.com/christian.lynch.5/posts/10219651084480032

[2] Professor da grande área de Ciência Política no IESP/UERJ. É autor de “Monarquia sem despotismo e liberdade sem anarquia” publicado pela editora da UFMG, “Wanderley Guilherme dos Santos: a imaginação política brasileira - cinco ensaios de história intelectual”  publicado pela Revan, dentre outras obras, coletâneas e inúmeros artigos nos campos do Pensamento Político Brasileiro, Teoria Política e História das Ideias Políticas.



segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Oportunismo de caserna

Oportunismo de caserna*

George Gomes Coutinho **

Mais uma de nossas assombrações históricas resolveu dar as caras. Reencarnada na fala de um general do exército em palestra que ocorreu em uma loja maçônica, local dos mais apropriados para aparições fantasmáticas, a intervenção militar nos avisou que não morreu.

Não se trata de novidade. Aqui estamos falando de reaparições históricas. Militares, moralistas atemporais e o lado insurrecional das esquerdas propõem, de tempos em tempos, a interrupção da ordem institucional como solução de curto prazo a nos redimir. Podemos sintetizar o drama no jargão “estamos contra tudo o que está aí”. Então, em um passe de mágica onde as metáforas de higienização são utilizadas aos borbotões, reiniciamos a História e a sociedade mediante a “limpeza” acurada e sem tréguas de nossas instituições. Parte do judiciário de hoje aparentemente confessa a mesma fé.

 Voltemos ao general e seu discurso.  Ele colocou os seguintes termos: caso o judiciário não conclua sua assepsia de forma eficiente (eficiente para quem ou para o que?) a solução militar não deve ser descartada enquanto opção de ação. Decerto contou com aplausos de diversos setores da sociedade. Mais ainda, algo que considero patológico, o general obteve a devida condescendência do alto comando do exército. Trata-se de chantagem grave e me causa espécie a forma branda com que esta fala foi recepcionada pelo governo Temer até agora.

Este episódio diz muito sobre nós e nossos exorcismos incompletos. É conseqüência de um processo de anistia mal ajambrado que tornou a ditadura civil-militar uma gestalt aberta. Somos dos poucos países latino-americanos que não levaram adiante a punição dos crimes praticados pelos agentes de Estado no período. Sem punição, investigação e congêneres consideramos tacitamente que estes atos não seriam sequer crimes. Aqui está o problema. Na miopia conservadora há instituições ou grupos da sociedade “santificados”, vide as próprias Forças Armadas cujos agentes teriam sido recrutados em outra galáxia e por isso seriam incapazes de praticar essas coisas vulgares de corrupção. Este pensamento distorcido e idiota só alimenta o oportunismo de caserna que ressurge sempre que julga conveniente.    

* Texto publicado em 23 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 30 de julho de 2017

Bipolaridade redistributiva

Bipolaridade redistributiva*

George Gomes Coutinho **

No último número da revista Novos Estudos CEBRAP, publicada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento em junho deste ano, um artigo me instigou. “O Brasil tornou-se mais conservador?” foi o provocativo título e não é pouca coisa na desnorteante conjuntura brasileira.

O artigo foi escrito por Marta Arretche, professora de ciência política na USP cuja carreira é direcionada desde o início da década de 1990 por análises de políticas públicas, e por Victor Araújo, doutorando e orientando de Arretche no Programa de Pós-Graduação em Ciência da USP. Não irei entrar nos meandros metodológicos que os autores adotaram. Por enquanto basta que o(a) leitor(a) saiba que a dupla se utilizou de dados coletados em diferentes momentos entre 2008 e 2014 para tentar responder a pergunta do título do artigo.

Mas, antes de prosseguir, Arretche e Araújo definem o conservadorismo tomando como referência o Estado e sua atuação. Em outros termos: conservadora seria a perspectiva que defende uma atuação distanciada do Estado na intervenção em questões sociais, como, por exemplo, na redução das disparidades sociais.

A resposta para a pergunta sobre o aumento de nosso conservadorismo, mesmo que ainda inconclusiva por necessitar de outras pesquisas e abordagens, é sim. Há um pequeno aumento de nosso conservadorismo espantosamente entre as camadas mais pobres. Porém o aumento desta preferência conservadora não é dramático e não modifica de forma substantiva a preferência majoritária nas diferentes classes sociais por um Estado interventor no enfrentamento das nossas desigualdades.

Contudo, há algo que causa perplexidade e deve ser considerado com seriedade tanto por agentes políticos tradicionais quanto pelos analistas. Não obstante a preferência progressista sobre a atuação do Estado, apresenta-se o rechaço na maioria da população quanto a uma maior taxação enquanto fonte para financiar a atuação do mesmo Estado. É bipolar! A maioria deseja uma sociedade menos desigual. Todavia, sem fontes que financiem esse projeto coletivo. Não por acaso os discursos gerenciais fazem tanto sucesso com o eleitorado neste momento.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 29 de julho de 2017.


*Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes