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domingo, 2 de julho de 2023

Mídia brasileira: tragédia e farsa em um blockbuster hollywoodiano

 Por Jefferson Nascimento*

              (Foto: Shutterstock)

Hoje, 02 de julho, uma das manchetes em destaque no portal Globo.com recebeu o título “Com intensa agenda internacional, Lula recupera espaço do país na política externa, mas patina sobre a guerra na Ucrânia, avaliam especialistas[i]. Essa matéria não é isolada, chama a atenção o ativismo da imprensa nacional em relação ao conflito na Ucrânia com um viés convergente com a posição dos Estados Unidos. Ao ler a matéria, qual não é a surpresa: apenas um dos especialistas falou sobre a guerra, o ex-diplomata Paulo Roberto de Almeida, que se tornou diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri) no governo Temer e foi exonerado no governo Bolsonaro.  Almeida, em entrevista ao canal MyNews em 2021, comentou a demissão de Ernesto Araújo e justificou o anonimato dos diplomatas na carta de repúdio à Araújo pelo risco de represálias que atrapalhariam a carreira no Itamaraty, ilustrando com exemplos pessoais: teria sido censurado em “governos tucanos” e colocado nas “escadas e corredores nos tempos lulo-petistas”. O mesmo diplomata, apesar de ter sido demitido na gestão Bolsonaro e ter se tornado crítico à Ernesto Araújo e Olavo de Carvalho, participou de eventos do Brasil Paralelo, como o Webinário 2018 Brasil e é autor do livro O Homem que pensou o Brasil: trajetória intelectual de Roberto Campos[ii]. Como se vê, uma escolha a dedo para manter o viés pró-Estados Unidos. O ex-diplomata faz afirmações como: “O que Lula está fazendo é absolutamente inócuo, ninguém apoiou esse clube da paz [...]” e “A gente vê o antiamericanismo da velha esquerda [...]”. Pela volta do tema à tona, resgato um texto de minha autoria publicado no Jornal A Vanguarda. O texto resgata fatos e reflete sobre causas do conflito, saindo desse simplismo de forjar um único agressor para encaixar na máxima reverberada por Almeida de que “quando você tem um agressor, o dever de todos os estados membros é vir em socorro e apoio à parte agredida”.[iii] Segue o texto.

Uma polêmica tomou conta dos noticiários: a posição de Lula em afirmar que a Rússia não era a única responsável pelo conflito. O foco foi a frase: “Decisão da guerra foi tomada por dois países”. Não pretendo defender Lula. Meu ponto é direto: problematizar a militância da imprensa na posição pró-EUA omitindo fatos e acontecimentos indispensáveis para compreensão do conflito. O ápice foi um veículo de comunicação dar status de escândalo a uma fake news iniciada por um secretário do governo estadual paulista afirmando que a estatal ucraniana Antonov, mesmo em crise financeira, faria investimentos de US$ 50 bilhões no estado de São Paulo, cancelados após a posição de Lula sobre a guerra. A empresa desmentiu e negou ter representantes no Brasil. A emissora se defendeu dizendo que era necessário “apurar”, pois “a reunião existiu”. Ora, não sei o que é mais grave: um secretário de governo mentir ou ser incapaz de checar com uma empresa a identidade de seus representantes. Sobre a reincidente emissora, não é preciso novos comentários.

Essa militância obstinada nega fatos que ultrapassam e antecedem qualquer fala de Lula ou posição do Ministério das Relações Exteriores. Sendo direto: afirmar que EUA e União Europeia, por meio da OTAN, e a Ucrânia têm parcela de responsabilidade na guerra não retira a responsabilidade russa e nem torna Putin um herói. Diferente de filmes e novelas, a realidade é multifacetada.

Esse adendo fiz em fevereiro de 2022 no texto “Rússia, Ucrânia e OTAN: a história sempre importa”[iv]. O texto sintetiza fatos públicos não sendo um “furo”. Na apresentação afirmei: “Elencar os fatos recentes decisivos para esse conflito não é o mesmo que identificar um ‘mocinho’ nesse trágico evento” e concluí:

[...] ainda que o imperialismo russo mova Putin a reconhecer a soberania das províncias rebeldes pró-Rússia e a avançar militarmente sobre o vizinho, não se pode ocultar que o outro imperialismo avançou militarmente ali e progride em todo mundo, seja pela força das armas ou pela desestabilização interna de países considerados estratégicos. A condenação à invasão russa na Ucrânia não pode ser feita sem considerar a ação da outra potência que, vez ou outra, culmina num humorista ou num boçal submisso na presidência dessas áreas de interesse.

Veja que depois de fevereiro de 2022 sanções, envios de armas e outras ações envolveram ainda mais a OTAN, EUA e a UE. A Primeira Guerra Mundial já mostrou que não se resolve um conflito complexo escolhendo bodes expiatórios. Ademais, a reunião com o ministro russo Sergey Lavrov terminou com o Brasil defendendo o fim imediato da guerra e a Rússia pedindo um acordo que "resolva de forma duradoura o conflito". Posições diferentes, não é?

É preciso reconhecer que a polêmica é facilitada pela comunicação catastrófica do governo brasileiro. Em diversos momentos, Lula e os ministros falam sem uma articulação com a equipe de comunicação caindo em armadilhas, muitas vezes, por falta de clareza e objetividade.

No entanto, a posição dura dos EUA não é gratuita. Desde a Lava Jato, o Brasil foi colocado novamente numa posição frágil submisso aos interesses de Washington. A posição de Biden em reconhecer Lula desde o primeiro momento também não viria de graça. Cabe ao Brasil comunicar melhor suas posições. O chanceler Mauro Vieira faz, Lula insiste em falar dentro e fora do país como se estivesse em 2003.

A conjuntura mudou e vários países passaram por desestabilização política desde fora, sob formas diversas de golpes (lawfare, revoluções coloridas, revoltas supostamente populares e outros) e em seus lugares governos alinhados aos interesses estadunidenses, destacados pela fragilidade ou autoritarismo, tocaram um processo antipolítico, antipovo, antinacional sob a aparência da representatividade exaltada na democracia liberal. Prática que deu notoriedade a figuras reles como Juán Guaidó na Venezuela e influenciou manifestações até em Cuba em 2021. Retomo outra passagem de 2022:

Zelensky também negociou com Trump quando o ex-presidente dos EUA queria a investigação de Hunter Biden e sua empresa Burisma, sediada na Ucrânia. A investigação ganhou oposição do Conselho de Segurança Nacional dos Estados Unidos. Segunda consta, Alexander Vindman, membro do conselho especialista em Ucrânia, teria alertado para o risco de a investigação ser considerada “jogada partidária”. Vindman justificou “Sou patriota, é meu dever sagrado e minha honra defender o país”.

É isso mesmo: um membro do Conselho de Segurança, nomeado por Trump, não considerou adequada essa investigação para “defender o país”. Afinal, de Obama à Trump, passando por McCain e Biden, a Ucrânia é um projeto de Estado e o apoio dos Estados Unidos à chamada Revolução Maidan não é um empenho no combate à corrupção e muito menos uma ode à soberania nacional. O ano era 2014 e esse apoio não estava fora do contexto da Primavera Árabe e nem das think tanks que se projetaram no Brasil durante e após as Jornadas de Julho.

Após a desestabilização política, o roteiro incluiu líderes que desacreditassem as chamadas instituições democráticas e as colocasse à serviço do entreguismo e do ataque ao povo e seus direitos – Zelensky, Bolsonaro e projetos malsucedidos como Guaidó e Sérgio Moro se encontram nesse pastelão. A degeneração do caráter representativo para uma explícita concertação para o lobby de interesses alheios aos populares têm sido o mote desde a Primavera Árabe.  É nesse contexto e desse lugar que a imprensa brasileira faz essa celeuma sobre declarações que destaquem o caráter multifacetado da guerra em vez de uma farsa hollywoodiana com vilões e mocinhos.


Jefferson Nascimento é Doutor em Ciência Política, Professor do IFSP - Campus Sertãozinho, membro do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA).

[ii] Roberto Campos, que era apelidado de Bob Fields pelo seu norteamericanismo, foi se alinhando ao neoliberalismo ao longo dos anos 1970 e 1980, inclusive defendendo entusiasticamente as políticas de Margareth Thatcher. O livro de Almeida é uma ode a Campos, que foi ministro do Planejamento na gestão Castelo Branco, durante a Ditadura Militar, e cujo neto é o atual presidente do Banco Central, nomeado na gestão Bolsonaro. O próprio Almeida ingressou no Itamaraty durante a Ditadura, em 1977.

[iii] As frases atribuídas à Paulo Roberto de Almeida constam na matéria do Globo.com citada no início do parágrafo e acessível pelo link disponível na primeira nota.

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Um convite para sairmos dos clichês sobre educação superior – diálogo com o editorial “Idiotia Útil” do jornal Folha de São Paulo


Um convite para sairmos dos clichês sobre educação superior –  diálogo com o editorial “Idiotia Útil” do jornal Folha de São Paulo


George Gomes Coutinho


O editorial publicado na última sexta-feira na Folha de São Paulo intitulado “Idiotia Inútil”[1], apresentou uma breve análise sobre os descaminhos da tensa relação estabelecida entre o governo Jair Bolsonaro e os grupos sociais que se engajam no enfrentamento dos gargalos da educação brasileira em seus diferentes níveis é, no mínimo, oportuno. Afinal, o que está posto não é de pouca monta. Podemos dizer sem maiores dificuldades que escamoteado sob o eufemismo “contingenciamento” se oculta um projeto bárbaro, uma demonstração brutal de força ao mesmo tempo metódica, sistemática e destruidora contra um outro projeto concorrente consensual em termos de tema e difuso em objetivos e metas onde não se vislumbra um Brasil do século XXI sem pesados investimentos nas instituições e estabelecimentos de ensino público, englobando de universidades até as creches.

Não custa lembrar, tal como um mantra, que o nosso século é o século do conhecimento. Não investir em educação, o que envolve estimular a solução criativa, analítica e cotidiana de problemas, simplesmente implica na opção em não preparar enormes contingentes da população para os desafios já presentes no mercado de trabalho e na sociedade. É curioso que se reapresente uma opção histórica persistente de parte da sociedade brasileira que reedita o desumano processo de encerramento da escravidão formal no Brasil do século XIX: desescravizem os cativos sem crédito, sem terra, sem educação formal. Que se virem. As consequências foram e são trágicas como bem sabemos dado este que é um dos mais cruéis passivos sociais do mundo ocidental. Da mesma maneira no Brasil contemporâneo o trabalho manual de baixa qualificação e subalterno é igualmente abolido de maneira gradual, o que permitiria uma outra desescravização do trabalho monocórdico. Todavia, me parece que parte das elites econômicas e sociais brasileiras não assimilaram suficientemente os aprendizados oriundos de 1888. E, claro, decorar a fórmula da água ou tabuada é insuficiente perante os desafios que os desalentados enfrentam/enfrentarão.

Retomando a arquitetura da destruição que subjaz ao que vivenciamos na atual conjuntura, as razões do pesado investimento libidinal por parte do governo e de setores da sociedade brasileira contra as instituições de ensino são diversas e mapeáveis. Há uma miríade de humores. Desde a espantosa idolatria de um determinado grupo da sociedade a um senhor que se autoproclama “filósofo”, e é simplesmente ignorado pelo circuito da filosofia profissional brasileira, até os ultraliberais que defendem a privatização selvagem de todas as instituições e estabelecimentos de ensino. Estes últimos esquecem que no caso do ensino superior as opções fornecidas pelo mercado já existem e dadas as configurações de trabalho prediletas do patronato nativo, onde devemos optar entre direitos ou algum salário, os mesmos simplesmente contribuem de maneira francamente minoritária com a produção de conhecimento. Se hoje somos o 13º lugar mundial na produção científica disponível em artigos segundo a empresa norte-americana Science-Metrix[2], isto se deu com contribuição modesta do empresariado do ensino superior, o que inclui a irmã do atual Ministro da Economia, o senhor Paulo Guedes.

Sem dúvida o editorial da Folha é contribuição relevante ao suscitar questões e reflexões para este debate complexo. Contudo esbarra no mimetismo, no constrangedor senso comum mais preguiçoso acerca do que deve ser o ensino superior avançado brasileiro ante os desafios de nosso século. O desfecho do editorial é particularmente desastroso. Uma das questões curiosas: o que significa “excesso de politização”? Seria possível citar dentre as melhores instituições universitárias ao redor do mundo as que teriam a régua, a justa medida da “politização suficiente”, dado que toda e qualquer universidade digna desse status necessita discutir as grandes questões da sociedade tanto quanto uma planta precisa de água?

Talvez as instituições no capitalismo desenvolvido padeçam de “excesso de politização” ao receber rotineiramente ativistas, políticos e afins para conferências, homenagens, etc.. A acusação soa jeca, provinciana.

Sobre “cobrar mensalidades”, algo que já foi demonstrado inócuo em termos de sustentabilidade das universidades por esta fonte de renda, a questão é não menos tosca. É só senso comum dos grupos mais do flanco direito do espectro político que ignoram de maneira disciplinada que há uma mudança substantiva do perfil do alunado no ensino superior nacional nas instituições públicas. Sim, a maioria dos estudantes do ensino superior federal, por exemplo, são provenientes das classes C, D e E[3] e a quebra da natureza gratuita do ensino superior enquanto direito, algo que nos é historicamente recente e remete a 1988, não compensaria por trazer um recurso que é tão somente residual em termos de impacto concreto. Inclusive dada a alta qualificação dos docentes, regra onde perfis como de Weintraub são exceções, as mensalidades seriam acessíveis somente para um estrato muito pequeno de estudantes, aqueles do mais alto topo da pirâmide social.

Ainda há a questão da governança e neste ponto concordamos em termos. A engenharia institucional de gestão deve ser constantemente aprimorada. Accountability nunca, jamais é uma prática estática. Deve ser dinâmico em processo de complexificação constante. Igualmente a eficiência de gestão. Porém, tomei conhecimento pela própria Folha de São Paulo[4] que desde 2014 há um processo constante de corte de recursos de custeio e investimento em um país onde já se apregoou que o investimento de 10% do PIB comporia um projeto de Estado em torno da educação. Neste momento, segundo a própria Folha, atingimos em 2019 patamares similares em termos de investimento e custeio aos de 2009, tendo alcançado no presente em diversos campi um maior quantitativo de estudantes de graduação e pós. Diante dos fatos, será que se trata de mera incompetência, má vontade ou qualquer outro juízo possível de ser derivado da crítica presente no editorial ao trabalho dos gestores das instituições de ensino públicas?

Sem dúvida o governo Bolsonaro não se mostra capaz, por antolhos ideológicos e anti-iluministas e por vezes por dramática incompetência, de responder aos desafios que nos defrontamos na educação pública. Por outro lado e não só neste tema o Brasil nunca precisou tanto do jornalismo profissional, de qualidade e crítico como na conjuntura do obscurantismo e das fake news. Contudo, para até mesmo irmos além da factualidade (que é imprescindível), o campo propositivo da grande imprensa em geral e da Folha em particular precisa se arejar. Com urgência. Afinal, não estamos falando meramente de instituições irrelevantes. Estamos falando de projeto civilizatório.



[1] O editorial “Idiotia útil” foi publicado em 17 de maio de 2019 e encontra-se disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2019/05/idiotia-inutil.shtml
[2] O relatório “Analytical Support for Bibliometrics Indicators Open access availability of scientific publications” encontra-se disponível na íntegra em: http://www.science-metrix.com/sites/default/files/science-metrix/publications/science-metrix_open_access_availability_scientific_publications_report.pdf
[3] A Associação de Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) está realizando a 5ª Pesquisa do Perfil Socioeconômico dos Estudantes das Universidades Federais onde esses dados são corroborados. Para maiores informações sugiro visitar o site da própria Andifes onde encontram-se dados e afins desta pesquisa: http://www.andifes.org.br/pesquisa-perfil-socioeconomico-dos-estudantes-das-universidades-federais/.
[4] Na matéria “Verba livre de universidades federais retrocede uma década” é passível de acesso em https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2019/05/verba-livre-de-universidades-federais-retrocede-uma-decada.shtml.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

Carnaval e os pés de barro da... mídia!

Carnaval e os pés de barro da... mídia!*

George Gomes Coutinho **

Após os festejos sob o domínio de Momo espero que meu público leitor tenha sobrevivido aos eventuais excessos permitidos nesta data. E como sabemos, sendo o Carnaval um de nossos ritos periódicos mais marcantes do calendário, agora 2018 arromba a porta. Não que indícios do que será esse ano não tenham sido apresentados em janeiro e na primeira quinzena de fevereiro. As peças do tabuleiro continuaram se movimentando. Algumas mais discretamente, afinal, os bastidores jamais pararam. Outras de maneira mais notória, vide o julgamento de Lula em segunda instância no final de janeiro.

Contudo há algo que chamou a atenção durante o período momesco e surpreendeu analistas, o que pode ser um indicativo de força política discursiva emergente para a conjuntura. O fato impossível de ser ignorado foi o desfile da escola de samba de São Cristovão no Rio, a Paraíso do Tuiuti. O desfile ocorrido na madrugada de segunda apresentou uma narrativa que estava sufocada pela grande mídia oligopolista, o que trouxe óbvio constrangimento para seus porta-vozes. Ao assistir o desfile carnavalesco o público atônito pode, mediante a catarse típica do festejo, se ver e trazer o “não dito”, o “impensé” lacaniano que pulula no inconsciente político. Tudo com uma eficiência comunicativa de dar inveja aos atores tradicionais da política.

Não se trata de novidade a crítica alegórica durante o Carnaval. Mesmo antes da Paraíso do Tuiuti blocos em todos país apresentaram críticas mandando às favas os conservadores. Contudo, o impacto simbólico provocado pelo pessoal de São Cristóvão em plena Sapucaí nos convida a uma reflexão. Os pés de barro da grande mídia foram expostos.

Não obstante o esforço metódico, entediante, monocórdico e totalitário da mídia tradicional em “vender seu peixe”, o que implica a defesa intolerante, acrítica e nada plural das reformas, aparentemente não houve a conquista do imaginário social. A Paraíso do Tuitui mostrou uma fratura no discurso, algo já apontando em pesquisas onde é evidente o rechaço à pauta conservadora. Se eu fosse membro das elites econômicas brasileiras veria o ocorrido como sinal amarelo. É preciso negociar com os de baixo. A outra opção é a barbárie e nada mais.    

*  Texto publicado em 17 de fevereiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes




sábado, 10 de fevereiro de 2018

Os pés de barro do judiciário

Os pés de barro do judiciário*

George Gomes Coutinho **

É muito pouco provável que na atual conjuntura qualquer um(a) no Brasil não tenha recebido informações acerca da atual polêmica dos auxílios-moradia para membros “especiais” do judiciário. A mídia oligopolista, ou simplesmente a “grande mídia” (um punhado de empresas com predominância discursiva e simbólica sobre todo território nacional), optou por reverberar essa questão com estardalhaço em editoriais, análises comparativas e colocando seus mais ruidosos agentes para falar, tal como papagaios, sobre a questão. Escândalo fabricado.

Evidente que o judiciário só poderia ser um “judiciário da sociedade” na medida em que seus membros são recrutados aqui e não em Saturno ou no Éden. Em outros termos, seria pouco provável que todos os vícios e virtudes desta sociedade não seriam encontráveis no judiciário. Assim como também no mercado, no Estado de maneira geral, na política, Forças Armadas, na sociedade civil, nas religiões institucionais, etc..

Voltando ao judiciário, as informações acerca de determinados auxílios injustificáveis, aos quais, diga-se de passagem, determinados membros deste poder abdicam voluntariamente, também não são novidade nesta que é uma das sociedades mais desiguais do planeta Terra. Oras, os pés de barro são conhecidos por qualquer cidadão(ã) minimamente atento(a) há bastante tempo. Contudo, cabe perguntarmos: por qual razão só agora a grande mídia decidiu mostrar a nudez de seus ídolos perecíveis? Ainda mais no caso da generalização do auxílio-moradia, uma medida que entrou em vigor em 2015. Informo para quem me lê que estamos, não se espantem, em fevereiro de 2018. Demorou um pouco para saírem do silêncio ruidoso não é?

A conjuntura lida com um fato marcante após os 3 X 0 de Porto Alegre: a condenação de Lula que pode levá-lo para a cadeia. Se a grande mídia não é monolítica, e nunca foi em virtude de suas fraturas e disputas internas, não é exagero afirmar que Lula e sua candidatura anti-sistêmica (ma non troppo) fora do baralho atendam a objetivos hegemônicos dos que sustentam o discurso midiático. Talvez a crítica tardia da mídia ao judiciário não obedeça a fins tão republicanos como gostariam algumas de suas impolutas sereias.

* Texto publicado em 10 de fevereiro de 2018 no jornal Folha de Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes


sábado, 28 de outubro de 2017

A batalha da previdência

A batalha da previdência*

George Gomes Coutinho **

A pauta previdenciária foi apresentada na grande mídia de tempos para cá como a grande solução para as distorções e déficits fiscais da União. Todavia, a despeito das propostas de mudança terem impacto substantivo na população brasileira, inclusive sobre as camadas mais pobres dotadas de menor capacidade de mobilização, a maneira como a temática vem sendo apresentada expressa um grave entrave democrático . É notória a ausência de um debate arejado e plural quando a mídia oligopolista atende aos interesses diretos de determinados grupos de pressão. Quando isto ocorre há a tentativa de forjar o consenso trazendo especialistas e atores que corroboram uma versão do problema repetida como um mantra, ignorando solenemente outros grupos, atores e especialistas que defendem uma perspectiva diversa. Cria-se uma “verdade” inatacável e o papel de informar é substituído sem pudores pela propaganda.

Porém, a despeito da tentativa de construir um consenso artificial e forçoso, na seara previdenciária jamais houve consenso.

Por tudo que apresentei acima a Comissão Parlamentar de Inquérito da Previdência, ocorrida no Senado Federal, não obteve audiência entusiasmada. Entre abril e o final de outubro deste ano ocorreram 26 audiências públicas onde especialistas dotados de óticas diferentes foram consultados e dados foram escrutinados. Na última segunda-feira, dia 23, o senador Hélio José (PROS-DF) apresentou o relatório final composto por 253 páginas onde a conclusão é desconcertante para os setores alinhados com os interesses dos grupos de pressão empresariais do setor produtivo e financeiro. A previdência, segundo Hélio José,  realmente não é equilibrada em termos orçamentários. Mas, também não é naturalmente deficitária.

José assinala o escandaloso rombo de 451 bilhões de reais motivado pelo não pagamento por parte do empresariado de suas obrigações trabalhistas com a anuência do governo, sendo este último responsável por utilizar recursos previdenciários para outros fins. O relatório aponta, ao final, que os déficits são sanáveis mediante mudanças de gestão. Agora podemos dizer que a crise previdenciária é mais do que uma crise. É um projeto.

* Texto publicado em 28 de outubro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes