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sábado, 27 de janeiro de 2018

Weltanschauung e o judiciário

Weltanschauung e o judiciário*

George Gomes Coutinho **

 Os movimentos de reflexão após a condenação unânime de Luis Inácio Lula da Silva pela 8º Turma do TRF-4, o famoso “3 X 0 de Porto Alegre”, iniciaram logo após o término do julgamento em 2ª instância. O volume de informações e análises é assombroso. Desde o Mensalão, a gênese desta conjuntura em que vivemos, há contribuições disponíveis que atendem o gosto do freguês que tem o direito de buscar o que lhe apetece. Pode tanto se contentar com notinhas e memes quanto também se encontram disponíveis artigos de fôlego, teses, livros, seminários, etc.. Estamos diante de fauna diversificada.

A um olhar que se pretenda “objetivo” neste momento cabem algumas tarefas: 1) o exercício de tentar mirar para além dos interesses imediatos, paixões, preferências e maniqueísmos; 2) a tentativa de “organizar” mentalmente toda essa poeira que resiste em repousar.

Voltando para a última quarta-feira, irei me concentrar em somente um dos muitos ângulos possíveis de análise: o discurso de defesa/ataque de parte do judiciário federal brasileiro. Não desconsiderando a importância de se discutir as inconsistências diversas e “inovações” jurídicas adotadas do Mensalão para cá, há uma visão de mundo compartilhada entre parte dos membros do judiciário brasileiro. Irei me utilizar da proposição de Sigmund Freud (1856-1939) ao explicar a Weltanschauung ou simplesmente “visão de mundo”, opção do tradutor Paulo César de Souza na versão publicada pela Companhia das Letras em 2010 das “Obras Completas”.

Citando Freud: “Entendo que uma visão de mundo é uma construção intelectual que, a partir de uma hipótese geral, soluciona de forma unitária todos os problemas de nossa existência, na qual, portanto, nenhuma questão fica aberta, e tudo que nos concerne tem seu lugar definido.”.

Há o sutil, o “não dito” além das tecnalidades no discurso de desembargadores. Parte do discurso referendando a condenação apresentou um judiciário que crê que faz “direito positivo” (desprezando materialidade) e opera em nome do “Estado de Direito” (de forma seletiva). Em nome desta visão de mundo, que expressa mais uma fé do que fatos incontestáveis, se apresentam cruzados pós-modernos contra os infiéis. Coeteris paribus, o futuro é sombrio.

* Texto publicado em 27 de janeiro no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

sábado, 30 de dezembro de 2017

Glaucenirgate?

Glaucenirgate?*

George Gomes Coutinho **

Em meio aos festejos natalinos eis que circula um áudio na cidade. Supostamente atribuído ao juiz Glaucenir de Oliveira, o áudio apresentou observações nada lisonjeiras a respeito de Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do TSE, na sua atuação no caso Garotinho.

Não me cabe afirmar rigorosamente nada sobre a autoria do áudio. Tampouco imaginar as razões de quem quer que seja para fazer circular o material nas redes sociais. Por ora cabe notar que o conteúdo se concentra em críticas ad personam direcionadas a Mendes que carecem de provas. Isso a despeito do áudio ser realmente criatura do juiz Glaucenir.

Inclusive para fins analíticos de quem se preocupa tanto com o imaginário social quanto com a saúde das instituições, penso que seja irrelevante nos concentrarmos nos personagens citados. É preciso olhar mais além do que é fornecido na superfície. E o áudio, se apropriado enquanto discurso, sintetiza valores, visões de mundo e posicionamentos que estão circulando na própria sociedade neste momento.

Primeiramente, o áudio, a despeito de sua veracidade, reforça um elemento encontrado na avaliação do cidadão mediano: o judiciário, a despeito de certa aura de castidade reivindicada por parte por seus agentes, não é e jamais foi imune a todo tipo de influência política e econômica. Não considero este ponto nada insignificante. Cabe observar que nestes tempos de ativismo judicial parte do discurso de auto-legitimação contém traços de salvacionismo, heroísmo e santificação. Reforça uma fantasia que, justamente por ser uma ilusão, jamais entregará o que foi prometido. Simplesmente não irá “consertar” o real.

Em segundo lugar, quem ainda fica perplexo com posicionamentos diferentes e disputas em uma instituição complexa como o judiciário igualmente está divorciado da realidade. Toda instituição, incluindo Forças Armadas ou religiões institucionalizadas, irá refletir as divisões da própria sociedade. Inclusive é algo que deveria ser encarado com naturalidade nas sociedades democráticas. O que causa espécie no momento é o grau de animosidade, sintoma que pode indicar um judiciário em rota de franca erosão na sua estabilidade interna. 

* Texto publicado em 30 de dezembro de 2017 no jornal Folha da Manhã em Campos dos Goytacazes, RJ.

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes