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sábado, 10 de maio de 2025

(Ainda) Sobre Lula em Campos: notas sobre o ódio político - versão estendida

 

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(Ainda) Sobre Lula em Campos: notas sobre o ódio político - versão estendida **

George Gomes Coutinho***

A visita do presidente Lula em Campos no último mês de abril produziu reverberações de diferentes naturezas. Há questões que atingem diretamente os atores do sistema político, com ênfase nas estrelas regionais, e boas notícias para o ensino público. Também a cidade foi citada positivamente na mídia nacional. Afinal, não obstante o momento sombrio que meus colegas enfrentam nos EUA, que seguem na direção do abismo da desdemocratização, a educação persiste, na média, como pauta celebrada pela população.

É importante notar que a inauguração dos prédios da Universidade Federal Fluminense não foi uma festa académica. A disputada inauguração dos prédios foi uma festa popular comemorada por milhares de pessoas no campus da UFF e nos arredores. Foi uma celebração multipartidária e democrática, com tonalidade majoritariamente progressista dada pela militância e pelos representantes de movimentos sociais. Mas, ali também estavam pessoas do staff da prefeitura, colegas e estudantes do IFF, vi amig@s da UENF, cidadãos e cidadãs comuns, ex-alun@s, tod@s prestigiando o momento histórico para a região.

Destoou a vaia, que não ocorreu em uníssono, no momento do discurso do prefeito Wladimir Garotinho. Vale dizer que o próprio Lula saiu em defesa do prefeito que, quando ainda deputado federal, protagonizou a articulação pelas verbas que permitiram a finalização dos dois prédios de sete andares que agora constituem a paisagem da avenida XV de Novembro. Ainda, no conteúdo do discurso de Wladimir, não foi detectado trecho que justificasse o constrangimento. Foi vaia autoritária com o objetivo de impedir a continuidade do discurso. Se eu reconheço que o prefeito por vezes voluntariamente macula o próprio currículo, como no veto ao projeto “Por uma infância sem racismo”, e também demonstra insistência em lamentáveis investimentos de networking político cortejando quadros extremistas na direita, em seu discurso na ocasião não havia conteúdo a ser combatido. Não que o poder local não precise da construção de um vigoroso, propositivo e popular movimento de oposição. Precisa muitíssimo. A questão é que este movimento precisará demonstrar que sabe fazer algo além de vaiar. Mas, ressalto, para além da vaia, não soube de ofensas ou ameaças à integridade física do prefeito. Algo que decorreu no outro lado do espectro político.

A visita do presidente atraiu outros setores que se mobilizaram. Forças da direita distribuiíram ofensas que foram ostentadas em pichações nos muros nos arredores do novo campus da UFF. Junto a esta ação, alguns militantes foram para a rua da UFF no 14 de abril último, um punhado de poucos indivíduos, tentar coagir as pessoas filmando sem autorização, ofendendo, provocando, xingando. Cheguei cedo e vi um rapaz enrolado em uma bandeira do Brasil, até então estava solitário, se protegendo amuado atrás de policiais militares, tal como criança medrosa agarrada na saia da mamãe. A ele se juntaram depois outros poucos. Poucos e ruidosos.

Um carro emparelhou com a comitiva presidencial, antes de Lula chegar ao campus, para ofender o presidente.

Em dado momento, enquanto o evento ocorria, um mototaxista atropelou uma pessoa forçando passagem em via urbana interditada por conta da cerimônia. A rua não estava interditada para ele pessoalmente. Era para todos. A questão é que este em particular talvez se julgasse além da lei e das regras.

Eu mesmo, ao final de tudo quando ia embora, ao entregar uns trocados para o flanelinha que guardava meu carro, fui chamado de “petista ladrão!”. Foi mais um valente mototaxista que, demonstrando em sequência sua incontestável coragem, se evadiu em alta velocidade. Não tive tempo para nenhuma reação.

Antes de prosseguir, gostaria de salientar que em visitas de chefes de governo a crítica é parte do cenário democrático. Grupos, movimentos, setores e até indivíduos aproveitam o momento para tentar abrir canais de diálogo, apresentam demandas, chamam a atenção para suas causas, protestam. É do jogo. Mas, o que vimos foi hooliganismo.

O hooliganismo se move com o objetivo final de eliminação do outro, tal como é no futebol, espaço onde os hooligans foram criados. A violência, simbólica ou até mesmo física, é mobilizada como recurso. No caso da visita de Lula estes indivíduos não apresentaram demandas. Fizeram uso político da violência. O curioso é que eram populares. Não sei quem foram os pichadores. Mas, vi as pessoas que ali estavam ofendendo e xingando no dia da inauguração dos prédios da UFF. Eram homens comuns. Os pobres de direita, como classificou o sociólogo Jessé Souza.

Eu consigo compreender pragmaticamente o que chamo de sócios majoritários e sócios minoritários da extrema-direita. Defendem o que Bruno Wanderley Reis, colega da área de ciência política da UFMG, já chamou de “agenda anti-regulatória”[1]. É o movimento de “passar a boiada”, que consiste em retirar as proteções institucionais e jurídicas que tentam diminuir os impactos de relações constituídas por assimetrias. O objetivo é que o mais forte, enfim, possa predar o mais fraco sem que ninguém tenha onde e a quem recorrer. Vale expulsar indígenas de suas terras, legalizar a grilagem, demitir quem quiser sem que ninguém encha o saco, manter o país como um paraíso fiscal para o andar de cima, extorquir, poder exercer diferentes formas de sadismo com empregados... Tudo isso é o que une parte do capital financeiro, sindicatos patronais identificáveis na cidade e no campo, madames, etc..

Mas, e os populares que vi desferindo impropérios e rangendo os dentes para pessoas que jamais viram antes? Ação coletiva dá trabalho, consome tempo e energia, e eles bancaram os custos. É preciso deixar o conforto do lar. Precisa de investimento libidinal! Não era um protesto com pauta econômica, anti-inflacionária, contra a carestia de gêneros alimentícios. Era ódio. Algo na fantasia desses indivíduos parece sugerir que a eliminação de sua nêmesis, Lula e arredores, vale muito a pena. Talvez, para ser até pudico, uma transformação estrutural, seja lá o que for, poderia advir. Não sei o que imaginam. Paolo Demuru, pesquisador italiano que atua no campo da semiótica, nos lembra do quanto narrativas delirantes, como as teorias da conspiração[2], e discursos de ódio podem funcionar como um remendo, um band-aid perverso, para vidas que se consideram irrelevantes, ressentidas, impotentes diante da brutalidade inerente ao nosso modo de viver nesta etapa do capitalismo. Freud e Reich há mais ou menos um século viram sinais parecidos na ascensão do nazifascismo, onde detectaram ali uma tentativa fajuta de encantamento e empoderamento em um cotidiano duro e sem compaixão. De todo modo o ódio que foi expresso aqui em Campos no abril último, é o que, no limite, implicaria a destruição do objeto. Ódio é afeto, tanto quanto o amor, mobilizador, poderoso e mortífero.

O que se depreende da experiência é que se confirma, mais uma vez, a persistência de uma base popular radicalizada relevante pela direita. A matéria-prima deste setor, distante socialmente dos sócios majoritários e sócios minoritários do bolsonarismo e arredores, é o mal-estar capturado por narrativas que se retroalimentam exaustivamente no ecossistema de informação vampirizado pelas big techs. Nesta seara os algoritmos, em nada neutros, ajudam a repetir conteúdos que reforçam o sintoma. O que gerou as cenas de destruição do 08 de janeiro circula entre nós em tonalidades vívidas. Por tudo isso, sim, sem anistia! E, além de palavras de ordem, o mal-estar desses setores precisa ser processado em respostas efetivas e pacíficas no campo democrático. A democracia precisa recuperar a musculatura desidratada por décadas de discursos e práticas de austeridade.


* Disponível em: https://www.uff.br/15-04-2025/presidente-lula-inaugura-nova-sede-da-uff-em-campos-dos-goytacazes/, acesso em 10 de maio de 2025.

** A primeira versão, encurtada, foi publicada na página 4 do jornal Folha da Manhã em Campos dos Goytacazes, RJ. A primeira versão foi editada pelo próprio autor para caber na formatação do jornal. Aqui no blog, que pôde ir além das 70 linhas delimitadas pelo editor do jornal, se apresenta versão um pouco maior e levemente modificada do texto original.

*** Professor da área de Ciência Política na UFF, campus de Campos dos Goytacazes, RJ.

[1] Em entrevista para o Canal Meio disponível aqui: https://www.youtube.com/live/U9SIS8cbt8c?si=nvX2MAbPgydnmqil, acesso em 04 de maio de 2025.

[2] Recomendo efusivamente o “Políticas do encanto: extrema direita e fantasias de conspiração”, opúsculo lançado por Demuru no ano passado pela editora Elefante.


domingo, 10 de dezembro de 2023

Convite Voyeur Político n. 11


Aqui estamos com mais um episódio do projeto Voyeur Político! Estamos no terceiro ano do projeto, episódio nº11. Nossa conversa ao vivo irá acontecer na próxima terça-feira, 12/12, 10 da manhã (hora de Brasília) e as inscrições para acompanhar o papo podem ser feitas por aqui: https://forms.gle/nCzmHjXN8VREjmHJ6 . Como é a praxe, para quem não puder nos acompanhar ao vivo, a conversa ficará disponível no YouTube.

O papo será sobre segurança pública no final deste primeiro ano do mandato de Lula III, O Resiliente. Afinal, avançamos ou retrocedemos? Flavio Dino, o mais pop dos políticos brasileiros contemporâneos, aquele que até mesmo foi retratado como um dos Vingadores, convenceu como policy maker?

Para uma conversa tão complexa como essa receberemos Roberto Uchôa e Rodrigo Monteiro.

Uchôa é graduado em Direito pela UERJ, mestre em Sociologia Política pela UENF e doutorando em Democracia no Século XXI pela FEUC-Coimbra. Em sua vida institucional fora da universidade ele atuou na Polícia Civil no Rio de Janeiro e atualmente é Policial Federal da ativa. Com tudo isso Uchôa mantém uma vida engajada na arena pública brasileira, seja como membro do Conselho Administrativo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública ou como intelectual público, intervindo em diversas discussões na mídia sobre a temática da violência urbana, controle de armas de fogo e etc. Publicou em 2021 “Armas para quem?: a busca por armas de fogo” pela editora Dialética.

Rodrigo Monteiro é prata da casa, professor do Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos e dr. em Saúde Coletiva pelo IMS/UERJ. Rodrigo atua também no PPG em Sociologia Política no IUPERJ-UCAM. Em sua vida profissional prolífica publicou, dentre uma variedade de temas, sobre o urbano, a violência e a criminalidade. Em 2003 lançou o seu “Torcer, Lutar, ao Inimigo Massacrar: Raça Rubro Negra”, pela editora da FGV.

Com essa dupla o projeto se despede de 2023 em grande estilo! Esperamos vcs na terça!

Voyeur Político é projeto de Extensão coordenado pelo professor George Coutinho (COC/UFF-Campos) e sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos.


 

quarta-feira, 29 de março de 2023

De que comunismo estamos falando? – Sobre a pesquisa IPEC de março.

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De que comunismo estamos falando? – Sobre a pesquisa IPEC de março.

 

George Gomes Coutinho **

O IPEC, antigo IBOPE, realizou pesquisa nacional entre 02 e 06 de março. A síntese da pesquisa[1], divulgada primeiramente pelo grupo Globo[2], visava verificar a temperatura da conjuntura política no que tange a recepção do governo Lula 3 e, para além disso, aproveitou para tratar de outras temáticas de interesse político mais amplo. Dentre as questões apresentadas aos indivíduos da amostra, um total de 2 mil brasileir@s, algo assombrou formadores de opinião e demais atuantes no atual mercado descentralizado de produção de informações: 44% dos participantes concorda total ou parcialmente com a afirmação de que o Brasil corre o risco de se tornar um país comunista.



Vale dizer que se adotarmos a perspectiva do “copo meio vazio”, e acrescentarmos os que “discordam em parte” da afirmação, o percentual chega a 55%. Afinal, “discordar em parte” quer dizer que não se discorda totalmente da possibilidade de nos tornarmos um país comunista na atual quadra histórica. Ou interpretei errado?

A reação de maneira geral foi de estupefação e em alguns casos resignação. Afinal, estamos no país do patriota do caminhão, dos aliens golpistas, dos Messias em goiabeiras, etc.. Por outra via há os que se lançaram no esforço (ou fé) iluminista e se puseram a explicar, afinal, o que é o comunismo, seja por um resumo conceitual formal ou revisitando experiências factuais.

Os 44%, ou os 55% em minha perspectiva mais pessimista, que acreditam para mais ou para menos na hipótese do país se tornar comunista, certamente apresentam baixíssimo letramento político-ideológico em termos canônicos. Vale dizer que, destes que temem uma ameaça comunista no horizonte, há grande percentual que se declara portador de diploma universitário (43% do total da amostra com ensino superior aposta na hipótese comunista – 55% se somarmos também os que discordam só parcialmente do suposto risco vermelho neste estrato). A maior qualificação formal não conferiu imunidade cultural ou cognitiva pelo visto.

Não se trata de exigir que a população da amostra da pesquisa IPEC ande com o Dicionário do Pensamento Marxista de Bottomore debaixo do braço. Mas, a perplexidade generalizada se dá é pela ausência de rudimentos de conhecimento sobre o que seria o comunismo ou a experiência do socialismo real. De alguma maneira seria como se 44% da população da pesquisa (ou os 55% em minha ótica mais sombria) se declarasse inepta para operar somas ou subtrações simples. O levantamento do IPEC também indica lamentavelmente, dentre outras coisas, uma lacuna de conhecimento básico.

Eu reconheço a gravidade do problema e considero louváveis as intervenções abnegadas dos que se esforçaram no esclarecimento sobre o que seria o comunismo em termos factuais ou conceituais. Contudo, eu gostaria de apontar para outra coisa, para algo mais pragmático que importa na atual luta política brasileira para restituir alguma saúde à democracia nativa. Considero que o comunismo que está no horizonte de forma mais ou menos palpável para estes cidadãos, e o que eles temem, é outra coisa, algo para além do cânone ou das experiências do socialismo em Cuba, Coréia do Norte ou no Leste Europeu. O que estamos lidando é com a atualização rarefeita, quase etérea, do anticomunismo.

Heloisa Starling data o nascimento do anticomunismo nacional em 1935[3] por ocasião dos levantes comunistas do período. Desta malfadada experiência, voluntarista para dizer o mínimo, decorreu trabalho sistemático da máquina varguista de perseguição implacável aos membros do partido e simpatizantes, satanização ideológica e deflagração de pânico moral. Todo este trabalho foi muito bem sucedido. Gildo Marçal Brandão costumava lembrar que entre 1922, data de fundação do Partido Comunista Brasileiro, e 1985, período da abertura da ditadura civil-militar em que houve a reconfiguração do sistema político tal como o conhecemos, o PCB gozou de apenas três anos e meio de legalidade plena. Este apagamento, esta vida nas catacumbas do sistema político, jamais seria possível sem ampla legitimidade. E aqui pouco importa, em temos das consequências práticas, se é legitimidade alcançada às custas de iletrados ideológicos.

Portanto, desde 1935 o espectro do anticomunismo assombra a imaginação política brasileira, tendo atuação decisiva nos fatos que desencadearam o golpe de março/abril de 1964. O anticomunismo no período ajudou a conferir eficácia simbólica ao discurso de ditadores, torturadores e de seus apoiadores, seja na sociedade civil ou nos quartéis.

A atual reencarnação do anticomunismo nesta década de 20 do século XXI é enquanto recurso retórico eficiente justamente por seu caráter impreciso, lusco-fusco. Aproveita-se da capilaridade adquirida pelo anticomunismo após décadas de inculcação no inconsciente político nacional. Mas, a atual versão, mobilizada por direita e extrema-direita, é dotada de conteúdo vazio[4]. Portanto, os esforços de esclarecimento formal ou factual aí não penetram. Não se trata de uso público da razão ou algo que o valha. O termo é usado como arma política de mobilização contra os adversários, e aqui qualquer adversário. Partido dos Trabalhadores, movimentos LGBTQI+, feministas, ambientalistas, médicos sanitaristas.. fiscais de posturas, multas de trânsito.. libearis! Tudo e todos, rigorosamente tudo pode entrar no comunismo dotado de conteúdo vazio e neste anticomunismo rarefeito, militante e popular contemporâneo. Comunista é o inimigo, aqui no sentido schmittiano, que se opõe ao meu grupo. É antiesquerda e além.

Portanto, pasmem, talvez a eleição de Lula para o grupo que vislumbra o comunismo no horizonte, tenha significado passo firme em direção ao regime que promete a socialização dos meios de produção.

O que fazer? Seguir saneando a opinião pública é trabalho necessário e importante, até para sairmos desse lodaçal discursivo que não interessa ao regime democrático. É fundamental que as coisas e seus devidos nomes se associem, aí pouco importa se para críticos ou simpatizantes ao comunismo. É preciso instituir qualidade na discussão pública. E junto a isso, nos resta é a boa, velha e pouco quista luta política, a ocupação de espaços institucionais, nos veículos de opinião, etc.. Se não o fizermos, os paranoicos que veem fantasmas comunistas até mesmo em borras de café, o farão.

 

* Ilustração de Maurenilso Freire publicada no Correio Braziliense em 21 de março de 2023. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2023/03/5081751-nas-entrelinhas-o-fantasma-do-comunismo-renasceu-com-o-bolsonarismo.html, acesso em 28 de março de 2023.

** Professor da área de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos. É um dos coordenadores do Imagina-Sul (Grupo de Estudos e Pesquisas do Pensamento e da Imaginação Política no Sul do Mundo).

 


[1] O relatório completo da pesquisa IPEC pode ser consultado aqui: https://www.ipec-inteligencia.com.br/Repository/Files/2218/Job_22_1925-3_Avaliacao_Relatorio_de_tabelas_Imprensa.pdf. Acesso em 27 de março de 2023.

[3] STARLING, Heloisa Murgel. O passado que não passou. In: Democracia em risco? 22 ensaios sobre o Brasil hoje. Sâo Paulo: Cia das Letras, 2019.

[4] Starling, Op. Cit., 2019.

sábado, 25 de março de 2023

Lula versus Moro - Luis Felipe Miguel

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Lula versus Moro**


Luis Felipe Miguel***


Lula errou feio em suas últimas falas sobre Sérgio Moro. Errou na entrevista ao 247, ao expor a compreensível raiva que sentia por ter sido vítima da desonestidade do juiz, sem levar em conta o uso que a direita daria de suas palavras. E errou mais ainda ao dizer que o plano assassino do PCC era provavelmente uma armação do próprio Moro, reconhecendo, na própria fala, que não tinha provas para fazer a acusação.

O timing da operação é estranho? Sim. A juíza paranaense, cúmplice de Moro, que está tocando o processo não teria competência para tal? É o que dizem os juristas.

Mas não cabe ao presidente da República levantar especulações sobre o caso. Lula podia ter dito apenas que, no seu governo, é prioridade garantir a integridade física de todas as pessoas, que a Polícia Federal age sem viés político ou que esperava que a investigação fosse levada até o final.

O problema não é que ele tenha permanecido com "discurso de palanque", como disseram alguns jornalistas.

É que ele devolveu a Moro uma importância que ele não tem mais. Como se um senador medíocre pudesse ser antagonista do presidente.

Hoje, todos sabemos quem é Sérgio Moro: um sujeito inculto, de poucas luzes, não muito inteligente ou articulado, capaz apenas de uma esperteza de fôlego curto.

Deixado à própria sorte, ele terminará seus anos de senador despontando para o anonimato, como diria Nelson Rodrigues.

Não cabe a Lula dar destaque a ele. Lula deve ser cioso da distância que hoje os separa.

E, se há mesmo suspeita de que houve armação, é melhor deixar a investigação andar, para, no momento certo, denunciar com provas, não apenas com convicções. 


* Charge do genial Aroeira publicada no site Diário do Centro do Mundo. Link para o post original: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/dia-dificil-para-moro-que-esta-de-ferias-por-renato-aroeira/, acesso em 25 de março de 2023.

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 25 de março de 2023. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre de 2022 o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.