Em uma época na qual o vazio de pensamento campeia, é animador divulgar uma iniciativa tão oportuna como estudar a vida e obra de Paulo Freire:
Mostrando postagens com marcador Paulo Freire. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Paulo Freire. Mostrar todas as postagens
sexta-feira, 23 de novembro de 2018
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
Paulo Freire e o Google Scholar – Um diálogo com Paul Spicker - Parte III
Como última parte do diálogo com Paul Spicker sobre Paulo Freire e sua popularidade no Google Scholar, apresento neste post a tradução livre para o português que elaborei dos comentários originalmente publicados aqui em língua inglesa. Como se trata de uma primeira versão, podem ocorrer correções que eu mesmo identificarei ou que serão sugeridas pelos(as) leitores(as). Boa leitura!
As pessoas que estudam Políticas
Sociais podem esperar encontrar uma grande quantidade de trabalhos em Ciências
Sociais. Todavia, em virtude dos pesquisadores virem para o campo de diferentes
disciplinas, o escopo inclui uma seleção bastante eclética de material proveniente
da sociologia, economia, ciência política e outros campos de conhecimento. Meu
website pessoal (www.spicker.uk) oferta uma introdução às Políticas
Sociais e, como parte do meu trabalho, sugiro por lá leituras e aponto para as fontes
bibliográficas. Em virtude disto, eu estava interessado em descobrir quais
trabalhos eram os mais freqüentemente citados em Políticas Sociais e, então,
apliquei um teste simples: qual o quantitativo de citações seriam encontradas no Google
Scholar?
Este é um indicador um tanto tosco e há algumas precauções óbvias
ao se fazer uso do mesmo. A primeira é que os trabalhos “internacionais” serão
citados em maior profusão do que textos importantes de alcance nacional – o relatório
Beveridge, o qual legitimamente pode ser visto como a inspiração para diversos
Estados de Bem Estar Social, não é tão freqüentemente citado ao ponto de ser
incluído na lista. Em segundo lugar, a contagem é tendenciosa em favor dos
países dotados das maiores indústrias acadêmicas – o material publicado nos EUA
obtém maior atenção do que os textos publicizados na Europa. Por fim, textos
que atraem as pessoas em disciplinas mais largamente difundidas tendem a ser sempre
mais citados do que a produção de campos mais especializados: há mais pessoas
estudando sociologia do que administração pública por exemplo.
No topo da lista, com mais de 51.000
citações acadêmicas, encontra-se o livro de Paulo Freire, A pedagogia do oprimido. O livro de Freire é internacional em
termos de alcance, sendo lido principalmente por traduções. É largamente citado
na educação e no trabalho comunitário. Isto posto, sua proeminência e
popularidade continuam impressionantes – seu alcance e influência deixam os
outros trabalhos comendo poeira. Já ouvi referências ao trabalho vindas de
trabalhadores comunitários, educadores e funcionários de autarquias locais na
Escócia e na Inglaterra. Em suma, o livro é parte da paisagem intelectual – um trabalho
clássico onde se espera que as pessoas tenham que se ver com ele em um dado
momento.
A obra Pedagogia do Oprimido
combina teoria e prática, e esta combinação é central para os estudos em
Políticas Sociais. Ele é aberto ao desafio em ambos aspectos (teoria e prática)[1].
Enquanto teoria, a argumentação de Freire sobre opressão e liberdade por vezes
o leva a subestimar a evidente, porém implícita, ênfase na solidariedade e na
ação coletiva. Realmente não é suficiente dizer para as pessoas que elas se
libertarão simplesmente se elas rejeitarem a opressão: “A Pedagogia do oprimido... faz da opressão e
suas causas objeto de reflexão do oprimido e, a partir desta reflexão, torna
necessário seu engajamento na luta por sua libertação”[2].
Enquanto prática, Freire parece por
vezes mais preocupado com o ambiente político do que com a obtenção de
resultados. A minha própria formação é em direitos de Bem Estar e, por vezes, eu
fico desesperado com meus colegas que estão mais preocupados com o alargamento
das experiências de aprendizagem dos pobres do que em fazer algo com a sua
pobreza propriamente dita. Nos Estados Unidos, o trabalho comunitário – tal como
implementado pelos ex-agentes comunitários Barack Obama ou Hillary Clinton – é mais
afeito a se utilizar da obra maliciosamente pragmática de Saul Alinsky do que das
posições abertas por Freire.
Eu prefiro pensar que o mundo se transformou desde Freire. Pelo mundo as técnicas
que costumavam ter um uso extra-cotidiano tornaram-se parte da rotina da
governança democrática. Organizações internacionais são profundamente engajadas
em empoderar a deliberação coletiva e a
capacidade de desenvolvimento das comunidades. Porém, precisamente por conta
destas abordagens serem agora tão difundidas, o trabalho que as apresentou é
mais citado do que nunca.
[1]
Inserção minha. Os parênteses não constam na versão original dos comentários de
Spicker.
[2]
Spicker não explicitou em seu comentário de onde foi retirada esta citação.
Talvez em uma segunda versão desta tradução eu consiga do próprio autor a
referência... Por ora esta lacuna não impede a compreensão geral do comentário
elaborado por ele.
Paulo Freire e o Google Scholar – Um diálogo com Paul Spicker - Parte II
Texto original para o Autopoiese e Virtu elaborado por Paul Spicker, professor emérito da cadeira de Políticas Públicas da Robert Gordon
University, Escócia.
People studying Social Policy can expect to encounter a range of work in
social science. Because people come to the field from different
disciplines, the range includes a very disparate selection of material from
sociology, economics, political science and other fields. My website at www.spicker.uk offers an introduction to Social Policy, and as part of that I suggest
readings and point to sources. I was interested to find out which works were
most often cited in Social Policy, and to that I applied a simple test: how
many citations were recorded on Google Scholar?
This is a very crude indicator, and there are some obvious reservations to make about it. The first is that international work will be cited more widely than important national papers - the Beveridge Report, which can legitimately be seen as the inspiration for several welfare states, is not referred to often enough to be included in the list. Second, the count is biased towards the countries with the largest academic industries - material published in the USA gets far more attention than material published in Europe. Third, material that appeals to people in the major disciplines will always be cited more than material in a specialist field: there are far more people studying sociology than public administration.
At the top of the list, with more than 51,000 academic citations, was Paulo Freire’s book, The Pedagogy of the Oppressed. Freire’s work is international in scope, and mainly read in translation. It’s widely referred to in education and community work. Having said that, its prominence and popularity is still striking - its reach and influence leave other work standing. I’ve heard it referred to by community workers, educators and local authority officers in Scotland and England. It’s a part of the intellectual landscape - one of the standard works that people are expected to come to terms with.
The Pedagogy of the Oppressed combines theory and practice, and that combination is central to studies in social policy. It’s open to challenge in both respects. As theory, Freire’s rhetoric about freedom and oppression sometimes leads him to understate his evident, but less explicit, focus on solidarity and collective action. It’s really not enough to say that people will be liberated if they reject oppression:
This is a very crude indicator, and there are some obvious reservations to make about it. The first is that international work will be cited more widely than important national papers - the Beveridge Report, which can legitimately be seen as the inspiration for several welfare states, is not referred to often enough to be included in the list. Second, the count is biased towards the countries with the largest academic industries - material published in the USA gets far more attention than material published in Europe. Third, material that appeals to people in the major disciplines will always be cited more than material in a specialist field: there are far more people studying sociology than public administration.
At the top of the list, with more than 51,000 academic citations, was Paulo Freire’s book, The Pedagogy of the Oppressed. Freire’s work is international in scope, and mainly read in translation. It’s widely referred to in education and community work. Having said that, its prominence and popularity is still striking - its reach and influence leave other work standing. I’ve heard it referred to by community workers, educators and local authority officers in Scotland and England. It’s a part of the intellectual landscape - one of the standard works that people are expected to come to terms with.
The Pedagogy of the Oppressed combines theory and practice, and that combination is central to studies in social policy. It’s open to challenge in both respects. As theory, Freire’s rhetoric about freedom and oppression sometimes leads him to understate his evident, but less explicit, focus on solidarity and collective action. It’s really not enough to say that people will be liberated if they reject oppression:
“The pedagogy of the oppressed ... makes oppression and its causes
objects of reflection by the oppressed, and from that reflection will come
their necessary engagement in the struggle for their liberation.”
As practice,
Freire seems at times to be more concerned with the political environment than
he is with achieving outcomes. My own background is in welfare rights,
and I sometimes despair when my colleagues are more concerned with broadening
the range of poor people’s learning experiences than they are with getting
something done about their poverty. In the USA, community work - as favoured by
former community worker Barack Obama, or Hillary Clinton - is more likely
to depend on the slyly pragmatic work of Saul Alinsky than on Freire’s overt
positions.
I’d like to think that the world has moved on since Freire. Around the world, techniques that used to be extraordinary have become a routine part of democratic governance. International organisations are heavily engaged in empowerment, the development of community capacity and collective deliberation. But it’s precisely because these approaches are now so widespread that the work which expounded them is more widely cited than ever.
I’d like to think that the world has moved on since Freire. Around the world, techniques that used to be extraordinary have become a routine part of democratic governance. International organisations are heavily engaged in empowerment, the development of community capacity and collective deliberation. But it’s precisely because these approaches are now so widespread that the work which expounded them is more widely cited than ever.
Paulo Freire e o Google Scholar - Um diálogo com Paul Spicker - Parte I
Paulo Freire e o Google Scholar – Um
diálogo com Paul Spicker
Neste início de 2016 fui brindado com
uma interessante informação na lista de discussão “Social Policy”, lista por
e-mail que congrega pesquisadores do Reino Unido interessados em discutir
políticas sociais. A novidade em questão é um despretensioso, porém elucidativo, survey elaborado pelo professor Paul Spicker onde ele mapeia os trabalhos
mais citados em políticas sociais utilizando a ferramenta “Google Scholar”.
A tabela* produto deste levantamento é
apresentada abaixo deste parágrafo. Evidentemente não se trata de um survey “definitivo”
e tampouco esgota qualquer discussão acerca da qualidade dos trabalhos “mais
citados” a partir do Google Scholar. Mas, nos ajuda a pensar sobre o tema e
fornece indícios sobre como esta área se estrutura tendo por referência a
produção em língua inglesa. Afinal, a produção teórica auxilia a moldar as
formas de interpretação dos fenômenos sociais...
Published text
|
Google
scholar citations (Jan. 2016) |
P Freire, The pedagogy of the oppressed, 1970
|
51179
|
M Foucault, Discipline and punish (Surveiller et punir), 1975
|
50195
|
R Puttnam, Bowling alone, 2001
|
35667
|
J Coleman, Social capital in the formation of human capital, American Journal of Sociology 1988
|
31530
|
G Hardin, The tragedy of the commons, Science 1968
|
28073
|
A Sen, Development as freedom, 1999
|
23973
|
G Esping-Andersen The three worlds of welfare capitalism, 1990
|
23146
|
W Wilson The truly disadvantaged, Chicago 1987
|
14825
|
M Friedman, Capitalism and freedom, Chicago 1962
|
14674
|
J Coleman, Equality of educational opportunity, 1966
|
13006
|
S Arnstein, A ladder of citizen participation, Journal of the American Town Planning Institute 1969
|
11017
|
9371
| |
E Goffman, Asylums, Penguin 1961
|
9133
|
A Sen, Poverty and famines, Oxford 1983
|
8922
|
M Foucault, Madness and civilisation (Historie de la folie) 1961
|
8357
|
R Herrnstein, C Murray, The Bell Curve, 1994
|
7681
|
A Hollingshead, F Redlich, Social class and mental illness, 1958
|
7549
|
M Lipsky, Street level bureaucracy, 1980
|
7249
|
T Marshall, Citizenship and social class, 1950
|
7163
|
J Habermas, Legitimation crisis, 1975
|
6703
|
A Sen, Commodities and capabilities, 1999
|
6286
|
6046
| |
R Thaler, C Sunstein, Nudge, 2009
|
5842
|
S Bowles, H Gintis, Schooling in capitalist America, 1976
|
5448
|
C Jencks, Inequality, Basic Books 1972
|
5434
|
O que mais me chamou atenção foi
encontrar Paulo Freire no topo da lista. Freire, autor freqüentemente atacado
pelos agrupamentos mais conservadores no Brasil e tido muitas vezes por démodé, supera Michel Foucault como autor mais citado no survey de Spicker. Em virtude
disto, contactei o próprio Spícker e deste diálogo o professor generosamente
produziu um breve texto inédito para o blog explicando tanto a metodologia que
utilizou quanto também sobre como interpreta Paulo Freire no contexto das políticas
sociais enquanto sub-campo de conhecimento.
Sabendo do quase onipresente complexo
de vira-lata rodrigueano que infesta a auto-interpretação dos brasileiros sobre
quem somos, o que pensamos e para onde vamos, o que implica por vezes em franca
má vontade intelectual com nossos autores, considerei importante apresentar
tanto a tabela quanto o posicionamento de Spicker sobre o Paulo Freire.
Por se tratar de uma colaboração
especial, farei de “Paulo Freire e o Google Scholar” uma publicação em três
atos: esta primeira que publiciza a tabela. Uma segunda, onde apresento o texto original de Spicker e, por fim, um terceiro post onde me arrisco em uma traduçãolivre.
Antes de finalizar, irei situar o
leitor sobre quem é o nosso autor. Paul Spicker é professor emérito na cadeira de
Políticas Públicas da Robert Gordon University, Escócia. Autor de 16 livros
sobre a área, publicou mais de 80 artigos sobre questões relacionadas ao
enfrentamento da pobreza e políticas sociais. É bolsista do International Social Science
Council's Comparative Research Programme on Poverty.
Atualização de 23/01/2016 - Paul Spicker publicou em seu blog um resumo do diálogo em 14 de janeiro. O "balanço final" na ótica de Spicker pode ser acessado aqui.
Atualização de 23/01/2016 - Paul Spicker publicou em seu blog um resumo do diálogo em 14 de janeiro. O "balanço final" na ótica de Spicker pode ser acessado aqui.
* Foi feita uma edição no post a pedido do próprio professor Spicker. Ele fez uma versão mais recente da tabela e solicitou que fosse feita a correção.
Assinar:
Postagens (Atom)