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quinta-feira, 30 de março de 2023

A PEC 206 já foi tarde

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 A PEC 206 já foi tarde**


George Gomes Coutinho***


Com certo barulho nas redes sociais e na mídia, a “PEC das mensalidades nas Universidades Públicas”, a PEC 206, que então tramitava na CCJ da Câmara dos Deputados, foi retirada da pauta. É derrota, mesmo que momentânea, de seus defensores.

A PEC 206, apresentada em 2019 pelo deputado federal General Peternelli (União Brasil /SP), discutia a cobrança de mensalidades dos “estudantes ricos” nas Universidades Púbicas brasileiras. Também defendia a manutenção da isenção de mensalidades para “a população mais carente”. O argumento, reencarnado periodicamente em editoriais dos grandes jornais e em círculos conservadores e/ou liberais, apresenta: 1) a condenação moral da “gratuidade generalizada”, a despeito da não cobrança de mensalidades implicar na entrega de um serviço público, mesmo que focalizado, prestado a uma população que já paga impostos diretos e indiretos; 2) uma denúncia conveniente das desigualdades sociais no espaço das instituições públicas de ensino brasileiro universitário. Os argumentos neste último caso não transbordam, por óbvio, para todas as outras esferas da sociedade. Discussões sérias de caráter tributário sequer mandam lembrança.

Com tudo isso conta-se ainda com um público dotado de capacidade contributiva que é menor do que o propositor imagina. Só na Região Norte há apenas 5,6% dos estudantes de graduação com famílias com renda na faixa acima de 10 salários mínimos, vide perfil de 2018 dos graduandos das instituições federais de ensino feito pela Andifes. Além de não lidar com a complexidade dos desafios da universidade pública brasileira contemporânea a medida, caso fosse aprovada, arriscaria descambar em constrangedora futilidade. Não reduziria desigualdades e tampouco produziria recursos relevantes para as instituições.  A PEC 206 já foi tarde.

* Arte elabora pela equipe da ANPOCS.

**A primeira versão deste texto foi publicada em 03 de junho de 2022 no Instagram da Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, a ANPOCS, na seção Entre Aspas. Link para o post original: https://www.instagram.com/p/CeV-Acurpbw/?utm_source=ig_web_copy_link, acesso em 30 de março de 2023. O contexto era mais uma derrota da base do governo Bolsonaro na CCJ com a famigerada PEC 206. A PEC, como evidencia o texto, visava instituir a cobrança de mensalidades nas universidades públicas.

*** Professor da área de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos. É um dos coordenadores do Imagina-Sul (Grupo de Estudos e Pesquisas do Pensamento e da Imaginação Política no Sul do Mundo).

sábado, 26 de agosto de 2017

“Privatismo”

“Privatismo”*

George Gomes Coutinho **

V. I. U. Lênin (1870-1924) em 1920 publicou o seu “Esquerdismo, doença infantil do comunismo” onde apresentou um conjunto de críticas aos comunistas e a outros grupos na esquerda do espectro político então atuantes na Europa Ocidental do período. Resumidamente o argumento de Lênin se centrava em demolir a postura de “fuga” da realidade em prol do apego a princípios morais e/ou valorativos abstratos. É um texto pragmático e as afinidades com a tradição do realismo político de Maquiavel (1469-1527) são evidentes.

Retomando o argumento leninista, a vitória do realismo só seria possível mediante o exercício da auto-crítica. Nesta direção, a narrativa se utilizou da história como ferramenta. O olhar em retrospectiva é mobilizado para realizar um balanço, por vezes duríssimo, das opções e ações visando combater um esquerdismo que, aos olhos do líder da revolução soviética, seria uma demonstração de infantilidade. A despeito de termos apreço ou não por Lênin, o pequeno livro guarda uma importante lição: sem rigor e honestidade intelectual não saímos da infância política, não produzimos o salto que leva ao amadurecimento. Esta advertência cabe tanto para a direita quanto para a esquerda evidentemente.

Na atual conjuntura, dentre outros “ismos” reeditados no Brasil contemporâneo, o “privatismo” ressurge como cadáver insepulto. É mais uma das soluções mágicas apresentadas no calor do momento que prometem solucionar problemas estruturais de longa duração com um estalar de dedos. Contudo, as experiências da privatização em larga escala nos governos Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) não foram suficientemente debatidas diante dos benefícios e efeitos negativos causados. Há perguntas que precisam de respostas antes que venha uma segunda onda de privatização em larga escala, tal como o Governo Michel Temer anda propondo: quem realmente ganhou? Os valores de venda do patrimônio da sociedade foram justos? Haverá financiamento público, mais uma vez, com uma taxa de juros “de pai para filho”? Sem responder estas e outras perguntas fundamentais a privatização é “privatismo”, sintoma infantil de um liberalismo igualmente imaturo.


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 26 de agosto de 2017

 ** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes