O dia da "Consciência Negra" é um excelente motivo para lembrar não só da luta histórica do Povo Negro, mas principalmente para lembrar do Brasil!
Já se disse que "se existe uma história do Povo Negro sem o Brasil, não existe uma história do Brasil sem o Povo Negro" e essa é uma verdade irrefutável!
O nosso país foi construído, desde os primórdios da colonização, pela extrema violência exercida contra os povos originários e contra as várias etnias escravizadas na África, que para cá foram trazidas ao longo de mais de três séculos. Essa marca ninguém pode apagar de nossa história e nos atormenta negativamente até hoje!
Do mesmo modo, nessas condições malsãs, também foi se estruturando uma sociedade. Por baixo, amalgamando etnias e culturas numa síntese criativa, se estabeleceu um "povo novo", como gostava de dizer o grande Darcy Ribeiro, enriquecido ainda mais pela vinda de imigrantes pobres de todas as partes do mundo. Somos, portanto, um povo profundamente mestiço, que tem dentro de si a África, a Ásia e a Europa, e afirmar isso não significa, em nenhum sentido, deixar de reconhecer a profunda violência que nos marca desde sempre nem muito menos aceitar a ideia de uma "democracia racial". Mas apenas reiterar que essa é uma dimensão que nos engrandece e que nos honra diante do mundo.
Que a luta pela igualdade e contra todo tipo de discriminação continue a orientar os brasileiros que acreditam nesse país e reconhecem a presença negra como fundamental na formação do nosso povo!
E que sigamos com os ensinamentos do inspirado Gilberto Gil, ao proclamar que "a felicidade do negro é uma felicidade guerreira!"
Ao que se poderia acrescentar que toda felicidade só pode ser uma felicidade guerreira!
Viva o Povo Negro, viva o Brasil mestiço, viva os brasileiros de todas etnias que contribuiram para formar o nosso povo!
* Sociólogo. Doutor em Ciência Política (USP). Professor associado ao Departamento de Ciências Sociais (Área de Ciência Política) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus Araraquara.
O
estudo “Por
uma Sociologia Sistêmica Pós-Colonial da América Latina” propõe uma teoria
sociológica sistêmica pós-colonial para analisar a América Latina enquanto
região da sociedade mundial moderna. O autor toma a teoria da sociedade de
Niklas Luhmann como ponto de partida para este esforço de construção teórica,
que consiste em combinar a análise da unidade da sociedade mundial com a
consideração das diferenças e variedades regionais construídas em seu interior.
Para alcançar este objetivo o estudo identifica e propõe solução para um
problema fundamental na teoria da diferenciação funcional da sociedade
formulada por Luhmann: Sua descrição da transição à sociedade moderna enxerga
somente um processo de diferenciação funcional singular e interno à Europa,
desconsiderando, como os pós-coloniais costumam dizer, o papel da “diferença
colonial” na constituição da transição para a modernidade. Para compreender a
globalidade das diferenças regionais, a teoria dos sistemas precisa não apenas
investir em estudos sobre a globalização dos sistemas funcionais a partir do
século XIX, tendo a Europa como o núcleo difusor dos processos sociais globais,
mas sobretudo questionar e revisar sua descrição da própria transição para a
sociedade moderna, realizando uma profunda autocrítica.
Por
isso, o autor propõe rever a tese da transição à sociedade mundial
funcionalmente diferenciada a fim de escapar da narrativa da singularidade
ocidental, segundo a qual outras regiões recebem, sempre de fora para dentro,
estruturas sociais e semânticas gestadas primeiramente na Europa. A ideia é
recontar a história da modernidade, substituindo a narrativa única de uma
diferenciação funcional desenvolvida inicialmente no interior da Europa e
depois expandida para o resto do mundo por narrativas plurais sobre a
experiência de cada contexto “geo-histórico” como parte do desenvolvimento
“entrelaçado” e “múltiplo” de sistemas funcionais globais. O diálogo com a
crítica “pós-colonial” conduz o autor à tese de que, também na teoria dos
sistemas, é necessário reescrever a história do ocidente a partir das relações
e diferenças que o constituíram.
O
argumento principal é que é possível propor uma recepção da teoria da sociedade
mundial de Luhmann que corrija seus componentes eurocêntricos, permitindo
construir uma concepção não culturalista e não essencialista da América Latina.
Processos e estruturas da regionalização são considerados como variações
normais da modernidade global, e esta, por sua vez, enquanto dinâmica
societária diferenciada e não estacionária. Nesta recepção crítica da
sociologia de Luhmann, a construção da América Latina como regionalização
semântica e estrutural deixa de ser vista como desvio, sob o signo da falta, da
modernidade plena de outras regiões. A modernidade contemporânea não é
identificada com nenhuma região específica do planeta, embora se reconheça a
centralidade da Europa em sua emergência. Todas as regiões, assim como outras
configurações estruturais, se constroem a partir da modernidade global, na qual
estruturas neocoloniais se reproduzem, mas não constituem um sistema unitário
como nas relações coloniais do passado pré-moderno, e sim um conjunto de
relações centro/periferia fragmentadas pela lógica da diferenciação funcional
da sociedade. O unitarismo estrutural característico do colonialismo, com sua
relação entre “centro” e “periferia” válida em todas as dimensões, é rompido
pela diferenciação funcional, que impõe uma fragmentação da oposição
centro/periferia em múltiplas diferenças entre “centros” e “periferias” no
interior dos distintos sistemas funcionais.
Para
o autor, a diferenciação funcional não apenas fragmenta e rompe com o primado
da colonialidade; ela também produz o horizonte e as condições de possibilidade
de crítica e transformação semântica e estrutural das assimetrias entre povos,
Estados e nações. Ele identifica um deficit de autorreflexão no
pós-colonialismo, que pretende fazer uma crítica “externa” da
modernidade/colonialidade, como se o horizonte normativo de uma “humanidade
compartilhada”, que também orienta em última instância a crítica pós-colonial,
não dependesse de uma formação societária na qual a colonialidade não é a forma
primária, necessária e naturalizada de constituição de relações e unidades
sociais. O ponto central é que a diferenciação funcional da sociedade mundial
produz a contingência das estruturas de desigualdade social em toda as suas
formas: A referência ao ideal de que “somos todos humanos” é uma fonte
conhecida da semântica moderna da inclusão de todas as pessoas nos sistemas
funcionais de uma sociedade pós-tradicional e pós-colonial, na qual diferenças
ontológicas entre pessoas, grupos, povos, nações, classes, gêneros, etnias etc.
podem ser observadas como construções contingentes e arbitrárias passíveis de
transformação.