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quinta-feira, 6 de abril de 2023

Sobre o morticínio em Blumenau - Luis Felipe Miguel

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Sobre o morticínio em Blumenau**


Luis Felipe Miguel***


O morticínio na creche em Blumenau nos encheu de horror e tristeza, mas não necessariamente de espanto. 

Infelizmente, o Brasil está se tornando um país em que esse tipo de atentado é quase corriqueiro.

Não é possível nem imaginar a dor das famílias que perderam aquelas crianças. E, sobretudo, não é possível aceitar uma situação em que um pai ou uma mãe manda seu filho para a escola sem ter certeza de que ele voltará para casa.

A direita já anuncia as "soluções" de sempre. Uns falam em aumentar as penas - como se o perpetrador de um crime desses se guiasse por um cálculo racional. 

Ou em armar os professores - perpetuando um clima de paranoia e fazendo do país um bangue-bangue, com uma escalada ainda maior de violência como resultado previsível.

Não faltou nem quem propusesse ampliar a vigilância sobre as escolas - com efeito negligenciável na segurança, mas grande sobre a autonomia dos docentes.

Nada disso é solução, é claro. Penso que são necessárias medidas urgentes, mas também de prazo mais longo.  Algumas - as de curto prazo - com caráter mais repressivo. Outras visando as origens do problema.

No curtíssimo prazo, é preciso reforçar o policiamento próximo às escolas e implantar dispositivos de alarme para situações de risco.

(O governo federal anunciou a liberação de R$ 150 milhões para reforçar a ronda escolar em todo o Brasil. O valor será repassado para estados e municípios.)

É preciso também ampliar o monitoramento da internet, onde as ações são gestadas e incentivadas.

(O governo federal também anunciou a criação de uma força tarefa emergencial com este objetivo.)

Uma vez que estes discursos têm migrado da deep web para espaços como TikTok, é importante responsabilizar as plataformas.

São negócios bilionários que se eximem de qualquer regulação pela sociedade. Mas precisamos definir o que queremos delas. E, talvez, tomar coletivamente a decisão de refrear seu domínio sobre nossa sociabilidade.

Alguns órgãos de imprensa têm tomado a decisão correta de não divulgar nome e foto do assassino - afinal, o desejo depravado por fama é um componente essencial neste tipo de ataque. Mas não é toda a imprensa. Valeria legislar sobre o tema.

(A busca de notoriedade como motivo para o crime foi turbinada pelas redes sociais, mas não surgiu com elas. Como exemplo: em 1972, Arthur Bremer deixou de balear Nixon, como queria, porque quis trocar de roupa para a ocasião e perdeu a chance; teve que se contentar em atingir George Wallace, o governador segregacionista do Alabama. Anotou em seu diário que estava decepcionado, pois não teria repercussão na Europa e na Rússia.)

Medidas de curto prazo são importantes, mas é preciso também pensar sobre as raízes mais profundas dos ataques. O que faz alguém chegar a esse ponto?

Há todo um caldo de cultura de apologia da violência - do culto às armas à ideia de que o desprezo pela vida é algo "transgressor".

(Estudos apontam que são meninos recém-chegados à adolescência os  capturados por esse tipo discurso. É preciso enfatizar o vínculo entre a construção de uma "masculinidade" hoje fragilizada e a epidemia de violência, para adotar políticas efetivas de saúde mental.)

Como se o desprezo à vida não fosse, no final das contas, definidor do sistema capitalista em que vivemos.

Esta glorificação da violência é central na extrema-direita. O que vemos nas escolas anda junto com o avanço dos  discursos de ódio, neonazismo etc. Nem é preciso dizer em quem votou o assassino de Blumenau.

Um deputado indicou um torturador notório como seu herói pessoal - e não só não foi punido como se elegeu presidente. Creio que isso resume muito da história.

Agora, todos fazem seus lamentos hipócritas nas redes sociais.

Não adianta. Cada um que contribuiu para a degradação do debate político no Brasil; cada um que aderiu, por estupidez, convicção ou oportunismo, ao avanço de um extremismo perverso; cada um que reforçou os estereótipos mais vulgares do machismo - são todos, em menor ou maior medida, culpados pela espiral de uma violência gratuita, aberrante, própria de uma sociedade muito doente.


* Van Gogh, "Prisoners round", 1889. Disponível em: https://www.mutualart.com/Article/The-Sadness-Will-Last-Forever--Van-Goghs/A713E9002A6E4245, acesso em 06 de abril de 2023.

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 06 de abril de 2023. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre de 2022 o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2020

A necessidade da luta, a urgência por justiça: uma nota para Cícero Guedes

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A necessidade da luta, a urgência por justiça: uma nota para Cícero Guedes*


* Publicado originalmente no Blog do Pedlowski.


Luciane Soares da Silva**


Hoje completamos um ano e dois dias do julgamento do assassinato de Cícero Guedes. Me dirijo especialmente aqueles que não conhecem a história de Cícero, alagoano, trabalhador da terra e mais um brasileiro negro a experienciar os horrores da condição de trabalho análogo a escravidão.


O julgamento de Cícero em 2019 foi importante para pensar o Brasil. Principalmente a ação do Judiciário. O resultado não diferiu de tantos outros. E a justiça não foi feita. Mas o que esperar de uma cidade marcada pelo braço de latifúndio e da cana, das relações desiguais e do racismo? A capacidade de organização e resistência de Cícero em Cambaíba nos servem de exemplo e dever. Exemplo de como é possível repensar o direito à terra e à justiça social. Dever de prática cotidiana com uma luta que seja capaz de alimentar os corpos e principalmente, libertar as consciências das formas de subalternização impostas pelas elites brasileiras no saudosismo autoritário que sentem da escravidão.


Cabe lembrar ainda do significado histórico de Cambaíba. Para a Comissão Nacional da Verdade, a usina pode ter sido utilizada para incineração de corpos sob o regime ditatorial em 1974. De lá para cá o local foi desfigurado em uma tentativa de apagamento da memória e das lutas populares. De lá para cá muita terra improdutiva permaneceu assim por obra e ação do Estado.


Temos como dever pela morte de Cícero e de tantos outros ativistas dos direitos humanos no Brasil, exigir a justiça e a partilha da terra. A forma de resolução de conflitos faz com que o Brasil ocupe desde 2019 o vergonhoso lugar de terceiro país que mais mata ativistas. Ficando atrás da Colômbia e das Filipinas. Particularmente ativistas ligados a luta pela terra e o meio ambiente.


O governo Bolsonaro intensificou estes ataques. Em 2019 foram ao menos 24 mortes, segundo reportagem do El País de julho deste ano. Chama atenção a morte de lideranças indígenas enquanto a Amazônia queima ao longo de meses sob a pasta de Ricardo Sales.


Cícero, conhecido de todos nós na cidade, dos movimentos sociais, estudantes, professores, população, significa a dignidade que nos falta nos momentos em que arrefecemos e acreditamos ser possível viver sem que se faça justiça aos mortos pelo Estado. Frequentemente a mando do capital que aqui tem a cara dos donos de terra. Proprietários  que enviaram jagunços para nos intimidar em agosto de 2019, quando visitamos Cambaíba[1] após declaração do presidente sobre a morte de Felipe Santa Cruz, torturado cruelmente nas mãos da ditadura civil militar brasileira.


No Dia Internacional dos Direitos Humanos faremos a necessária discussão sobre memória e justiça. Um ciclo que se fechou, dando esperanças de um futuro democrático, abre-se como uma roda nefasta girando sobre a cabeça daqueles que ousam opor-se a um governo recheado de militares. Um governo negacionista.


Ao voltar para o Mapa da Fome durante uma pandemia e sofrer o descaso do presidente, caberá a nós a tarefa de zelar e seguir exigindo saúde para famílias negras vivendo em miséria. E justiça para aqueles que tombaram sob o peso de um Estado que segue tratando a bala aqueles que ousaram exigir de volta à terra que lhes é devida. Porque a lavraram, a fizeram florir e alimentaram este país com seus braços.


Justiça para Cícero Guedes e para todos os mortos pelo Estado no Brasil.


[1] https://blogdopedlowski.com/2019/08/01/o-caso-riocentro-cambahyba-e-a-luta-pelo-direito-a-verdade/

 

**  Luciane Soares da Silva é docente da Universidade Estadual do Norte Fluminense  (Uenf), onde atua como chefe Laboratório de Estudos da Sociedade Civil e do Estado (Lesce), e também participa da diretoria da Associação de Docentes da Uenf (Aduenf).

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Divulgação: Seminário "Por que defender os direitos humanos no Brasil contemporâneo?"


Em 2020 torna-se especialmente importante discutir o legado da DECLARAÇÃO UNIVERSAL  DOS DIREITOS HUMANOS. A pandemia intensificou a desigualdade sobre o globo e no Brasil em particular, vivemos o caos na saúde e na educação sem respostas efetivas do governo federal e com mortes por COVID-19 aumentando exponencialmente nas últimas semanas. Ao mesmo tempo experenciamos formas autoritárias de resolução dos conflitos, intervenção na autonomia das Universidades e o Estado alvejando crianças nas favelas. A situação prisional também é grave. Assim como os dados de violência contra a mulher. E por último, a volta do Brasil ao Mapa da Fome revela que vivemos duas crises simultâneas: uma crise sanitária e uma crise humanitária. Este debate será feito pelo Núcleo Cidade Cultura e Conflito nesta quinta as 16 horas, Dia Internacional dos Direitos Humanos. 

Fonte: NUCC/UENF. Disponível em https://www.facebook.com/nuc.uenf

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

João Alberto Silveira Freitas

Fonte: G1 (aqui).

João Alberto Silveira Freitas


Paulo Sérgio Ribeiro

Se branco fosse, vivo estaria. Simplismo? Não. Apenas uma mórbida confirmação do genocídio negro perpetrado por brasileiros(as) às vésperas do Dia Nacional da Consciência Negra. O fato: João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos, foi espancado ontem, sem chance de defesa, até a morte por seguranças privados de uma corporação francesa – Carrefour – em um dos seus estabelecimentos comerciais em Porto Alegre/RS, dando um nome e um rosto ao velho “normal” descrito pelo Anuário Brasileiro da Segurança Pública[1]. Em sua edição mais recente (2020), tendo por referência o ano de 2019, dois dados saltam aos olhos: das vítimas de violência letal no Brasil, 74,4% atingem negros e, no tocante à vitimização decorrente de intervenções policiais, 79,1% lhes acomete[2].

Ante a constância da vulnerabilidade social de homens e mulheres negros(as) à violência em suas múltiplas manifestações racistas, temos de indagar sobre as razões possíveis da arbitrariedade sobre os seus corpos aqui e alhures. Em “Contra-história do liberalismo”[3], Domenico Losurdo sugere apontamentos tão perturbadores quanto as imagens do brutal assassinato do senhor João Alberto.

Ao focalizar a construção do pensamento liberal nos dois lados do Atlântico a separar o império inglês de suas colônias no hemisfério norte até o século XVIII, Losurdo revela em detalhe as incongruências de uma visão de mundo que encontraria na escravidão racial seu anteparo em um emergente capitalismo cuja lógica desumanizante não daria margem a veleidades iluministas.

Losurdo é incisivo: o que é o liberalismo? A resposta, feita com suficiente fôlego empírico em sua obra, poderia assim ser contextualizada: filósofos, como John Locke entre tantos outros expoentes daquela tradição de pensamento, que elegeram a liberdade como o alfa e o ômega de um concepção de boa vida, justificariam o poder absoluto sobre homens e mulheres tornados bens semoventes sob o escravismo colonial como prova de coerência de sua luta contra qualquer poder despótico que interviesse na propriedade privada entendida como um direito natural. Tratar-se-ia, em sua forma e conteúdo, de assegurar vida longa ao mito fundador de uma sociedade nacional politicamente emancipada (EUA), mas comprometida (eternamente?) com o seu complexo de colono:


Se a honra da metrópole como lugar privilegiado da liberdade estava salva, não obstante a permanência da escravidão na sua extrema periferia, para os colonos, essa visão cometia o erro de confundir e assimilar ingleses livres, escória carcerária e povos de cor.

[...]

Independentemente até do problema da representação, a delimitação espacial da comunidade dos livres é percebida como uma exclusão intolerável. Por outro lado os colonos, ao reivindicar a igualdade com a classe dominante inglesa, aprofundam o abismo que os separa dos negros e dos peles-vermelhas. Se em Londres se faz a distinção entre a área da civilização e a área da barbárie, entre o espaço sagrado e o profano, contrapondo em primeiro lugar a metrópole às colônias, os colonos americanos são levados por sua vez a localizar a linha de separação em primeiro lugar no pertencimento étnico e na cor da pele: em base ao Naturalization Act de 1790, só os brancos podem ser tornar cidadãos dos Estados Unidos[4].


EUA e Brasil diferem quanto às vicissitudes do seu racismo institucionalizado, mas olhar para a contradição insolúvel do ideário de liberdade que caracteriza a autoconsciência dos(as) estadunidenses e o preço de levá-la adiante, caso não subestimemos o movimento “Black Lives Matter” detonado pelo assassinato igualmente brutal de um homem negro – George Floyd – por agentes policiais, coloca-nos diante do nosso próprio complexo de colono. Ora, não estaríamos diante dos impasses trágicos da delimitação, por exclusão, de uma “comunidade dos livres” entre nós?

O senhor João Alberto ousou ser livre ao acessar as dependências de um hipermercado e delas foi expulso como um corpo sem vida por dois homens brancos, agentes de segurança privada, sendo um deles também policial militar[5]. Excelsa realização de nossa subcidadania: Mercado e Estado personificados como uma só força contra alguém que não seja legatário de uma ordem capitalista cuja estrutura de poder se edifica sobre as bases duradouras do colonialismo.

O que advirá do holocausto negro testemunhado na capital gaúcha retirará o véu de nossas iniquidades neste 20 de novembro? Haverá sublevações populares como as que se seguiram à morte de George Floyd nos EUA? Não levanto tais questionamentos me fazendo incendiário. Só desconfio que, se sobrevierem atos de revolta antirracista como uma onda crescente nas ruas de nosso(?) país, apelar à ordem dirá muito sobre o lugar de fala e o lugar de escuta de cada um(a).



[1] Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2020). Acesso em 20/11/2020. Disponível (aqui).

[2] Idem, p. 12.

[3] CF. LOSURDO, Domenico. Contra-história do liberalismo. São Paulo: Editora Ideias & Letras, 2006.

[4] Op. cit., pp. 61-62.

[5] G1. “Era esperto, brincalhão”, diz amigo de infância sobre homem negro morto espancado em supermercado no RS. Edição de 20/11/2020. Disponível (aqui). 

terça-feira, 9 de abril de 2019

quarta-feira, 3 de abril de 2019

Não basta pedir desculpas aos terreiros: deve-se desarmar o cristianismo por dentro.

Publicado originalmente em Ativismo Protestante (aqui).

Não basta pedir desculpas aos terreiros: deve-se desarmar o cristianismo por dentro.

A violência faz-se sagrado”.
(René Girard)
Ler o que nunca foi escrito”.
(Walter Benjamin)
Por Fabio Py*
É com grande tristeza que se recebe outra notícia sobre mais um templo de candomblé destruído. Foi na segunda-feira, 25 de março, na região de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense. Segundo os religiosos do próprio terreiro, eles foram expulsos pelos traficantes, que queriam transformar o centro em uma base para comércio de drogas. Nas fotos, percebe-se que a violência foi completa, com a destruição de vasos, de utensílios, de altares. Dois detalhes dessa violência merecem ser (ainda) mais destacados. Primeiro: no muro de fora do terreiro foi escrito: “Jesus é o dono do lugar”. Segundo: no ano passado, o mesmo terreiro foi invadido e impedido, por um tempo, de realizar suas celebrações religiosas. Esses dados são importantes, porque indicam uma violência contínua nas favelas contra os terreiros, e que, de alguma forma, os violentadores se relacionam com o protestantismo-evangélico, embebido com o fundamentalismo. Em um exercício teológico, porém, observa-se que tal fundamentalismo violador não se sustenta no que lhe é mais elementar: a leitura bíblica a partir ‘dos originais’.

A territorialidade evangélica e seu vínculo com o fundamentalismo
Sobre tal violência, gostaria de destacar pontualmente as inscrições no muro do terreiro com a citação em alusão a Jesus, indicando uma territorização cristã do local. Quero deixar claro que não gostaria de discutir se os traficantes são ou não cristãos, evangélicos. Minha preocupação é, antes, perguntar que: cristianismo é esse recebido por eles, que leva adeptos ou simpatizantes a praticarem tamanha brutalidade ao expulsarem e destruírem os templos de pessoas que professam outra religião?
É possível argumentar que a especificidade da violência cristã nas favelas fluminenses tem sua origem no início do século XX, quando grupo de batistas e presbiterianos americanos escreveram um conjunto de panfletos e livros chamados “Os fundamentais da fé cristã”. Em tais documentos, buscavam promulgar os pontos básicos do cristianismo, isto é, seus fundamentos. Aqueles que seguiam os pontos dos panfletos passaram, a partir de 1920, a se autodesignar fundamentalistas, preocupados em desenvolver uma revisão simplificadora do cristianismo. Em suma, os fundamentalistas defendiam que a Bíblia seria um livro “inerrante” (sem erros). Acrescente um importante detalhe: os arautos dos fundamentos bíblicos eram patrocinados, em grande parte, pelo dinheiro do petróleo e da indústria do ferro americana.
O Brasil recebeu uma leva desses fundamentalistas protestantes no fim da década de 1920. Com ímpeto missionário renovado, apresentam novo vocabulário de desprezo às práticas religiosas do país. Embora a primeira leva de missionários fundamentalistas tenha chegado ao Brasil nas primeiras décadas do século XX, o movimento tomou novo fôlego durante a Ditadura Militar. No período, o fundamentalismo missionário se renovou, passando a indicar que o cristão, diferente de Jesus Cristo – que era pobre e galileu –, também tinha direito a ter prosperidade na terra, a benção. Esse novo movimento assumia uma forma de pentecostalismo com novas roupagens, unindo cristianismo e a lógica do mercado neoliberal numa vertente amplamente conhecida como a “teologia da prosperidade”.
É dessa teologia que vem a ideia da territorização cristã, tragicamente exemplificada com a inscrição do nome de Jesus no terreiro de candomblé destruído. Um símbolo da tomada de posse de um espaço sagrado. Essa violência é mais uma luta por higienização, via discurso religioso, operado nas áreas das favelas. Também é o reflexo de circuitos de missionários americanos que reatualizam o imperialismo via apologética cristã.
Não estou afirmando que no Brasil não se produziu uma forma autônoma e independente de cristianismo. Contudo, digo que elas foram impulsionadas pelo ímpeto americano de evangelizar o mundo. Como cristão e teólogo, ao perceber o quão longe pode chegar a violência religiosa praticada por meus pares, não acho que basta pedir desculpas por mais um templo de candomblé destruído. Não acho que baste. Diante de uma violação tão horripilante, a proposta é “operar” a retirada do pavio da dinamite, tal como indica Walter Benjamin: “antes que a centelha chegue à dinamite, é preciso que o pavio que queima seja cortado” (Walter Benjamin, Rua de mão única, 1995, p.46).

Exercício para cortar a centelha da pólvora: os ‘inícios’ da Bíblia hebraica
No esforço de tentar cortar a centelha da dinamite, é preciso reconhecer que as numerosas modalidades de movimentos fundamentalistas nas diferentes épocas dificultam a possibilidade de um protestantismo-evangélico menos belicoso. O que é muito sério, pois os evangélicos têm por fundamento teológico os relatos da Bíblia. Então, minha proposta de exercício aqui é analisar um dos textos bíblicos mais importantes na tradição judaico-cristã, o famoso texto de Gênesis 1:1, que abre a Bíblia. No texto, a maioria das versões das Bíblias protestantes traduzem os primeiros versos como “No princípio Deus criou o céu e a terra” (Almeida Corrigida e Fiel). Recentemente, a Nova Versão Internacional (NVI) optou por um caminho próximo: “No princípio Deus criou os céus e a terra”. Ambas as traduções foram produzidas sob incentivo das casas religiosas e missionárias evangélicas ligadas a alguma expressão do fundamentalismo. Assim, elas operam a tradução do termo “bereshit” por “no princípio”.
É interessante, porque, se olharmos pelo menos uma tradução (mais) técnica católica (não ligada ao fundamentalismo protestante-evangélico) como a Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), ela nos apresenta a seguinte tradução: “Quando Deus criou o céu e a terra”, percebe-se que a sentença da TEB modifica completamente a frase. De “No princípio Deus criou” para uma indeterminação como “Quando Deus criou o céu e a terra”. Na explicação dos editores da TEB, no rodapé, afirmam ser essa opção mais fidedigna à fórmula “Em um princípio Deus criou o céu e a terra”. Ou seja, considerando que os textos de Gênesis são os mesmos entre evangélicos e católicos, a fórmula “em um princípio” é a que mais se aproxima do original.
Continuando o exercício, e, portanto, fazendo uso das ideias da Reforma Protestante de acesso aos originais e a suas traduções, percebe-se que nas primeiras palavras da Bíblia não se expressa nenhuma univocidade como as traduções financiadas pelo fundamentalismo protestante-evangélico preferem afirmar. Ao contrário, utilizando a tradução mais próxima do original (“Em um princípio”) nota-se se que a criação judaico-cristã é apenas uma diante das demais criações do mundo relatadas nos diferentes credos e povos. Tal tradução relativiza a criação da Bíblia hebraica. Portanto, como teólogo protestante-evangélico, o simples dado de rediscutir os “originais” (jargão tão caro à Reforma Protestante) pode ajudar a diluir as ideais do imperialismo disfarçadas nas casas missionárias. Auxiliando, quem sabe, a desarmar a centelha que cisma em correr e estourar diariamente a dinamite do racismo e da intolerância religiosa.

Finalmente…
É importante afirmar que tal exercício (e outros mais) pode ajudar na construção de uma agenda de diálogo entre as religiões, na luta por desarmar o cristianismo brasileiro, cada dia mais bélico, mais racista com as tradições religiosas vindas da África. Digo isso, enquanto teólogo, porque acho muito pouco pedir desculpas aos povos de terreiro pelos ataques feitos em nome de Jesus. Antes, nós cristãos devemos construir uma agenda de revisão dos primórdios para, aos poucos, desarmar nosso cristianismo belicoso por dentro, diluindo suas bases duras, apologéticas, cercadas, imperialistas. Por isso, reafirmo: não basta pedir desculpas. Deve-se construir uma série de exercícios teológicos com traduções e as tradições da história da igreja, que poderiam ajudar no desarme do cristianismo brasileiro tão acostumado à depredação dos demais. Assim, por conta da nova destruição do templo de candomblé feita sobre o nome de Jesus, assumo que o protestantismo-evangélico brasileiro merece ser revisto não só ‘por fora’, mas, principalmente, ‘por dentro’ mediante uma severa revisão de desarme de suas lideranças e das doses imperialistas que impregnam ativamente seus templos.

Fontes consultadas:
* Teólogo; Professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Sociais (UENF).

segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

Documentário "Auto de Resistência" - terça, 04/12/2018 - 18 horas


Um documentário sobre os homicídios praticados pela polícia contra civis, no Rio de Janeiro, em casos conhecidos como "autos de resistência".

O filme acompanha a trajetória de personagens que lidam com essas mortes em seus cotidianos, mostrando o tratamento dado pelo Estado a esses casos, desde o momento em que um indivíduo é morto, passando pela investigação da polícia, até as fases de arquivamento ou julgamento por um tribunal do júri.

Após a exibição do documentário, será realizado um debate com a participação da diretora do filme, Natasha Neri, o defensor público Tiago Abud e Dona Ivanir Mendes, mãe de vítima do Estado e ativista da Rede de Comunidades e Movimentos contra a Violência.

Local: Auditório da UFF de Campos dos Goytacazes

Rua José do Patrocínio, 71

Fonte: Facebook.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Entre anjos e demônios


Entre anjos e demônios


Por Paulo Sérgio Ribeiro

Um evento insólito: Jair Bolsonaro esfaqueado à luz do dia. O atentado contra o presidenciável ocorrera em plena campanha no município mineiro de Juiz de Fora às vésperas do feriado nacional da Independência. De pronto, teorias conspiratórias pululam e toda sorte de oportunismo político se faz presente nas narrativas sobre suas possíveis causas e os prováveis desdobramentos para o pleito de 7 de outubro. Antecipar prognósticos neste momento é, no mínimo, arriscado, dada à opacidade dos acontecimentos numa eleição atípica em tantos aspectos.

Importa avaliar a agressão sofrida por Bolsonaro não como um ponto fora da curva senão como a "curva" em si e, aqui, tocamos na nervura de todas as tensões. A imoderação das paixões parece ter alcançado o seu ponto de inflexão quando um líder de extrema-direita se encontra com as consequências do imaginário em torno da violência política que o próprio personifica. Esta óbvia constatação não nos autoriza a subestimar o perigo da regressão dos costumes, isto é, a incapacidade de uma cultura e sociedade definirem acordos morais mínimos sobre o que seja “crime e castigo” contra um indivíduo ou grupo nas lutas por poder.

Mesmo admitindo que Bolsonaro desconhece barreiras éticas entre os discursos que profere e o decoro parlamentar enquanto deputado federal no sétimo mandato consecutivo, é forçoso indagar como eventuais mistificações sobre o atentado podem vir a caracterizá-lo como um “mártir” da democracia que sempre desprezou. Se isto procede, não é demais lembrar que, diante desta maré montante de irracionalidade, todos temos de fazer escolhas, tenhamos consciência disso ou não. Repudiar a agressão contra Bolsonaro é fortuito se, e somente se, consigamos, em nossa esfera de ação imediata (quem não tem um parente ou amigo reacionário hoje em dia?), devolver àqueles que o seguem sua condição de sujeito moral, isto é, restituir-lhes a capacidade de responsabilizar-se pelo que falam e sentem quanto à realização de fins legítimos.

Do contrário, a insegurança jurídica promovida por aqueles que custodiam na Justiça Federal a manutenção do golpe parlamentar contra uma Presidenta legitimamente eleita reduzirá a luta política a um embate de vida e morte entre machos-alfa pela comando autoritário da nação. 

Até o momento, os sinais são confusos no que toca à transposição desse cenário.

O debate público no Brasil foi colonizado por moralistas sem moral que fomentam medos e preconceitos em determinados segmentos da classe média tradicional contra os pobres em geral e as minorias em particular, impondo uma agenda antipopular e antidemocrática cujos efeitos se fazem cada vez mais dramáticos e que desafiam o campo progressista a atualizar seus acordos táticos neste 1º turno, caso o que esteja em jogo seja redesenhar um pacto social que reabilite direitos fundamentais e, não menos, valores civilizatórios.

domingo, 1 de abril de 2018

Documentário: "Nossos mortos têm voz"

'Nossos mortos Têm Voz' é um grito pela vida - Créditos: Foto: Divulgação
O documentário ‘Nossos Mortos Têm Voz’, lançado no ultimo dia 27 no Cine Odeon, no centro do Rio de Janeiro, resgata a história da chacina cometida por policiais nos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na baixada fluminense. O episódio, que completa 13 anos neste mês, deixou 29 mortos.

Um dos diretores do documentário que foi produzido pela Quiprocó Filmes, Fernando Sousa, destaca a urgência do tema da violência do Estado ser amplamente debatido, principalmente após os casos envolvendo a vereadora Marielle Franco, do PSOL, as chacinas na favela da Rocinha e no município de Maricá. Sousa ressalta que a violência na Baixada Fluminense tem peculiaridades. 

"A violência de Estado na Baixada Fluminense ganha uma configuração específica, na medida em que grupos de extermínio e esquadrões da morte se articulam com as diferentes instâncias dos poderes públicos locais, como o Legislativo, Executivo e o Judiciário. A gente parte da chacina na Baixada para abordar outros casos de violência de Estado na região, como casos de desaparecimentos forçados na Baixada," afirma.

O processo de produção do filme durou cerca de um ano. O diretor relata que o documentário é um grito pela vida e teve como principal desafio a abordagem do tema da violência do Estado com as famílias atingidas.

"Ao longo do processo de produção nós realizamos contato com 6 famílias e entrevistamos 6 mães. Foi um processo duro para todas as mães envolvidas, tratar deste assunto é sempre mexer numa ferida que não cicatriza. A dor e o sofrimento ficam muito marcados para a gente, porque parece que vão permanecer para sempre nessas mães. Foi um trabalho desafiante neste sentido, de uma responsabilidade muito grande de como deveríamos abordar esses casos", conta Sousa.

O documentário ‘Nossos Mortos Têm Voz’ contou com o apoio do Centro de Direitos Humanos da Diocese de Nova Iguaçu, o Fórum Grita Baixada e a Miserior. O filme não está no circuito comercial, a agenda de exibição  pode ser conferida na página do Facebook ‘Nossos Mortos Têm Voz’. Uma estreia oficial da produção acontecerá na Baixada Fluminense.

Fonte: Brasil de Fato.

Acesso: https://www.brasildefato.com.br/2018/03/29/documentario-narra-a-historia-das-vidas-interrompidas-pela-violencia-do-estado/

quinta-feira, 15 de março de 2018

Marielle Franco, presente!



Marielle Franco, presente!


Por Paulo Sérgio Ribeiro


Não há como passar incólume pelo assassinato da colega Marielle Franco e de Anderson Pedro Gomes, motorista da vereadora (PSOL-RJ), ocorrido ontem na capital fluminense. Os colaboradores deste blog manifestam pesar e prestam solidariedade às suas famílias. Emprego “colega” aqui respeitosamente, já que Marielle era socióloga, tendo se graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ) e, em seguida, tornado-se mestra em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). A última credencial acadêmica fora obtida com a defesa da dissertação “UPP: a redução da favela a três letras”, título mais do que emblemático dos temas e problemas que moviam a sua militância a partir de uma realidade estruturada pela violação sistemática de direitos.

Deveras, a inevitável comoção diante do fato não deve balizar a investigação criminal. Espera-se que esta ocorra com sobriedade para a elucidação do crime. Todavia, essa moderação não se confunde com uma pretensa “isenção de ânimo” em face dessa brutalidade, pois, a despeito de quem seja a provável autoria do crime – que reúne elementos típicos de uma execução – calou-se uma voz que, na Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro, amplificava o grito insubmisso de segmentos populares e de minorias submetidos a toda sorte de arbítrio chancelada pela promiscuidade entre o aparelho de Estado e os agentes da criminalidade violenta.

Sua agenda política movimentada e polifônica era um exercício de poder constituinte: a refundação da vida em comum pelas iniciativas de indivíduos e grupos com os quais mantinha uma interlocução permanente em sua vereança; mulheres e homens periféricos que, através do seu mandato, reabilitavam sua capacidade de ação coletiva ao invés de serem capturados pela burocracia do estado como seres anônimos e atomizados para fins de estatística. É cedo para afirmarmos que o assassinato de Marielle Franco foi ou não um crime político na acepção convencional do termo. Mas, sem dúvida, foi uma violência contra a política, se entendida como um poder radicado na liberdade do cidadão comum de praticar a desobediência civil e não no seu controle sob a forma de um cordão sanitário entre o asfalto e o morro que, de tempos em tempos, reduz as bases da convivência ao silêncio cínico diante do terror institucionalizado.

sábado, 24 de fevereiro de 2018

Intervenção para quem precisa

Intervenção para quem precisa*

George Gomes Coutinho **

Os dias imediatamente após as comemorações carnavalescas trouxeram para a população brasileira em geral, e a fluminense em particular, o inusitado. No dia 16/02 o anúncio intempestivo de uma Intervenção Federal pegou muita gente de calças curtas. Desconfio que até mesmo os policy makers fluminenses se viram em igual condição.

Afinal, que cazzo quer o Governo Federal na atual conjuntura? A medida foi recebida com críticas e ceticismo por uma enorme gama de pesquisadores. Cabe ressaltar o ineditismo da situação: nunca antes na História do Brasil redemocratizado assistimos algo assim. Não se trata, portanto,  de medida insignificante. É dotada de inegável excepcionalidade e implica o reconhecimento de que algo vai muito mal com as nossas instituições, a despeito da cantilena que apregoa o oposto desde 2016. Isso não desconsiderando a medida ser respaldada pela Constituição Federal de 1988. Para além disso, por qual razão seria o Rio o objeto da Intervenção? Justamente o estado da federação que não se encontra na pior situação em termos de violência urbana, não obstante a reconhecida tragicidade de sua condição estrutural.

Ainda, cabe perguntarmos se era esse o encaminhamento mais adequado, afinal a intervenção retira a autonomia decisória do estado no que tange a segurança pública. Isso é grave. Está se afirmando que o estado tornou-se incapaz de gerir este setor. Mas, seria só esse? É falta de expertise mesmo? A segurança pública é o maior e mais grave problema do Rio de Janeiro nesse momento? Oras, e as outras áreas fundamentais de atendimento da população? O problema é de gestão ou seriam opções suicidas de contigenciamento orçamentário que provocaram o atual cenário? No rastro das perguntas inconvenientes: como estabelecem um prazo, um limite temporal para a intervenção, sem terem delimitado objetivos claros?

Muitas dúvidas diante de tema tão espinhoso. E uma única certeza para o momento. A mudança de pauta na opinião pública. A segurança pública do Rio tornou-se, mais uma vez, o “assunto do momento” em ano eleitoral. Conseguiram o intento após a Reforma Previdenciária ter subido no telhado. A jogada é maquiavélica se foi para mera mudança de direcionamento dos holofotes.

* Texto publicado em 24 de fevereiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

terça-feira, 20 de fevereiro de 2018

INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES

INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES*

José Luis Vianna da Cruz**

Fatos

O Governo Federal intervém, apoiado na Constituição, na Área de Segurança do Estado do Rio, até 31 de dezembro deste ano, por suposta perda de controle do governo estadual sobre a violência. Um General vai comandar as ações das Polícias Militar e Civil, dos presídios, da área de inteligência, dos bombeiros. Vai reportar diretamente ao Presidente da República.

Com a intervenção, fica proibido alterar a Constituição. A Reforma da Previdência, considerada “questão de honra” para o Governo, as elites, a grande mídia, o Judiciário, o MP e o Mercado, não poderá ser realizada nesse período, pois implica em mudanças na Constituição, como bem lembra a reportagem da BBC sobre o assunto (http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43088935).

Dúvidas, questões e apreensões

O Exército já está, desde o ano passado, autorizado por Decreto do Presidente, a atuar na segurança do Rio de Janeiro. Sua atuação não resolveu nada.

O Rio não é o único nem o pior estado do país na questão da violência. Segundo o 11º Anuário de Segurança Púbica, do Forum de Segurança Pública, divulgado no site da revista EXAME, em 4 de novembro de 2017, o Rio é o 10º colocado em crimes violentos do Brasil (https://exame.abril.com.br/brasil/os-estados-mais-violentos-do-brasil-3/).

A presença de tropas, somente, não resolve a questão estrutural da violência, de forma profunda e por um longo prazo. Ocupação permanente? Como bem lembrou o sociólogo Renato Lima, do Fórum de Segurança Pública, com a proibição de mexer na Constituição provocada pela Intervenção, não será possível enfrentar as questões estruturais e as mudanças que podem garantir uma melhoria profunda e de longo prazo, tais como a natureza, as estruturas e as funções das polícias, dentre outras questões de fundo. Que efetividade é possível alcançar com esta medida?

Se vai ser feito “mais do mesmo”,o que já demonstrou não ser eficaz; se isso vai ser feito no décimo estado em gravidade da violência, qual a perspectiva de solução?

A Intervenção militar não foi precedida de nenhum estudo, estratégia, proposta ou projeto de enfrentamento da questão da violência. Se ela está em níveis insuportáveis em todo o país não seria um caso de ataca-la com políticas públicas, e não com violência?

Não podendo mexer na Constituição, até o final do ano, para que serve a intervenção? Especula-se que seria para encontrar uma desculpa para o Congresso e o Governo Temer escaparem da realização da Reforma da Previdência, cuja rejeição pode ameaçar as eleições dos membros do Congresso e do Governo.


Como ficam as eleições?Analisando-se politicamente, com tanta água a rolar por debaixo da ponte após a intervenção, quem pode garantir que serão realizadas? Lembremos que o Exército vai atuar também na questão dos imigrantes venezuelanos. Será um ensaio para um projeto de um golpe civil-jurídico-político-militar? Se a conjuntura caminhar para uma reação ativa da sociedade, dos movimentos e organizações populares, contra o Governo e suas medidas antidemocráticas e antipopulares, e as pesquisas mostrarem que os candidatos dos golpistas tendem a não se eleger e os candidatos contrários a esse Estado de Exceção e a favor do retorno e ampliação dos direitos e da democracia, tendem a ser bem votados em número e representatividade, para o Congresso e o Executivo, vai haver eleições em 2018? Será isso o que explica, em última instância, a Intervenção?

* Artigo publicado originalmente no jornal Terceira Via em 18 de fevereiro de 2018. O texto foi cedido gentilmente pelo autor para ser republicado por nós aqui no Autopoiese e Virtu.

** Cientista Social, Doutor em Planejamento Urbano e Regional.