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domingo, 31 de dezembro de 2017

Diniz um ano depois

Diniz um ano depois*

George Gomes Coutinho **

Discutir o governo Rafael Diniz após um ano é tarefa que envolve lidarmos com ¼ do período de mandato usual de um prefeito no Brasil, salvo contingências nada desprezíveis que interrompam a trajetória pautada pela periodicidade das eleições no momento em que a judicialização da política é um dado e um fato.

Neste momento de proximidade de um ano de Diniz na prefeitura, podemos afirmar que há uma agenda real de governo. Há um direcionamento, um ethos, que pode ser replicado pelos próximos três anos. Pelo menos há esta tendência dado que não sinalizam-se mudanças.  Em minha perspectiva se firmam as seguintes questões: 1) a melancolia das altas expectativas não cumpridas; 2) a fé em uma ótica gerencial de governo; 3) inovações periféricas e ainda tímidas; 4) o enfrentamento de políticas públicas clientelistas sem a substituição das mesmas por políticas públicas emancipatórias; 5) a reprodução previsível da relação por vezes constrangedora entre governo e sociedade local.

Dos cinco itens listados acima irei cuidar exclusivamente das expectativas pré-governo que não decantaram no último ano de “governo real”.

 Expectativas pré-governo

Nas eleições no ano de 2016 para prefeito, me recordo de uma cena que sintetizará certa frustração amarga posterior. Era ainda o domingo eleitoral quando o resultado das eleições foi divulgado para a surpresa de muita gente sendo a chapa Diniz/Conceição Santana declarada vencedora em primeiro turno. Passei em um dos bares da cidade situado em um bairro de classe média naquele momento e me deparei com um churrasco, oferecido e organizado por um dos proprietários do estabelecimento, para comemorar a vitória da chapa. Não foi um churrasco financiado por ninguém envolvido com a campanha ou com a chapa. Foi uma decisão espontânea de um dos proprietários.

Cabe dizer que não fui convidado para o churrasco e por lá cheguei inocentemente e de forma acidental enquanto mero consumidor. Porém, ao ver o clima de festa, que lembrava muitíssimo a final de um campeonato de futebol, fiquei perplexo. Decidi inquirir as pessoas, que estavam genuinamente sorridentes, sobre o que elas esperavam de fato do governo que tomaria posse. Primeiramente havia uma satisfação incontida com o que seria a morte política definitiva de Garotinho e sua entourage. Ou seja, os representantes individuais de diversos grupos campistas que ali estavam interpretaram a vitória da chapa Diniz/Santana como uma espécie de “revanche”, um tipo de vingança eleitoral contra o grupo que administrou a cidade, salvo variações e rachas entre Garotinho e seus seguidores, desde o início da Nova República.

Cabe dizer na verdade que a carreira de Garotinho se está em estado terminal isso se deve, neste estranho ano de 2017, ao fenômeno da judicialização da política. Antes disso, o primeiro ano do Governo Diniz lidou com um adversário derrotado nas urnas bastante engajado em atuar na oposição midiática e judicial. Portanto, embora a derrota eleitoral tenha abalado de forma inequívoca o capital político de Garotinho e seu clã na cidade, isto ainda não havia retirado o ex-prefeito e ex-governador do cenário. A justiça fez esse trabalho, como tem feito em inúmeras ocasiões no Brasil.

Retomando a expectativa quase foliona naquele domingo de 2016, compreendi que o resultado da eleição municipal soava como um hard reset da sociedade campista. Tal como se fosse um começar de novo para a cidade. O discurso moral lacerdista, eternamente reencarnado entre nós, apontava a possibilidade de “limpar tudo” com o novo governo. Embora o termo “limpar tudo” não seja nada preciso. Muitas vezes implica, na prática, que agentes que estavam no poder saem para dar lugar a outros, até então alijados, seguindo a mesma lógica.

Em silêncio, dado que detesto estragar a festa de quem quer que seja, fiquei pensando se seria razoável exigir a reforma da sociedade a partir de um governo. Desde então, em todas as minhas análises, venho repisando que esta é simplesmente uma expectativa inatingível. Governos podem produzir mudanças importantes certamente em uma dada sociedade caso tomem medidas estruturantes que se sustentem no médio prazo. Contudo, muitas vezes quando conseguem ser “bom governo” precisam é se defrontar com a lógica de funcionamento da sociedade em questão.

Após um ano, Campos obviamente não se tornou “outra cidade”. Reencontrei com alguns partícipes do tal churrasco e a frustração de que não sentiam a “grande mudança” ansiada é quase unânime. Penso que a melancolia seja justificável: a campanha da chapa Diniz/Santana realmente inflou em patamares surreais as expectativas dos eleitores. Não é um problema especificamente desta campanha. Na verdade a política necessita desta injeção de ânimo esperançoso até para se legitimar. Contudo, quanto mais altas as expectativas, mais alta é a queda. E o grande consenso nos arredores do governo, mais ou menos consolidado nos primeiros meses, se liquefez com apoiadores de primeira hora tornando-se críticos sistemáticos e atentos.

*   Texto publicado em 31 de dezembro de 2017 no jornal Folha da Manhã em Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

segunda-feira, 3 de julho de 2017

Nota breve de conjuntura 2 - Diniz, Gramsci e o Interregno

Nota breve de conjuntura 2 - Diniz, Gramsci e o Interregno *

George Gomes Coutinho**

O governo Rafael Diniz atingiu a marca de seis meses na prefeitura de Campos. Nos encontramos em situação diversa daquela quando fomos convidados a analisar o governo em seus primeiros100 dias. Acredito que hoje temos uma rotina mais consolidada que não precisará ser aquela que irá moldar toda a gestão. Porém, olhando pelo retrovisor, é possível detectar traços marcantes que ao menos dizem algo sobre a conjuntura que já foi vivida.

Antes de prosseguir, registro aqui uma sensação um tanto incômoda de minha parte. Antonio Gramsci (1891-1937), o comunista sardo preso no período fascista e um dos alvos prediletos de parte da direita brasileira contemporânea, apresentou uma síntese de pensamento sobre os períodos de crise em um dos seus “Cadernos do Cárcere”: o velho se recusa a morrer e o novo simplesmente não nasceu. Gramsci chamava estes períodos da História de “tempos de interregno”, momentos particularmente difíceis de crise de hegemonia onde perspectivas ideológicas mórbidas, falseadoras ou simplesmente danosas são apresentadas aos borbotões. Em tempos de interregno as auto-interpretações políticas, sociais e culturais de uma dada sociedade tornam-se perigosamente gelatinosas. Portanto, é natural a sensação de relativa desorientação dos tempos que correm. E é neste espírito do tempo, ou o bom e velho zeitgeist como diriam os alemães, que insiro estes seis meses do governo Diniz. Não podemos afirmar, até agora, que tudo está a transcorrer de vento em popa.

Cabe dizer que Campos dos Goytacazes não está descolada do seu entorno. Aqui há reverberações das práticas e da conjuntura política nacional em âmbito local. Contudo, Campos, enquanto realidade particular, não reproduz meramente as tendências que lhe chegam. A esfera política e o espaço público daqui terão suas versões singulares e em “miniatura” do que transcorre em escala nacional. Irei destacar quatro tendências encontradas nacionalmente e “traduzidas” localmente nestes 06 meses de governo Diniz: a) a polarização; b) facebookização da política; c) judicialização; d) a solução elitista para conflitos redistributivos.

I  - Polarização

Venho argumentando em diversas ocasiões que a polarização política, seguida do discurso irracional que é inerente ao ódio, produz patologias no espaço público. O maniqueísmo vulgar em dualidades como “coxinha X mortadela”, “petistas X tucanos”, e etc. tem redundado na inviabilidade do diálogo. O problema é que a asfixia do diálogo envenena a democracia em uma sociedade que é em si mesma complexa e plural. Na verdade, abdicarmos do diálogo implica darmos asas para projetos totalitários ainda mais danosos que o vilipendiado modelo democrático de convivência coletiva. Afinal, quando falamos em democracia, estamos pressupondo algo mais do que um mero método de seleção de governantes.

Nestes termos, a polarização “Garotinho X Diniz”, o que redunda na formação de grupos onde a diferenciação se dá pela adesão quase irrestrita a um personagem ou outro, não produz igualmente bons resultados.

Noto de forma assistemática que alguns atores dotados de capacidade de formulação política, seja entre o empresariado, profissionais liberais e outros grupos políticos e sociais, sentem-se alijados por considerarem que há fraca interlocução do governo para além de seus muros. Seria um governo ensimesmado. Voltando aos efeitos deletérios da polarização, dado que esta interlocução necessita da crítica para ser bem sucedida dado que os atores notam erros de condução do executivo local, o risco da serem simplesmente carimbados de “pró-Garotinho” por inércia é inevitável. Por outro lado, apontar acertos por caminhos tortos na gestão Rosinha não indica igualmente a adesão acéfala e subserviente à família que governou a cidade até 2016. 

Serei relativamente ingênuo. A única solução que vejo neste momento é a maturidade política como via para superação da polarização e da miséria discursiva e propositiva decorrentes. Abdicar da polarização nos dias atuais indica a necessidade de abrir mão de determinados dividendos eleitorais em futuras eleições. Porém, os malefícios da polarização tem se mostrado infinitamente maiores para a sociedade do que os benefícios obtidos por qualquer grupo político específico.

II – Facebookização da política

Eu estou utilizando o nome do “facebook” para me servir  do neologismo “facebookização” por uma razão muito simples: trata-se da rede social de maior alcance no Brasil neste momento. Porém, eu poderia utilizar outras redes sociais para o neologismo. Basta lembrarmos do uso obsessivo de Donald Trump com o “twitter” por exemplo.

Antes, cabe um alerta histórico bastante simples: a comunicação entre lideranças políticas e sociedade sempre ocorreu de forma ou de outra. Na modernidade temos os manifestos partidários e no século XX vivenciamos a utilização dos meios de comunicação de massa (rádio, jornal e televisão). Há incontáveis exemplos factuais que não pretendo apresentar aqui para não ser enfadonho.

 O que surge de novo, e os estudiosos das redes sociais apontam isso, é a mudança das interações sociais, a agilidade da informação e, por outro lado, certo déficit de reflexividade. Não por acaso o momento da alta utilização das redes sociais convive com a era da “Pós-Verdade” e as “fake news” produzidas em escala industrial. Resumo da seguinte maneira o quadro: muita informação e pouco conhecimento.

O sistema político certamente iria reagir a este novo tipo de interação que se intensificou nos agentes políticos formais após as eleições municipais no Brasil ano passado. João Doria Jr. em São Paulo é um dos exemplos para o bem ou para o mal. Afinal, como avaliou FHC, Doria tem se mostrado muito mais hábil em utilizar seu smartphone do que em propriamente enfrentar os desafios da maior metrópole da América do Sul.

Em nosso caso local, parte do êxito da campanha de Rafael Diniz se explica pela capilaridade alcançada justamente pelas redes sociais. Esta forma de se comunicar com o eleitorado prosseguiu. O problema é quando a ferramenta não é bem utilizada.

Se as redes sociais produzem a sensação de diminuição da distância entre governantes e governados, algo salientado pelos próprios usuários das redes sociais, a utilização da linguagem das redes pode esvaziar o conteúdo político propositivo e se tornar um reflexo explosivo das patologias do espaço público contemporâneo. Não por acaso o vídeo inflamado de Diniz em resposta à transcrição de um suposto áudio que teria falas comprometedoras do staff de seu governo não escapou das armadilhas do Fla X Flu político. Tampouco indicou qualquer encaminhamento construtivo ao reforçar o maniqueísmo. O prefeito, imagino, sentiu-se aviltado.  Não o condeno. Somos todos humanos afinal.  Contudo, episódios deste quilate deveriam soar como alerta amarelo. A comunicação política não deve ser refém das redes sociais, de seus símbolos, caprichos e etc.. A fatura pode ser exorbitante e o retorno exíguo.

III – Judicialização

A relação entre os sistemas jurídico e político no Brasil adquiriu feições que só compreenderemos em sua totalidade após essa conjuntura de interregno se assentar. Só não sabemos quando acontecerá.

Neste momento podemos assinalar que há problemas severos em termos um judiciário hipertrofiado e radicalmente politizado, onde as normativas do Estado Democrático de Direito são atropeladas em diversas ocasiões. Não são raras as ocasiões onde a sensação de arbítrio puro e simples se apresenta.

Por outro lado, o judiciário, também em não poucos momentos, tem feito correções que não podem ser desconsideradas nas relações entre poder econômico, democracia representativa e eleições. Se estas correções irão produzir efeitos em termos de práticas sociais paira o desconforto do mistério.  A única lição histórica que arrisco neste momento é a de que boa lei não produz por encanto boa sociedade.

Voltemos para a realidade campista. O que a judicialização tem produzido entre nós nestes seis meses do governo Diniz de efeito mais evidente é a inviabilidade de consolidação das feições políticas, programáticas e ideológicas do legislativo. A chamada “dança de cadeiras” inviabilizou a consolidação da díade “situação/oposição” e o perfil do próprio legislativo nos últimos seis meses. Os mais pragmáticos apontam para prejuízos no orçamento do legislativo em virtude destas recomposições. Em termos políticos, dada a tradicional maior proximidade da relação da população com seus vereadores, o eleitor simplesmente não obtém clareza necessária para realizar suas cobranças.

Ressalto apenas que não estou advogando em defesa dos que se utilizaram das “más práticas”. O que estou ressaltando são os efeitos negativos que um legislativo enevoado tem produzido no curto prazo. No médio prazo a instabilidade pode trazer repercussões óbvias na produção legislativa em si mesma e aqui não discutirei sobre sua qualidade em versões anteriores do legislativo local menos afeitas aos efeitos da judicialização.

IV  - A solução elitista para conflitos redistributivos

O Brasil após a pujança da “Era das Commodities” vivencia um momento melancólico de alto endividamento de pessoas físicas e jurídicas. Os recursos existentes, pacificamente drenados pelo setor financeiro, tornam-se escassos em um cenário francamente recessivo onde tanto o setor produtivo quanto o de serviços encontram-se combalidos. Nesta seara surge fulminante o problema do financiamento das políticas públicas. Não ocorrendo a entrada do capital das commodities e sem incomodar os lucros e dividendos do setor financeiro, a opção foi se atirar de maneira selvagem sobre os setores subalternos da população e em parte também sobre a classe média que vive do seu trabalho. Não há mágica. Trata-se de uma opção política.

O mantra repetido exaustivamente de que o problema do Estado é meramente “gerencial” gerou o discurso ideológico dos administradores e técnicos que salvariam a pátria. No mesmo tom, a simplória analogia das contas do Estado com a da dona de casa dotada de um orçamento apertado segue nesta narrativa em uma simbiose. Na verdade o discurso oculta a preferência por manter uma das sociedades mais desiguais do continente americano em termos de redistribuição de riquezas. Esta foi a opção do Governo Federal e de parte dos Estados ao enveredarem pelas práticas de “austericídio”: cortes de gastos que derivam na destruição lenta de serviços imprescindíveis para a população. Os freqüentadores dos serviços públicos de saúde em vários estados ou, aqui perto de nós, os colegas da UENF e de outras instituições podem fornecer relatos dramáticos do que esta opção política tem produzido.

Fica o paradoxo de Giuseppe di Lampedusa (1896-1957): tudo deve mudar para que tudo permaneça como está.

No discurso de que não há um plano B se esconde uma sociedade injusta em termos tributários, que não regulariza a propriedade da habitação dos moradores das periferias, que oferta volumes de recursos e isenções fiscais para o empresariado sem que existam contra-partidas efetivas para a sociedade, onde o setor financeiro se banqueteia com as taxas de juros das mais altas do planeta, etc..

Entre nós campistas ocorreu o impacto da queda, que creio ser conjuntural, do preço do barril petróleo no sistema internacional. É nacionalmente conhecida a dependência do orçamento municipal do recurso dos royalties. Porém, mesmo sendo fato notoriamente conhecido, todas as outras gestões municipais que se utilizaram destes vultuosos recursos pouco ou nada fizeram para superar a dependência dos mesmos. Em termos produtivos, Campos dos Goytacazes é uma cidade anêmica.

Voltando para o governo Diniz,  as decisões que envolveram o Restaurante Popular e o aumento do preço das passagens urbanas parecem caminhar na mesma direção das opções adotadas por parte dos Estados e do Governo Federal na atual conjuntura. Há nuances de austericídio, tecnificação do discurso político e ideologia gerencial. Da mesma maneira, por outro lado, a revisão da tarifação do IPTU até o presente momento não foi colocada em prática, algo que poderia financiar políticas públicas e sociais que viabilizariam tornar a sociedade menos desigual em termos de acesso a serviços.

Finalizando nesta conjuntura

Não obstante todos os desafios acima listados, que indicam a máxima gramsciana de que o “velho ainda não morreu”, mesmo que tenha adquirido embalagens novas e atualizações, há também “o novo que ainda não nasceu”.

Cabe citar a iniciativa da consulta popular em formulário eletrônico que circulou entre os munícipes onde estes deveriam apontar as necessidades de seus bairros. Eis uma tentativa que considero absolutamente louvável da diminuição da distância entre governantes e governados sem dúvida. O problema é o alcance: cabe a própria prefeitura disponibilizar aos cidadãos quantos afinal foram atingidos pelo formulário, quantos responderam e, no médio prazo, apontar as medidas que foram efetivadas. Não é panacéia evidentemente. Mas, é um avanço.

Da mesma maneira é notória a tentativa de oxigenar os setores culturais do município abrindo frentes de interlocução com a classe artística local e apoiando, seja com o Teatro de Bolso ou em eventos que se utilizam de parcerias entre setor público e privado, eventos com entrada franca nos espaços públicos de Campos.

Ainda, é inegável também a tentativa de diálogo com os setores propriamente acadêmicos e intelectuais profissionais promovida pelo Governo Diniz. Podem surgir boas formulações, desde que sistemáticas e robustas, amparadas por uma perspectiva de gestão da coisa pública que fuja da miséria do mero gerenciamento.


Em suma: as boas novidades se apresentam ainda tímidas. O que não quer dizer que não existam, embora ainda sejam inegavelmente diminutas diante dos desafios de Campos. Aguardemos de forma propositiva os próximos seis meses.

*  A primeira versão deste texto foi publicada originalmente no Blog Opiniões do Grupo Folha da Manhã por Aluysio Abreu Barbosa em 03 de julho de 2017. Disponível em: http://opinioes.folha1.com.br/2017/07/03/george-gomes-coutinho-diniz-gramsci-e-o-interregno/

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes.

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Nota breve de conjuntura 1 - Governo Diniz


George Gomes Coutinho **

O marco de 100 dias de governo é dotado de relevância simbólica. Contudo, justamente pelo mandato ser de 04 anos, ou 1460 dias aproximadamente, qualquer pretensão de análise definitiva é simplesmente um exercício de arrogância analítica. Nada mais do que isso.

Feita esta advertência, em 100 dias do governo Diniz irei me propor a discutir de maneira quase ensaística a partir de dois elementos: 1) a carta de intenções do Governo, o documento base do “Programa de Governo” que funcionou como diretriz para as promessas de campanha da então chapa em disputa; 2) o ainda modesto conjunto de ações concretas adotadas, o que inclui a composição do staff e medidas efetivas.

O documento “Programa de Governo”, composto de 26 páginas na versão que tive acesso, é audacioso. O mesmo é dividido em 15 áreas temáticas, onde há um breve diagnóstico sobre cada uma delas, o que inclui educação, saúde e cultura por exemplo. Destes diagnósticos apresentam-se propostas de medidas específicas para cada área temática em particular. Contudo, nota-se no documento que quase não aparecem dados concretos que possam conferir maior solidez aos diagnósticos em praticamente nenhuma das áreas temáticas destacadas pelo documento. Decerto não é pecado mortal. Falamos de um texto base. Mas, dada a fartura de dados disponíveis de diversas agências e órgãos, trabalhar sem dados na formulação e implementação de políticas públicas seria arriscado e voluntarista, algo que não vislumbro acontecer nestes 100 dias de governo “pra valer”. Igualmente torço para que não ocorra nos próximos anos, para o bem da própria cidade.

Para além das 15 áreas temáticas citadas no “Programa”, noto que há uma grande meta da então chapa Rafael Diniz/ Conceição Santana a enfeixar todas elas: nada menos que implementar um “novo modo de governar”, o que não é pouca coisa se pensarmos na prolongada forma de gerir a máquina pública desde Anthony Garotinho e continuadores. Como práticas centrais o documento defende medidas de ampliação da transparência, responsabilização dos gestores da máquina pública municipal e a ampliação da participação social.

No âmbito “participação social” o Programa reconhece, de maneira acertada, a importância estratégica dos Conselhos Municipais como instâncias deliberativas fundamentais se o objetivo é ter uma gestão efetivamente participativa. Também defende o Orçamento Participativo como prática a ser efetivamente adotada no município, o que pode redundar, em essência, no necessário aprendizado do “empoderamento” das populações onde esta forma de governar é implementada. Em outro campo, especialmente o da Educação, o documento defende as eleições diretas para a direção das escolas municipais. Esta medida, em minha perspectiva, não deve ser considerada “menor” ante um Programa de Governo que tem a ambição de ser participativo. Afinal, aprendizados democráticos precisam acontecer em todas as escalas para se tornarem consolidadas.

Portanto, para além do discurso “moralizante” que angariou a adesão do eleitorado, algo que ocorreu não somente em Campos mas em muitas das grandes cidades brasileiras, o Governo Diniz apresentou uma carta de intenções ambiciosa e com tonalidades progressistas. Todavia, nestes 100 dias o real e o imaginado, como quase sempre ocorre, entraram em conflito. Não se trata de um conflito fatal para um Governo em fase inicial que ainda carece de consolidação. Contudo, acende pelo menos um alerta amarelo para todos e todas que reconhecem os desafios históricos de uma cidade como Campos dos Goytacazes.

Diante do exposto, cabe observarmos a estrutura deixada como legado por Rosinha Garotinho. Não tenho dados neste tocante, apenas ouço apontamentos generalistas que indicariam um orçamento combalido e problemas administrativos severos. Nesta direção inclusive o prefeito veio a público apresentar esta dificuldade inicial que sugere semanas de “arrumação de casa” como diria o jargão. Também compreendi que está sendo feito um levantamento meticuloso da situação financeira e administrativa do poder municipal. Mas, já há algum detalhamento substantivo dos possíveis problemas e prejuízos? Serão apresentados ao público? De que maneira? Todas estas perguntas ajudariam a dissipar certa opacidade inicial nestes 100 dias que incomodam parcela da população neste momento. Cabe lembrarmos que o atual governo foi o vencedor da disputa eleitoral em primeiro turno, um cenário improvável para muitos analistas profissionais ou não. Em virtude deste resultado a hipertrofia de expectativas pode redundar na impaciência de um eleitorado ávido por mudanças de curtíssimo prazo.

Para além disso, como costumo frisar, governos não são de Marte e a sociedade civil não é de Vênus. Classe política e cidadãos, quer os últimos gostem ou não, são provenientes de uma mesma Campos e a Câmara de Vereadores e o staff administrativo, o que contempla todos os escalões de governo, irão representar de forma mais ou menos fiel a própria sociedade. Neste sentido o governo Diniz não consegue escapar das contradições campistas em sua composição social. De um lado há a novidade do ingresso de quadros de alta qualificação no alto escalão do governo, algo que reflete de forma cabal o maior pólo universitário do interior fluminense. Por outro lado no mesmo alto escalão, inclusive pela pressão da política cotidiana e varejista, há egressos da “velha política” que transcendem até mesmo os Garotinho. Velhos e novos mundos em uma mesma constelação.

Não nos cabe aqui discutir os problemas cotidianos causados pela “pequena política”, esta que necessita da barganha como prática. Mas, a presença de quadros da “velha política” campista ocasiona constrangimentos a um projeto que pretende implementar um “novo modo de governar” certamente.

Prosseguindo, noto que há iniciativas e esboços, pelo que pude observar de maneira assistemática no próprio website da prefeitura, que indicam a tentativa de aproximação das intenções progressistas do “Programa de Governo” com ações práticas. Especialmente me parece promissor o tratamento para a questão étnico-racial até o presente momento. Igualmente o saneamento de programas sociais em uma sociedade desigual como Campos é uma medida fundamental, desde que não redunde na satanização deste tipo de política e tampouco na paralisia dos programas.

Finalizando, recordo um adágio utilizado por ninguém menos que Sérgio Diniz em várias ocasiões ao discutir a política local. Diniz, o pai, dizia dos quadros locais: “tudo vinagre da mesma pipa”. Até o momento não me parece que Rafael, seu filho, o seja. De todo modo, terá aí mais ou menos 1300 dias para mostrar que não é. O caminho para tal envolve o enfrentamento corajoso e decisivo das contradições, lógicas e práticas da própria sociedade que o elegeu.  

* Texto publicado originalmente no Blog Opiniões do Grupo Folha da Manhã por Aluysio Abreu Barbosa em 10 de abril de 2017. Disponível em: http://opinioes.folha1.com.br/2017/04/10/george-gomes-coutinho-governo-diniz/


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 12 de março de 2017

Diniz e seu entorno

Diniz e seu entorno *

George Gomes Coutinho **

Passaram-se pouco mais de dois meses do início efetivo do governo de Rafael Diniz na Prefeitura de Campos dos Goytacazes. Não seria justo ousar qualquer avaliação com pretensões definitivas diante de um lapso temporal tão curto. Afinal, mantendo as condições de temperatura e pressão, o governo está apenas em seu início.

Contudo, irei arriscar uma questão bastante incômoda.  A despeito das motivações que movem o eleitorado no processo eleitoral, em muitos casos vejo certa hipertrofia de expectativas quanto ao rito em si. Eleições periódicas, o grande rito de seleção de governantes da democracia representativa, nem sempre redundam na reinvenção das bases estruturais de uma dada sociedade a despeito da escala. Na verdade, em muitos casos as mudanças quando ocorrem se dão de maneira paulatina e até mesmo em direção contrária do que a própria sociedade está habituada a ser, viver, praticar e pensar. Por isso, suponho, as tentações autoritárias dos golpes de Estado se apresentem com tanta freqüência. E mesmo golpes de Estado ou até revoluções não produziram no século XX a reinvenção da “sintonia fina”, sutil, quase inconsciente, das sociedades que experimentaram estas soluções.

Advirto que não estou abdicando das possibilidades da política. Apenas estou apontando limites da relação entre o sistema político e a sociedade em si.

Prosseguindo, para pensarmos as dificuldades do governo Diniz, sugiro olhar para o seu entorno, ou seja, a própria sociedade local. Esta detém uma gramática profunda a qual já fiz menção neste espaço em outra ocasião: o clientelismo. Oras, decerto Garotinho e herdeiros utilizaram desta gramática de forma hábil. Contudo, utilizar-se do clientelismo não quer dizer que os usuários o inventaram. Da mesma maneira, para além da classe política, diversos grupos e indivíduos desta mesma sociedade se beneficiaram. Campos mantém uma histórica ineficiência na redistribuição de recursos materiais e simbólicos o que faz do clientelismo um sintoma de sua abissal desigualdade estrutural. Por essa razão, para além de questões estritamente institucionais, afirmo que o maior desafio de Diniz é a sociedade que o elegeu.  

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 11 de março de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes