O senso do senso
comum*
George
Gomes Coutinho **
A sociologia, na sua tarefa
hercúlea de compreender nada menos que as relações sociais e a sociedade,
observa que há um tipo de conhecimento muito específico utilizado no cotidiano.
A este conhecimento chamamos de “senso comum”. É utilizado como mediador nas
interações cotidianas e representa, sem qualquer idealização, os valores mais
marcantes de um determinado momento histórico em uma dada configuração
societária. Entramos aí no “conhecimento da vida cotidiana” como os austríacos/americanos
Peter Berger e Thomas Luckman queriam. Ou, em uma vertente francesa, a boa e
velha doxa de Pierre Bourdieu.
O poder deste tipo de
conhecimento é imensurável. Justamente por não admitir ser questionado, há no
senso comum ares de naturalidade e auxilia a dar o formato das relações
sociais. Hierarquias valorativas são construídas, o que inclui definir o bom e
o mau gosto estético, agrupamentos sociais são bem recebidos ou estigmatizados,
comportamentos são censurados ou exaltados, etc.. A lista de efeitos obtidos é
imensa. Justamente pelo fato deste conhecimento não ser meramente contemplativo
o efeito é concreto. Mirando na enorme capacidade humana de produzir abstrações,
certamente o senso comum é o campeão em decantar na realidade.
O único remédio possível seria o
da crítica sistemática da “mera opinião”. O rei está e sempre esteve nu. Hierarquias
sociais, de toda e qualquer expressão, são construções humanas. Não são
naturais e inatacáveis. Contudo, o senso comum, por se apresentar muitas vezes
na forma de juízos práticos, atua de forma repressiva em prol de sua própria
existência. Embora muitas vezes frágil na sua construção, é este senso comum
que permite, dentre outras variáveis, que a vida prática na sociedade permaneça
tal qual ela se apresenta. O conjunto de idéias vitoriosas em angariar corações
e mentes luta de forma conservadora em prol de sua sobrevivência. O grande
vencedor é o status quo. Eis o senso do senso comum.
Por isso na grande área de
humanidades, onde seus profissionais vivem “inventando moda”, sociologia,
história ou filosofia costumam ficar na berlinda em conjunturas como a nossa. E
não é por outra razão que o anti-intelectualismo voltou com tanta energia nos
tempos que correm.
* A versão original deste texto foi publicada no jornal Folha da Manhã em 26 de novembro de 2016.
** Professor de Sociologia no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes