Democracia, redistribuição e o
Brasil *
George
Gomes Coutinho **
Retomando a compilação de textos
basilares da imaginação política norte-americana, os “Federalist Papers”
elaborados no século XVIII por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay,
nos deparamos com uma questão fundamental: a democracia política se defronta
necessariamente com a desigualdade de distribuição de recursos. O trio
norte-americano reconhece que a despeito da igualdade etérea do
judaísmo-cristão, onde todos(as) são filhos(as) de Deus, ou do abstrato
princípio do direito civil que defende que todos(as) seriam iguais perante a
lei, a propriedade é alocada de forma distinta entre os grupos sociais. É uma
interpretação pragmática e materialista das sociedades modernas. Assim, a democracia
política seria o caminho pacífico para resolução de conflitos em uma estrutura
social que é intrinsecamente desigual. As sociedades modernas não se tornam
rachadas. Elas são estruturalmente divididas.
Ao mesmo tempo há um elemento
subversivo nas democracias modernas na medida em que obrigam os diferentes
grupos ao diálogo. As pressões de redistribuição da riqueza socialmente
produzida convivem nesta ágora com as reivindicações de manutenção de
privilégios e de maior acumulação. Todavia as tomadas de decisão, seja pelo
atendimento das pressões de um lado ou de outro, dependem daquilo que no jargão
costumamos chamar de “correlação de forças”. Grupos pró-redistribuição são
atendidos dependendo da conjuntura, de sua capacidade de articulação e da formação
de consensos. Já os que defendem um projeto onde a acumulação de riquezas seja
ainda mais notório ganham o debate pelas mesmas razões.
A partir desta chave de
interpretação podemos ligar os pontos aparentemente dispersos da conjuntura
política brasileira nos últimos anos. Até a “era das commodities”, onde houve a
entrada abundante de recursos no país, se criou a ilusão de que seria possível
mudar as nossas estruturas sem lidar com a nossa questão redistributiva. Ledo
engano. Bastou termos a modificação do cenário econômico internacional para
vermos o ressurgimento de propostas, as “reformas”, que reforçam o status quo
de uma das sociedades mais desiguais do planeta.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 24 de junho de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes