Diniz um ano depois*
George
Gomes Coutinho **
Discutir o governo Rafael Diniz
após um ano é tarefa que envolve lidarmos com ¼ do período de mandato usual de
um prefeito no Brasil, salvo contingências nada desprezíveis que interrompam a
trajetória pautada pela periodicidade das eleições no momento em que a
judicialização da política é um dado e um fato.
Neste momento de proximidade de
um ano de Diniz na prefeitura, podemos afirmar que há uma agenda real de
governo. Há um direcionamento, um ethos,
que pode ser replicado pelos próximos três anos. Pelo menos há esta tendência
dado que não sinalizam-se mudanças. Em
minha perspectiva se firmam as seguintes questões: 1) a melancolia das altas
expectativas não cumpridas; 2) a fé em uma ótica gerencial de governo; 3)
inovações periféricas e ainda tímidas; 4) o enfrentamento de políticas públicas
clientelistas sem a substituição das mesmas por políticas públicas emancipatórias;
5) a reprodução previsível da relação por vezes constrangedora entre governo e
sociedade local.
Dos cinco itens listados acima
irei cuidar exclusivamente das expectativas pré-governo que não decantaram no
último ano de “governo real”.
Expectativas
pré-governo
Nas eleições no ano de 2016 para
prefeito, me recordo de uma cena que sintetizará certa frustração amarga
posterior. Era ainda o domingo eleitoral quando o resultado das eleições foi
divulgado para a surpresa de muita gente sendo a chapa Diniz/Conceição Santana
declarada vencedora em primeiro turno. Passei em um dos bares da cidade situado
em um bairro de classe média naquele momento e me deparei com um churrasco,
oferecido e organizado por um dos proprietários do estabelecimento, para
comemorar a vitória da chapa. Não foi um churrasco financiado por ninguém
envolvido com a campanha ou com a chapa. Foi uma decisão espontânea de um dos
proprietários.
Cabe dizer que não fui convidado
para o churrasco e por lá cheguei inocentemente e de forma acidental enquanto
mero consumidor. Porém, ao ver o clima de festa, que lembrava muitíssimo a
final de um campeonato de futebol, fiquei perplexo. Decidi inquirir as pessoas,
que estavam genuinamente sorridentes, sobre o que elas esperavam de fato do
governo que tomaria posse. Primeiramente havia uma satisfação incontida com o
que seria a morte política definitiva de Garotinho e sua entourage. Ou seja, os representantes individuais de diversos
grupos campistas que ali estavam interpretaram a vitória da chapa Diniz/Santana
como uma espécie de “revanche”, um tipo de vingança eleitoral contra o grupo
que administrou a cidade, salvo variações e rachas entre Garotinho e seus
seguidores, desde o início da Nova República.
Cabe dizer na verdade que a
carreira de Garotinho se está em estado terminal isso se deve, neste estranho
ano de 2017, ao fenômeno da judicialização da política. Antes disso, o primeiro
ano do Governo Diniz lidou com um adversário derrotado nas urnas bastante
engajado em atuar na oposição midiática e judicial. Portanto, embora a derrota
eleitoral tenha abalado de forma inequívoca o capital político de Garotinho e
seu clã na cidade, isto ainda não havia retirado o ex-prefeito e ex-governador
do cenário. A justiça fez esse trabalho, como tem feito em inúmeras ocasiões no
Brasil.
Retomando a expectativa quase
foliona naquele domingo de 2016, compreendi que o resultado da eleição
municipal soava como um hard reset da
sociedade campista. Tal como se fosse um começar
de novo para a cidade. O discurso moral lacerdista, eternamente reencarnado
entre nós, apontava a possibilidade de “limpar tudo” com o novo governo. Embora
o termo “limpar tudo” não seja nada preciso. Muitas vezes implica, na prática,
que agentes que estavam no poder saem para dar lugar a outros, até então
alijados, seguindo a mesma lógica.
Em silêncio, dado que detesto
estragar a festa de quem quer que seja, fiquei pensando se seria razoável
exigir a reforma da sociedade a partir de um governo. Desde então, em todas as
minhas análises, venho repisando que esta é simplesmente uma expectativa inatingível.
Governos podem produzir mudanças importantes certamente em uma dada sociedade
caso tomem medidas estruturantes que se sustentem no médio prazo. Contudo,
muitas vezes quando conseguem ser “bom governo” precisam é se defrontar com a
lógica de funcionamento da sociedade em questão.
Após um ano, Campos obviamente
não se tornou “outra cidade”. Reencontrei com alguns partícipes do tal
churrasco e a frustração de que não sentiam a “grande mudança” ansiada é quase
unânime. Penso que a melancolia seja justificável: a campanha da chapa
Diniz/Santana realmente inflou em patamares surreais as expectativas dos
eleitores. Não é um problema especificamente desta campanha. Na verdade a
política necessita desta injeção de ânimo esperançoso até para se legitimar. Contudo,
quanto mais altas as expectativas, mais alta é a queda. E o grande consenso nos
arredores do governo, mais ou menos consolidado nos primeiros meses, se
liquefez com apoiadores de primeira hora tornando-se críticos sistemáticos e
atentos.
* Texto publicado em 31 de dezembro de 2017 no jornal Folha da Manhã em Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes