terça-feira, 30 de janeiro de 2018
sábado, 27 de janeiro de 2018
Weltanschauung e o judiciário
Weltanschauung e o judiciário*
George
Gomes Coutinho **
Os movimentos de reflexão após a condenação
unânime de Luis Inácio Lula da Silva pela 8º Turma do TRF-4, o famoso “3 X 0 de
Porto Alegre”, iniciaram logo após o término do julgamento em 2ª instância. O
volume de informações e análises é assombroso. Desde o Mensalão, a gênese desta
conjuntura em que vivemos, há contribuições disponíveis que atendem o gosto do
freguês que tem o direito de buscar o que lhe apetece. Pode tanto se contentar
com notinhas e memes quanto também se encontram disponíveis artigos de fôlego,
teses, livros, seminários, etc.. Estamos diante de fauna diversificada.
A um
olhar que se pretenda “objetivo” neste momento cabem algumas tarefas: 1) o
exercício de tentar mirar para além dos interesses imediatos, paixões,
preferências e maniqueísmos; 2) a tentativa de “organizar” mentalmente toda
essa poeira que resiste em repousar.
Voltando
para a última quarta-feira, irei me concentrar em somente um dos muitos ângulos
possíveis de análise: o discurso de defesa/ataque de parte do judiciário
federal brasileiro. Não desconsiderando a importância de se discutir as
inconsistências diversas e “inovações” jurídicas adotadas do Mensalão para cá,
há uma visão de mundo compartilhada entre parte dos membros do judiciário
brasileiro. Irei me utilizar da proposição de Sigmund Freud (1856-1939) ao
explicar a Weltanschauung ou simplesmente “visão de mundo”, opção do
tradutor Paulo César de Souza na versão publicada pela Companhia das Letras em
2010 das “Obras Completas”.
Citando Freud: “Entendo que uma
visão de mundo é uma construção intelectual que, a partir de uma hipótese
geral, soluciona de forma unitária todos os problemas de nossa existência, na
qual, portanto, nenhuma questão fica aberta, e tudo que nos concerne tem seu
lugar definido.”.
Há o sutil, o “não dito” além das
tecnalidades no discurso de desembargadores. Parte do discurso referendando a
condenação apresentou um judiciário que crê que faz “direito positivo”
(desprezando materialidade) e opera em nome do “Estado de Direito” (de forma
seletiva). Em nome desta visão de mundo, que expressa mais uma fé do que fatos
incontestáveis, se apresentam cruzados pós-modernos contra os infiéis. Coeteris paribus, o futuro é sombrio.
* Texto publicado em 27 de janeiro no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
sábado, 20 de janeiro de 2018
Lula e o TRF-4
Lula
e o TRF-4 *
George
Gomes Coutinho **
A proximidade do dia 24 de
janeiro tem provocado comichão no cenário político. Trata-se do julgamento de
Luis Inácio Lula da Silva, o primeiro em segunda instância. Também a primeira sentença
condenatória do juiz Sérgio Moro, onde Lula é réu, será confirmada ou não.
Evidente que não será uma ocasião
ordinária. Seguindo a inspiração analítica aberta pelo antropólogo Victor
Turner (1920-1983), pode ser o ápice do drama social iniciado pela ação penal
470 (O Mensalão), o alpha da conexão entre política e judiciário
espetacularizado. Caso o Tribunal Regional Federal da 4ª Região confirme Moro,
sob a ótica do sistema político teremos uma intervenção de grandes proporções
do judiciário no rito democrático. Há a possibilidade real de uma decisão
judicial contribuir para retirar do páreo o candidato para presidente com percentual
relevante de intenções de voto nas vindouras eleições de outubro. Isto implica
dizer que está posta dentre as alternativas, tal como já tem sido uma praxe, a
retirada da autonomia do sistema político para que ele mesmo faça seus
arranjos, punições, premiações etc.. Porém, na minha perspectiva isto não
significa somente desprestígio da política.
Em verdade, a narrativa onde um
judiciário salvacionista se apresenta é um dos maiores sintomas de uma
sociedade ainda imatura diante das possibilidades de processar e corrigir seus
próprios conflitos. E isto em um momento onde já não se discute estritamente o
fenômeno da judicialização da política. O conceito co-irmão complementar, que
seria a politização do judiciário, opera em nossa realidade onde juízes figuram
como o “pai” tradicional, severo e punitivo. Porém, ainda precisa provar que
não é seletivo, tendo seus preferidos e seus odiados. Afinal, nesse contexto, a
premissa da imparcialidade não deveria ser esquecida jamais.
Mirando para o TRF-4, há dúvidas
justamente sobre a imparcialidade no contexto de politização do judiciário. Até
mesmo a rapidez como o processo caminhou desperta desconfiança e sugere
seletividade, o que fere de morte a legitimidade do judiciário, no caso em tela.
Em um cenário inegavelmente dramático, um julgamento como esse não deve apenas
ser imparcial. Deveria também parecer imparcial. Contudo, não é isto que está
posto até o presente momento.
* Texto publicado em 20 de janeiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
sábado, 13 de janeiro de 2018
Judiciário e instabilidade
Judiciário e instabilidade*
George
Gomes Coutinho **
Por esses dias encontrei de
maneira casual um grande amigo que atua nos arredores do judiciário federal. No
nosso papo houve um ponto de contato compartilhado: a perplexidade diante do
atual estado de coisas. Não obstante nossas formações serem diferentes, ele no
direito e eu nas ciências sociais, a inquietação envolveu uma interpretação
estrutural de onde partimos mutuamente para analisar a conjuntura. Sabemos que
em nosso país o Estado Democrático de Direito merece termos anexos tais como
“incompleto”, “insuficiente”, “distorcido”, etc.. Contudo, há algo de novidade
histórica nos dias que correm.
No papo não agendado, o que
poderia ser um “olá, como vai?” de poucos minutos redundou em um diálogo
situado entre o desencantamento e lamentações sombrias. O gatilho para essa
conversa foi provocado pela intervenção do judiciário, mais uma de trocentas, na
nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho e Emprego. Alerto
que me recuso a entrar na armadilha do argumento ad personam. O que está em jogo é mais do que a biografia da
ilustre deputada ou o ilegítimo governo Temer. A pergunta que devemos fazer é
se cabe, se é razoável, justo ou desejável que o judiciário faça intervenções
de tal monta em decisões políticas e de Estado. Afinal, um juiz de primeira
instância conseguiu, empoderado pela própria conjuntura e reafirmado em segunda
instância, produzir interferências em nada mais e nada menos do que a nomeação
de uma ministra de Estado pelo presidente da república. Isto por acaso é mera
paisagem tal como a opinião pública anda interpretando?
Ora, a arma da intervenção
política judicial, utilizada e aplaudida pela própria base atual de Temer na erosão
do segundo governo Dilma e disparada contra Lula em seu processo frustrado de
nomeação naquele momento, já indicava uma rotina. Trata-se de um modus operandi onde o judiciário abandona o papel estrito de
garantidor legal para interferir, de forma hipertrofiada e sem contra-pesos
eficientes, no sistema político. Não é exagero afirmar que o judiciário é hoje
uma das maiores fontes de instabilidade do sistema. Em um estado de direito
deficitário a atuação espetacular do judiciário nos leva para qualquer lugar.
Menos para uma República.
* Texto publicado em 13 de janeiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
**Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
sábado, 6 de janeiro de 2018
PSDB versus PSDB
PSDB versus PSDB*
George
Gomes Coutinho **
O ano eleitoral, conforme
praticamente todos os analistas concordam, será qualquer coisa oposta a um
cenário entediante. Contudo, penso que existam tendências que podem se
confirmar e me concentrarei em uma delas. Falo do momento do PSDB diante da
União, o que me faz excluir as particularidades estaduais. Sendo tudo o mais
constante julgo que os tucanos fizeram opções desde 2014 que podem levá-los a ganhar
o “prêmio” de grandes derrotados em 2018. E poderiam ser os maiores vencedores
em meu cenário hipotético.
Antes de prosseguir cabe alertar
que quando falo aqui em opções, estou falando de caminhos e decisões políticas.
Não desconsiderando o factual, o que foi realmente praticado pelos agentes, os
momentos históricos jamais são jaulas inescapáveis para a criatividade humana.
Se alguém optou por B ignorou A, C, D e daí por diante. E ao optar por B
vive-se o céu e o inferno de B.
Voltando para 2014, a postura do
candidato derrotado Aécio Neves na época causou perplexidade. Críticas e
acusações ao pleito, inclusive questionando sua legitimidade, fariam todo
sentido no caso de partidos ou candidatos anti-sistema. Todavia, vindo de quem
era considerado o “líder” da oposição e do próprio PSDB, um partido do sistema
até a medula, o discurso teve algo de irresponsável. É esta a inauguração não
virtuosa do que virá depois.
No início do segundo governo
Dilma, o governo que não começou, igualmente a postura inflamada de líderes
PSDBistas, o que vai além de Aécio, conclamaram para a interrupção do mandato
da então presidenta. Primeiro clamavam por renúncia. Depois embarcaram na
aventura do impeachment. Pós-impeachment abraçaram de forma um tanto
envergonhada o governo Temer e, mais do que isso, assumiram organicamente a
agenda impopular em curso.
Dentre os cenários possíveis que
não decantaram, onde num exercício de imaginação Dilma não teria sofrido o
impeachment, é quase unânime a aposta de que seria um governo no mínimo
desgastado. Tudo o que o PSDB precisaria neste 2018 para ser vitorioso em um
momento em que suas lideranças se encontram com baixo capital eleitoral
nacional, o que inclui Alckmin e seu déficit de carisma. Por tudo isso o PSDB,
quem sabe, sabotou o próprio PSDB.
* Texto publicado em 06 de janeiro de 2018 no jornal Folha da Manhã em Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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