terça-feira, 27 de dezembro de 2022

A dor não acolhida dos (meninos)-jogadores da seleção brasileira

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A dor não acolhida dos (meninos)-jogadores da seleção brasileira

 

Tábata Berg**

 

Quem me conhece, sabe que sou apaixonada por futebol, apesar de ter passado a última década e meia um tanto brochada. E sei que, como tão bem nos ensinou Galeano, futebol e política encontram-se fundamentalmente imbricados. A Copa escancarou várias dessas tessituras. Não vou falar aqui do que tem sido tão debatido no plano do macro, solo pútrido que contamina todas a dimensões do espetáculo, isto é, dos acordos econômicos milionários, da superexploração do trabalho imigrante, da misoginia, homofobia e racismo que estruturam o futebol como uma poderosa instituição capitalista.

Vou me deter a algumas impressões mais subjetivas.

Logo após o primeiro jogo do Brasil, aquele que Neymar saiu machucado e Richarlyson fez uma bela partida com um gol que foi uma obra de arte, eleito pela FIFA como o mais bonito do campeonato, as minhas redes progressistas foram tomadas por publicações sérias e memes que contrapunham esses dois craques da seleção. Ressalto, de antemão, que acho legítimo que Neymar tenha sido responsabilizado por seus posicionamentos políticos. No entanto, incomodou-me profundamente o prazer sádico, típico da branquitude, em rivalizar dois homens negros e periféricos. Expurgar o próprio mal para o outro, nesse caso, Neymar, é uma estratégia colonial, talvez a mais basilar. Sugiro leituras atentas, não apenas proforma, de Lélia Gonzalez, Toni Morisson, Fanon.

Depois foi a vez da carne folheada à ouro. Vi várias postagens de pessoas cujo próprio existir é um impacto ambiental e social, que são partícipes de instituições ainda profundamente excludentes, como é o caso das nossas universidades, apontando o dedo! Novamente... Expurgar o mal é uma delícia, né, meu filho?!

Quando o Brasil perdeu, vieram outras postagens. Dois padrões nessas publicações me são particularmente indigestos.

Em primeiro lugar, aquele que reproduzia a noção de "meninos" do futebol como uma reposição não mediada do machismo, especialmente vinculada à irresponsabilidade afetiva e ao abandono paterno - aspectos amplamente difundidos no caso do jogador Militão. Não pretendo entrar nos entremeios desse caso. Ressalto, o patriarcado, com a consequente reprodução de um padrão de maternidade/paternidade que responsabiliza com uma desigualdade abissal mulheres e homens pelos cuidados de crianças e idosos atravessa as mais distintas posições e condições sociais. Todavia um olhar interseccional e, portanto, mais acurado nos possibilita não perder de vista as singularidades que conformam masculinidades não-hegemônicas. Houve de modo difuso uma certa identificação do caso do Militão com essa meninice tipicamente tupiniquim. Em contraposição há uma paternidade e afetividade responsáveis encarnada no jogador argentino (branco) Lionel Messi. É particularmente interessante, nesse contexto de contraposição, o silenciamento de paternidades ativas como a exercida pelo jogador Neymar Jr. O racismo é estrutural justamente por operar também de modo difuso e silencioso.

 A identificação da tríade ausência parterna, masculinidades negras e periféricas e meninice é profundamente perversa, pois esconde todo o processo histórico no qual o escravismo impossibilitou homens negros de constituirem famílias e estabelecerem vínculos afetivos e familiares duradouros, impossibilidade que foi atualizada no pós-abolição seja pelas políticas de barreiramento (Moura, 1977), seja pelo genocídio aberto empreendido pela República brasileira contra a população negra, em particular, contra o homem negro (Gonzalez, 1984; Nascimento, 1977).

E , ainda, se ser “menino” tem sido amplamente utilizado para desresponsabilizar sujeitos brancos de suas ações, como podemos ver no caso de crimes que envolvem jovens brancos, não podemos fazer uma simples transposição para os homens negros, nesse caso, “menino”, “moleque”, “garoto” é mobilizado como marca de uma subumanidade. Os infantes, como bem nos mostra Lélia Gonzalez, são aqueles sem direitos plenos, aqueles pelos quais e dos quais se fala. Segundo a autora:

 

“temos sido falados, infantilizados (infans, é aquele que não tem fala própria, é a criança que se fala na terceira pessoa, porque falada pelos adultos) [...] A primeira coisa que a gente percebe, nesse papo de racismo é que todo mundo acha que é natural. Que negro tem mais é que viver na miséria. Por que? Ora, porque ele tem umas qualidades que não estão com nada: irresponsabilidade, incapacidade intelectual, criancice, etc. e tal” (GONZALEZ, 1984, p. 225).

 

Mesmo ganhando milhões, homens negros e periféricos, seguem sendo tratados como meninos. Negar aos oprimidos a sua plena condição de sujeito, capaz de se responsabilizar e falar por si, continua sendo fundamental para que a estrutura capitalista do futebol siga tutelando-os, ao mesmo tempo em que reproduz estigmas raciais e de classe.

O outro padrão, mas que me parece intrinsecamente ligado a esse, foi a minimização da dor dos jogadores diante da derrota. Vale ressaltar que se dedicar a esportes de alta performance demanda um investimento libidinal exorbitante e, portanto, um grande sofrimento diante da derrota. Sabendo disso, qual é o peso dessa derrota para sujeitos cujo existir é absolutizado pelo futebol? E isso num sentido literal, pois o esporte para muitos desses jogadores pode ter representado a linha tênue que os separou do encarceramento ou mesmo da morte violenta. 

Na derrota para a Croácia, eu chorei com os jogadores da seleção,  li seus relatos no instagram com o coração partido. Inclusive, o de Neymar, que entregou tudo nos últimos jogos e que pode ter tido a última oportunidade de vencer uma Copa do Mundo.

Sim, sujeitos periféricos podem sofrer! O direito ao sofrimento, à demonstração de fragilidade diante da dor tem sido um direito há tempo demais exclusivo dos humanos plenos. Tem dúvida? Veja as estatísticas de como às mulheres negras têm sido negado analgesia em procedimentos médicos ou como homens indígenas e negros lideram os números de sucídio no país. "Mas eles ganham milhões!", por trás desse pensamento expresso, há outro mais fugidio, a ausência do direito à humanidade plena a qual homens negros e periféricos encontram-se submetidos, no caso, ao direito tão primordial de sofrer e ser acolhido na derrota.

 

Referências

 

Gonzalez, Lélia. Revista Ciências Sociais Hoje, Anpocs, 1984, p. 223-244.

Moura, Clóvis. O negro: de bom a mau cidadão?, 2021 (1977).

Nascimento, Abdias. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. São Paulo: Editora Perspectiva, 2016 (1977).

* Portinari, "Futebol em Brodowski', trabalho de 1935. Disponível em: https://www.arteeblog.com/2018/06/pinturas-de-futebol.html, acesso em 27 de dezembro de 2022.

** Tábata Berg é Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas e integra o Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, o GPMT, também na Unicamp. Tábata organizou e lançou neste longo ano de 2022, junto de Flávio Lima e Murilo van der Laan, a obra “Trabalho e Marxismo: questões contemporâneas”: https://lutasanticapital.com.br/products/o-livro-trabalho-e-marxismo-questoes-contemporaneas.

 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

A mercantilização do futebol e a dupla alienação da classe trabalhadora

 

Texto originalmente publicado no jornal Vanguarda 26, de novembro de 2022, Ano 2, nº 20. Republicado aqui em 22 de novembro de 2022 com atualizações.
Fonte da Imagem: Getty Images.

Jefferson Ferreira do Nascimento[i]

A imaginária comunidade de milhões parece mais real na forma de um time de onze pessoas com nome. O indivíduo, mesmo aquele que apenas torce, torna-se o próprio símbolo de sua nação.[ii]

Domingo começou a 22º Copa do Mundo no Catar, criticada, ela é considerada uma Copa para milionários: a hospedagem mais barata é uma cabine nas Fans Villages (acampamentos) por US$ 207,36 a diária por pessoa. A organização catariana, ao que consta, foi exemplar no cumprimento do cronograma e na qualidade dos estádios. No entanto, são diversas as denúncias de exploração do trabalho de imigrantes, a utilização de trabalho semiescravo, análogo à escravidão e milhares de mortes dentre esses trabalhadores. A Anistia Internacional e a Human Rights Watch denunciaram as violações de direitos humanos.

Essa Copa é alvo da imprensa ocidental, sobretudo por ser em um “forasteiro” árabe que avança sobre o futebol europeu. Isso não apaga ou diminui as violações e muito menos ameniza a quantidade absurda de trabalhadores mortes no período de preparação da sede. Contudo, soa irônico lembrar do quase silêncio dessa imprensa ou da indignação intermitente e quase seletiva sobre uma sede escolhida em dezembro de 2010 e, em geral, do tom bem mais ameno nas criticas sem propostas de boicotes aos inúmeros atos de racismo e homofobia ignorados ou punidos leve e/ou protocolarmente no futebol em quase todo mundo, inclusive nas principais competições europeias. Há doze anos atrás já era notória a posição do país em relação aos direitos humanos (em relação às mulheres, LGBTQIA+ e da maioria da população composta por imigrantes sem cidadania catariana). Na ocasião também era conhecida a inexistência de estádios aptos a receber jogos de Copa do Mundo e o regime monárquico absolutista lá vigente. Portanto, não era necessário exercício de futurologia para alertar como o país se transformaria para receber o mundial. Poucos anos depois, o FIFAGate (2015) tornava mais uma vez pública a forma pelas quais as sedes são escolhidas pela FIFA, aumentando motivos para uma campanha real contra essa competição. A ironia não para por aí, se considerarmos o recorrente tratamento de países ocidentais - notadamente europeus - aos refugiados de outros continentes, sobretudo africanos e asiáticos. Isso sem contar o fato desse cenário não ser completamente inédito: a Copa de 1978 foi realizada em uma Argentina liderada por uma violenta ditadura civil-militar, com direito a estádio ao lado de centro de torturas. Mais de quatro décadas depois da Copa na Argentina, a líder histórica das Mães da Praça de Maio, Hebe Bonafini, faleceu no dia da abertura da edição sediada no Catar.  

Sobre o título "A Copa dos Milionários", não custa perguntar: há quanto tempo as Copas são inacessíveis à maioria dos trabalhadores? Inclusive aos operários dos países-sede, que acessam os jogos apenas pela televisão – e olhe lá! Ou seja:

[...] o trabalho produz coisas boas para os ricos, mas produz a escassez para o trabalhador [...] Substitui o trabalho por máquinas, mas encaminha uma parte dos trabalhadores para um trabalho cruel e transforma os outros em máquinas. Produz inteligência, mas também produz estupidez e a cretinice para os trabalhadores[iii].

Ora, mas é indispensável lembrar que os trabalhadores não construíram só os estádios ou cuidaram dos bastidores. É um erro reduzir o futebol a um esporte de elite. A prática nos clubes começou aristocrática, mas rapidamente se popularizou e se tornou uma paixão mundial. Segundo Hobsbawm: “O futebol como esporte proletário de massa – quase uma religião leiga – foi produto da década de 1880”[iv]. Vejamos o contexto da frase. No Norte e no Centro da Inglaterra predominavam clubes de industriais, da pequena burguesia e de operários, que remuneravam os melhores atletas e treinadores. A prática foi contestada após as conquistas da FA Cup pelo operário Blackburn Olympic[v] (1883) e, seu rival, Blackburn Rovers (1884). Os clubes aristocráticos do Sul tentaram proibir a remuneração e os clubes do Norte ameaçaram criar uma liga independente, culminando na profissionalização a partir de 1885. Logo no início do século XX os clubes ingleses começaram a virar companhias empresariais com acionistas. Essa conversão precoce é consequência da expansão dos clubes não aristocráticos e da popularização da prática e do gosto pelo espetáculo. Ou seja, as soluções apresentadas hoje como inovadoras – clube-empresa e Sociedades Anônimas do Futebol – datam mais de um século em consequência da apropriação do esporte pelo proletariado.

Emblema e a foto do clube operário campeão em 1883 (Fontes das imagens: Tranfermarket e Wikipedia).

Poucas décadas depois dos aristocratas ingleses, os clubes de elite cariocas também recuaram. Em 1915, o Vasco da Gama entrou no futebol quando, ainda dedicado às regatas, já havia eleito um presidente negro havia dez anos. Em 1923, o cruzmaltino venceu o Campeonato Carioca e seus rivais exigiram a exclusão de doze atletas negros “inadequados ao esporte”, alegadamente por serem analfabetos. Na “Resposta Histórica”, o Vasco se recusou a excluí-los, preferindo se retirar da competição. Em ascensão perante às classes populares, foi readmitido em 1925. Na década seguinte, o Vasco foi um dos principais defensores da profissionalização. Ou seja, o desenvolvimento e a profissionalização do futebol aqui também contaram com a popularização da prática e do torcer.

Clube de Regatas Vasco da Gama campeão de 1923 (Fonte da imagem: Netvasco).

Hoje o futebol é uma das maiores indústrias capitalistas. Junto à lógica da livre circulação de mercadorias e capitais da União Europeia (UE), a Lei Bosman intensificou a mercantilização do futebol. Por ela, é jogador “local” na UE qualquer atleta com cidadania de qualquer país do bloco e todo atleta fica livre ao fim do contrato, estimulando um mercado de naturalização e obtenção de passaportes europeus para atletas principalmente da América e da África (dupla cidadania). Assim, a circulação de jogadores se intensificou com a possibilidade de clubes ricos montarem verdadeiras seleções mundiais.

Do ponto de vista dos clubes, provocaram um considerável enfraquecimento da posição de todos aqueles que não estão no circuito das superligas internacionais e dos supertorneios e em especial nos clubes dos países exportadores de jogadores, notadamente nas Américas e na África. A crise dos outrora altivos clubes de futebol do Brasil e da Argentina o comprova.[vi]

A mercantilização não se limita aos atletas. Desde a Copa do Mundo de 1978 na Argentina, ocorre a desnacionalização das competições com vendas de cotas de patrocínios e direitos televisivos centralizadas na FIFA. (Antes os países-sede negociavam). No final dos anos 1990 a FIFA avançou: realiza toda a produção e transmissão com empresas parceiras. Agora as emissoras do mundo todo, ao comprar direitos de transmissão, apenas reproduzem as imagens da FIFA. Esse processo, típico dos esportes estadunidenses, foi replicado nas transmissões e patrocínios de competições de clube.

O modelo de consumo total, também baseado nos esportes estadunidenses, se tornou o meio preferencial de relacionamento com os torcedores. Além de camisas, os clubes vendem planos sócio torcedor, experiências (batizados, visita a estádios e centro de treinamentos, pacote de viagens para acompanhar o time, camarotes, etc.) e diversos produtos licenciados. No Brasil, isso começou nos anos 1990. Não é coincidência que a partir dali ocorra uma maciça campanha de estigmatização das torcidas organizadas com um enquadramento simplista sobre o problema da violência, sem ações efetivas de prevenção. Essa estratégia encobre a responsabilidade do Estado e das entidades promotoras de eventos esportivos.

O estigma [...] desumaniza e, ao fazer isto, autoriza o controle social sobre aquele que é desumanizado [...] e, consequentemente, reduz sua capacidade de mobilizar apoio e de interferir nos processos decisórios acerca das políticas de contenção da violência no futebol, em particular, e nos arranjos institucionais do futebol profissional, de uma maneira geral.[vii]

Ademais, as torcidas organizadas resistem ao processo de mercantilização do futebol. Desde a luta contra os altos preços dos ingressos a protestos políticos. (Exemplo: contra o governo Bolsonaro, em defesa da vacina e de políticas de combate à fome entre 2020 e 2021). Nesse mês de novembro, algumas torcidas desbloquearam estradas ocupadas pela extrema-direita negando os resultados eleitorais.


  
Torcidas organizadas nos protestos em 2020 (Fontes das imagens: G1.com, CTB Nacional e Mídia Ninja).

Antes da construção de estádios, da confecção de uniformes e bolas, antes de ser reduzido aos braços, suor e sangue que atuam nos bastidores, foi o proletariado quem tirou o futebol dos restritos círculos aristocráticos, quem deu ginga, quem fez do jogo arte, luta e paixão. Entretanto, conforme avança a mercantilização, o processo de dupla alienação se intensifica no trabalho e no consumo. A participação popular nas arquibancadas foi limitada, a forma de torcer nas tais arenas foi modulada, a forma de jogar foi padronizada em nome da tática (“transforma os outros em máquinas”) e o comportamento dos atletas controlado pelas restrições impostas pela FIFA às diversas manifestações, da comemoração do gol às entrevistas (“produz estupidez e a cretinice para os trabalhadores”). Assim, até os craques do espetáculo, majoritariamente filhos da classe trabalhadora, são desumanizados como máquinas incansáveis, peças nos esquemas táticos e celebridades despolitizadas.

               “Se a classe operária tudo produz, a ela tudo pertenceiii, incluindo o futebol que é um mercado e um produto. Porém, o pertencimento não é dado a priori, afinal “a vida que [o operário] deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônicaiii. É pela luta de classes que se combate essa dupla alienação. No futebol, urge lutar para re-humanizar os atletas e retomar as arquibancadas para a classe trabalhadora. Só assim será “tudo nosso”!



[i] Professor no IFSP, doutor em Ciência Política, membro do Núcleo de Estudos dos Partidos Políticos Latino-Americanos (NEPPLA).

[ii] HOBSBAWM. Nações e Nacionalismo desde 1870

[iii] MARX, Karl. Manuscritos econômicos-filosóficos.

[iv] HOBSBAWM, Eric. Mundos do Trabalho.

[v] O Blackburn Olympic durou 11 anos (1878-1889). Apesar do título de 1883, ficou difícil concorrer na cidade com o Blackburn Rovers por público e patrocínio com o avanço do profissionalismo. A pá de cal veio quando o Campeonato Inglês (The Football League, 1888) começou permitindo apenas um clube por cidade e o escolhido foi o Rovers. No ano seguinte, endividado, o Olympic dispensou todos os jogadores profissionais.

[vi] HOBSBAWM, Eric. Globalização, Democracia e Terrorismo

[vii] LOPES, Felipe. Dimensões ideológicas do debate público acerca da violência no futebol brasileiro. Rev. bras. educ. fís. esporte.


A questão ambiental (também) voltou? – Uma conversa com o prof. Arthur Soffiati



 “A questão ambiental (também) voltou? – Uma conversa com o prof. Arthur Soffiati”


Atividade presencial na UFF-Campos: 29/11/2022, 16 horas.

Local: Sala Multiuso – Bloco C

Apresentação: prof. Aristides Arthur Soffiati Netto

Debatedor: prof. Carlos Abraão M. Valpassos (COC/UFF)

Mediador: prof. George Coutinho (COC/UFF)

Organização:

Curso de Ciências Sociais, Atena (Atelier de Etnografias e Narrativas Antropológicas) e ImaginaSul (Grupo de Estudos e Pesquisas da Imaginação Política ao Sul do Mundo)

Maiores informações: georgec@id.uff.br

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

A 8ª Rodada do projeto Voyeur Político

No dia 31 de outubro encerramos o ciclo de discussões das eleições de 2022 na primeira temporada do projeto Voyeur Político. Foram oito rodadas e diferentes convidad@s analisando especificamente aspectos da conjuntura eleitoral durante um ano.

Agradeço demais minhas convidadas da 8ª Rodada, as queridas Fernanda Alcântara (UFJF) e Tábata Berg (GPMT/Unicamp). Com brilhantismo e competência habituais fecharam com chave de ouro este experimento de discussão pública. O resultado pode ser conferido aqui:




Evidentemente igualmente agradeço também a Fábio Py (PPGH/UERJ), Fábio Siqueira (IFF), Fabrício Maciel (Friedrich-Schiller-Universität/UFF), Jefferson Nascimento (IFSP), Luciane Silva (UENF), Márcio Malta (INEST/UFF), Mariele Troiano (COC/UFF), Ricardo Ferreira (COC/UFF) Ricardo Vasconcelos, Roberto Dutra (UENF), Valdemar Figueredo (Instituto Mosaico) e Vitor Peixoto (UENF). Cada qual deu sua contribuição nos quase 1000 minutos de discussão que fizemos de outubro de 2021 pra cá.

Por fim agradeço demais a todo mundo que participou das discussões síncronas ou nos acompanhou no YouTube. O projeto é justamente pensado para vocês. 

Voltaremos em 2023, até segunda ordem, com uma nova temporada mirando outros aspectos da conjuntura política (embora eu esteja com a estranha sensação de que falaremos por um bom tempo ainda destas eleições de 2022).

O projeto Voyeur Político é projeto de extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos coordenado por mim, o prof. George Coutinho (georgec@id.uff.br).

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

Daqui até 30 de outubro - George Coutinho

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Daqui até 30 de outubro

George Gomes Coutinho **

Nestes últimos 6 dias até o segundo turno @s democratas brasileir@s lidam com uma tarefa verdadeiramente difícil. Se trata de eleição que demonstra intenção de votos apertada entre Lula e Bolsonaro. Há sim empate técnico. Na conjuntura também nos deparamos com o descontrole do mercado paralelo de produção/circulação/consumo de informações. Este mercado me lembra a “robauto”, aquela feira de peças de automóveis que ocorria na baixada fluminense. Era tudo roubado. Mas, isso não impedia que “cidadãos de bem” fossem comprar seu toca-fitas por lá.

Neste cenário TUDO é importante. Ações de impacto macro são absolutamente relevantes. O corpo a corpo, o diálogo amistoso, este espaço micro é também igualmente relevante. Eleição disputada é decidida voto a voto. Não cabe negligenciar nenhuma oportunidade.

Usar adesivo conta? Muito. Na camiseta, no caderno, na moto, na bicicleta, na porta do apartamento. Ajudar nas mobilizações de rua ajuda? Pra caramba! Cada qual dentro de suas possibilidades. Contudo, a mobilização de rua, pessoas com bandeiras, bonés, camisetas, sorrisos, tudo isso provoca uma sensação de acolhimento para o eleitor. Faz com que ele se sinta parte daquele movimento coletivo. Pertencimento e política de massas andam como mão e luva.

Tá, e a mobilização virtual? É super importante. Aderir a hashtags, postar material pró-Lula e pró-democracia, fazer circular memes. Assistir e divulgar lives da frente ampla democrática. É tudo absolutamente relevante. Lembre-se do seguinte: estamos na eleição do voto de cabresto. Muita gente está sendo coagida por seus patrões (e por políticos no interior) a votarem em Bolsonaro. Se você pode expressar sua preferência sem risco de sanções, oras, deixe de bundamolismo e vá pra luta!

De todo modo, doe em prol da causa. Pode ser tempo. Pode ser dinheiro também (procure os canais aptos para doar para a campanha de Lula).

“Ain... eu quero pautar todos os apoiadores.. ain... livrinho em L é coisa de menina moça...”... Porra, se trata de uma frente ampla plural e descentralizada. Os grupos vão expressar seu apoio de diferentes maneiras. Vai ter gente fazendo a discussão pró-economia (crescimento, salário mínimo, aposentadorias, etc.) e é maravilhoso. É o lado mais robusto do legado de Lula. Vai ter gente fazendo L com livro? Vai! Isso fideliza as classes médias cosmopolitas que estão nauseadas com a barbárie. Vai ter cristão progressista lembrando que o bolsonarismo é anti-cristão? Também!

O que devemos tomar cuidado é com as pautas de costumes e intervenções públicas desastrosas. O sarrafo abaixou muito em termos de discussão pública, o moralismo corre solto e a serpente chocou faz tempo. Então, excetuando performances que choquem o público conservador, de resto tá valendo. Há “Lulas” para consumo no mercado político. O Lula vovô e bisavô, o Lula metalúrgico, o Lula do churrasco, o Lula descolado com o boné da CPX, o Lula que adora criar universidades, O Lula sindicalista, o Lula tiozão divertido, o Lula do Obama, o Lula estadista. Lula e suas mil faces, o que permite plasticidade do uso de sua imagem. Por isso conta muito a sensibilidade. Lula é versátil o suficiente para diferentes tipos de público. Então, no diálogo com grupos e indivíduos não fanatizados, procure falar do Lula adequado ao contexto do interlocutor.

Por fim, não gaste saliva com os que demonstram ser parte do Exército de Jair. Muitos destes não são mais aqueles que estavam zangados com o PT e deram um voto de protesto em Jair. Hoje estes são adeptos de um cristianismo pró-violência e de múltiplas expressões de autoritarismo. Há o estranho nacionalismo cristão.. consideram que há a necessidade de efetuarem uma limpeza da sociedade (eliminando esquerda, LGBT´s, negros, moradores das favelas, indígenas, movimentos sociais, etc..). Defendem a lei do mais forte, Golpe de Estado, fechamento da Suprema Corte, fim de direitos (consideram estes últimos privilégios). Abraçaram a extrema direita com o fervor de um Taleban. Inclusive lembra aquela vovó bonitinha que “jamais poderia ser fascista”? Então, essa vovozinha hoje quer comprar uma pistola e defende estripar seus inimigos em praça pública. Não perca tempo. Mire nos indecisos. Mire nos eleitores do Ciro que fazem defesa do voto nulo se estes permitirem conversa (até porque o cirismo acabou se apresentado em parte, talvez metade dos seus eleitores, em apenas uma linha auxiliar do antipetismo. Acho que a galera do PND já aderiu ao trabalho da Frente Ampla).

Tudo isso em prol da democracia. O Brasil é estratégico na luta contra a extrema direita no sistema internacional. Fora isso, um país periférico como o nosso não tem as salvaguardas necessárias para proteger sua própria população em mais 4 anos de bolsonarismo. Vamos lutar com gana pela vitória! Não será fácil, ninguém disse que seria, mas é por nós e pelas futuras gerações. FORA BOLSONARO!

* Boxing Painting Round 2 - Joe Zucker. Disponível em: https://www.brooklynmuseum.org/opencollection/objects/148761, acesso em 24 de outubro de 2010.

** Professor da área de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos dos Goytacazes, RJ. E-mail para contato: georgec@id.uff.br.

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Regimes políticos no Brasil: Monarquia e República; Democracia e Ditadura - modos de fazer




 A mesa redonda intitulada "Regimes políticos no Brasil: Monarquia e República; Democracia e Ditadura - modos de fazer" foi organizada pelo GT História das Direitas (ANPUH-Brasil), pelo Laboratório de Estudos das Direitas e do Autoritarismo (LEDA-UFF) e do Laboratório de Estudos da Imanência e da Transcendência (LEIT-UFF) e ocorreu em 20 de out. de 2022.

Esta Mesa fez parte da Semana Acadêmica/Semana Nacional de Ciência e Tecnologia e contou com a presença dos professores Victor Gama (PUC-MG), George Gomes Coutinho (COC/UFF), Rodrigo Rosselini Rodrigues (IFF-Campos) e Fábio Siqueira (IFF-Campos), sendo a mediação/organização realizada pela Profa. Márcia Carneiro (CHT/UFF).  

A  mesa, a partir dos enfoques da Ciência Política e da História, discorreu sobre o tema Regimes Políticos no Brasil e como estes foram implantados.

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

O segundo turno não vai ser fácil - Luis Felipe Miguel

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O segundo turno não vai ser fácil**


Luis Felipe Miguel***


O que as pesquisas - vamos nos referenciando nelas, apesar do pesares - mostram, com o crescimento lento mas sólido do pedófilo, é o resultado do esforço final do bolsonarismo para permanecer no poder. E, permanecendo, acelerar e concluir o processo de destruição do Brasil.

É o uso da máquina e do dinheiro públicos, a pressão desavergonhada feita nas igrejas, a intimidação dos oponentes, o abuso contra os trabalhadores nas empresas, o esgoto das mentiras no zap.

E ainda teremos que enfrentar as manobras para aumentar a abstenção dos mais pobres, no dia da eleição.

Faltam 10 dias para o segundo turno. Lula ainda é o favorito. Mas a batalha está longe de ser ganha.

A bolsosfera está indignada com o TSE, que concedeu direitos de resposta a Lula. Com isso, de hoje até dia 28, último dia da campanha em rádio e TV, Lula terá 395 inserções, contra apenas 55 de Bolsonaro.

Espero que a campanha de Lula saiba usá-las com sabedoria.

Além disso, o esforço de todos nós continua sendo necessário. São 10 dias que vão definir o nosso futuro.

Se Lula ganhar, teremos quatro anos árduos, enfrentando uma extrema-direita empoderada, para reconstruir o mínimo da democracia e da civilidade política no Brasil. Quatro anos de luta, mas uma luta que podemos ganhar.

Se Lula perder, nosso destino está selado. Vamos mergulhar na barbárie. Um segundo mandato de Bolsonaro será ainda mais destrutivo e autoritário que o primeiro.

São 10 dias para conversar, para expor argumentos, para fazer campanha.

Com os que já são a favor de Lula, o esforço é para mobilizar mais, engajar mais na campanha.

Com os indecisos, para votar pela democracia e pelo povo brasileiro.

Com os bolsonaristas relutantes, para torná-los indecisos.

Com os bolsonaristas convictos, o ideal seria torná-los, ao menos, envergonhados de sua escolha, mas a gente sabe que isso é difícil.

Sempre há um argumento para justificar o apoio a Lula e a oposição a Bolsonaro: o poder de compra dos salários, a luta contra a fome, o respeito às mulheres, a busca por uma sociedade menos violenta, a preservação ambiental, a compostura nos templos religiosos, a proteção das crianças, o cumprimento da Constituição...

É preciso usar toda a nossa energia para falar com as pessoas, ao vivo ou pelas redes, mostrar as evidências, firmar e virar votos.

* Paul Klee, "Swamp Legend", 1919. Disponível em: https://www.wikiart.org/en/paul-klee/swamp-legend-1919, acesso em 20 de outubro de 2022.

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 20 de outubro de 2022. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre deste ano o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

8ª Rodada do projeto Voyeur Político - 31/10/2022 - 15:30

 




Poucos dias nos separam daqui para o segundo turno das eleições presidenciais (há o segundo turno em 12 estados brasileiros também*). E cá estamos, firmes e fortes, convidando para mais uma rodada do Voyeur Político. Esta será a oitava rodada “ordinária” do projeto.

Estaremos um bagaço? Sim, de forma ou de outra. Mas, urge vermos como estará o país no dia seguinte a este conturbado processo eleitoral. Nosso encontro será em 31/10, 15:30. As pré-inscrições podem ser feitas aqui: https://forms.gle/RMKv8zaMBfWM4RBC9

Como recebemos os resultados das urnas? E o balanço final? A população terá decidido pela civilização? Ou tragicamente a maioria dos votos válidos foi pela via da barbárie?

Fica a letra de um velho samba que conheci pela voz de Simone: “Como será amanhã? (Como será?)/ Responda quem puder”.

Será uma rodada de discussão realmente de alta complexidade. Para isso chamei uma dupla que assobia, faz malabares e ainda quebra coco. Tudo ao mesmo tempo. Minhas convidadas nesta 8ª Rodada são Fernanda Alcântara (UFJF) e Tábata Berg (GPMT/Unicamp).

Fernanda é professora de sociologia na Universidade Federal de Juiz Fora, campus de Governador Valadares, MG. Tradutora, pesquisadora, engajada em diferentes lutas sociais.. por vezes acho que ela simplesmente não dorme. Também é a maior divulgadora da obra da socióloga inglesa Harriet Martineu (1807-1876) no Cone Sul. Este ano ela lançou sua caprichosa tradução de “Sociedade na América – Vol 1 – Política” de Martineau. Neste link vocês podem ter informações sobre como adquirir este livro e outros da lavra de Fernanda: https://fernandahcalcantara.blogspot.com/2021/06/livros-publicados-e-formas-de-aquisicao.html.

Tábata Berg não é menos versátil e talentosa. Doutora em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas, integra o Grupo de Pesquisa Mundo do Trabalho e suas Metamorfoses, o GPMT, também na Unicamp. Seus investimentos envolvem gênero, trabalho e desigualdades..e, com tudo isso, ela tem se demonstrado também uma arguta observadora da conjuntura política! Neste longo 2022 Tábata organiza e lança, junto de Flávio Lima e Murilo van der Laan, a obra “Trabalho e Marxismo: questões contemporâneas” (mais informações aqui: https://lutasanticapital.com.br/products/o-livro-trabalho-e-marxismo-questoes-contemporaneas).

Esperamos vcs lá para essa conversa na segunda-feira pós-eleitoral!

O projeto Voyeur Político é projeto de extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos e  coordenado por mim, prof. George Coutinho (georgec@id.uff.br).

* Estados onde teremos segundo turno: Espírito Santo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco, Rondônia, Sergipe, Bahia, Alagoas, Paraíba e Amazonas.

sábado, 8 de outubro de 2022

Religião e política: o assunto que não vai calar - Esther Alferino

 

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Religião e política: o assunto que não vai calar **


Esther Alferino ***

 

Entrei no mestrado em 2018, ano de eleição, até então a mais triste eleição da minha vida.

Eu pesquisei a trajetória do pastor Silas Malafaia no mestrado.

Eu vivi a História sendo feita nos próximos anos enquanto analisava tudo sociológica e politicamente. Eu quase sucumbi.Ter que analisar o bolsonarismo (não apenas, mas também) foi muito difícil pra mim enquanto indivíduo.

Antes disso eu já estava debruçada sobre os pentecostais e a política, não apenas eleitoral, mas também.

Posso falar sobre algumas coisas que aprendi com isso, enquanto mulher de esquerda do interior de família crente e também enquanto cientista social.

Não teve uma só vez que eu fosse falar sobre minha pesquisa que alguém não tenha me perguntado como consigo entrar nesse meio de pessoas tão "bitoladas".

Nós do campo progressista, em particular nós, os altamente escolarizados, infantilizamos, chamamos de burros e bitolados pessoas que não temos a menor habilidade para dialogar.

Nossa incapacidade de dialogar com o povo ridiculariza o outro. Estou falando no plural, me incluindo, apesar de ter sido criada crente pobre no interior e conhecendo de dentro a realidade dos protestantes brasileiros.

As pessoas da igreja são sujeitos de desejos, ambições e sonhos, como eu, você e seu tiozão do ZAP que nunca pisou em uma igreja crente mas repete as mesmas fake news sobre bebê não binário e igreja luciferina.

Ri de quem é dizimista enquanto paga por uma consulta xamânica com um branco fantasiado.

O padre fake não é o único absurdo de religiosidade diante de nós.

Nossa incapacidade de dialogar com o povo, com nossa síndrome de superioridade diante dos que vão ao culto, dão ofertas, é tão sintomática e problemática como o senso de superioridade de quem não gosta de futebol no país do futebol. Não entendeu nada.

Não conseguir compreender as razões práticas e subjetivas dos evangélicos pode nos custar outra eleição.

Não tem nada a ver com "a igreja chegar onde o Estado não chega", tem a ver com o nosso descolamento da realidade do povo. As pautas morais e as fake news vão vencer de novo e não se trata de virar crente nem católico da renovação carismática.

Educação política também é sobre isso.

Pelos idos de 2014 a pastora Ana Paula Valadão fez profecias sobre ter chegado o tempo dos evangélicos entrarem na política. Ela foi chamada de "muito louca" por determinado blogueiro progressista.

Há um plano de poder para o país, um plano que inclui todas as esferas, e até agora esse plano tem sido muito bem sucedido em sua empreitada.

Bancada evangélica, muitos legisladores católicos alinhados às mesmas pautas morais, a demanda por um ministro do STF "terrivelmente evangélico". Nada disso começou ontem.

Durante os governos do PT as igrejas cresceram e muito. Em particular as pentecostais alinhadas à Teologia da Prosperidade. Edir Macedo já fez campanha pro Lula.

Um governo que garantisse liberdade religiosa e a tão sonhada prosperidade material não são suficientes para o plano de poder de grandes lideranças religiosas.

Silas Malafaia afirma com todas as letras que crente é cidadão, e que portanto não apenas pode, como deve, exercer um papel ativo na vida pública. Tomar os espaços. Disputar as consciências. Ocupar cargos.

As pautas morais, ainda que nascidas e firmadas em fake news, foram o caminho da disputa de consciências. E eles estão vencendo. Eles já consolidaram parte importantíssima do plano de poder. Veja bem o Congresso, o Senado e as casas legislativas estaduais.

O fiel e a fiel comum, que estão de joelho no chão clamando pra que os filhos voltem vivos para casa, estão atravessados e afetados por quem os ampara. Não é fruto de bitolamento, nós somos parte do que nos cerca também.

Existe um "terrorismo gospel" (com licença da expressão exagerada), e as pautas sobre Deus, pátria e família são o grande apelo.

Distinguir o fiel genuíno de um líder poderoso é necessário pra não cairmos no maniqueísmo raso de "bons e maus".

Não penso em dar diagnóstico, mas penso que a reflexão sobre por que na disputa pelas consciências quem afeta é o líder espiritual e não a vida material (que só piorou nos últimos 4 anos) é urgente.

*  Expulsion of the Money-changers from the Temple, pintura de Giotto Di Bondone, circa 1304. Disponível emhttps://www.wga.hu/html_m/g/giotto/padova/3christ/chris111.html, acesso em 08 de out. de 2022.

** Publicado originalmente nas redes sociais da autora em duas partes. Reproduzimos aqui com a autorização de Esther.

*** Cientista Social pela Universidade Federal Fluminense, Mestre em Sociologia pela Universidade Estadual do Norte do Fluminense e Doutoranda pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

quarta-feira, 5 de outubro de 2022

7ª Rodada do projeto Voyeur Político no YouTube

 


Eis a 7ª Rodada do projeto Voyeur Político!

Este encontro ocorreu no dia 03/10, segunda-feira, 19 horas. Justamente o dia seguinte ao primeiro turno!          

Desta vez recebemos Jefferson Nascimento, professor do IFSP, campus Sertãozinho, e o jornalista/advogado Ricardo André Vasconcelos radicado em Campos dos Goytacazes, RJ.

Jefferson é prata da casa e atua conosco no projeto Autopoiese e Virtu (http://autopoiesevirtu.blogspot.com/ ). Também já esteve na estreia do projeto Voyeur no ano passado (https://youtu.be/jaGfm4vvHKc ). Desta vez esse moço reaparece diferente: agora ele vem com o título de doutorado debaixo do braço após defesa de um grande trabalho no PPGCP da UFScar. Aproveitando o ensejo já divulgamos aqui em primeira mão um dos produtos dessa tese em formato de artigo: https://www.scielo.br/j/rsocp/a/mt7Q7JQgZmDBMJKXtzpssTJ/?lang=pt# (título do artigo - O futebol como meio campo para a política: o jogo além das quatro linhas).

Ricardo André Vasconcelos dispensa maiores apresentações aos leitores do jornalismo político no Norte e Noroeste Fluminense. Vasconcelos é experiente operário da comunicação, com currículo que vai desde a editoria da Folha da Manhã, além de outros jornais e TV´s no Norte Fluminense, até a carreira de “blogueiro sujo”. Ricardo acresceu ao currículo sua formação em direito.

O papo discutiu resultados, apontou vencedores, perdedores e imaginou futuros possíveis.

Voyeur Político é Projeto de Extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos coordenado pelo prof. George Coutinho (COC/UFF). Contato: georgec@id.uff.br

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

A indispensável Política da Dignidade - Fabrício Maciel

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A indispensável Política da Dignidade **


Fabrício Maciel***


Mais um ano eleitoral está em curso e este é sem dúvida um dos momentos mais complicados da história recente do Brasil. Todas as pesquisas apontam para a polarização definida entre Lula e Bolsonaro, o que já deixa claro que um segundo turno sangrento nos espera. A despeito de alguns posicionamentos otimistas de setores da esquerda, há muitos motivos para preocupação e o primeiro deles é que Bolsonaro vem crescendo nas pesquisas. Em tempos de política líquida, adaptando aqui o conhecido conceito de modernidade líquida do grande Zygmunt Bauman, nos quais tudo se decide quase em tempo real, podemos aguardar grandes novidades até as vésperas da eleição. O vale-tudo está apenas começando.


Entretanto, se não quisermos ficar presos ao que costumo chamar de ilusões da conjuntura, provocadas pela dinâmica da política líquida, precisamos reconstruir os cenários estruturais de ordem maior que nos trouxeram até aqui – até para projetar algum futuro menos desesperador. Para tanto, temos que escapar da novelização da política, tarefa para a qual a grande mídia se especializou nos últimos tempos. É claro que a compreensão dos fatos atuais no campo político é relevante para a tentativa de projeção de algum futuro. Entretanto, não podemos ficar presos à romantização dos atores políticos, que esconde sistematicamente a ação do campo econômico e seus efeitos na vida real como um todo.


Com isso, o desafio consiste em saber como chegamos até aqui e para onde podemos ir. Para tanto, precisamos resgatar o que eu gostaria de definir aqui como uma política da dignidade para o Brasil contemporâneo. Tal política necessita da construção de um projeto real de transformação social, que seja encampado pela esquerda e levado a sério até a eleição e principalmente depois dela. O início deste esforço teórico e político precisa necessariamente reconstruir e compreender o que seria o seu oposto, ou seja, o que chamarei aqui de política da indignidade, aquela que vigora no Brasil atual, levada a cabo e aperfeiçoada pelo governo Bolsonaro, chancelada pela moralidade bolsonarista que o mesmo representa.


A política da indignidade tem sido facilmente descrita, mas nem sempre compreendida em sua profundidade. A noção de dignidade, que consta na Constituição brasileira e em outras várias ao redor do mundo, nos remete ao mínimo que uma pessoa precisa para garantir sua integridade física e moral. Ao longo de minhas pesquisas acadêmicas, procurei desenvolver a ideia de trabalho indigno, com o intuito de tematizar aquele tipo de trabalho que, mais do que precário, nos remete a condições humilhantes para a sua realização. Trata-se do trabalho realizado pela ralé brasileira, que vaga entre o desemprego completo e as ocupações humilhantes. Este tipo de trabalho não garante o mínimo de proteção ao corpo e ao espírito, exigido de todas as pessoas na vida moderna.


A política da indignidade no Brasil atual inicia-se com o golpe de 2016 e a chegada ilegítima e imoral de Michel Temer ao poder. Não por acaso, uma das principais marcas de seu governo é a implantação da reforma trabalhista. Essencialmente, ela desarma totalmente os trabalhadores diante dos empregadores, ou seja, trata-se da institucionalização da política da indignidade. Precisamos definir dessa maneira, pois é exatamente o que ela faz, ou seja, a indignidade passa a ser um horizonte real para um número cada vez maior de brasileiras e brasileiros. A indignidade aqui significa o risco efetivo de, a qualquer momento, cair na situação de não se ter o mínimo material e consequentemente moral para a existência de uma pessoa.


A política da indignidade, neste sentido, é um resultado imediato da maximização dos princípios do mercado e da atualização da moralidade meritocrática. Não por acaso, Jair Bolsonaro é o representante ideal dessa moralidade, basta observar atentamente seu discurso de posse e vários outros ao longo de seu governo. Ele é o advogado do novo capitalismo digital e de seu novo espírito, no qual o elogio da livre iniciativa, direcionado especialmente para as classes populares, se torna uma das grandes novidades. Para a constatação dessa afirmativa, basta observar a forma como seu governo se apropria da pauta trabalhista ao longo da pandemia, deixando a esquerda atônita diante do roubo de sua principal bandeira do passado, que atualmente ainda precisa disputar ofegante e cambaleante com a pauta identitária o seu lugar ao sol.


Diante deste trágico cenário, é preciso reconstruir a pauta trabalhista, considerando a nova realidade das classes populares, imposta pelo novo capitalismo de plataformas e sua moralidade ultra-meritocrática. Esta é a principal tarefa de uma política da dignidade, urgente para o Brasil atual.


A tentativa de construção de uma política da dignidade foi um dos maiores esforços da política progressista, não necessariamente de esquerda, ao longo do século XX, em vários países do mundo. Aqui, temos um grande aprendizado a por em prática. No período da Grande Depressão norte-americana, por exemplo, posterior à crise de 1929, entre 1933 e 1937, Franklin Roosevelt implementou o New Deal, ou seja, uma série de programas econômicos e sociais para resgatar a economia nacional e seu povo dos estragos da crise. Trata-se nada menos do que de uma política da dignidade. Não se trata aqui naturalmente de defender os países capitalistas centrais que, obviamente, tiveram condições históricas favoráveis para tanto, mas sim de reconhecer políticas eficazes contra a desigualdade, diante do fracasso do socialismo real do outro lado.


No período posterior à II Guerra mundial, algumas das principais economias do Atlântico Norte como Alemanha, Inglaterra e França vão presenciar os seus Trinta anos gloriosos, entre 1945 e 1975. Trata-se da fase áurea do capitalismo moderno, na qual o Welfare state quase vai nos convencer de que o capitalismo seria a melhor forma de economia e de vida que a humanidade poderia ter. Mais uma vez, diante do fracasso do socialismo real nas mãos do stalinismo, é o que tivemos no momento. O grande aprendizado é que a intervenção consciente e orientada do Estado na vida econômica de toda a nação pode impor regras ao mercado e garantir minimamente a dignidade para a maioria da população. Não é outra a constatação que será feita por grandes pensadores do capitalismo como Karl Polanyi, que hoje influencia com justiça toda uma geração de estudiosos sobre o tema.


Na definição de Robert Castel, um dos principais analistas deste período, que ele define com sociedade salarial, o Estado de bem estar significou a garantia do quase pleno emprego, segurança e seguridade social, o que por consequência assegura a quase cidadania plena para estes países. Não se trata aqui de idealizar os países centrais e ignorar o histórico de imperialismo e colonialismo que possibilitou seu acúmulo de riquezas. Trata-se, mais uma vez, de buscar o aprendizado histórico diante de experiências concretas que possam construir, senão um socialismo utópico ainda distante, apenas um capitalismo social minimamente digno.


Na história moderna do Brasil, que começa com Vargas, nunca conseguimos implantar uma política da dignidade semelhante aos Estados Unidos ou à Europa, por razões históricas de nossa desigualdade estrutural. A dimensão do problema é grande e nada simples. Entretanto, tivermos esforços realistas, dentro do possível, que começam com o próprio Vargas, no sentido de buscar uma política da dignidade. Com efeito, a sociedade do trabalho no Brasil inicia-se com Vargas, quando este tenta equalizar as exigências do capitalismo industrial que chegava ao Brasil, com nossa força produtiva interna. Sem a garantia de um patamar mínimo de dignidade para a classe trabalhadora, que ao mesmo tempo será produtora e consumidora do novo sistema, essa tarefa seria impossível. Aqui, o mínimo de direitos trabalhistas e de respeito – leia-se reconhecimento – foi necessário, como se sabe. Em outros termos, é inviável, indesejável e imoral a permissão de um capitalismo totalmente selvagem e sem regras, sem nenhum respeito ao valor básico da vida humana. O Estado pode e deve agir com eficácia e legitimidade em defesa da dignidade de sua população.


Em nossa história recente, após a reabertura democrática, a experiência do PT na presidência pode dividir opiniões, mas não pode ser ignorada em sua tentativa de implantar sistematicamente uma política da dignidade. Aqui, não se trata simplesmente da defesa de um partido ou grupo político, mas sim de uma análise serena que considere os esforços possíveis do campo político diante dos imperativos econômicos e morais de um capitalismo global que eu caracterizo como indigno. Trata-se, em termos simples, de um sistema perverso que tem como principal marca a naturalização do desvalor humano, ou seja, a naturalização da indignidade de milhões de pessoas.


Como já ficou claro com a experiência histórica de inúmeros países, a única maneira de frear esta máquina global de produção da indignidade é uma política da dignidade por parte do Estado, o que exige uma condução consciente e planejada por parte de grupos progressistas e bem orientados. O governo negacionista de extrema direita de Jair Bolsonaro é exatamente o contrário disso e, diante da compreensão deste fato, a esquerda precisa urgentemente de um projeto de dignidade nacional.


Neste sentido, precisamos vencer um último inimigo teórico e político. Trata-se do antipetismo e de tudo o que ele criou. Desde as primeiras críticas ao primeiro governo Lula, a única linguagem política desenvolvida no Brasil foi o antipetismo, derivada do incômodo de nossas classes dominantes diante da pequena, porém significativa, mudança em nossa desigualdade estrutural encaminhada pela política da dignidade implementada pelo PT. Neste sentido, nós não desenvolvemos uma terceira via progressista de fato, que não se resuma à confusão e dificuldade de articulação de seus protagonistas. Também não desenvolvemos uma direita liberal lúcida e civilizada, que tivesse algum projeto de nação. Presenciamos apenas o germe do bolsonarismo, resultado imediato do antipetismo. Nada mais.


Diante desta nossa grave dificuldade recente, a política da dignidade, pautada por um projeto de dignidade nacional para os mais necessitados, se faz urgente. O caminho pode ficar claro, se olharmos com atenção para a experiência histórica, tanto interna quanto externa ao Brasil. Um Estado nacional que tenha a dignidade como política central é o primeiro passo. Depois, a tarefa consiste na restauração do direito ao trabalho digno e do direito ao mínimo necessário para a garantia da integridade física e moral de todos. Para tanto, é preciso convencer a população, neste exato momento, de que a realização deste projeto é plenamente possível através de um Estado democrático de direito, e não pela via da barbárie do mercado, sustentada pelo bolsonarismo. Se esta for a nossa pauta do dia nos próximos meses, teremos alguma chance de construir um futuro melhor.


* Suffering, quadro de Paula Heffel. Disponível em: https://fineartamerica.com/featured/suffering-paula-smith-heffel.html, acesso em 28 de set. de 2022.


** Texto publicado originalmente no sítio Outras Palavras em 13 de abril de 2022. Disponível em: https://outraspalavras.net/desigualdades-mundo/a-indispensavel-politica-da-dignidade/, acesso em 28 de set. de 2022. Reproduzido aqui com a autorização do autor.


*** Fabrício Maciel é Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos e do PPG em Sociologia Política da UENF. Atualmente, professor visitante na Universidade de Jena, Alemanha. Bolsista de produtividade do CNPq e Jovem Cientista do Nosso Estado, FAPERJ.