domingo, 21 de maio de 2023

A burguesia não curte a democracia - Luis Felipe Miguel

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A burguesia não curte a democracia**


 Luis Felipe Miguel***

A história é que Bolsonaro, no começo do ano passado, pediu a Guedes para diminuir o preço do gás - para ver se ganhava uns votos. Guedes disse que interferir na Petrobrás afetaria a empresa, o governo e traria um efeito cascata. E explicou: "Não dá para agradar pobre toda hora. Se você agrada pobre, desagrada o rico e quem manda no país é o rico". Bolsonaro concordou.

Agora, Lula cumpriu sua promessa de campanha e baixou o preço do gás - sem nenhum dos efeitos negativos que Guedes anunciara. Bolsonaro ficou puto e chamou seu ex-"posto Ipiranga" às falas.

Parece que a conversa, via zap, foi áspera. Cobrado por Bolsonaro, Guedes teria reagido: "Desapega". Daí trocaram alguns palavrões e, no final, Guedes bloqueou o número do seu ex-chefe.

O mais interessante é que Guedes disse, para Bolsonaro, algo que é bem sincero. Para os ultraliberais, a democracia é um problema. Ela obriga a levar em consideração os interesses dos dominados: a classes trabalhadora, os pobres, as periferias, as mulheres, a população negra. Afinal, foi por pressão destes grupos que a democracia se estabeleceu - ela sempre foi um projeto popular.

Isto já está nos gregos antigos, que definiam a democracia como "o governo dos pobres". Não é exatamente isso, claro - os ricos e poderosos sabem usar muito bem seus recursos para garantir uma influência desproporcional nas decisões públicas. Mas a pressão dos dominados gerou um sistema em que sua voz tem como ser ouvida.

A classe dominante tenta fazer com que essa voz perca relevância. São mil pressões, manipulações ou mesmo manobras como dotar de "independência" alguns órgãos cruciais do governo, como o Banco Central (uma "independência" em relação à vontade popular).

Os regimes que eles preferem são como a Itália de Mussolini ou o Chile de Pinochet (ao qual, aliás, o jovem Paulo Guedes serviu). Autores como Hayek, Friedman, Mises ou Nozick manifestavam abertamente sua repulsa à democracia e defendiam a necessidade de limitá-la. Hayek chegou a propor uma constituição em que o direito de voto vem aos 40 anos e é exercido uma única vez...

Mesmo com seus vieses e limitações, a democracia dá ao povo a chance de desorganizar o jogo das elites. Obriga que os políticos ao menos finjam interesse pelas maiorias. E permite que o povo premie quem atende melhor às suas necessidades.

Por isso, a democracia é uma bandeira central para a esquerda.

A democracia que temos é muito inferior àquela com que sonhamos. A submissão ao capitalismo, o peso do dinheiro, a manipulação da informação, tudo isso enviesa seus resultados. Ainda assim, ela é um avanço - e cabe a nós lutar para aprimorá-la.

* "Paulo Guedes na Idade da Pedra Lascada", charge do sempre genial Aroeira. Disponível em: https://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/charge-paulo-guedes-na-idade-da-pedra-lascada-por-aroeira/, acesso em 21 de maio de 2023.

** Publicado originalmente no perfil do Facebook do prof. Luis Felipe no dia 20 de maio de 2023. Reproduzimos aqui com a autorização do autor.

*** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É autor de  "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp, 2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros. Lançou no primeiro semestre de 2022 o seu  "Democracia na periferia capitalista" pela Autêntica Editora.

sexta-feira, 12 de maio de 2023

Voyeur Político - 1ª Rodada - Ano III - Metropolização na Bacia de Campos

 



O projeto Voyeur Político é projeto de extensão sediado no Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos coordenado por mim, prof. George Coutinho (georgec@id.uff.br). Neste episódio tivemos como convidados José Luis Vianna da Cruz (UFF/UCAM) e William Passos IPPUR/UFRJ).