terça-feira, 29 de setembro de 2020

Agora é Flamengo!

Agora é Flamengo!

 

            Ah, meu mengão, eu gosto de você! “Quero cantar ao mundo inteiro a alegria de ser rubro-negro”, mas preciso manter o pé no chão, pois não sou fanático como os torcedores de outros times. Sou um sujeito razoável e racional, capaz de avaliar com sensatez o futebol do meu time.

Depois de um 2019 fantástico, quando encontramos Jesus e a glória, estamos vivendo um momento difícil. Sairemos dessa, eu sei, mas o momento de crise nos faz pensar no passado para tentar explicar o que está acontecendo. Há anos buscávamos o Heptacampeonato Brasileiro e, apesar de nossas qualidades, de nossas riquezas da base e de nossa galhardia, o sonho não se concretizava. Por que? Por causa dos outros times, com seus velhos estratagemas e aquele pessoalzinho do STJD. Outros times, que não vou nem ficar citando os nomes, pois não merecem, pularam umas cinco divisões para retornar à primeira divisão nacional. Absurdos e mais absurdos impediram que alcançássemos as glórias que eram nossas por direito.

Em 2019, no entanto, isso mudou. Aprendemos que um grande time, sem Jesus, é apenas um time. Mas um time com Jesus... vocês viram, né? Ganhamos tudo. Foram tantas glórias que mal conseguimos recordar quantos títulos conquistamos. A coisa foi a tal ponto que depois de ganhar a Libertadores da América, conquistamos o Brasileirão de 2019 quando nossa seleção estava dentro do ônibus! Foi tão sensacional que valeu por dois e nos consagrou Octacampeões Brasileiros – sim, ganhar o Brasileiro de dentro do ônibus tem que valer por dois. Os outros timinhos ficaram quietinhos. Acabou a mamata! Aquele velho futebol pagão não tinha espaço! O mimimi passou a dominar o discurso de nossos adversários, subjugados por nossa excelência. Fomos ao Catar para o Mundial de Clubes e, novamente, botamos os ingleses na roda. Foi uma vitória para ficar registrada na História. E o que fizeram nossos adversários? Disseminaram vídeos falsos, apresentando um gol que Firmino fez em 2018, contra um time asiático, como se fosse contra nossa equipe. Malditos comunistas! Aquela emissora, que atende a interesses escusos, deturpou a transmissão e não mostrou ao mundo nosso futebol. Até o INPE tratou de apresentar gráficos da partida para nos prejudicar. Seguimos tentando, até hoje, provar nossa conquista, mas há uma conspiração nefasta contra nós, algo que envolve interesses de clubinhos brasileiros, de grandes representantes do antigo futebol e também de clubes estrangeiros que estão de olho em nossos talentos.

Nosso futebol de bem está na mira dos inescrupulosos do mundo. E isso ficou claro no início de 2020. Nós temos evidências de que um clube Luso-Brasileiro enviou agentes à China. O pretexto da missão era conhecer melhor o futebol chinês, mas desde quando o futebol chinês atrai atenções? Nós sabemos que o único objetivo daqueles agentes do mal era capturar o vírus chinês para prejudicar nosso time! E assim foi feito. Trouxeram o vírus, disseminaram mentiras sobre sua letalidade e interromperam mais uma de nossas escaladas de sucesso. Era óbvio que conquistaríamos todos os títulos novamente e por isso eles decidiram implementar um plano diabólico para interromper o futebol no Brasil. Para eles isso era perfeito: nós não ganhávamos; eles não perdiam. Duas tradições eram quebradas ao mesmo tempo! Os outros times, associados ao estratagema canhoto, também atuaram. Estavam todos eles contra nós. Quando percebemos as dimensões do grande pacto – com o STJD e com tudo! -, pensamos em fechar o STJD, afinal, para isso, bastaria um zagueiro e um volante. Nosso espírito democrático prevaleceu e optamos pela via do diálogo.

O maior golpe que receberíamos viria logo depois. Nós lutamos para preservar nossos gols e vidas no Brasil. O vírus luso-chinês era superdimensionado pela mídia e não passava de um resfriado incapaz de atingir nossos atletas e nossos torcedores vigorosos. Conseguimos uma retomada gradual do futebol e logo conquistamos mais um título. A timalhada chiou! Mesmo depois de meses parados, nossos atletas mostravam-se dignos de seu histórico! Todavia, uma conspiração internacional, que não respeitou nossa soberania futebolística, fez com que uns comunistas vermelhos tirassem Jesus de nós. E quem não tem Jesus, não tem rumo certo. Ficamos perdidos, é verdade, mas não nos deixamos abater. Procuramos um novo Posto Ipiranga e encontramos o Professor Domenéc Torrent. Ele trouxe para o Brasil o Futebol Posicional que ele mesmo ensinou para um técnico lá da Europa, onde fez muito sucesso. E funcionou muito bem aqui! Torrent, como o próprio nome diz, é um americano conservador que pode contribuir muito para o nosso futebol. Há, ainda, detalhes a acertar, mas é coisa que vai se resolver com o tempo. Os críticos precisam entender: deixem o Dome treinar! Ele foi eleito por nossa nação e está fazendo o melhor para o mengão!

O momento atual ainda é muito delicado. Enfrentamos um grande problema: nossos atletas e nosso técnico foram contaminados pelo vírus luso-chinês. Depois de uma vitória fabulosa sobre o grande time do Barcelona – destacando nosso futebol no cenário mundial -, nossa equipe, quase toda contaminada, tenta adiar a partida de domingo, contra um time do velho futebol de São Paulo. Precisamos adiar a partida e esperamos que o STJD haja de modo justo – diferente de seu histórico -, reconhecendo que os tempos mudaram. Enquanto isso, a grande mídia fica martelando reportagens falsas, com seus jornalistas comunistas, contra nosso time. Ficam falando de incêndios, de vírus, de goleadas que sofremos – tudo para encobrir o fato de que somos a maioria no Brasil e o mais importante time do mundo. Para você, torcedor, sensato como eu, toda vez que vierem pessoas com camisas tricolores, com estrelinha ou com cinto de segurança, grite em alto e bom som: “Agora é Flamengo, porr@!”. Isso resume todos os nossos argumentos e nos cobre de razão contra essa gente que não quer o melhor para o nosso futebol.

 

 Ps.: Se você é bolsonarista e não torce para o Flamengo, entenda que é com esse tipo de discurso que seu presidente tem tratado o Brasil, a Ciência e a História. Se você é bolsonarista e flamenguista, é provável que acredite em tudo que está nas linhas acima – afinal, você acredita em tudo que é conveniente.

 

Carlos Valpassos

Antropólogo – Universidade Federal Fluminense. 

 

Escrito em 25 de Setembro de 2020.

 





terça-feira, 15 de setembro de 2020

Minas (in)consciente

Fonte: Estado de Minas (aqui).

Minas (in)consciente


No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra

(Fragmento do Poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade)

 

Paulo Sérgio Ribeiro

 

Vivo em Minas Gerais. Mais precisamente em Viçosa, município situado na zona da mata mineira. Há mais de um ano, subia suas montanhas míticas, uma transição que, em algum momento, merecerá um olhar mais detido. Eis que, no meio do caminho tinha uma pandemia, tinha uma pandemia no meio do caminho, pedindo perdão desde já pela paráfrase mais que pobre dos versos imortais do poeta Carlos Drummond de Andrade, este sim um rochedo. 

 

Dada à desarticulação entre Governo Federal, governos estaduais e municipais quanto à execução de uma estratégia de prevenção e controle da pandemia de Covid-19, a gente vai se defendendo como pode diante de um sem número de realidades a se entrecruzarem em um cenário marcado por uma regressão histórica sem precedentes.

 

Até aí, nada de novo no horizonte, se levarmos a sério as iniquidades que a agenda de reformas vigente desde o governo ilegítimo de Temer até o (des)governo de Bolsonaro nos impõe. Mas há sempre uma variável a mais para complicar a equação, quando mal conseguíamos garantir o empate sem gols do cotidiano que se arrasta entre a tela do computador e... a tela do computador.

 

Isso, por óbvio, para quem tem o privilégio de morrer só de tédio em meio a uma mortandade que seria evitável, já que ela evidencia vulnerabilidades sociais – agravadas pela referida agenda - daqueles que engrossam o exército de reserva de uma economia em acelerada desindustrialização, bem como das categorias profissionais que prestam serviços essenciais, notadamente os chamados “linha de frente” nos serviços públicos de saúde, que padecem com a reposição irregular de insumos e equipamentos e que se veem destituídos de qualquer indenização específica para trabalhar em condições de risco extremo.

 

Doravante, a ausência deliberada no Poder Executivo Federal de um plano de contingência que indenizasse trabalhadores(as) urbanos(as) e rurais com focalização mais abrangente do que a empregada no incipiente auxílio-emergencial, bem como pequenos(as) e médios(as) empresários(as), enquanto um lockdown em escala nacional se impusesse pela necessidade de proteger o maior número possível de vidas, leva a toda sorte de mistificação.

 

Ausente um plano nacional, abre-se espaço para uma maior autonomia dos poderes locais em resposta a interesses privados cuja soma, não necessariamente, equivale ao interesse público em âmbito regional. Este é o caso do “Minas Consciente”[1], um plano de reabertura da economia que, à primeira vista, oferece em seu slogan um prognóstico alentador àqueles(as) que estão submetidos a tal medida: “retomando a economia do jeito certo”.

 

Desescalar, isto é, flexibilizar gradualmente as restrições às liberdades individuais em contexto pós-pandemia seria, em si, uma ação governamental não só aceitável como previsível quando provada a eficácia de limitações impostas à movimentação da população para o restabelecimento da segurança sanitária. Noutros termos, em um contexto em que a adesão coletiva ao lockdown tivesse sido para valer.

 

Assim sendo, uma pergunta se torna imperiosa: tivemos realmente um isolamento social amplo e irrestrito no Brasil? A dita “quarentena” que se distribui de modo fragmentado em nosso território mostrou-se suficiente para retroceder o número de contaminados e de vítimas fatais pela Covid-19? Aliás, a última pergunta deveria ser precedida de outra: em algum momento, dispomos de um mínimo de confiabilidade nas estatísticas oficiais acerca do contágio/óbitos sem testagem em massa da população? 



Fonte: Ministério da Saúde / El País (aqui).

Se longe estamos de obter respostas conclusivas àquelas indagações diante da flagrante subnotificação dos casos da Covid-19[2], tornam-se discutíveis medidas de flexibilização como as aplicadas em Minas Gerais. Até aqui, percorremos uma trilha consensual acerca dos impasses para a saúde coletiva dos(as) brasileiros(as) em sua relação com o mundo. O dissenso surge quando entra em jogo a definição de causas e efeitos de uma crise que não é apenas sanitária em se tratando da resposta que lhe é dada na formulação de uma política pública e, aqui, podemos retornar ao plano Minas Consciente a fim de avaliar seus pressupostos.

 

Tais pressupostos estão condensados, a nosso ver, na seção “Cenário econômico”, do referido plano. Nela, lança-se mão de um conjunto de dados de alcance nacional relativos à crise econômica, em geral, e a debilidades da economia mineira, em particular, tomando por recorte o impacto que a pandemia da Covid-19 representa nesse cenário regional. Dados não falam por si sós, pois carecem de um trabalho de interpretação que tem de confrontar criticamente uma dada concepção de mundo. Noutros termos, interpretar dados é, invariavelmente, uma análise qualitativa. Se assim o é, tais concepções de mundo são um fator interveniente na análise e, tão logo, demandam um tratamento teórico a fim de indicar o limite do estudo que se deseja.

 

Ora, ao mesmo tempo em que se aponta a obviedade de que a pandemia paralisa parcialmente as atividades econômicas em razão das medidas de isolamento social, estas são tratadas com dubiedade: são necessárias, porém devem ser mitigadas para o retorno à “normalidade” dos negócios. Recuperar o faturamento das empresas e os postos de trabalho dependeria, assim, do monitoramento sistemático daquele retorno de acordo com a setorização da economia estadual em “ondas”, isto é, operando diferentes graus de flexibilização das restrições impostas.

 

Não duvido da seriedade nem da competência da equipe técnica responsável pelo plano Minas Consciente. Duvido, somente, daquilo que não está dito, a saber, a orientação valorativa que preside seus atos administrativos: a suposição de que o regime de trocas de uma economia capitalista voltar ao seu “leito” equacionaria problemas sociais que a pandemia apenas desvelou em seus contornos mais dramáticos.

 

Pensemos: a que “normalidade” pretendem os executores do Minas Consciente fazer o caminho de volta? A do laissez-faire na veia para um corpo social respirando com a ajuda de aparelhos com o que ainda resta do Estado social esboçado no pacto constituinte de 1988? Poderia aqui discorrer sobre os limites estruturais do nosso capitalismo dependente que Francisco Oliveira tão bem decifrou em seu “O ornitorrinco”[3], mas opto por concluir este texto com o que venha a ser, talvez, o substrato da operação ideológica que perpetua aqueles limites.

 

Diante de uma maioria condenada a sobreviver e, pior, a transpor subjetivamente o esgotamento dos seus corpos pela necessidade de sujeitar-se a qualquer trabalho por qualquer valor – a renda per capita do brasileiro não ultrapassa 500 reais[4] – a súbita elevação da renda de parte desses(as) trabalhadores(as) com o auxílio-emergencial não desmente, senão redobra o hiper-realismo que a precarização da vida sempre lhes exigiu, imprimindo opacidade a qualquer ideia de futuro para além da desigualdade brutalmente instituída. E voilá: o Estado “vigia noturno” que liberais conservadores como Paulo Guedes et caterva tanto sonharam pode se tornar a (única) realidade a se conceber pela mão visível de governantes de extrema-direita para os quais sempre se fizeram acólitos de primeira hora.



[1] GOVERNO DE MINAS GERAIS. Minas Consciente: retomando a economia do jeito certo. Disponível (aqui). 

[2] Jornal A Tarde. IBGE revela que só 6% da população fez o teste para a Covid-19. Edição de 20 agosto de 2020. Disponível (aqui).

[3] OLIVEIRA, Francisco. Crítica à razão dualista. O ornitorrinco. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.

[4] Jornal Correio do Povo. Metade dos brasileiros sobrevive com menos de R$ 15 por dia, aponta IBGE. Edição de 15 de setembro de 2020. Disponível (aqui).

/V\alandro Junior, cavaleiro tradicional do cristofascismo brasileiro

Fonte: Época (aqui).

/V\alandro Junior, cavaleiro  tradicional do cristofascismo brasileiro*


*Publicado originalmente em Mídia Ninja (aqui).


/V\alandro é malandro, mané é mané.

(pode crê que é)

(Bezerra da Silva)


O cordeiro vira lobo e o lobo tem oficio.

É a uva, o trigo, a casta é o oficio.

E quem fornece a brisa? (...)

“Sua rainha tá ciscando, já era.

O país tá no abandono, já era.

O planeta está morrendo, já era.

Vai cair o rei

(Criolo)


Fábio Py


O pastor Josué Valandro Junior, da Igreja Batista Atitude (IBA), na Barra de Tijuca (Rio de Janeiro) embora não seja conhecido pela postura histriônica como o Malafaia, tem um papel importante na associação da governabilidade de Bolsonaro com a religião. Sua igreja é frequentada pelo presidente, onde o pastor alimenta de ritos cristãos o governante, renovando periodicamente a unção presidencial. Pela ação do Valandro Jr, a persona do truculento presidente é revestida com esboços divinos ou, como o povo de igreja chama, “um governante ungido por deus”. Em contrapartida, impulsiona de prestígio sua grande estrutura religiosa, que é beneficiada com a proximidade com o poder.


Valandro Jr: pedra angular do cristofascismo bolsonarista


A relação de Valandro com Bolsonaro ficou evidente a partir das eleições, quando o então candidato visitou a igreja do pastor por várias vezes. Antes de ser eleito, em vista a igreja em Jair Messias Bolsonaro chegou a se ser “ungido” pelo Pr. Valandro. No ato, evocou o profeta Samuel que ungiu Davi, no fragmento de 1 Samuel 16, 6. Assim, o pastor relaciona Bolsonaro a Davi, que era um homem imperfeito, “o homem que Deus ungiu para ser o maior rei da história não era perfeito, nenhum de nós tem a pretensão de ter um presidente perfeito, mas a Bíblia disse que Deus conhece o coração”. Dessa forma, compara de maneira descarada o governo de Bolsonaro, que nem havia começado, ao reinado de Davi, dito na própria “Bíblia” como o maior da história. O interessante é que, ao mesmo tempo, salienta que Bolsonaro, tal como Davi, comete equívocos.


Já como presidente, Bolsonaro voltou ao púlpito da IBA, em 26 de maio de 2019, no momento turbulento de seu governo, para renovar a “unção”. Diante do enfraquecimento do apoio popular, ele foi novamente “ungido” pelo Pr. Valandro Jr. No ato, o cavaleiro apela à facada sofrida por Bolsonaro, dizendo que os crentes oraram incansavelmente desde o hospital: “Santo Deus pai glorioso, temos de agradecer a chance que temos de sonhar com o Brasil melhor, temos visto a sinceridade, a integridade, a vontade de trabalhar, temos visto Senhor a vontade desse vosso servo, de ver o novo Brasil (…) que o povo se una debaixo daquele que o Senhor escolheu para ser presidente da nação, Jair Messias Bolsonaro”.


Esse é um destaque elementar de Valandro como cavaleiro de Bolsonaro: embora outros presidentes já tenham passado pelos púlpitos do Brasil, a relação do púlpito batista com a Presidência não havia ocorrido de forma tão constante e midiática, relacionando o governo à defesa religiosa, com temas e símbolos bíblicos e evangélicos. O púlpito da IBA vem serve e projeta Bolsonaro com unções e orações quando, a cada crise, o presidente precisa se reorganizar social-simbolicamente para reafirmar sua gestão. É um comportamento no mínimo apelativo que vem tomando a liderança da IBA, blindando, energizando o mandato de Bolsonaro como uma área de escolhido, ungido por Deus. O complexo de unções cabe muito bem para um país que a cada dia mais é evangélico, pentecostal, e carismático, logo, acumular a unção de um pastor batista (que goza de boa reputação entre a população) reveste-o de certa segurança da providência divina.


A pandemia do Covid-19 e o respaldo do Valandro ao bolsonarismo


Com o advento da pandemia, Valandro reconfigurou a exposição pública de Bolsonaro. Com a suspensão dos cultos, o pastor recorreu às lives. No dia 26 de março, o pastor convidou o filho zero um, Eduardo para um encontro virtual (https://www.youtube.com/watch?v=VbZ2gulgOjs&t=2613s). A live teve grande audiência, e nela Valandro falou sobre as ações, o governo e a defesa, sobretudo do que envolve o presidente. Afirmou que participa da política como cidadão e “passou a apoiar Bolsonaro na campanha ver com o que acredita, família, pátria, e desenvolvimento da nação”.


Demonstrou também intimidade com a família Bolsonaro dizendo que orou pela esposa de Eduardo para engravidar. O cavaleiro de Bolsonaro usou, em vários momentos do vídeo, o jargão “o presidente acertou”, mesmo assim, busca se defender da acusação de estar agindo em termos políticos. Outra alegoria destacada por Valandro foi a suposta “grande força espiritual” do presidente, porque “Pode-se ver como (Deus) vem sustentando seu pai. Saiu o ministro da saúde, saiu o Moro (…) Então, Deus está cuidando muito do presidente”. Para finalizar a livre, falou sobre as universidades. Imbuído de uma crítica severa à universidade e à ciência, destacou que “nas universidades via um monte de gente largada. Xixi na parede, um monte de gente assim, meio à margem da sociedade e com uma ideologia no sangue, olhos no sangue por uma ideologia que não vai os levar a nada”. O cavaleiro de Bolsonaro faz um uso político da extrema direita, que visa desqualificar a Universidade pública, localizando nela os supostos indesejáveis. Para isso, utiliza uma pauta que beira ao anti-cientificismo. Também, na sequência, falou sobre o que considera *ideologia de gênero*, tensionando com o que chama de “visão cristã e judaica”, fazendo outro uso político do universo judaico e cristão, como se ambos não fossem plurais.


Outra atividade que chamou atenção na relação entre Valandro e Bolsonaro durante a pandemia da Covid-19 foi a inusitada ida do pastor, sob convite, à inauguração da obra em Jati, no Ceará, junto à caravana presidencial. Nas obras, gravou um vídeo bastante visto, no qual é apresentado como pastor batista, ao lado do presidente. O material é mais um documento de propaganda do governo dando méritos da obra nos seguintes termos: “transposição do Rio São Francisco é uma realidade, que o governo Bolsonaro tem investido muito nisso”. O cristofascista Bolsonaro fez questão de dizer que conhece o pastor batista há tempos. Essa é uma arma fundamental para Bolsonaro: ter um pastor batista no apoio com tanta proporção midiática significa muito para a gestão bolsonarista. Como já dito, os batistas historicamente gozam de respeito no Brasil, não têm o nome envolvido com escândalos como algumas megacorporações pentecostais. Com visita à obra no Ceará no meio da pandemia, o cavaleiro Valandro agremia muitos pontos para Bolsonaro, pois no Nordeste, onde tem menor apoio popular, o cristianismo é muito forte. Mais uma tacada certeira do bolsonarismo.


Valandro Jr e as bênçãos do bolsonarismo


Tendo em consideração a relação orgânica de Valandro ao governo Bolsonaro, volto à indagação sobre a razão pela qual, um pastor da tradicional Confederação Batista Brasileira (CBB), que tem um histórico de luta pela separação de Igreja e Estado, se coloca numa caravana de propaganda do presidente da república? E, por que serve seu púlpito frequentemente para renovar sua unção e diante das crises de seu mandato? Que vínculos tão profundos são esses? Para as respostas, alguns elementos podem ser apontados. Para isso, deve-se destacar que junto ao bolsonarismo, coloca-se uma figura importante no Rio de Janeiro, o atual prefeito Marcelo Crivella, que, embora tenha tido problemas pontuais com a família Bolsonaro, reajustou-se e se alinhou completamente ao presidente.


Antes, existe um uso midiático do cavaleiro Valandro no qual impulsiona a visibilidade de sua comunidade com a presença da família presidencial e de aliados políticos como o próprio prefeito. Isso não é novo na sua trajetória de pastor. Ele faz uso nas suas celebrações que eram (e são) frequentadas por atores e atrizes famosos e, também, estrategicamente, “entregou” seus cultos das quarta-feira à famosa cantora gospel Fernanda Brum e seu marido. É uma forma eficiente de marketing ter seus cultos frequentados por celebridades, atraindo mais público rendendo mais dízimos e influência social

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Em temos práticos, destaco que além desse elemento, a proximidade da cúpula do bolsonarismo garantiu vantagens. Afinal, ser cavaleiro cristofascista, deve garantir algumas trocas, tendo benefícios mais diretos. Algo que, se não tivesse próximo do núcleo duro do bolsonarismo, não teria condições de lograr. Assim, ainda em 2018, por ter crescido demais sua igreja, com frequência média de oito mil membros, as instalações não davam conta. Conseguiu a assinatura da construção do prédio de cinco andares para ser sua nova sede. O que não foi uma operação simples, pois a região era descrita no plano direto da prefeitura como área residencial, logo, não era permitido um prédio com esse tamanho. Houve, então, uma mobilização do núcleo duro do bolsonarismo, construindo um projeto de lei para revisão e permissão de tal empreendimento pelo vereador e bispo Inaldo Silva (PRB), da Universal, próximo a Crivella, em coautoria com os vereadores Felipe Michel (PSDB), apoiador irrestrito de Bolsonaro, de Crivella e de Marcelo Siciliano (PHS), próximo a Bolsonaro e investigado pela morte de Mariele Franco.


A revisão do plano diretor da cidade, por conta da faraônica obra da igreja, passou a ser uma prática recorrente instaurada no Governo Crivella, a partir de 2019, para, desse modo, alavancar benefícios e recursos para a própria Prefeitura.


Por fim, uma última ação que pode ser apontada do cavaleiro Valandro Jr diz respeito à creche “Novos sonhos”, em andamento. Para responder pela construção, o pastor chegou a construiu o “Instituto Assistencial Atitude. A creche recebeu holofotes pelo apoio novamente do prefeito Crivella, que foi à inauguração de seu primeiro pavimento.


Portanto, diferentemente do que o cavaleiro Valandro afirmou na live, não é apenas como cidadão que apoia o maquinário da gestão Bolsonaro, mas para obter benefícios para sua estrutura religiosa. Apoios que vão desde o aumento da frequência de fieis e de dízimos nas celebrações, até benefícios como a revisão do plano diretor do município do Rio. Para isso, “abençoa” sempre que é preciso o presidente, transformando a IBA em uma oportuna grande corporação religiosa disposta a aprofundar ainda mais a teologia do governo bolsonarista, como técnica fundamentalista, para consolidação do fascismo que vivemos.


Fanini e seus afetos-benefícios militares e americanos


O Pr. Valandro não foi a única figura batista a ter conexões com um governo autoritário. Outra figura importante foi o poderoso Nilson do Amaral Fanini, que se notabilizou como pastor presidente da Primeira Igreja Batista (PIB) de Niterói, outra grande estrutura batista de cerca de 10 mil membros entre as décadas de 1970 e 1990. Diante do poder de presidir a maior igreja do Rio de Janeiro à época, tocou o “Programa Reencontro” na TV Educativa do Rio de Janeiro, canal 2. Fanini conseguiu esse feito midiático, no contexto do enfraquecimento da ditadura militar, por meio de suas relações com o então diretor Regional do Departamento Nacional de Telecomunicações (DENTEL), Arolde de Oliveira, uma figura importante no meio evangélico, além de ser deputado federal. Outro feito de Fanini foi a aquisição, num contexto de brigas judiciais e falências, da TV Rio.


Sobre sua relação com Fanini, Arolde de Oliveira afirmou em entrevista que era um “casamento perfeito” onde: “Pude abrir mais caminho para o pastor Fanini na televisão e, como político iniciante, não posso negar, ganhei novos eleitores” (Revista Veja, 08/09/1982).


Além do apoio e das vantagens obtidas pelo apoio à cúpula da Ditadura, Fanini funcionava como uma ponte com o conservador Sul dos EUA, ora pregando contra o comunismo, como o fez na capela do Seminário de Fort Worth, no Sul dos EUA, ora pedindo apoio para combater o comunismo no Brasil. Desse relacionamento com o protestantismo do Sul norteamericano, Fanini conseguiu apoio financeiro, na década de 1980, para a construção do prédio de educação religiosa da Primeira Igreja Batista de Niterói, onde funciona o Seminário Teológico Batista de Niterói.


Além de agremiar fundos nas viagens aos EUA contra o inimigo imaginário do comunismo, Fanini foi primeiro o sacerdote a utilizar a frase “irmão vota em irmão” no país. Inspirado no partido Republicano dos EUA, o jargão já era usado desde 1983 em solos norteamericanos. No Brasil, frase foi utilizada para um objetivo específico: destacar a importância de se votar no capitão reformado do Exército Arolde de Oliveira, para sua reeleição como deputado federal. O apoio de Fanini foi de extrema importância para Oliveira. É preciso considerar que a força de Fanini não se limitava às instituições religiosas batistas, chegando ao universo midiático, em programas radiofônicos e televisivos que circulavam em boa parte do país.


Os batistas e a separação de Igreja e Estado


Embora a conexão entre a igreja batista do pastor Valandro e a política institucional seja evidente, é preciso dizer que essa adesão não é uma unanimidade. Existe certo constrangimento de setores tradicionais batistas, que produzem textos e exortações contrárias à atual conexão de igreja e Estado.


Uma das grandes vozes contrárias a tais associações foi João Filson Soren, religioso por décadas da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, pouco depois do golpe civil-empresarial-militar de 1964. Naquele período, Soren escreveu uma carta pastoral com pesadas críticas. Na carta, Soren foi contundente nas críticas explicitando-as em frases como: “quando igreja e Estado se unem, existe a tendência direta à tirania”. Soren ainda advertiu para o perigo da vinculação das igrejas com os movimentos políticos no seguinte tom: “Não deve a igreja formar, quer na marcha dos camponeses, quer na marcha da família. Trata-se de movimentos políticos cujas fileiras as igrejas não devem engrossar”. A carta impactou os batistas, em especial por chamar atenção para o perigo da tirania. O documento foi ratificado várias vezes em matérias do próprio jornal da Convenção Batista Brasileira (CBB), entre as décadas de 1970 e 2000. Em suma, as cartas expressas de forma pedagógica como as igrejas batistas não deveriam se vincular aos governos e partidos.


A pergunta que faço sobre o momento atual é saber se existem cartas ou documentos dos batistas da CBB indicando expressamente que não haja relação tão estreita com a política. Um documento que condene explicitamente um pastor como /V\alandro Jr a “entregar o púlpito” para o Bolsonaro candidato e depois presidente. Uma carta que questione a legitimidade de um sacerdote batista em orar ungir, o presidente na frente da igreja, envolvendo diretamente sua comunidade com o projeto cerceador como o de Bolsonaro. Um documento que combata as atitudes de um pastor em assumir uma ligação tão orgânica com o governo, tendo em vista que a tradição batista sempre foi discreta em termos políticos.


Bibliografia:


CENTRO DE MEMORIA BATISTA (CMB), Faculdade Batista do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: 2013.
CASTRO, Alexandre de Carvalho; Gonçalves e SILVA. Identidade social, mídia televisiva e construção histórico-cultural da memória coletiva: o caso de um movimento sociorreligioso no Brasil. Relig. soc., 2016, vol.36, n.1, p.74-102.
MBEMBE, A. Crítica da razão negra. São Paulo: Antigona, 2014.
PY, Fábio. Lauro Bretones um protestante heterodoxo no Brasil de 1948 a 1956, Tese de doutorado em Teologia, PUC-RIO, 2016.
PY, Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020.
PY, Fábio. Cristofascismo de Bolsonaro em 7atos. São Paulo: The Intercept, 2020. Acessado em: https://theintercept.com/2020/05/01/cristofascismo-bolsonaro-pascoa/.
SOLLE, Dorothee. Beyond Mere Obedience: Reflections on a Christian Ethic for the Future, Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1970.
SOREN, João Filson. A igreja em face das injunções políticas. Rio de Janeiro: Casa Batista de Publicações, 1964.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Divulgação - "Território, sociedade e ambiente: um olhar sobre a foz do Rio Paraíba do Sul"*

Sinopse:

O documentário é fruto de um trabalho coletivo de conclusão das disciplinas Território e Sociedade (Professora Dra. Elis de Araújo Miranda) e Sociedade e Ambiente (Professora Dra. Maria Gabriela Scotto) da turma 2019 do Mestrado em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (PPGDAP), vinculado à Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes. Aborda, de maneira crítica e reflexiva, questões relacionadas ao fechamento da foz do Rio Paraíba do Sul, em Atafona - São João da Barra. A concepção inspirou-se na poesia “Impotência ou cadê a pororoca”, de Helio Coelho. Apresenta a foz através da perspectiva de agentes que interagem com o lugar, promovendo reflexões a respeito das mudanças daquele ambiente.



Sinopse: Direção coletiva / Documentário / 35min / Ano 2019 / Campos dos Goytacazes - RJ / Brasil / Classificação Livre.

A trilha sonora foi gentilmente cedida por Kalu Coelho.

Programa de Pós-Graduação (Mestrado) em Desenvolvimento Regional, Ambiente e Políticas Públicas (CDR/PPGDAP), vinculado ao Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional (ESR) da Universidade Federal Fluminense em Campos dos Goytacazes.

Turma 2019:
Clóvis Peixoto Firmo
Diogo Sant'Ana de Sá
Gustavo Machado Ribeiro
Hélio Coelho
Jonatan Fernandes
Késia Rocha Araújo
Lívio Bissonho
Lucas Ferreira Lopes
Nayara Francisco
Rodrigo Pereira da Silva
Thamyres Siqueira Freire
Yuri Costa Moraes da Silva
* Fonte: YouTube.

quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Diálogos da Esperança: Cristofascismo - O ódio em nome de Jesus*



Nesta quarta-feira, às 21h, terei a honra de participar do programa “Diálogos da Esperança”, falando sobre “@Cristofacismo: ódio em nome de Jesus”, com o irmão Jefferson Monteiro e meu amigo Ras Guimaraes. 

Apareçam!

* Disponível (aqui).

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Convite para live: “Luta por reconhecimento, demandas LGBT e artes marciais: a experiência do Piranhas Team”

 As Coordenações dos Cursos de Ciências Sociais da UFF-Campos e o Blog Autopoiese e Virtu convidam para a Live:


“Luta por reconhecimento, demandas LGBT e artes marciais: a experiência do Piranhas Team”


Convidado: Halisson Paes – Piranhas Team


Mediação: Prof. George Coutinho – UFF/Campos, RJ


11/09/2020 – 19 horas –  Sexta-feira


Inscrições gratuitas em:  https://www.even3.com.br/pteam2020