Fonte: Época (aqui).
/V\alandro
Junior, cavaleiro tradicional do
cristofascismo brasileiro*
*Publicado originalmente em Mídia Ninja
(aqui).
“/V\alandro é malandro, mané é mané.
(pode crê que é)”
(Bezerra
da Silva)
“O cordeiro vira lobo e o lobo tem oficio.
É a uva, o trigo, a casta é o oficio.
E quem fornece a brisa? (...)
“Sua rainha tá ciscando, já era.
O país tá no abandono, já era.
O planeta está morrendo, já era.
Vai cair o rei”
(Criolo)
Fábio
Py
O pastor Josué
Valandro Junior, da Igreja Batista Atitude (IBA), na Barra de Tijuca (Rio de
Janeiro) embora não seja conhecido pela postura histriônica como o Malafaia,
tem um papel importante na associação da governabilidade de Bolsonaro com a
religião. Sua igreja é frequentada pelo presidente, onde o pastor alimenta de
ritos cristãos o governante, renovando periodicamente a unção presidencial.
Pela ação do Valandro Jr, a persona do truculento presidente é revestida com
esboços divinos ou, como o povo de igreja chama, “um governante ungido por
deus”. Em contrapartida, impulsiona de prestígio sua grande estrutura
religiosa, que é beneficiada com a proximidade com o poder.
Valandro
Jr: pedra angular do cristofascismo bolsonarista
A relação de Valandro com Bolsonaro
ficou evidente a partir das eleições, quando o então candidato visitou a igreja
do pastor por várias vezes. Antes de ser eleito, em vista a igreja em Jair
Messias Bolsonaro chegou a se ser “ungido” pelo Pr. Valandro. No ato, evocou o profeta Samuel que
ungiu Davi, no fragmento de 1 Samuel 16, 6. Assim, o pastor relaciona Bolsonaro
a Davi, que era um homem imperfeito, “o homem que Deus ungiu para ser o maior
rei da história não era perfeito, nenhum de nós tem a pretensão de ter um
presidente perfeito, mas a Bíblia disse que Deus conhece o coração”. Dessa
forma, compara de maneira descarada o governo de Bolsonaro, que nem havia
começado, ao reinado de Davi, dito na própria “Bíblia” como o maior da
história. O interessante é que, ao mesmo tempo, salienta que Bolsonaro, tal
como Davi, comete equívocos.
Já como presidente,
Bolsonaro voltou ao púlpito da IBA, em 26 de maio de 2019, no momento
turbulento de seu governo, para renovar a “unção”. Diante do enfraquecimento do apoio popular, ele foi
novamente “ungido” pelo Pr. Valandro Jr. No ato, o cavaleiro apela à facada
sofrida por Bolsonaro, dizendo que os crentes oraram incansavelmente desde o
hospital: “Santo Deus pai glorioso, temos de agradecer a chance que temos de
sonhar com o Brasil melhor, temos visto a sinceridade, a integridade, a vontade
de trabalhar, temos visto Senhor a vontade desse vosso servo, de ver o novo
Brasil (…) que o povo se una debaixo daquele que o Senhor escolheu para ser
presidente da nação, Jair Messias Bolsonaro”.
Esse é um destaque
elementar de Valandro como cavaleiro de Bolsonaro: embora outros presidentes já
tenham passado pelos púlpitos do Brasil, a relação do púlpito batista com a
Presidência não havia ocorrido de forma tão constante e midiática, relacionando
o governo à defesa religiosa, com temas e símbolos bíblicos e evangélicos. O
púlpito da IBA vem serve e projeta Bolsonaro com unções e orações quando, a
cada crise, o presidente precisa se reorganizar social-simbolicamente para
reafirmar sua gestão. É um comportamento no mínimo apelativo que vem tomando a
liderança da IBA, blindando, energizando o mandato de Bolsonaro como uma área
de escolhido, ungido por Deus. O complexo de unções cabe muito bem para um país
que a cada dia mais é evangélico, pentecostal, e carismático, logo, acumular a
unção de um pastor batista (que goza de boa reputação entre a população)
reveste-o de certa segurança da providência divina.
A
pandemia do Covid-19 e o respaldo do Valandro ao bolsonarismo
Com o advento da pandemia, Valandro
reconfigurou a exposição pública de Bolsonaro. Com a suspensão dos cultos, o
pastor recorreu às lives. No dia 26 de março, o pastor convidou o filho zero
um, Eduardo para um encontro virtual
(https://www.youtube.com/watch?v=VbZ2gulgOjs&t=2613s). A live teve grande
audiência, e nela Valandro falou sobre as ações, o governo e a defesa,
sobretudo do que envolve o presidente. Afirmou que participa da política como
cidadão e “passou a apoiar Bolsonaro na campanha ver com o que acredita,
família, pátria, e desenvolvimento da nação”.
Demonstrou também
intimidade com a família Bolsonaro dizendo que orou pela esposa de Eduardo para
engravidar. O cavaleiro de Bolsonaro usou, em vários momentos do vídeo, o
jargão “o presidente acertou”, mesmo assim, busca se defender da acusação de
estar agindo em termos políticos. Outra alegoria destacada por Valandro foi a
suposta “grande força espiritual” do presidente, porque “Pode-se ver como
(Deus) vem sustentando seu pai. Saiu o ministro da saúde, saiu o Moro (…)
Então, Deus está cuidando muito do presidente”. Para finalizar a livre, falou
sobre as universidades. Imbuído de uma crítica severa à universidade e à ciência,
destacou que “nas universidades via um monte de gente largada. Xixi na parede,
um monte de gente assim, meio à margem da sociedade e com uma ideologia no
sangue, olhos no sangue por uma ideologia que não vai os levar a nada”. O
cavaleiro de Bolsonaro faz um uso político da extrema direita, que visa
desqualificar a Universidade pública, localizando nela os supostos
indesejáveis. Para isso, utiliza uma pauta que beira ao anti-cientificismo.
Também, na sequência, falou sobre o que considera *ideologia de gênero*,
tensionando com o que chama de “visão cristã e judaica”, fazendo outro uso
político do universo judaico e cristão, como se ambos não fossem plurais.
Outra atividade que
chamou atenção na relação entre Valandro e Bolsonaro durante a pandemia da
Covid-19 foi a inusitada ida do pastor, sob convite, à inauguração da obra em
Jati, no Ceará, junto à caravana presidencial. Nas obras, gravou um vídeo
bastante visto, no qual é apresentado como pastor batista, ao lado do
presidente. O material é mais um documento de propaganda do governo dando
méritos da obra nos seguintes termos: “transposição do Rio São Francisco é uma
realidade, que o governo Bolsonaro tem investido muito nisso”. O cristofascista
Bolsonaro fez questão de dizer que conhece o pastor batista há tempos. Essa é
uma arma fundamental para Bolsonaro: ter um pastor batista no apoio com tanta
proporção midiática significa muito para a gestão bolsonarista. Como já dito,
os batistas historicamente gozam de respeito no Brasil, não têm o nome
envolvido com escândalos como algumas megacorporações pentecostais. Com visita
à obra no Ceará no meio da pandemia, o cavaleiro Valandro agremia muitos pontos
para Bolsonaro, pois no Nordeste, onde tem menor apoio popular, o cristianismo
é muito forte. Mais uma tacada certeira do bolsonarismo.
Valandro Jr e as
bênçãos do bolsonarismo
Tendo em consideração
a relação orgânica de Valandro ao governo Bolsonaro, volto à indagação sobre a
razão pela qual, um pastor da tradicional Confederação Batista Brasileira
(CBB), que tem um histórico de luta pela separação de Igreja e Estado, se
coloca numa caravana de propaganda do presidente da república? E, por que serve
seu púlpito frequentemente para renovar sua unção e diante das crises de seu
mandato? Que vínculos tão profundos são esses? Para as respostas, alguns
elementos podem ser apontados. Para isso, deve-se destacar que junto ao
bolsonarismo, coloca-se uma figura importante no Rio de Janeiro, o atual
prefeito Marcelo Crivella, que, embora tenha tido problemas pontuais com a família
Bolsonaro, reajustou-se e se alinhou completamente ao presidente.
Antes, existe um uso
midiático do cavaleiro Valandro no qual impulsiona a visibilidade de sua
comunidade com a presença da família presidencial e de aliados políticos como o
próprio prefeito. Isso não é novo na sua trajetória de pastor. Ele faz uso nas
suas celebrações que eram (e são) frequentadas por atores e atrizes famosos e,
também, estrategicamente, “entregou” seus cultos das quarta-feira à famosa
cantora gospel Fernanda Brum e seu marido. É uma forma eficiente de marketing
ter seus cultos frequentados por celebridades, atraindo mais público rendendo
mais dízimos e influência social
.
Em temos práticos,
destaco que além desse elemento, a proximidade da cúpula do bolsonarismo
garantiu vantagens. Afinal, ser cavaleiro cristofascista, deve garantir algumas
trocas, tendo benefícios mais diretos. Algo que, se não tivesse próximo do
núcleo duro do bolsonarismo, não teria condições de lograr. Assim, ainda em
2018, por ter crescido demais sua igreja, com frequência média de oito mil
membros, as instalações não davam conta. Conseguiu a assinatura da construção
do prédio de cinco andares para ser sua nova sede. O que não foi uma operação
simples, pois a região era descrita no plano direto da prefeitura como área
residencial, logo, não era permitido um prédio com esse tamanho. Houve, então,
uma mobilização do núcleo duro do bolsonarismo, construindo um projeto de lei
para revisão e permissão de tal empreendimento pelo vereador e bispo Inaldo
Silva (PRB), da Universal, próximo a Crivella, em coautoria com os vereadores
Felipe Michel (PSDB), apoiador irrestrito de Bolsonaro, de Crivella e
de Marcelo Siciliano (PHS), próximo a Bolsonaro e investigado pela morte de Mariele Franco.
A revisão do plano
diretor da cidade, por conta da faraônica obra da igreja, passou a ser uma
prática recorrente instaurada no Governo Crivella, a partir de 2019, para,
desse modo, alavancar
benefícios e recursos para a própria Prefeitura.
Por fim, uma última
ação que pode ser apontada do cavaleiro Valandro Jr diz respeito à creche
“Novos sonhos”, em andamento. Para responder pela construção, o pastor chegou a
construiu o “Instituto Assistencial Atitude. A creche
recebeu holofotes pelo apoio novamente do prefeito Crivella,
que foi à inauguração de seu primeiro pavimento.
Portanto,
diferentemente do que o cavaleiro Valandro afirmou na live, não é apenas como
cidadão que apoia o maquinário da gestão Bolsonaro, mas para obter benefícios
para sua estrutura religiosa. Apoios que vão desde o aumento da frequência de
fieis e de dízimos nas celebrações, até benefícios como a revisão do plano
diretor do município do Rio. Para isso, “abençoa” sempre que é preciso o
presidente, transformando a IBA em uma oportuna grande corporação religiosa
disposta a aprofundar ainda mais a teologia do governo bolsonarista, como
técnica fundamentalista, para consolidação do fascismo que vivemos.
Fanini e seus
afetos-benefícios militares e americanos
O Pr. Valandro não
foi a única figura batista a ter conexões com um governo autoritário. Outra
figura importante foi o poderoso Nilson do Amaral Fanini, que se notabilizou
como pastor presidente da Primeira Igreja Batista (PIB) de Niterói, outra
grande estrutura batista de cerca de 10 mil membros entre as décadas de 1970 e
1990. Diante do poder de presidir a maior igreja do Rio de Janeiro à época,
tocou o “Programa Reencontro” na TV Educativa do Rio de Janeiro, canal 2.
Fanini conseguiu esse feito midiático, no contexto do enfraquecimento da
ditadura militar, por meio de suas relações com o então diretor Regional do
Departamento Nacional de Telecomunicações (DENTEL), Arolde de Oliveira, uma
figura importante no meio evangélico, além de ser deputado federal. Outro feito
de Fanini foi a aquisição, num contexto de brigas judiciais e falências, da TV
Rio.
Sobre sua relação com
Fanini, Arolde de Oliveira afirmou em entrevista que era um “casamento
perfeito” onde: “Pude abrir mais caminho para o pastor Fanini na televisão e,
como político iniciante, não posso negar, ganhei novos eleitores” (Revista
Veja, 08/09/1982).
Além do apoio e das
vantagens obtidas pelo apoio à cúpula da Ditadura, Fanini funcionava como uma
ponte com o conservador Sul dos EUA, ora pregando contra o comunismo, como o
fez na capela do Seminário de Fort Worth, no Sul dos EUA, ora pedindo apoio
para combater o comunismo no Brasil. Desse relacionamento com o protestantismo
do Sul norteamericano, Fanini conseguiu apoio financeiro, na década de 1980,
para a construção do prédio de educação religiosa da Primeira Igreja Batista de
Niterói, onde funciona o Seminário Teológico Batista de Niterói.
Além de agremiar
fundos nas viagens aos EUA contra o inimigo imaginário do comunismo, Fanini foi
primeiro o sacerdote a utilizar a frase “irmão vota em irmão” no país.
Inspirado no partido Republicano dos EUA, o jargão já era usado desde 1983 em
solos norteamericanos. No Brasil, frase foi utilizada para um objetivo específico:
destacar a importância de se votar no capitão reformado do Exército Arolde de
Oliveira, para sua reeleição como deputado federal. O apoio de Fanini foi de
extrema importância para Oliveira. É preciso considerar que a força de Fanini
não se limitava às instituições religiosas batistas, chegando ao universo
midiático, em programas radiofônicos e televisivos que circulavam em boa parte
do país.
Os batistas e a
separação de Igreja e Estado
Embora a conexão
entre a igreja batista do pastor Valandro e a política institucional seja
evidente, é preciso dizer que essa adesão não é uma unanimidade. Existe certo
constrangimento de setores tradicionais batistas, que produzem textos e
exortações contrárias à atual conexão de igreja e Estado.
Uma das grandes vozes
contrárias a tais associações foi João Filson Soren, religioso por décadas da
Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, pouco depois do golpe
civil-empresarial-militar de 1964. Naquele período, Soren escreveu uma carta
pastoral com pesadas críticas. Na carta, Soren foi contundente nas críticas
explicitando-as em frases como: “quando igreja e Estado se unem, existe a
tendência direta à tirania”. Soren ainda advertiu para o perigo da vinculação
das igrejas com os movimentos políticos no seguinte tom: “Não deve a igreja
formar, quer na marcha dos camponeses, quer na marcha da família. Trata-se de
movimentos políticos cujas fileiras as igrejas não devem engrossar”. A carta
impactou os batistas, em especial por chamar atenção para o perigo da tirania.
O documento foi ratificado várias vezes em matérias do próprio jornal da
Convenção Batista Brasileira (CBB), entre as décadas de 1970 e 2000. Em suma,
as cartas expressas de forma pedagógica como as igrejas batistas não deveriam
se vincular aos governos e partidos.
A pergunta que faço
sobre o momento atual é saber se existem cartas ou documentos dos batistas da
CBB indicando expressamente que não haja relação tão estreita com a política.
Um documento que condene explicitamente um pastor como /V\alandro Jr a “entregar
o púlpito” para o Bolsonaro candidato e depois presidente. Uma carta que
questione a legitimidade de um sacerdote batista em orar ungir, o presidente na
frente da igreja, envolvendo diretamente sua comunidade com o projeto cerceador
como o de Bolsonaro. Um documento que combata as atitudes de um pastor em
assumir uma ligação tão orgânica com o governo, tendo em vista que a tradição
batista sempre foi discreta em termos políticos.
Bibliografia:
CENTRO DE MEMORIA BATISTA (CMB), Faculdade Batista do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro: 2013.
CASTRO, Alexandre de
Carvalho; Gonçalves e SILVA. Identidade social, mídia
televisiva e construção histórico-cultural da memória coletiva: o caso de um
movimento sociorreligioso no Brasil. Relig. soc., 2016, vol.36, n.1,
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MBEMBE, A. Crítica da razão negra. São Paulo: Antigona, 2014.
PY, Fábio. Lauro Bretones um protestante heterodoxo no Brasil de 1948 a 1956,
Tese de doutorado em Teologia, PUC-RIO, 2016.
PY, Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020.
PY, Fábio. Cristofascismo de Bolsonaro em 7atos. São Paulo: The Intercept,
2020. Acessado
em: https://theintercept.com/2020/05/01/cristofascismo-bolsonaro-pascoa/.
SOLLE, Dorothee. Beyond Mere Obedience: Reflections on a Christian Ethic for
the Future, Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1970.
SOREN, João Filson. A igreja em face das injunções políticas. Rio de Janeiro:
Casa Batista de Publicações, 1964.