sexta-feira, 27 de agosto de 2021

E você aí, ainda em cima do muro?

Fonte: Teen Vogue.

E você aí, ainda em cima do muro?

Paulo Sérgio Ribeiro

A notícia perdeu seu frescor. Há muito, “desceu” as páginas dos jornais[1]. Mas não há por que ignorarmos seu pano de fundo. Ora, uma retrospectiva dos acontecimentos relativos ao pânico moral, à censura ao ensino e às artes e à ação (voluntarista ou organizada) da extrema direita em Campos dos Goytacazes – que, adiantando um segredo de polichinelo, fomenta o pânico para ditar a censura – nos mostra que se trata de um mal-estar permanente entre nós à medida que eclodem nessa cidade as tensões sociais de uma ordem burguesa cuja face assumida é a do Brasil de Bolsonaro:

Do que vi e vivi no #elenão em Campos dos Goytacazes (30/09/2018);

Solidariedade à Cássia Maria Couto (02/11/2018);

Bienal do Livro em Campos: território livre (16/11/2018);

Em defesa da liberdade docente – o caso do Liceu de Humanidades de Campos (22/03/2019);

É possível conversar com um reacionário? (18/05/2020).

Acrescentamos a esse cardápio indigesto um fato novo: a ameaça sofrida por Anderson Santos. Anderson, também conhecido como Andinho Ide, designer gráfico e grafiteiro, foi alvo de agressões verbais e chegou a ter contra si uma arma de fogo apontada por um dos agressores durante a realização do seu trabalho artístico. Ei-lo:

Fonte: Folha 1.

As agressões foram cometidas por quem se viu “atingido” em seu âmago pela crítica ao Governo Bolsonaro. Encará-las como algo trivial anula qualquer chance de transitarmos pelo pluralismo de valores inerente ao espaço urbano, pois assim não dividiremos, mas, se muito, disputaremos o território nacional com certos eleitores/seguidores de Jair Bolsonaro cada vez mais incontinentes em seu impulso de reagir a quem se interponha à projeção que fazem do líder autoritário que lhes prometeu a “liberação” de todas as amarras do processo civilizatório ou, como diz a antropóloga Jacqueline Muniz, lhes deu carta branca para um verdadeiro “escracho libertário”. A exposição do belo (e provocativo) grafite de Andinho Ide teve vida curta, sendo apagada por este grupelho facistóide:

Fonte: Folha 1.

Afinal, qual é o lugar da crítica do poder em suas mais variadas expressões numa ambiência social como a campista? O grafite de Andinho Ide é uma forma de arte pública. Esta se caracteriza pela sua ampla audiência – dirige-se a todos – contendo o potencial de provocar reflexões de alcance político na medida em que não tenha, necessariamente, comprometimento com a imagem institucional do poder local ou algum fim comercial.

O trabalho artístico de Andinho Ide foi encomenda de alguém que quis fazer do muro de sua propriedade uma “tela” para o mundo. O grafite, contudo, não se restringiria à visão de quem o encomendou, pois, uma vez exposto ao público, teríamos ali uma mediação possível entre quem (perdoem-me o clichê) se posiciona neste ou naquele lado do “muro”. Isto, claro, se o mundo social fosse construído pelo respeito atitudinal como disposição comum daqueles que se voltam para a arte urbana enquanto elemento em disputa na luta ideológica pelo governo local e, não menos, como um patrimônio cultural - quanto ao último, bastaria lembrarmos aqui dos poemas do "Profeta Gentileza" impressos nos viadutos da Avenida Brasil, na capital fluminense.

Porém, ao contrário do mundo sonhado pelo imortal "Gentileza", o nosso cotidiano é bem mais incerto e inseguro do que podemos supor. No Brasil 521 d.C e ano 3 da Era Bolsonaro, o direito à liberdade de expressão de Andinho Ide e de quem o contratou (assim como deste que vos escreve) é primazia de poucos enquanto o aparato urbano - muros, pontes, marquises, postes etc. - for interditado num debate público cuja vitalidade se meça pela confluência de diferentes linguagens e suportes.

O desembaraço com que se violou, à luz do dia, na terceira maior cidade do estado do Rio de Janeiro, o direito à livre expressão de uma atividade artística foi um arbítrio praticado por quem apagaria o grafite naquele muro movido, quiçá, por um senso de autoconfiança digno do “fazer história com as próprias mãos” - ou, melhor dizendo, do tentar apagá-la com a própria estupidez - ao enxergar-se e, talvez, ser de fato militante de uma direita neofascista incrustrada no aparelho de Estado e, mais do que isso, no coração e na mente do brasileiro médio. 

Tal estado de coisas nos obriga a qualificar a alusão que fizemos anteriormente ao processo civilizatório. Para Herbert Marcuse[2], na interpretação que faz da obra de Sigmund Freud (1856-1939), tal processo longe está de confundir-se com a visão idealizada de um progresso linear que a imaginação política do século XIX nos legou quando o assunto é a “evolução humana”. Coagidos que somos pela cultura, a construção do “eu” é um testemunho atemporal da renúncia à plena gratificação dos impulsos mais básicos de nossa estrutura instintiva, confirmando, por um lado, que a história humana é a história da repressão e, por outro, que a “coação” é a própria pré-condição de “progresso” no que neste haveria de mais elementar: a superação da existência de seres humanos equivalente a de qualquer outro animal.

Este “princípio de realidade” a exigir de nós sempre um preço demasiado alto que é a nossa domesticação, ironicamente, não nos faz devedores, mas credores da civilização que nos constituiu, uma vez que o “estado natural” não é dela suprimido. Nas palavras de Marcuse, o que “a civilização domina e reprime – a reclamação do princípio do prazer – continua existindo na própria civilização”[3]. Se tal força primordial do princípio do prazer não cessa mesmo com todo o impacto que a realidade externa exerce sobre nossa psique, sua latência não só se mantém em cada um de nós como afeta a própria realidade que a superou.

O ponto aqui é como avaliar, em cada cenário de época, o quão destrutiva pode ser a dialética da civilização.

No caso brasileiro, o “retorno do reprimido” é observável pela frequência dos atos de violência política contra dissidentes sexuais ou partidos e movimentos sociais que, por definição, defendem um projeto de sociedade que não seja o de mera conformação à ordem. Há fundado receio por parte da esquerda institucionalizada sobre o que fazer no 7 de setembro, sobretudo quando o que está em jogo é o vínculo com uma tradição de lutas por igualdade e justiça em nosso país.

Não tenho resposta pronta sobre o que fazer. Se não é aconselhável acender uma vela para o golpe em 2022, também não acho exagero afirmar que os cães raivosos estão soltos nas ruas. O que sei ou acho que sei é que, em relação àqueles cães, é inútil fugir deles ficando em cima do muro.



[1]  Folha 1. Grafiteiro de Campos é ameaçado com arma enquanto fazia trabalho crítico a Bolsonaro. Edição de 06/08/2021. Disponível aqui.

[2] Cf. MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. Uma interpretação filosófica do pensamento de Freud. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975 (6ª edição).

[3] Ibidem, p.36.

Entrevista Sérgio Abranches

Fake News, presidencialismo de coalização e risco de golpe – uma conversa com Sérgio Abranches[*]

 Edmundo Siqueira

[**]


Sérgio Abranches é — sem favor nenhum — um dos maiores cientistas políticos do país. É também sociólogo e escritor. A última Constituição brasileira ainda estava sendo redigida quando ele cunhou o termo “presidencialismo de coalização”, usado largamente nas ciências humanas e nas análises políticas no Brasil[***], desde sua publicação, em artigo seminal de Abranches[****] no ano da promulgação da CF, 1988. A ideia central que o termo traz é fundamental para entendermos a construção do Brasil desde sua dita "Terceira República", e de como chegamos neste estado de coisas. Em um resumo simplista, “presidencialismo de coalização” diz respeito à necessidade de formar maioria no Congresso, sem a qual não o presidente fica impossibilitado de governar. E acaba caindo, como aconteceu com Collor e Dilma.

 Nesta conversa, Sérgio fala sobre fake news, redes sociais, pós-verdade, governo Bolsonaro, o impeachment de Dilma, a obrigatoriedade do voto no Brasil e os rumos da nossa democracia. Às vésperas de uma manifestação capitaneada por Bolsonaro que promete pautas golpistas (veja aqui), no próximo dia 7, as reflexões de Abranches é “luz, ainda que de lamparina, na noite dos desgraçados”, parafraseando o saudoso Ulysses Guimarães, que é considerado o “pai” da Constituição, que na mesma frase disse: “não é a Constituição perfeita, mas será útil, pioneira, desbravadora”.


Edmundo Siqueira - Sérgio, na última semana, algumas pessoas (eu me incluo) passaram por uma situação no mínimo estranha, com a publicação de uma foto. Não se trata de uma imagem qualquer, trazia o registro histórico de centenas de afegãos amontoados em um avião militar de carga dos Estados Unidos para fugir de Cabul, capital do Afeganistão (veja foto aqui). A impressionante foto, publicada originalmente no site americano Defense One nesta semana, viralizou muito rapidamente, circulando em sites de notícias e redes sociais. E foi em uma dessas redes que a compartilhei, após vê-la publicada pelo jornalista Pedro Dória. Minutos depois de compartilhada, recebi um alerta de uma amiga que dizia que aquela foto seria uma montagem, uma fake news, portanto. Por ter confiado na credibilidade da fonte — admiro muito o trabalho Pedro —, não fiz uma checagem prévia sobre a veracidade da imagem, que de tão chocante, poderia mesmo ser uma falsa. Alertei o Dória no mesmo momento; ele me agradeceu e retirou a postagem, fazendo um alerta em sua rede pessoal. Por fim, a foto é verdadeira, depois de todas as checagens feitas. Como você avalia esse episódio, pelo prisma jornalístico e sociológico, e a necessidade de (re)checagem das informações que será

 

Sérgio Abranches - Um dos problemas da ausência de parâmetros para o uso de redes sociais é a disseminação de fakes news e desinformação. Esse problema tem duas pontas. De um lado, aumenta significativamente o papel do jornalismo profissional na checagem e na garantia da credibilidade do que circula nas redes. A outra ponta é que, diante do grande volume de falsidades, a checagem põe em risco a própria credibilidade das boas informações que circulam nas redes. A digitalização acelerada da sociedade, que ocorreu de forma crescente nas últimas duas décadas, seu dinamismo é vertiginoso, criando um espaço muito novo em nossa vida coletiva. O crescimento do lado digital, do que chamo de ciberesfera, representa um grande desafio para todos. É um fenômeno complexo desde a origem. Ele abarcou praticamente todas as atividades humanas. Em alguns casos substituindo aquelas que pertenciam ao mundo físico, a socioesfera, em outros casos complementando ou “espelhando” atividades que passam a coexistir nas duas esferas. Formou-se um sistema de relações sociais na ciberesfera que interage de forma complexa com as relações na sociosfera, como se criou, também, um feixe de relações entre elas duas.

É com base nessas camadas de relações sociais que se dá um novo mundo que os especialistas chamam de figital. Ele nasce da fusão entre o físico e o digital, entre a ciberesfera e a socioesfera e da substituição de formas analógicas por formas digitais. Tudo complexo e muito novo. Ainda não temos “instituições digitais”, o conjunto de regras de relacionamento, de freios e contrapesos, que regulem e estruturem as interações na ciberesfera e entre ela e a socioesfera. Se fizermos um paralelo com a formação da sociedade moderna, poderíamos dizer que a ciberesfera ainda está no estágio do poder privado. As regras que regulam minimamente as relações são dadas pelas plataformas, Twitter, Youtube, Instagram, Facebook. As empresas, como a Apple adicionam protocolos de segurança e privacidade, a seus apps e aparelhos, que regulam o rastreamento, o uso de informações e, aparentemente, protegem a privacidade de seus usuários. Mas, não temos uma governança digital, que teria que ser um regime de governança sem governo e sem estado. Seria impensável um governo da ciberesfera ou um “estado digital”— que não se confunde com o “estado digitalizado”, que vem por aí. A ciberesfera é global, planetária. Por isso não acredito que a regulação por estados nacionais, pensada no plano analógico, vá funcionar. Precisamos de regras de transição, até que se formem as instituições da ciberesfera. Será um período de aprendizado e de tentativa e erro.

 

Edmundo Siqueira - Vivemos em tempos de pós-verdade. O termo, escolhido como a palavra do ano de 2016, segundo o Dicionário Oxford, tem uma definição simples, que é a relativização do que é verdadeiro, onde não seria mais preciso comprovar o que se é dito. Porém a manipulação do que é ou não real, não é recente. Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista, já dizia que "uma mentira dita mil vezes torna-se verdade". Nos veículos de comunicação de massa, historicamente, as mentiras sempre estiveram presente. Com a internet, as pessoas, qualquer uma, podem se tornar um propagador de notícias — falsas ou não. O conceito de mentira, ou fake news, mudou com o tempo, ou deixamos de ter um "monopólio da mentira"?

 

Sérgio Abranches - Há dois modos de encarar essa questão da “verdade” e da “falsidade” nas redes. A mais simples e comum, é a que adotamos usualmente, que parte da percepção habitual e mais consensual de “verdade” para definir a informação “falsa”. Às vezes, eu diria na maioria dos casos, de fake news, foto e vídeomontagens, a avaliação é direta e inequívoca. Mas, aumenta a quantidade de questões que não são tão simples: de conceitos como “cura”, “livre” e de situações para as quais caberia mais de uma interpretação. Aí estamos diante de casos em que as verdades são provisórias, hipóteses que ainda não foram rejeitadas. É situação comum no trabalho científico. Não há verdades absolutas, toda verdade é objeto de ceticismo e submetida a provas recorrentes e, eventualmente, submetidas por uma nova “verdade”. O cientista vive em um mundo de hipóteses, não de verdades. Neste plano, as verdades “certas” fazem parte do mundo da fé. O fato é que a realidade sempre foi relativa. No mundo social, além de termos “verdades provisórias” que nos são dadas a conhecer pela ciência; temos a verdade factual, que nos é dada pelo jornalismo, por exemplo, e ainda lidamos com a natureza histórica das verdades; muito do que era verdade na Idade Média, foi desmentido pelo Iluminismo. Várias verdades do século XX, foram superadas no século atual.

 

Ou seja, muitas das verdades nas quais acreditamos são relativas. Com essa relativização da verdade factual, pela capacidade de dar aparência de verdade às mentiras que circulam nas redes, nós temos que nos comportar como se fôssemos cientistas, checando, rechecando, duvidando de tudo que circula e submetendo tudo a testes de veracidade. As tecnologias para fazer isso estão se desenvolvendo tão rapidamente quanto a capacidade de circular fake news com aparência de verdade, formatadas como informações verdadeiras. Creio que a referência a Goebbels se encaixa perfeitamente em comportamentos políticos, como os de Trump e de Bolsonaro, que copiaram descaradamente as técnicas desenvolvidas pelo chefe da propaganda nazista. Escrevi sobre isso aqui e aqui. 

 

Edmundo Siqueira - Embora a Internet não seja a causa do problema, é parte fundamental do que enfrentamos contemporaneamente nesse assunto. Apesar de dotar o indivíduo de seu próprio espaço, privatizou, de certo modo, a Ágora, a Praça Pública, que hoje chamamos hoje de Facebook, Instagram e Twitter. As pessoas encontraram outras que pensam e veem o mundo da mesma forma, trazendo um viés de confirmação, com noção de pertencimento e fortalecendo crenças. Se fizermos um resgate histórico, a imprensa de Johann Gutenberg, criada no século XVI, mudou a forma de leitura das pessoas, trazendo uma circulação de ideias em escala assustadora para a época, gerando confusão e excesso de informação, sendo muitas longe de ser exatamente uma verdade. Seria um processo parecido ao que vivemos hoje? Você acredita que esse processo atual é auto-depurável?

 

Sérgio Abranches - Na minha visão, são duas questões distintas e que se relacionam. De um lado, a conversação pública continua a se dar e com vantagens em relação a qualquer experiência que se tentou na sociedade analógica; há, na ciberesfera um espaço coletivo, de reunião e debates, de troca democrática de ideias e informações, de divulgação científica e de expertise profissional em todos os campos, troca cultural, que tem enorme valor. De outro, há também a formação de identidades grupais, com alto grau de comunalidade de valores e autoalimentadas, que se isolam desse espaço público. Aí se dá uma polarização que interfere danosamente na conversa que se desenvolve no espaço coletivo, ela alimenta discursos de ódio e é antidemocrática. A privatização das plataformas cria algumas dificuldades na consolidação desse espaço coletivo, de natureza pública, é claro. O ideal é que se desenvolvesse uma plataforma-ágora, autogovernada, para abrigar essa conversação democrática aberta. Eu teria preferência por essa via à da regulação analógica que estados nacionais vem tentando e que acho que não funcionarão por muito tempo. A rede é mais dinâmica do que qualquer ação no campo analógico.

 

Edmundo Siqueira - Sérgio, a democracia é um sistema muito recente, no contexto histórico mundial, no Brasil ainda mais. Baseia-se em alguns princípios, como imprensa livre, liberdade de expressão, transparência e participação social. Hannah Arendt, filósofa política alemã afirmou que "tanto as mentiras quanto os segredos corrompem o espaço público". Você é "pai" do termo "presidencialismo de coalizão", que em um resumo simplista diz respeito aos arranjos necessários que o presidente da República deve fazer com as diversas correntes do Congresso, sem as quais não governa. O impeachment de Dilma aconteceu em um cenário de total incapacidade política do governo, por características pessoais da ex-presidente, mas também por ela ter vivido uma realidade de realinhamento partidário que complicou ainda mais o nosso presidencialismo de coalizão. A história não aceita "se", mas caso ela não fosse impichada, você acredita que alguém como Bolsonaro, de inspiração fascista, estaria no poder?

 

Sérgio Abranches - É difícil dizer com certeza, mas acho que o ambiente de polarização existiria independentemente de haver impeachment ou não. De fato, o desalinhamento partidário decorrente da hiperfragmentação já estava avançado. Em 2018, atingiu um auge que torna qualquer coalizão de governo implausível. Ele comprometeu seriamente a capacidade governativa da presidente Dilma. Porém, havia uma radicalização das bases petistas com a Lava Jato, que se acirrou com o impeachment e, de outro, um claro despertar de um espírito de ultradireita, racista, intolerante, misturado à expansão de certas igrejas evangélicas neopentecostais, radicais e de visão muito estreita. Em outras palavras, polarização na política e na religião. No caso do petismo radical, ela estava contida em seu próprio campo. No caso das religiões, elas extravasavam para a política, para a ultradireita. Nesse caldo de polarização e ódio, o surgimento de alguém como Bolsonaro fazia todo sentido. Não era previsível pelos modelos de análise em uso no período pré-eleitoral, que se baseava no padrão eleitoral que existiu entre 1994 e 2018. Mas, hoje ele pode ser explicado. Do mesmo modo que se pode fazer claramente a diferença entre o polo da esquerda, que se manteve no perímetro da democracia, embora com atitudes agressivas e intolerantes, mas não representou ameaça às instituições; e o polo da ultradireita, que agrediu, desde o início, a institucionalidade democrática.

 

Edmundo Siqueira - Na noite de 27 de fevereiro de 1933, um incêndio no Reichstag, em Berlim, destruiu o Parlamento alemão. Foi um duro golpe na democracia alemã e levou Hitler a consolidar seu poder e toda sua ânsia ditatorial. Em janeiro deste ano, o Capitólio americano foi invadido por uma turba furiosa, instigada pelo próprio presidente dos EUA e grupos supremacistas. No próximo dia 7 de setembro, estão sendo organizadas — e estimuladas pelo Governo — no Brasil manifestações com pautas golpistas e possivelmente com ampla participação de PM´s. Os EUA conseguiram conter seu 'Reichstag'. Caso a próxima comemoração da independência do Brasil conte com atos radicais e violentos, e Bolsonaro esteja realmente na condução dos protestos, contra as instituições democráticas, conseguiremos conter o nosso 'Reichstag'? Dependeria exclusivamente do Exército?

 

Sérgio Abranches - Tenho relembrado o episódio do Reichstag com frequência, quando analiso a investida antidemocrática dessa extrema direita de Trump e Bolsonaro. Mas, não acho que o seu equivalente no Brasil se dará no 7/9. Bolsonaro está coletando pretextos para criar uma situação similar à do Capitólio, após ser derrotado nas eleições. Já estive mais pessimista com relação à possibilidade de sucesso de uma tentativa no “modelo Reichstag” por Bolsonaro. As últimas atitudes do Supremo Tribunal Federal e do Senado reativaram os mecanismos de freios e contrapesos indispensáveis à defesa da democracia. Antes, havia uma certa inércia das instituições e Bolsonaro já havia neutralizado o outro mecanismo de freio e contrapeso, o Ministério Público, com a nomeação de Augusto Aras. A Câmara, com a ação combinada de Arthur Lira, do centrão e dos evangélicos também está relativamente neutralizada na função de fiscalização do Executivo e de freio e contrapeso aos abusos de autoridade do presidente.

 

Edmundo Siqueira - Abranches, em seu livro "O Tempo dos Governantes Incidentais" você trata os políticos que chegaram ao poder por acidente, por uma imprevisibilidade. Não apenas no Brasil, mas nos EUA, Hungria, Itália, Polônia e outros, alguns desses "incidentais" venceram eleições atípicas, romperam com padrões partidários e do eleitorado e foram (alguns ainda estão) incapazes de cumprir as promessas. Bolsonaro é um claro exemplo desse tipo de governante. No Rio, Witzel também foi, mas logo foi retirado do poder. Como a democracia pode criar mecanismos de defesa para esse tipo de experiência? O "paradoxo da tolerância" (veja mais aqui), conceito do filósofo Karl Popper, diz que não podemos permitir que intolerantes usem da liberdade democrática para implodir o próprio regime. Mas como em um país de tamanha influência política das Forças Armadas, como o Brasil, poderia criar esses mecanismos?

 

Sérgio Abranches - A democracia tem uma fragilidade intrínseca, ela tem que ser tolerante com todas as correntes que operam, desde que respeitem suas regras e instituições. Ela nunca desenvolveu mecanismo de proteção a essa “estratégia de cavalo de Tróia”, de agir dentro das regras e usar o processo eleitoral, para chegar ao poder legitimamente e, uma vez lá, desmontar a democracia por dentro. Não creio que existam, sobretudo no caso de governantes incidentais, que saem de eleições atípicas, de rupturas eleitorais, portanto de baixa previsibilidade, defesas que funcionem antes de chegarem ao poder. O caminho é reforçar as instituições de freios e contrapesos, para que possam agir cirurgicamente, no primeiro momento em que o eleito ataque a Constituição e a democracia. O paradoxo da intolerância não tem solução prévia observando-se os métodos democráticos. O que se pode é criar meios para que não haja nenhuma tolerância ou leniência ao primeiro ato ilegal, inconstitucional do governante. Neste quadrante, há o que se pode fazer, desenhando melhor as regras do impeachment e diminuindo a rede de imunidade do presidente da República, criando a possibilidade de que seja processado pela suprema corte sem consulta ao Legislativo nos casos de crimes cometidos no exercício do mandato, que estejam capitulados nos códigos legais. O crime de responsabilidade seguiria sendo julgado pelo Congresso, mas pode ser melhor definido e especificado. Acho inaceitável o grau de discricionariedade dado ao presidente da Câmara dos Deputados no encaminhamento do pedido de impeachment. Não faz sentido democrático algum o grau de poder de decisão monocrática do presidente da Câmara. A desmedida discricionariedade e personalismo da decisão permitiu o mais descarado oportunismo do ex-deputado Eduardo Cunha, no caso do impeachment de Dilma, que beirou a chantagem. Ela é que permite ao presidente atual da Câmara, Arthur Lira, procrastinar a decisão sobre os mais de 100 pedidos de impeachment de Bolsonaro.

 

Edmundo Siqueira - Para finalizar essa conversa Sérgio, como você avalia a obrigatoriedade do voto no Brasil? Um sistema que permitiria que os cidadãos tenham o poder de escolha sobre ir ou não votar, em uma realidade como a brasileira, de pouquíssimo exercício democrático e baixos índices educacionais, seria mais benéfico, favorecendo o voto ideológico, refletido e consciente (apesar de ser uma generalização do conceito de consciência) de uma elite pensante, ou afetaria a democracia representativa?

 Sérgio Abranches - Eu sou a favor do voto facultativo. Ele força os partidos e candidatos a mobilizar os cidadãos para comparecerem às eleições. Compreendo e respeito a defesa do voto compulsório, como obrigação da cidadania. Mas preferia que ele fosse exercitado como direito, o que creio poderia conferir maior senso de responsabilidade cívica aos cidadãos. O voto facultativo, entretanto, não se resume a um voto ideológico, ele permite todo tipo de voto, inclusive o voto estratégico, contra o mais indesejável. Pesquisas indicam que a maioria das pessoas vota porque considera importante votar. A compulsoriedade no Brasil é muito frouxa. As sanções são fracas para a maioria e a multa baixa. Eu tenho a convicção, posso estar errado, que hoje, no Brasil, só vota quem quer.



[*]N. do E.:  Entrevista feita pelo jornalista Edmundo Siqueira e publicada originalmente em seu blog hospedado no grupo Folha da Manhã. O post original pode ser conferido aqui: https://www.folha1.com.br/_conteudo/2021/08/blogs/edmundo_siqueira/1275261-sergio-abranches.html. Acesso em 27/08/2021. Edmundo autorizou a reprodução integral deste trabalho aqui no blog.

[**] N. do E.Gustave Doré - The Inferno - Disponível em: https://www.wikiart.org/pt/gustave-dore/inferno-canto-xxi-0, acesso em 27/08/2021

[***] N. do E.: O conceito “presidencialismo de coalização” é utilizado para além de nossas fronteiras nacionais. Podemos dizer, sem maiores exageros, que é uma das contribuições da ciência política brasileira para a ciência política alhures. Esta  nossa “tecnologia nacional”, cujo criador é Abranches, tem auxiliado no esforço de compreender a precariedade do equilíbrio dinâmico entre executivo e legislativo em cenários de dispersão da vontade política. Nestes cenários  a construção de maiores é invariavelmente um desafio.

[****] N. do E.: O artigo “Presidencialismo de coalizão: o dilema institucional brasileiro” foi publicado originalmente na revista na prestigiosa revista Dados. A integra do artigo pode ser conferida aqui: https://drive.google.com/file/d/1XiEKeTbGvSZ0OmtuPb0Qvt-vqWXGzH_j/edit, acesso em 27/08/2021.


segunda-feira, 23 de agosto de 2021

Mulheres, teoria social e uma coletânea indispensável



Mulheres, teoria social e uma coletânea indispensável*

* Publicado originalmente no Blog da Biblioteca Virtual do Pensamento Social.

Mariana Chaguri

O recém-lançado Clássicas do Pensamento Social: mulheres e feminismos no século XIX com organização e comentários de Verônica Toste Daflon e Bila Sorj é uma obra que nos ajuda a perceber como a história das ideias e da produção do conhecimento é também uma história da produção da diferença baseada em gênero.

A coletânea reúne trechos de obras de Alexandra Kollontai (Rússia, 1872-1952); Alfonsina Storni (Argentina, 1892-1938); Anna Julia Cooper (EUA, 1858-1964); Charlotte Perkins Gilman (EUA, 1860-1935); Ercília Nogueira Cobra (Brasil, 1891-?); Harriet Martineau (Inglaterra, 1802-1872); Pandita Ramabai Sarasvati (Índia, 1858-1922) e Olive Schreiner (África do Sul, 1855-1920).  Autoras nascidas no século XIX, em diferentes geografias, e que, a despeito da boa circulação que encontram em seus respectivos tempos históricos, foram se tornando presenças fugidias nos manuais de teoria social.

Como apontam as organizadoras, trata-se de um apagamento que se intensificou conforme o processo de institucionalização das Ciências Sociais foi se aprofundando em diferentes partes do mundo. Como consequência, essas e tantas outras mulheres intelectuais passaram, na melhor das hipóteses, a terem suas existências registradas em compêndios ou manuais de teoria social. Um registro que não significa, no entanto, o debate sobre suas contribuições à teoria social, promovendo a marginalização ou mesmo a exclusão de suas ideias dos balanços e avaliações críticas acerca do estatuto teórico e das inovações científicas da disciplina.

Ao apresentar trechos seleccionados de obras, artigos ou textos avulsos – a maioria deles inéditos em português -, Verônica Daflon e Bila Sorj oferecem subsídios teóricos e ferramentas analíticas que nos permitem rever, alargar e repensar o que e quem constitui o cânone clássico da teoria social. Desse modo, a coletânea oferece uma contribuição fundamental à tarefa de recuperação dos “elos e [das] genealogias de pensamento de mulheres e de feminismos nas mais diversas áreas das artes e do conhecimento” (Daflon e Sorj, 2021: 10).

O esforço empírico e analítico de refazer tais elos é tarefa chave para a desorganização da dinâmica das relações de poder que hierarquizam, legitimam ou deslegitimam inovações teóricas e metodológicas, modos de construir problemas ou perguntas de pesquisa no interior da teoria social, sobretudo aquela classificada como clássica. Longe de querer dirimir nesta resenha a polêmica sobre o que faz de uma obra ou um/a autor/a um/a clássico/a, aponto que Clássicas do Pensamento Social nos ajuda a perceber como tal seleção integra instituições, escritores/as, críticos/as e leitores/as num mesmo circuito de trocas intelectuais e culturais, ou seja, ainda que ocupem posições diferenciais neste circuito, todos/as ajudam a selecionar, colocar em circulação e legitimar autores/as e obras.

Clássicas do Pensamento Social nos permite revisitar a história da teoria social e enquadrá-la como produto de uma prática coletiva, isto é, moldada pelas relações sociais que a fizeram possível e, não menos importante neste caso, marcada por uma pedagogia dos textos clássicos (Connell, 1997). É por meio desta provocação aos conteúdos substantivos dos clássicos e do cânone que a coletânea nos convida a reexaminar os problemas, questões, pressupostos e práticas compartilhadas que ajudaram a construir determinada teoria social como clássica.

Para tanto, as organizadoras selecionaram autoras de geografias diversas – como África do Sul, Argentina, Brasil, Estados Unidos, Índia, Inglaterra e Rússia – que viveram, produziram e disputaram as ideias científicas e os modos de ver e falar sobre o social e a sociedade em meio às variadas revoluções e transformações na sociedade, na economia e na cultura que marcaram a segunda metade do século XIX e o começo do século XX.

Se em boa parte da história das ideias os anônimos sempre foram mulheres como apontou Virginia Woolf ([1929] 2014), Raewyn Connell não deixa de observar que a maioria dos autores clássicos da teoria social: “viveu vidas burguesas modestas, com suporte do trabalho doméstico de mulheres [mães, esposas, filhas] em lares patriarcais” (Connell, 1997:1527). Entre o anonimato das ideias e o trabalho de cuidado e suporte à produção intelectual de pais, irmãos, maridos, amantes ou amigos, diferentes mulheres sistematizaram ideias, teorias e conceitos para investigação e análise do mundo social, bem como se lançaram nos debates políticos e embates públicos de seus tempos históricos.

No caso das autoras selecionadas para integrar a coletânea Clássicas do Pensamento Social, estamos diante de mulheres que em diferentes espaços sociais e geográficos compartilharam trajetórias pessoais semelhantes: “jovens viúvas, ‘solteironas’, ‘desquitadas’, mulheres sem filhos, mães solteiras, órfãs de pai desde cedo” (Daflon e Sorj, 2021: 14). As oito autoras também compartilham outro traço biográfico comum: foram viajantes ou migrantes, “deslocando-se entre culturas e pessoas, entre o público e o privado, desenvolvendo olhares comparativos e singulares” (Daflon e Sorj, 2021: 15).

Ou seja, mulheres que longe das funções de cuidado e de suporte à reprodução de vidas burguesas mais ou menos modestas em lares patriarcais, percorram acidentados caminhos pessoais e coletivos para se realizarem na e por meio da vida intelectual. Circunstâncias que, segundo as organizadoras, marcaram suas ideias e modos de pensar e falar sobre a sociedade, sendo possível observar que seus escritos também estão permeados por “subjetividades femininas formadas de maneira crítica e não usual” (Daflon e Sorj, 2021: 15).

Clássicas do Pensamento Social faz emergir, então, uma outra história das ideias, colocando uma questão chave para o tempo presente: que teoria social clássica podemos fazer emergir quando dialogamos – com as recusas e adesões típicas de qualquer diálogo intelectual crítico – com as inovações teóricas e metodológicas, os modos de construir problemas ou perguntas de pesquisa que foram formuladas pelas autoras e obras selecionadas?

Analisando em conjunto os trechos selecionados pelas organizadoras, notamos que se trata de uma teoria social que toma como objeto de análise as dimensões privadas e pública do social, evitando dualismo e procurando, a todo momento, colocá-las em relação. Como efeito, temos uma ciência da sociedade que debate as relações entre Estado, mercado e família a partir de pontos de vistas variados, chamando a atenção para a domesticidade, para a reprodução da vida social e para as variadas fontes de legitimação do poder e da dominação. Trata-se, também, de uma teoria social que tem na posicionalidade dos atores sociais um elemento chave de investigação, adotando perspectivas que tomam diferenças de gênero, classe e raça como centrais para a compreensão do social. Como resultado, temos a desestabilização de ideias unitárias de comunidade, autoridade, status etc.

Neste ponto, importa observar que ao enquadrar o social a partir daquilo que hoje chamaríamos de uma perspectiva de gênero, as autoras e obras selecionadas indicam que a imaginação feminista atuou ativamente nas disputas de ideias, conceitos e categorias que ajudaram a estruturar noções como a de nação, nacionalismo, Estado Nacional, direitos e cidadania sobretudo a partir da segunda metade do século XIX. Ao apontar para a historicidades das mediações políticas e analíticas entre gênero, nação, Estado e cidadania, por exemplo, a coletânea nos ajuda a explorar as conexões entre o feminismo do século XIX e aspectos de variadas imaginações anticoloniais e anticapitalistas.

Vista em conjunto, a coletânea Clássicas do Pensamento Social nos apresenta autoras cujas biografias também podem ser lidas como trajetórias coletivas de mulheres intelectuais na virada do século XIX para o XX, com seus alcances e limites, bem como com os trânsitos – mais ou menos acidentados – entre a casa e a rua, mas também entre classes, países, debates teóricos e controvérsias públicas. Do mesmo modo, aponta para o amálgama entre imaginação feminista, demanda por diretos, ação política e a produção de ideias. Ao percorrer os trechos selecionados na coletânea, nota-se que este amálgama fez emergir uma teoria social que torna as noções de igualdade e diferença interdependentes, ainda que em tensão.

Se, historicamente, as mulheres permaneceram fora do tempo ou do acontecimento (Perrot, 2007: 9), num universo socialmente confinado e restritas a falar sobre os “momentos que não se narram, momentos que não se notam” (Souza, 2009:100), Verônica Daflon e Bila Sorj apontam que um tempo possui muitas histórias e que são variados os modos de experimentá-lo, reconstruí-lo e analisá-lo. Ou seja, contextos intelectuais são constituídos por controvérsias e disputas, sendo fundamental construir uma história das ideias e uma história intelectual das Ciências Sociais cujo repertório teórico e metodológico não tome mulheres intelectuais como sujeitos além ou aquém do tempo, ponto chave para afastá-las de noções como pioneirismo ou mesmo de uma política de representação que não desestabiliza cânones ou modos de falar e ensinar teoria social.

Clássicas do Pensamento Social contribui para colocar os ativismos, os escritos e as ideias dessas autoras em contexto, permitindo compreender como elas atuaram sobre os modos de investigar e refletir sobre a sociedade, bem como construíram conceitos e categorias de análise. A coletânea, portanto, nos ajuda a compreender, analisar e avaliar essas autoras como agentes que pertencem intelectualmente a seus tempos pessoais e sociais, participando ativamente dos espaços no qual as controvérsias públicas são travadas e os imperativos da inovação científica demandados (Castro e Chaguri, 2020).

Referências

CASTRO, Bárbara; CHAGURI, Mariana. (2020). Gênero, tempos de trabalho e pandemia: por uma política científica feminista. Linha Mestra, n.41, p.23-31. Disponível em: https://doi.org/10.34112/1980-9026a2020n41ap23-31

CONNELL, Raewyn. (1997). “Why is classical theory classical?,” American Journal of Sociology, 102, n. 6, p.1511-1557.

DAFLON, Verônica Toste; SORJ, Bila. (2021). Clássicas do pensamento social. Mulheres e feminismos no século XIX. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos.

PERROT, Michelle. (2007). Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto.

SOUZA, Gilda de Mello. (2009). Exercícios de leitura. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34.

WOOLF, Virgina. (2014). Um teto todo seu. São Paulo: Tordesilhas.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Informe: Programação do Ato Cultural na Ocupação Novo Horizonte (21/08/2021)

 


Programação do Ato Cultural*:

 

9h - Abertura


9h15 - Falas de apoio:

Ana Costa,  Diretora da UFF Campos;

Dep. Estadual Waldeck;

Jefferson Manhães, Reitor do IFFluminense.


9h30 - Ato Inter-Religioso:

Diácono Kauê;

Bruno de Oxum;

Pastor Marciano e Missionária Jéssica;

João Almeida.


10h30 - Iara: Contação de histórias


11h30 - Crisraquel e Duovox


12h30 - Almoço ao som de Duo Vox


13h30 - Falas dos partidos que apoiam a Ocupa:

Dani Pádua - PSOL;

Luciane - PT;

Graciete - PCB;

Isabela - UP;

Maycon Maciel - PCdoB


14h - Mariângela Honorato e Duovox


15h - Falas de apoio:

Carlos Alberto, Diretor Geral do IFF Campos Centro;

Gilberto;

Vamos Juntas;

José Maria Rangel; Professora Natália Soares.


15h30 - Teatro Papo de Bozo


16h - Falas figuras públicas regionais e nacionais:

Dep. Estadual Dani Monteiro; Dep. Estadual Renata Souza; Mandato do Glauber - Mônica Arruda;

Mandatos do Serafini e da Talíria - Júlia;


16h30 - Jozinho do Passinho


17h30 - Forró Didoido


19h - Encerramento.

 

Colabore com o pix:

atoculturalnovohorizonte@gmail.com


* Informações de Juliana Rocha Tavares.

terça-feira, 17 de agosto de 2021

O discurso do Ministro Milton Ribeiro

 

Transparência e coerência em relação ao projeto político que representa. 

Por Jefferson Nascimento*

Imagem: <a href='https://br.freepik.com/fotos/humano'>
Humano foto criado por wayhomestudio - br.freepik.com</a>

Texto publicado originalmente no site "A Terra é Redonda". Republicado aqui com inserções de duas novas fontesii e xiv.

 

Em entrevista para a TV Brasil, o Ministro da Educação, Milton Ribeiro, disse que a "Universidade deveria, na verdade, ser para poucos"[i]. Além disso, argumentou que as “vedetes”, ou seja, as estrelas devem ser os Institutos Federais para formarem técnicos. A fala é amplamente coerente com o projeto que ele defende. Se a fala gera incômodo, não é ela que está fora do lugar. O combate deveria ser ao projeto político em curso. A imprensa, que se faz de espantada com a entrevista de Milton Ribeiro, defende integralmente o conteúdo.

Do mesmo modo para com Bolsonaro, a grande imprensa diz se espantar com a forma, mas é fiadora do conteúdo econômico. Inclusive, em reportagem de 08 de agosto no The Intercept Brasil, João Filho apresenta uma série de estudos que evidenciam a ausência de pluralidade nos grandes veículos de comunicação, vetando opiniões contrárias às reformas previdenciária, administrativa, trabalhista e tributária, desde o governo Temer até o atual.[ii]

Milton Ribeiro está no lugar correto e incomoda porque sua fala é mais ilustrativa do projeto em curso do que as classes dominantes desejam. Vamos por partes.

 

I - O CONTEXTO

1) Qual o papel de um Ministro?

São agentes políticos diretamente subordinados ao Presidente com o papel de auxiliá-lo diretamente. O Presidente chefia o Executivo cuja administração direta é composta por ministérios e secretarias de Estado que devem desenvolver ações de orientação, coordenação e supervisão dos órgãos e entidades vinculados à respectiva pasta. Conforme o Artigo n.º 87 da Constituição Federal, devem "praticar os atos pertinentes às atribuições que lhe forem outorgadas ou delegadas pelo Presidente da República." Em outras palavras, compete aos ministros dar um rumo estratégico coerente com o projeto político do Presidente.

2) E qual é esse projeto político? Quais seriam as atribuições outorgadas ou delegadas?

O projeto se enquadra no ideário neoliberal e se desdobra nos seguintes compromissos educacionais. No slide 41 do Plano de Governo[iii] (sim, o Plano de Governo foi feito em slide), a equipe de Bolsonaro resume suas prioridades na Educação:

a)      os recursos gastos (palavras contidas no plano) eram considerados altos e a melhoria de desempenho deveria ocorrer sem gasto adicional (citando literalmente: "É possível fazer muito mais com os atuais recursos! É o nosso compromisso", frase escrita em caixa alta);

b)     Combate à "doutrinação e sexualização precoce" (sim, está no plano);

c)      "[...] a prioridade inicial deve ser a educação básica e o ensino médio/técnico".

Estava no plano, portanto, que não haveria ampliação de recursos. Embora não estivesse escrito que haveria redução, seria possível inferir à luz do teto de gastos que teríamos, no melhor dos cenários, dificuldade de custeio dada a possível ampliação de alunos matriculados e o processo inflacionário.

Em termos de gasto com o Ensino Superior, considerado elevado pelo governo, também a informação é distorcida. O Brasil é um dos países com menos pessoas com Ensino Superior completo e com a menor taxa de doutores por habitantes. Em 2019, apenas 21% das pessoas entre 25 e 34 anos possuía Ensino Superior e 0,2% das pessoas entre 25 e 64 possuía doutorado. A média da OCDE - organização que Bolsonaro negociou com Trump a indicação do Brasil - é de 44% de pessoas com Ensino Superior na faixa 25 a 34 anos e, entre os 35 países analisados, o Brasil ficou entre os três piores na proporção de doutores.[iv] Em relação aos valores, o percentual do PIB investido na educação (como um todo) só é maior do que em alguns países desenvolvidos devido à proporção de jovens ser muito maior no Brasil. No entanto, o gasto por aluno no Brasil é menor do que a média da OCDE em todas as faixas[v]:

·        Ensino Fundamental (anos iniciais): US$ 3,8 mil no Brasil contra US$ 8,6 mil na média da OCDE;

·        Ensino Fundamental (anos finais): US$ 4,1 mil no Brasil contra US$ 10,2 mil na média da OCDE;

·        Ensino Médio e Técnico: US$ 4,1 mil no Brasil contra US$ 10 mil na média da OCDE;

·        Ensino Superior: US$ 14,2 mil no Brasil contra US$ 16,1 na média da OCDE;

Ou seja, não é que o Brasil gasta muito com o Ensino Superior. O país investe menos, mas ainda está abaixo da média dos países da OCDE, para a qual o Brasil pleiteia ingresso. O fato é que o investimento na Educação Básica é ridiculamente baixo. A retirada do Superior para realocar na Educação Básica não é uma solução para o país. Mas, é uma solução para o conteúdo do projeto de país que Milton Ribeiro foi nomeado para implementar e que Bolsonaro, a despeito de algumas oposições de forma, foi eleito com apoio de parte da elite para nomear ministros alinhados. A conivência da grande imprensa se dá de modo simples: falas como a de Milton Ribeiro são criticadas, mas as medidas econômicas que são o carro-chefe do projeto são defendidas, com direito ao malabarismo retórico de tratar a chamada "equipe econômica de Guedes" como algo à parte do bolsonarismo e dos militares. Como se o núcleo ideológico fosse o defensor das pautas de costume e o núcleo econômico não possuísse qualquer ideologia e agisse de modo técnico com uma impossível neutralidade.

Tampouco é surpreendente o tratamento dado ao sistema de fomento à pesquisa, incluindo CAPES e CNPQ. No mesmo planoii, no slide 48, encontramos textualmente: "O modelo atual de pesquisa e desenvolvimento no Brasil está totalmente esgotado". Frase que é complementada com a retórica de que a pesquisa não deveria depender exclusivamente de recursos públicos. A retórica generalista de que o modelo está esgotado, não encontra amparo na realidade. O modelo depende principal, mas não exclusivamente de recursos público e isso não está esgotado, uma vez que os principais países em pesquisas científicas dependem principalmente, tal qual o Brasil, de recursos públicos[vi]. Exemplos:

·        Estados Unidos: 60% dos recursos que financiam pesquisa são públicos e 73% dos estudantes do Ensino Superior estão em universidades públicas;

·        Europa: 77% dos recursos públicos que financiam pesquisa são públicos.

Logo, a saída razoável seria atrair mais recursos privados, que tendem a se concentrar em algumas poucas áreas e prioritariamente em ciência aplicada e não reduzir os recursos públicos, como vem ocorrendo. Para se ter uma ideia, o Brasil apresentou queda entre 2014 e 2018, passando de 1,27 para 1,26% do PIB investidos em ciência, enquanto a média mundial é de 1,79%. O impacto é ainda mais brutal se lembrarmos do encolhimento no PIB entre 2015 e 2016. Além disso, nesse período o investimento em pesquisas cresceu 19,2%, mais do que os 14,8% de crescimento do PIB no mundo. No mesmo 2018, o país tinha 888 pesquisadores por milhão de habitantes contra 1.368 por milhão na média mundial. A Argentina tinha naquele ano 1.162 pesquisadores por milhão de habitantes. Em suma, pelos principais indicadores, o país não estava "gastando muito" com ciência e nem tinha "excesso de pesquisadores"[vii].

 

II - ONDE ESTÁ A COERÊNCIA:

Diante de dados que negam a o discurso do governo, como é possível afirmar a coerência de Milton Ribeiro?

Em texto publicado no site A Terra é Redonda e no Blog Autopoiese Virtu[viii], escrito em parceria com Leonardo Sacramento, apontamos as afinidades entre o neoliberalismo e a sua negação à História e ao conhecimento científico contextualizado. E esse governo é eleito e governa com ampla fidelidade a esses princípios, seja nas propostas de privatizações em consórcio com o Centrão, que avançam para além do que os próprios neoliberais de outros países fizeram (como o caso da Eletrobrás[ix] e dos Correios[x]), seja nas privatizações infralegais (venda de campos de petróleos, de subsidiária de estatais e outros), seja nas chamadas reformas estruturais (como a Reforma da Previdência; a manutenção do texto de Gastos; a proposta de Reforma Administrativa; e o aprofundamento da precarização do trabalho por meio da MP 1045, que intensifica a retirada de direitos levada a cabo pela Reforma Trabalhista). Quer dizer, a execução desse encolhimento do Estado segue o que estava previsto no plano de governo entre os slides 51 e 67ii. Também aí há uma coerência.

Essa matriz neoliberal é o que tem consenso nas grandes empresas de comunicação de massa e na elite econômica. Essas empresas, conforme evidenciou João Filhoii, “construiu na opinião pública uma falsa sensação de haver consenso em torno das reformas”, seja com o terrorismo praticado pelo SBT associando a não aprovação da reforma da previdência com o risco de não recebimento de salário em campanhas publicitárias, seja pela omissão de informações (relatório final da CPI da Previdência questionando a versão do déficit previdenciário, as perdas de direitos da CLT, etc).

A estratégia dessas empresas de comunicação para enfrentar o desastroso governo Bolsonaro é, portanto, dissuadir o olhar da população. Usam a retórica autoritária, as trapalhadas na saúde e as propostas com foco eleitoreiro como se isso provassem que Bolsonaro "não é neoliberal ou não o é suficientemente" (seja lá o que isso signifique). A estratégia é surrada, mas sempre ressuscitada. Macri, após o fracasso, deixou de ser o liberal dos sonhos do MBL, como o era nas eleições e no início de mandato. Bolsonaro idem. No entanto, os arroubos autoritários de Bolsonaro nada têm a ver com ser ou não neoliberal. Não nos esqueçamos que um dos principais laboratórios do neoliberalismo foi a ditadura chilena liderada por Augusto Pinochet. Com direito a aceno público pessoal de Milton Friedman e à seguinte constatação de Rolf Luders, economista chileno orientado por Milton Friedman e ex-ministro de Pinochet: "[...] em última instância, o Chile passou pelo que os seus professores de Chicago já esperavam."[xi] Isto é, ser autoritário não é incompatível com o neoliberalismo. Ao contrário, como nos mostra Naomi Klein em A Doutrina do Choque, disponível em livro e documentário, a redução das funções sociais do Estado tende a vir acompanhada da ampliação das funções repressivas. No caso brasileiro, para além do Estado policial vigente há algum tempo, o governo Bolsonaro inova apenas na tática do confronto com outros poderes. O que, por um lado, mantém sua base acesa. Por outro, ameaça com intento de reduzir a disposição de ações de oposição bem como utiliza as reações teatrais na imprensa e nas “temidas” (perdoem a ironia) notas de repúdio das autoridades para desviar a atenção popular e ocupar autoridades políticas a fim de acelerar a implementação das medidas. Mais palavras coerentes de um Ministro: “A oportunidade que nós temos, que a imprensa está nos dando um pouco de alívio nos outros temas, é passar as reformas infralegais de desregulamentação [...] e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação”.[xii]

Tal como Weintraub, Salles caiu por pressão do Congresso e da imprensa. Não porque esses grupos fizessem uma oposição substancial para reverter as medidas que os ex-ministros implementaram e, sim, porque transparência demais acerca das medidas neoliberais sempre comporta um risco de alertar a população e fazê-la reagir.

Milton Ribeiro, com mais polidez, foi também transparente. Ora, não é totalmente mentira quando diz: "Tenho muito engenheiro ou advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria emprego, porque tem uma demanda muito grande". O que, talvez, pegue mal é admitir que não há um projeto para aumentar a complexidade econômica do país e, assim, absorver essa força-de-trabalho. A transparência de Ribeiro incomoda o consórcio que finge “não apoiar apoiando” o governo. Mas, isso também estava no plano de governo. O slide 49ii fala das vantagens comparativas. O que significa que o país deve enfatizar naquilo que é capaz de produzir a um custo de oportunidade menor que seus concorrentes. Em termos de Brasil, um site voltado para o agronegócio resume nossas vantagens comparativas: “o Brasil continua tendo vantagens estratégicas comparativas muito grandes em relação aos nossos concorrentes emergentes: “(a) não tem problemas étnicos ou religiosos sensíveis; (b) não tem problemas de fronteira;  (c) é uma democracia constitucional consolidada; (d) tem um setor agropecuário e do agronegócio considerado dos melhores do mundo - tem terra, sol e água em abundância para produzir alimentos, sem cataclismos naturais como terremotos, vulcões, etc.; (e) tem um mercado interno pronto para consumir assim que as pessoas tenham recursos; (f) fala um único idioma”[xiii].

Ora, lembrem-se o setor do agronegócio um dos setores que, além de ocupar o topo da acumulação de capital ao lado dos rentistas, consegue melhor se fazer representar na política nacional. Por isso, a ausência de qualquer elemento que remeta a um potencial de industrialização, incremento tecnológico e de fortalecimento de setores complexos que demandam mais produção científica não pode ser lida apenas como uma mensagem setorial. Mas, a uma visão acerca do que é viável investir no país para esses setores. Por isso, a desregulamentação das leis trabalhistas que precariza cada vez mais nossa força de trabalho ocorreu na Reforma Trabalhista de 2017 e está sendo intensificada pela MP 1045 sem que isso represente um constrangimento às classes dirigentes. Que a Panasonic deixe de produzir televisores é uma decisão estratégica face a um mercado “pronto para consumir”, mas com recursos limitados, inclusive para a subsistência. Que a Ford feche suas fábricas e mantenha a venda de importados de luxo é completamente coerente com uma sociedade em que a desigualdade aumenta e a chamada classe média cada vez mais compromete seus recursos com gasto de primeira necessidade (comida, vestuários, contas de consumo em energia, combustível, etc). O cenário que se consolida é de aproximação a distopia neoliberal.

O rumo da nossa economia é de intensificação da desindustrialização, que já vem ocorrendo há uns 30 anos com ampliação do setor de terciário, seja o desigual setor serviços, que contempla desde profissionais liberais a atendente de telemarketing e serviços domésticos, seja o comércio. Um comércio cada vez mais restrito aos produtos de primeira necessidade e/ou de qualidade e valores baixos. A redução da complexidade econômica resulta em redução da demanda por formação superior. Desde os anos 1980, a produtividade brasileira se encontra estagnada. Quando, entre os anos 1950 a 1980, a produtividade cresceu, em média, 3,5% ano, um dos motivos centrais era a migração de trabalhadores de áreas tecnologicamente menos complexas para áreas mais complexas, como a indústria e alguns segmentos do setor de serviços. Dos anos 1980 para cá, esse processo perdeu força e, some-se a isso, houve uma baixa de adoção relativa de tecnologias. O que, junto a outros fatores, como distorção tributária, provocou uma estagnação no incremento de produtividade.[xiv] Sem incremento de produtividade e de complexidade econômica, a qualificação da mão-de-obra, por si só, não pode transformar a realidade econômica do país.

Em economias altamente desenvolvidas, trabalhadores com formação técnica são altamente demandados também, Ribeiro não mentiu nisso! O que ele omitiu é que esses trabalhadores elevam a necessidade de formação média da sociedade, uma vez que ocupações que demandam pouca ou nenhuma qualificação e, portanto, com baixa remuneração, deixam de atrair interessados e deixam de ser relevante na composição de uma força de trabalho nacional, em média, cada vez mais complexa tecnologicamente e, portanto, qualificada. O que Ribeiro omite é que, a despeito de uma quantidade diplomados abaixo da média da OCDE, será a formação superior a sofrer retração para ampliar a formação técnica com a manutenção de pessoas com pouca ou nenhuma qualificação que precise e, por isso, aceite a se submeter a trabalho precarizado. Não é o piso que se elevará, mas o teto que se rebaixará para que as pessoas realizem o mantra bolsonarista nas eleições: “As pessoas terão que escolher empregos ou direito”. Ribeiro, portanto, verbaliza o que já estava escrito e que era dito em forma de frases de efeito.

 

III – EM SUMA...

Coerência e transparência não querem dizer que Ribeiro age para o melhor do país. Ribeiro age em prol do melhor dos mundos para a realização de certos interesses de frações da classe dominante. Para o bem de uma minoria que acumula a grande parte do capital. Nessa linha, não há mesmo motivos para ampliar o acesso ao Ensino Superior. Que parte da classe média escolha um Curso Técnico e que a maciça maioria das pessoas mais pobres deixem de sonhar alto, que elas e seus filhos se mantenham a postos para trabalhos precários e que, no máximo, se muito estudar e contrariar as estatísticas, conquiste uma formação técnica de nível médio em vez do sonhado acesso à universidade. O funil será cada vez mais estreito!

De modo algum, o problema é a formação técnica de nível médio. O problema que está sendo evidenciado, precisamente a limitação do horizonte daqueles que não dispõem de capital suficiente, é reflexo do projeto de reprimarização da economia brasileira. E, portanto, não é um ponto fora da curva, é parte de uma estratégia que visa inserir o país no mundo globalizado a partir das vantagens comparativas, sem que seja parte do projeto nacional um salto de desenvolvimento que poderia possibilitar uma melhoria da qualidade de vida.

*Jefferson Nascimento é professor no Instituto Federal de São Paulo (IFSP). Autor do livro Ellen Wood – o resgate da classe e a luta pela democracia (Appris).