“Toda instituição religiosa muito grande apresenta a divisão de diversos setores”, diz doutor em Teologia
Publicado originalmente em Jornal
on-line Terceira Via.
A série de entrevistas sobre religião e
comportamento da Igreja Católica em Campos dos Goytacazes prossegue no Terceira
Via, com destaque esta semana para a reportagem “Igreja divida pela língua
e por ritos” (clique
aqui). O professor Fábio Py, do Programa de Pós-Graduação em Políticas
Sociais da Universidade Estadual do Norte Fluminense, é pesquisador sobre
religiões. Com doutorado em Teologia pela PUC-RJ, ele comenta sobre os
católicos da cidade; a polêmica envolvendo o Papa Francisco que recomenda
minimizar o uso do Latim em cerimônias; e as diferentes tendências do
catolicismo.
Como avaliaria a suposta divisão atual da Igreja
Católica que envolve tradicionalistas, progressistas e carismáticos dentro da
instituição?
Essa é uma caminhada muito antiga. Há muitas
resoluções sendo refeitas ao longo do tempo, de pelo menos 40 anos de
recomposição sobre como comunicar as pessoas. O Latim tem algo muito
simbólico. Por não ser uma língua falada e compreendida, isto traz elementos
interessantes em nosso meio durante a celebração. Porém, há uma preocupação
muito desse papado com a comunidade e com a comunicação direta com a população.
São poucas as paróquias que mantêm esse rito, mesmo em Campos. As que mantêm se
preocupam com a tradição. De certo modo, são grupos muito ligados com as elites
campistas que defendem a não compreensão do que é falado nas missas. É interessante
ver a ações dos tradicionalistas. Toda instituição muito grande apresenta a
divisão de diversos setores. Gramsci chama isso de tendências dentro da Igreja
Católica. São grupos que debatem entre si, mas fazem parte da mesma
estruturação do clero. Muitos embates são severos. Divisões entre
progressistas, carismáticos, adeptos da teologia da libertação. Até pouco
tempo, a comissão da Pastoral da Terra não era reconhecida, sendo um braço
atuante na cidade. Muito pouco se vê das pastorais no geral em Campos. Um
exemplo é a Pastoral do Negro e das Favelas. Praticamente são elementos não
existentes na cidade. Em lugares como a Baixada Fluminense isso é habitual. A
estruturação dos tradicionalistas em Campos dos Goytacazes é tão forte que
inviabiliza esses setores progressistas. Entretanto, as diferentes tendências
ajudam em conjunto a mobilizar diferentes setores sociais. Logo, é uma forma
também de fortificação institucional. Isto não é ruim, apesar de crises e
tensões dentro da estrutura católica.
Qual seria o peso dessa ação do Papa Francisco
em relação aos chamados tradicionalistas?
A ritualística em Latim é uma característica muito
exaltada entre os tradicionalistas. É uma forma de desarticular aos poucos essa
tendência e tentar de alguma forma dissolvê-la; e também garantir um diálogo
com a comunidade que fala português no Brasil.
Até que ponto missas em Latim poderiam causar
divisão? Qual a importância da língua para os ritos católicos?
O Latim é uma língua litúrgica e processual nos
documentos da Igreja. Ela serve para certos momentos da celebração das
liturgias e para certos rituais, mas estes vêm aos poucos perdendo força. Tem
havido a utilização dos vernáculos particulares. Nesse caso, no Brasil, o
português. Mesmo que se tenha em alguns momentos o uso do Latim, cada vez mais
vem apelando e indicando as traduções. Por isso, a tentativa de Francisco de se
garantir as línguas faladas, as línguas vernaculares derivadas do Latim. Há uma
dificuldade, já que o Latim foi encerrado há séculos como língua falada.
Como observa a comunidade católica
tradicionalista?
Isto é uma raridade ver uma cidade com dois bispos.
Isto ocasionou basicamente por causa dos tradicionalistas. Afirmaram o uso da
batina, da vulgata, de certos rituais mais antigos. Não se pode esquecer das
antigas elites campistas; das antigas aristocracias rurais que se transformaram
depois em lideranças urbanas que têm toda uma identificação com o passado do
Brasil, que visam o tempo todo atualizar essa memória no presente.
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